Vivo a eternidade
que não principiei e que nunca acabarei. Eternidade, eternidade, como tu me
fazes sofrer! Tu não principiaste nem acabarás para mim. Eu vivo-te, odeio-te e
contra ti me revolto e contra Deus. Ó eternidade, ó vida que me fizeste perder o
meu Deus, o meu Jesus, a minha querida Mãezinha! Não posso consentir em tal
perda. Não posso sentir nem recordar que foi por toda a eternidade que perdi
estes tão queridos Amores! Que saudades dos primeiros sábados, do meu colóquio
com a Mãezinha! E tudo o mais, meu Deus, tudo o mais! Que tormento para a minha
alma! Quero afirmar-me, quero agarrar-me ao Céu e não tenho nada a que possa
segurar-me. Que abandono, que tormento! Perder todas as coisas divinas depois de
ter perdido as humanas. Perder todo o conforto e apoio do Céu, depois de ter
perdido todo o conforto e auxílio da terra. Lá vou indo na minha cavação tão
profunda, tão profunda que apavora. São tão raras, tão raras as cavadelas.
Parece-me que levam mais de um século a dar cada uma, mas cansam-me tanto, tanto
a alma. Ela está sempre banhada em suores. Só o sustentar nas mãos tal
instrumento fatiga-me o corpo e a alma, leva-me a maior abatimento. O corpo
desfeito pela dor ressente-se com o sofrimento da alma. É para ele maior
tormento. Vejo o túmulo, aquele túmulo que me escondeu, aquele túmulo que a
morte exigiu e as trevas e a mesma morte continuam a exigir. À volta dele é um
prado e jardim florido. Por dentro morte e trevas. Por fora verduras, lírios,
açucenas que verdejam, vida que vive e faz sobreviver sempre. Nada disto é meu.
Minha é a miséria e inutilidade. A inutilidade rouba-me os meus sofrimentos, os
meus sacrifícios, as minhas ânsias de me dar ao Senhor e às almas. Como o livro
do meu coração quer falar, expandir-se!... Como são infinitas as minhas ânsias
de amar a Jesus e de O fazer amar e de Lhe entregar a humanidade inteira! A
inutilidade tudo abafa e até este livro me rouba. O meu calvário, o meu horto
tão cheio de agonia é por mim espezinhado e esquecido. Nada disto vivo, porque
parece que nada disto foi para mim.
― Ó meu Deus, ó
meu Deus, em Vós confio. Creio, Jesus, creio. Valei-me com a Mãezinha.
Assim caminhei
hoje para o cimo da montanha, abrindo-se a terra em fendas. Aqui me
engolia, acolá me dava para voltar a ser engolida.
Creio, meu Deus,
creio. À minha agonia e morte veio Jesus buscar-me. Chamou por mim.
― “Vem, minha
filha, dá-Me a tua mão.”
Abrindo um
curral, mas este curral era Jesus, sempre levando-me pela mão, fez que eu
entrasse e disse-me:
― “Vem para mim,
tem coragem! Eu sou o teu Jesus.”
Eu, sempre
sustentada pelas mãos do Senhor, à entrada do curral, que me parecia ser Ele.
Principiaram a entrar ovelhas nutridas, umas atrás das outras; todas tinham um
lugar e nunca mais deixavam de entrar.
― “Vês, minha
filha, estas ovelhinhas são as almas que os teus sofrimentos a Mim conduzem.”
Não sei dizer
como fiquei, fora de mim. Se assim é, Jesus, como creio, eu quero ficar na terra
e nela sofrer até ao fim do mundo.
― “Não, minha
filha, o teu Céu está perto, mas lá a tua missão continua e as almas, essas
ovelhinhas nutridas, continuam a salvar-se como se sofresses. Estende-me as tuas
mãos.”
Estendi-as. Jesus
colocou-me nelas um vaso. Este vaso estava cheio duma semente que não conheci.
Para cima do vaso sobressaía como que uma pinha. De cada biquinho da pinha saía
uma chama e todas reunidas faziam uma só chama.
― “Semeia, minha
filha, na terra esta semente. É a minha semente. Enriquece com ela as almas.
Incendeia nos corações este amor. É o meu amor. Sofre, sofre, acode ao mundo.”
Desapareceu
Jesus, desapareceu o vaso. Fiquei sozinha entre as trevas.
