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Capítulo 11°

Preparação imediata para a crucifixão

De facto, nunca mais ninguém notou nada que desse a entender, daí por diante, que o demónio a vexava, mas nem por isso sofria menos, pelo horror e aflição que lhe fazia sentir em todo o corpo e sobretudo pelas perturbações que procurava incutir-lhe no espírito.

Uma das coisas que mais a atormentava era parecer-lhe que estava condenada e abandonada de Nosso Senhor:

O demónio continua numa raiva feroz – escreve ela, a 17 de Fevereiro de 1938 – continua numa raiva feroz contra mim. Eu digo, ou antes, é o demónio que diz: estou condenada, tenho a certeza que estou condenada! Que monstro horroroso eu sou, no meio do inferno!

A par dessas torturas, acentua-se agora outra, grande graça mística, mas para ela com feição de especial sofrimento. São o que ela chama as ânsias. Desde que a conheço que a cada passo me falava em calores e como que fogo interior, sentido muitas vezes, ao tratar com Nosso Senhor. Fenómeno frequente nos místicos, como por exemplo em Santo Inácio de Loiola, que em seu diário espiritual escreveu:

Sentí en mí un ir o llevar-me delante del Padre y en este andar, un levantárseme los cabellos y moción con ardor notabilísimo de todo el cuerpo...

Mas esses ardores tomam agora nela proporções enormes. Diz aí mesmo nessa carta:

Quer nas fortes tentações do demónio, quer nas grandes ânsias de amor a Nosso Senhor, eu penso ser impossível o meu querido Jesus demorar a vir buscar-me para o Céu. Nunca pensei que se podia sofrer assim. Eu tudo aceito resignada, pelo amor do meu querido Jesus e para Lhe salvar almas.

A 16/III/38:

Todo o dia tive o meu coração numa fornalha ardente no amor do meu Jesus. À noite deram-me umas ânsias muito fortes de O amar. Não pude passar sem as dar a conhecer: viu também a minha Mãe. Eu não queria ser vista, mas também quero que ela ame muito, muito a Jesus. Hoje continuo a sentir no meu coração a mesma fornalha de amor.

Na mesma carta, referindo-se ao dia 14, tem estas palavras que lhe disse Nosso Senhor:

– Diz ao teu P.:

Eu quero que ele conheça bem o amor com que tu Me amas, para o dar a conhecer ao mundo, porque é de muita glória para Mim e proveito para as almas.

Um dos efeitos dessas ânsias ou ímpetos de amor era erguê-la da cama. E é agora que ela - entrevada há tantos anos - começa com grande espanto da irmã e da mãe, a mover-se, nesses ímpetos e êxtases, como se não fora paralítica.

A irmã Deolinda assim me escrevia nessa ocasião:

A Alexandrina continua com fortes ânsias de amor a Nosso Senhor. Tem-se manifestado por algumas vezes, mas só viu a Sãozinha (grande amiga sua) e minha Mãe. Ela dizia tantas coisas a Nosso Senhor! Todas nós chorávamos. Uma vez que estava eu só com ela pensei que me fugia, que se me levantava no ar.

São bem conhecidos estes fenómenos na mística e variadíssimas vezes os pude presenciar na Alexandrina. Nesses momentos, dizia-me ela que se sentia mais leve que uma pena e que só com olhar para o Céu lhe parecia que o coração lhe voava. Assim se refere ela ao dia 17 de Março de 1938:

No dia 17 senti umas ânsias tão grandes, tão grandes de amar a Nosso Senhor! Duraram muito tempo. Eu pedia por quanto havia ao meu Jesus para me dar amor; mas nada me matava a fome que eu sentia. Veio por fim meu Jesus saciar-me:

– Minha filha, ó Alexandrina, ouve teu Jesus: escolhe; olha, qual queres, morrer já ou salvar-me almas, milhares de almas e em breve tempo, com todos os teus sofrimentos?

– E eu disse: Ó meu Jesus, eu quero sofrer ânsias, muitas ânsias e salvar-Vos almas, muitas almas...

E a 24, depois de ânsias parecidas, dizia-lhe Nosso Senhor:

– Eu não podia, minha filha, ver-te sofrer mais assim atribulada; vim consolar-te, vim encher-te, vir dar-te força para caminhares. Coragem! Quantas mais ânsias, mais glória para Mim e mais almas Me dás.

O teu fim está a declinar. É noite escura, trevas intensas; mas breve raiará de novo, mas com que esplendor, com que pureza e candura, com que luz para brilhar eternamente.

Logo que ouvi Nosso Senhor fiquei bem. Parece que até a minha cabeça repousava em Nosso Senhor: a minha alma ficou em paz por algumas horas.