― Creio, Jesus,
creio e que o meu “creio”seja eterno, em acção de graças por sempre em Vós
confiar e confiada de nunca deixar de crer.
À minha frente
estava uma montanha. Não tentei subi-la. Chegava ao Céu. Não podia passar além.
Sozinha, cheia de pavor, bradava:
― Jesus, onde
estais? Vinde em meu socorro.
Ele saiu-me por
entre a rocha a trabalhar; martelava, cinzelava. Era um bom artista. Pegou-me
pela mão.
― “Vem, minha
filha, trabalha, trabalha. Repara a justiça de meu Pai. Sofre, sofre. Acode ao
mundo que não quer escutar a minha voz. Tu és o lírio e açucena perfumada. Com
tal perfume atrais as almas a Mim. A tua vida é toda a minha vida. Oh, como Eu
quero que ela se leia e compreenda! É cheia de prodígios divinos. Ela tem
ensinamentos do presépio ao calvário. Antes de Eu vir à terra e depois de Eu vir
à terra. A minha vida em ti não é para ti. A luz que em ti brilha não é para te
luminar a ti, mas a toda a humanidade.
Recebe a gota do
meu Divino Sangue. Só vives desta vida. É só Jesus que te faz viver. Fica na
cruz, fica na cruz. Sofre, sofre o teu indizível sofrimento.”
Fiquei logo na
minha costumada agonia a fazer os meus pedidos ao Senhor sem sentir que Ele
tinha vindo até mim e a parecer-me que nunca O veria.
― Creio, Jesus,
sou a tua vítima.
Os meus suspiros
abafados, a minha dor escondida! Abafo-os por amor de Jesus e amor aos homens.
Só à luz da eternidade será visto e compreendido o que abafei, a dor que
escondi. É com Jesus e com a Mãezinha que eu falo das coisas escondidas. São os
Seus Divinos Corações o depósito, o cofre dos meus segredos. É indizível e nunca
compreendida a minha ansiedade de consolações e de alegrias. Ah! Se surgisse de
qualquer parte alguém que me satisfizesse, saciando estas ânsias infinitas de
consolações e de alegrias!... Não o encontro.
Meu Deus, meu
Deus, como o meu coração está faminto! Só os corações, as almas da terra inteira
o poderiam encher. Ele é tão grande, tão grande!... É maior que o mundo. Que
alegria, Jesus, que alegria se o mundo inteiro entrasse nele! Desfaleço, morro
de ansiedade. Tenho fome de Jesus. Queria amá-Lo com a maior loucura de amor,
mas ai! A minha vida… Sinto bem que é uma vida perdida, uma vida inútil. A
inutilidade, Senhor, custa tanto!... Roubou-me a vida, roubou-me e rouba-me tudo
o que na vida surgiu e vai surgindo. Como aparecer diante de Deus?!... Sem nada,
sem nenhum merecimento e vivendo eu para Jesus, sofrendo por Jesus e não tendo
nada diante da Sua divina presença. Não posso falar… Sinto enorme necessidade,
infinita necessidade de falar do livro do meu coração e esconder-me com ele ao
mesmo tempo. A ignorância não me deixa, as forças não me permitem. Que a minha
dor, as amarguras da minha alma sejam o livro que fala e o abrigo que o esconde.
O coração abre-se
como um vulcão de fogo e é ao mundo que ele quer incendiar. Meu Deus, meu Deus,
ai que necessidade de falar deste vulcão de fogo e de o fazer compreender!
― Aceitai,
Senhor, o meu sacrifício e este desfalecimento que me leva à eternidade que eu
vivo, à eternidade que espero.
Martírio da alma,
martírio do corpo aumentam. Na minha escavação com os suores da alma e de cada
vez mais dolorosos, mas o meu sepulcro, na superfície, parece falar. As suas
verduras, este prado de que já lhe vejo o fim, é de cada vez mais florido. O
silêncio da morte fala, o prado distancia-se e as flores cada vez mais belas e
mais numerosas.
― Meu Jesus, na
minha morte, na minha inutilidade, na minha cruz, sou sempre a Vossa vítima.
O meu calvário é
por mim sempre desprezado. Forçada, segui o seu caminho. Caminhava e sempre a
deitar fora do meu peito o coração. Parecia-me que corações nasciam para eu
sempre deitar para fora de mim. Atirava-os à terra. Chamava por Jesus e pela
Mãezinha. O meu “creio” repetia-o com frequência.