Às vezes os ímpetos dolorosos de amor a Nosso Senhor vinham-lhe quando em conversa descuidada se referia ao assunto ou então quando ditava alguma carta. Por exemplo, a 20/IV/38, entre outras coisas, dizia:

O meu querido Jesus é bom, muito bom e há-de fazer com que eu Lhe seja fiel e Lhe corresponda até ao fim. Ele sabe bem, eu que não tenho outros desejos a não ser amá-Lo e fazê­Lo amado de todos e desagravá-Lo por todos, todos os crimes do mundo. O que eu queria era amá-Lo e ser-Lhe fiel em tudo, ainda que Ele não soubesse de nenhuns dos meus sentimentos... Eu quero morrer de amor.

Meu Padre, estas palavras já as pronunciei em fortes ânsias de amor. Levantei-me e a Deolinda (a irmã dela que é quem escreve o que ela dita) teve que parar. Pedi ao meu Jesus e à minha Mãezinha do Céu para me dar amor; mas nada me enchia o vazio que eu sentia.

Logo a seguir explica como Nosso Senhor sempre a socorreu:

E fui atendida, fiquei cheia, a fome foi saciada; sentia muita paz e uma luz como que a iluminar-me. Ânsias já mais vezes as tenho sentido; por muitas vezes sinto a fornalha no meu coração. Não quero dizer que seja fogo queimaçoso (sic) mas sinto-o bem...

Num desses ímpetos assim lhe fala Nosso Senhor:

– Tu és a louquinha de Jesus e Eu sou o louquinho da Alexandrina (5/V /38).

Ainda na mesma carta:

A fornalha do meu coração hoje está muito viva; mas é só fogo, tudo o mais parece estar morto. Deixá-lo: são os miminhos do meu Jesus...

A 10/V /38:

O meu coração quase todos os dias tem ardido em chamas vivas: mas não me dá conforto; nem as orações nem as ânsias de amor, porque nada é meu: tudo desaparece. Ai, às vezes fico sem alento, sozinha, sem forças, parece que está tudo perdido! Mos o meu Jesus lá vem despercebido e eis-me de novo com forças e a oferecer-Lhe tudo para os pecadores e para O amar até morrer.

Ontem, toda a manhã estive em grandes ânsias de amor. De tarde já foram aumentando que, aí coisa de uma hora, eu já não podia mais. Que fome de amor. O meu Jesus não vinha. Pedi, comecei a encher-me, a encher-me; a fome ia-se saciando. Que suavidade na minha alminha! Mas ainda ansiava mais. Queria o meu Jesus. Passado algum tempo, ouvi que Ele me falava:

– Alexandrina, louquinha do amor divino, tem confiança, tem confiança, minha predilecta esposa, que Me amas e Eu amei-te logo que existias. E amei-te tanto que depressa atingi todo o amor que posso dar às criaturas... Se te não amasse tanto, não te fazia sofrer assim. Dou-te todos os sofrimentos do corpo e da alma. Mas é preciso, meu anjo, sofrer assim, para ocupares o lugar que ocupas no meu divino Coração. Tu, minha louquinha, a sofrer assim, estes dias, estas angústias de desolação tremenda, e Eu cheio de delícias em ti. Esquecia os crimes dos pecadores.

Numa frase rápida, explica o que se passa em sua alma, quando, após as ânsias, Nosso Senhor a socorre:

Quando sinto muitos desejos de Nosso Senhor, parece-me subir para o Céu mais rápido que um foguete. Vou para os braços do meu querido Jesus e da minha querida Mãezinha; perco-me neles. Não tenho mais aflição, acabam-se as ânsias de amor; encontrei tudo o que podia encontrar. Dá-me um pouquinho de alívio. Mas depressa vêm os sofrimentos e estado aflitíssimo da alma. Ainda há pouco, já desde que estou a ditar esta carta, eu sentia todos, todos os pecados do mundo. Parece que se lançavam a mim leões e mais animais ferozes. (carta de 11/VII/38)

Muito fica por dizer, neste ponto importante. Mais para diante chega a tal extremo que nem a palavra amor pode pronunciar, sem que lhe cause logo um ímpeto violentíssimo e a faça sofrer muito; o mesmo se diga da palavra Céu. Por sua vez, a palavra pecadores deixa-a num verdadeiro terror, sobretudo desde o princípio de Outubro de 1938 em diante.

Ela pedia frequentemente a Nosso Senhor que inventasse sofrimentos para a fazer expiar pelos pecadores e dir-se-ia que Nosso Senhor lhe fazia a vontade. Com efeito, mais ou menos por esta altura, encontra-se muitas vezes em suas cartas referência à aflição que lhe provocam o que ela chama abismos. Nosso Senhor fazia-a sentir-se de repente como que suspensa sobre abismos medonhos feitos como que de crimes e imundícies, e isto causava-lhe muita aflição; algumas vezes a vi nessas angústias misteriosas e inexplicáveis. Esses abismos horrorosos eram as almas em pecado, como Nosso Senhor lhe dava a entender.

De 24/VII/38 em diante, outra variedade, nos seus sofrimentos: começa Jesus a mostrar-lhe ao vivo os maus-tratos que os pecadores fazem em Seu corpo santíssimo com os seus pecados, ou então cenas da Sua Paixão. Oiçamo-la a 25/VII/38:

Ontem, domingo, Nosso Senhor mudou o meu sofrimento. Mas ai, meu Jesus: recebi o meu Jesus, começou-se a apoderar de mim uma tristeza tão profunda, parecia mortal. E depois, começaram os maus-tratos de Nosso Senhor.

Vê então o corpo e o Coração de Jesus como que a tor­turas de toda a espécie e conclui:

Eu contemplei bem profundamente este espectáculo. Eu vi bem com os olhos da minha alma tudo isto. Eu não podia mais. O meu coração doía-me, estava agitadíssimo; a respiração faltava-me e eu disse a Nosso Senhor: Basta, meu Jesus, basta! Não sofrais mais. Mas Ele continuava a sofrer. Eu então, já com as lágrimas nos olhos, disse:

Ó meu Jesus, não Vos posso ver sofrer assim. Basta o que sofrestes por mim. Eu amo-Vos, sou a vossa vítima; fazei que sofra tudo por Vós! Fazei que o meu coração seja retalhado, lançado às feras e esmagado com os crimes do mundo: mas não sofrais Vós mais. Quero sofrer tudo, tudo, mas tudo por vosso amor e para Vos salvar os pecadores!

E pouco a pouco lá foi diminuindo o sofrimento do meu Jesus, até que desapareceu...

Em carta de 15/VIII/38, há a descrição duma visão de Cristo maltratado e coroado de espinhos e o resultado é sentir-se ela toda compadecida de Jesus e oferecer-se para todas as torturas.

Com estes quadros está Nosso Senhor a prepará-la e a despertar nela cada vez mais generosidade, para os grandes martírios que em breve vai exigir dela, todas as sextas-feiras. A 24 dizia-lhe Nosso Senhor que exigia dela um calvário que nunca exigiu de ninguém, "porque em data nenhuma o mundo esteve como está agora; nunca a maldade, a malícia do homem atingiu a tantas alturas.

Daí a um mês, a 12, escreve ela:

Domingo, dia 11, apenas eu recebi Nosso Senhor, apoderou-se de mim uma tristeza e um peso que parecia arrancar-me o coração. Ouvi chorar alto, mas que choro tão suave e comovedor! Por fim ouvi Nosso Senhor que me dizia:

– Ai, ai, minha louquinha! Ai, ai, minha heroína! Ouve o teu Jesus:

Eu venho a ti, não para te dar coragem, nem para te dar consolação; venho desabafar contigo, venho derramar minhas lágrimas em teu coração. Eu não posso mais com a monstruosidade do pecador!

Penitência, penitência em todo o mundo, penitência!

Ou o mundo se levanta rápido ou na mesma rapidez será destruído! Ai do mundo!

A justiça divina não pode mais suportá-lo! Entristece-te comigo. Vive nesta tristeza ao menos tu que és a minha esposa mais querida, a minha vítima mais generosa. Tu não queres a consolação e teu Jesus em sofrimento tão doloroso.

Diz depressa ao teu P. E.:

Eu quero que isto se faça ouvir no mundo, com a fortaleza do trovão e a luz luminosa do relâmpago: Penitência! Penitência! Penitência!

DEPRESSA VIRÁ O DIA DA CATÁSTROFE (repare-se que estas palavras foram ditas um ano antes de começar a guerra mundial...)

Eu dou a conhecer as minhas luzes, mas desprezam-nas contra a minha divina vontade. Coragem e não duvides nem um instante que é o teu Jesus quem te fala...

E ela continua:

Nem senti consolação nem delícias, nem as carícias de Nosso Senhor. Por muito tempo me ficou aquela tristeza, uma aflição tão grande, a parecer-me que me arrancavam o coração e parecia que me estalava, que não cabia dentro em mim, e faltava-me a respiração. Apenas enquanto me falou Nosso Senhor, sentia uma completa paz e nem um momento de dúvida. E eu dizia a Nosso Senhor:

Ó meu Jesus, quero sofrer tudo, tudo, quero ser esmagada por Vós: sou a vossa vítima. Mas não castigueis o mundo.

Ó meu Jesus, eu quero ser o vosso pára-raios, sobre cada lugar onde habitais sacramentado, para aparar sobre mim a monstruosidade dos pecadores e ficar(d)es Vós livre, meu Jesus.

E prossegue, dirigindo-se ao Director para quem é a carta:

Estou tão triste! E esta tristeza parece que ainda se me faz sentir mais no fim da Comunhão. Tenho tanta pena Jesus! Não sei o que mais hei-de fazer por Ele, para Lhe salvar as almas. Ah, se eu soubesse sofrer, como devia! Mas pobre de mim, sou tão rabugenta! Se o meu Padre me deixasse fazer aquilo que lhe pedi noutro dia![1]


[1] Tinha-me pedido para se açoitar, dizendo que Nosso Senhor lhe daria forças se eu consentisse.

   

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