― Ó meu Deus, não
Vos pertencer! Ó Jesus, ó Mãezinha, ai de mim, que Vos perdi! Hei-de acreditar,
hei-de confiar. Creio que nunca Vos perderei.
Assim veio Jesus
ao meu encontro, pegou-me no meu coração e meteu-o dentro do Seu peito. Em
seguida, sentou-se no coração em trono de realeza. O trono estava todo adornado
de flores e trepadeiras viçosas que a sua verdura encontrava com as pétalas
brancas. Subiram à maior altura, faziam sombra ao trono em que Jesus estava
sentado. Falou-me assim o meu Sumo Bem:
― “Minha filha, é
meu o teu coração, é meu e sê-lo-á sempre. Tu não o deitaste fora, mas foram as
almas de quem tu és vítima que lançam ao mundo, à lama, à podridão os seus
corações. Entregam-nos a Satanás. Desprezam o meu Sangue, os méritos do
Calvário. Os teus sofrimentos vão buscá-los às garras de Satanás. Levam-nos de
novo a aproveitarem-se do meu Sangue divino, a virem ao meu Coração. Sabedoria
divina! Não é a ciência dos homens, a eloquência das palavras, mas sim a
verdadeira vida de Cristo, o verdadeiro significado da alma vítima e reparadora.
Como Jesus gosta dos humildes e pequeninos! Aqui me delicio no trono do teu
coração, aqui suavizo a minha dor e o meu coração deixa de sangrar. A ciência
divina subiu em ti, subiu à maior altura e tu, a tua alma humilhada, pequenina e
escondida como a violeta.
Como Deus é
grande! Grandes faz as Suas obras! Acode às almas. Fala-lhes, fala-lhes. Acode
ao mundo. Ai, o pobre mundo! Eu queria, Eu queria que tudo quanto lhes dizes
chegasse aos confins da terra, como há-de chegar a tua vida, o brilho da luz que
em ti fiz brilhar.”
― Ó Jesus, quero
a Vossa vontade divina. Amparai-me, fortalecei-me, iluminai-me, dai-me a vida
que estou morta. Creio, Jesus, creio.
Quando falava
para Jesus, já não O via nem O sentia. O trono tinha desaparecido do meu
coração. Só a morte reinava, morte que me levava sempre a repetir: creio, creio,
creio!... Veio de novo a vida ao encontro deste meu “creio”, levantou-me da
morte o meu Jesus. Em Suas mãos trazia um lírio, uma açucena e uma palma.
Meteu-me tudo na minha mão direita e atravessou-mas sobre o peito…
― “Lírio e
açucena, sinais de alvura e pureza. Palma, sinal de martírio. São os símbolos
que te oferece Jesus. És mártir de Portugal, és mártir da humanidade inteira. O
que se faz aos mártires, o que se diz dos mártires está dito tudo. Entendam os
doutores da Igreja. Aqui fica manifestada a minha divina vontade. Acode ao mundo
que é teu filho. Acode à humanidade, de quem és mãe. Sofre, sofre, sofre.
Coragem, coragem! Tende muita coragem.
Recebe a gota do
meu Divino Sangue. Fortalece-te, vive, faz viver.”
Depois de receber
o Sangue de Jesus, Ele fugiu novamente. Fiquei a fazer-Lhe os meus pedidos. Não
fiquei como de costume logo na dor. Eu não vivia na terra. Passado um bom bocado
de tempo, veio uma pomba branca pousar sobre a minha cabeça. Pouco depois,
voou-me para o peito e nele fez o seu ninho. De dentro do ninho, sobre os meus
lábios, poisava o biquinho. Passava para mim não sei o quê. Aproximou-se Jesus e
disse-me:
― “Sobre ti
pousou o Divino Espírito Santo. Está a comunicar-te toda a Sua vida. Avante!
Fala às almas! Fica na cruz!”
Logo fiquei num
sofrimento bem doloroso q ter que repetir o meu “creio” muitas e muitas vezes.
Estou no meu
martírio a redobrá-lo ainda mais por ter de falar de mim, ou melhor, da minha
dor. Custa-me imenso. Não queria dizer nada. Tenho vergonha, escandalizo-me a
mim mesma. Não escandalizarei mais alguém? Sempre a falar da dor, deste
sofrimento inexplicável! Mas como modificá-lo, se outra coisa não tenho?! O meu
sofrimento é tão grande, tão grande, tão infinito!... Só Jesus o conhece, só Ele
o pode vencer. Eu sei que não sou eu.
O dia da festa da
Santíssima Trindade e da Mãezinha no Sameiro foi para mim uma agonia mortal.
Tinha morrido, se Jesus não fizesse a graça de me conservar a vida. O meu
Paizinho espiritual estava na minha mente ligado com a Mãezinha do Céu. Era uma
festa em que não devíamos nem podíamos estar separados. Daqui nasciam as mais
dolorosas e tristes recordações. Deus e o homem! Como este veio ao contrário dos
desígnios do Senhor! Na terra nunca, nunca poderei dizer o que sofri e sofro. Só
à luz da eternidade haverá tal visão. Com tão variadas e tristes recordações,
com tão tremenda e dolorosa agonia fixei no Céu os olhos da minha alma. Não
podia movê-los. Tinham que estar sempre firmes para não cair no desespero.
Estou a passar a
data da minha estadia na Foz, 11 anos; martírio sobre martírio. Quanto mais dor
e humilhação, mais ódio e incompreensão. Por tudo o Senhor seja bendito!
O meu pão de cada
dia, o meu pavor são as almas que se abeiram de mim. Causa-me pavor, e o coração
não pode separar-se delas. Por elas quero dar o sangue e a vida. Quero-as todas
para Jesus, com todos os corações numa só chama de amor. Não posso falar das
almas nem desta ânsias. Não resisto. Estou sempre à espera das consolações e
alegrias.
― Senhor, quem
poderá dar-mas?! Que angústia, que angústia!
O meu túmulo, a
minha escavação, a minha inutilidade e eternidade não param. Tenho que viver
tudo isto, mesmo sem vida. Tenho que sentir toda a dor e sempre estar de mãos
vazias. Nesta manhã, depois de receber o meu Jesus, foi tão dolorosa a minha
morte e inutilidade, um abismo se abriu a engolir tudo. Repeti tanto o meu
“creio” a Jesus…
― Meu Senhor,
parece-me mentir-Vos a Vós e mentir-me a mim mesma. Dai-me coragem para que eu
repita o meu “creio” sem crer, sem acreditar e Vos diga que Vos amo, sem ter
vida, sem viver para Vós, sem sentir o Vosso amor.
Apunhalava-me a
mim mesma. Fazia-o com toda a crueldade. Subi para o Calvário, sempre num
desprezo e ódio infernal contra ele. Estendi-me no mundo. Nele bebi todo o
veneno. Em seguida, apertei o coração, enleei nele grossas e negras cadeias para
que nenhum veneno saísse dele. Fiz o mesmo à língua para a não deixar mover, nem
deitar fora o veneno apanhado.
― Creio, Jesus,
creio!
Assim chegaram as
três horas. Jesus demorou-se. Não vinha. Apoderou-se de mim o temor. Perdi a
Jesus, perdi a Mãezinha e talvez para sempre. Meu Deus, que fiz eu que Vos
desgostasse para não virdes mais… Caí prostrada por terra. Já não podia mais.
Veio então Jesus, ajoujado sob o peso, não sei, mas Ele fez-me sentir que era da
justiça de Seu Pai. Ai! Que dor ao vê-Lo. Ele não podia caminhar. Suspirava e as
Suas lágrimas banhavam-Lhe o rosto. Caiu por terra junto de mim.
― “Minha filha,
minha querida filha, não posso com a minha agonia. A mesma terra que te serve de
leito será o meu. Chora comigo nas mesmas lágrimas. Sente igualmente a dor do
meu Divino Coração. O mundo, o mundo, os pecadores, são a causa de tudo isto.
Não foste tu a beber o veneno. És a vítima daqueles que o bebem. Não foste tu a
prender o coração e a língua com cadeias, mas sim o demónio, para que não mais
possa ter remédio. És tu com a tua dor, com esta moeda mais cara a comprares
estas almas e com a minha fortaleza a quebrar-lhes as cadeias, para que sejam
curadas, voltem à graça, venham a Mim. Não há crime nenhum de que não sejas
vítima. Aqui ficam bem gravadas a sabedoria e a ciência de Deus.”
― Ó Jesus, para
mim as Vossa lágrimas, a Vossa dor, o Vosso ajoujamento; a nada me poupo, mas
quero que não sofrais. Só quero a Vossa força e graça.
Jesus levantou-se
sorridente, tomou a formosura de Deus. Levantou-me a mim, estreitou-me ao Seu
Divino Coração, acariciou-me e disse-me:
― “É todo teu o
meu coração, com todas as riquezas, com todo o amor.”
E desapareceu.
Novamente fiquei desfalecida. Não pude ir à Sua procura. Creio, Jesus. Fiquei
sempre a repeti-lo. Ouvi-o gritar ao longe!
― “Minha filha,
vítima querida, acode-me. Vêem sobre Mim os pecadores, o mundo com todos os seus
crimes.”
Gritei-Lhe também
com todo o coração: Jesus, sou a Vossa vítima! Libertado, de novo chegou Ele ao
meu encontro.
― Para que me
fugis, Jesus? Não vedes como sou fraquinha e não posso ir à Vossa procura?
― “Vai o teu
coração, minha filha, e é esse que Eu quero. O teu desfalecimento é humano, mas
o coração vive só o divino. Dor e cruz, cruz e dor; dor e cruz, dor e amor, será
sempre a tua vida. Depois de pouco mais de um século em que Eu coloquei a cruz
nesta terra, veio a vítima para ela. Não era preciso mais nada para tudo ser
compreendido. É à terra, ao lodo e à podridão que a vítima vai buscar e
purificar as almas. Calvário, calvário, calvário ditoso!
Portugal,
Portugal, Portugal ditoso! Mundo, humanidade inteira cheia de perdão,
misericórdia e amor dados por este calvário.
Recebe a gota do
meu Divino Sangue. A tua vida, divino alimento! Enche-te para dares. Fica na
cruz, sempre na cruz! Coragem, coragem! Não deixes as almas perderem-se. Não
deixes cair sobre a terra a justiça de meu Pai, dela tão aproximada. Coragem na
cruz, coragem na dor!”
Desapareceu o meu
Sumo Bem, sem me dar tempo a fazer-Lhe os meus pedidos. Misturados com o meu
“creio” não deixei de Lhos fazer. Tenho medo do mundo, tenho medo de viver!
― Valei-me,
Jesus, valei-me!
A vida sem Jesus
e a Mãezinha, a vida sem o Céu, como poder viver, meu Jesus?! Como poder passar
neste vale de lágrimas? Perdi tudo do Céu, depois de perder tudo da terra.
― Ó meu Deus, eu
creio, eu creio. Não permitais que a amargura da mina alma, o meu desfalecimento
cheguem a ponto de Vos ofender.
Vagueio, vagueio
noite e dia por entre trevas e morte, como quem quer alguma coisa e não sossega
sem que a encontre. Nada encontro, com nada me satisfaço, todo o esforço é
perdido, tudo é inútil para mim. Oh! Como eu me agarro a Jesus e à Mãezinha,
invocando os Seus nomes, bradando-Lhes com toda a força de alma e coração!
Agarro-me sem sentir o seu apoio, e o meu brado perde-se na mortandade da
humanidade.
― Ó meu Deus, ó
meu Deus, a quem recorrer? Em quem confiar?... Em Vós, só em Vós!... Creio,
creio!
Falar as minhas
ânsias de amor e de dar almas a Jesus, falar do livro do meu coração e de todas
as agonias da minha alma é-me inteiramente impossível. Aumenta-me o martírio por
nada saber, nem poder dizer. O coração lá vai ecoando e vai absorvendo em si o
mundo inteiro como se fora uma mangueira. Ai, ai, como ele vai trazendo a si
tudo, tudo quanto encontra, mesmo toda a podridão e nunca está satisfeito.
Custa-me tanto,
tanto saber que o meu médico sofre por minha causa a grande humilhação, o grande
sofrimento!... Eu que queria ser o alívio de todos e sou a causa de tantos
sofrerem! Mas agora ele que em tudo se podia defender humilha-me talvez para
fazer vontades. Eu só peço a Jesus que ele faça em tudo a Sua divina vontade.
― Meu Deus, como
os homens na sua ignorância são a causa de tão grande martírio. Tudo por Vós e
pelas almas! Sou a Vossa vítima! As minhas amarguras só vós as conheceis.
Estou
cansadíssima com a minha vida trabalhadora, morta e inútil, mas sempre
canseirosa. Os suores da alma acompanham bem as do corpo. Como eu trabalho sob
mundos, sob mundos! Ansiava tanto, tanto o Dia do Sagrado Coração de Jesus.
Tenho fome d’Ele. Queria comê-Lo mais e mais. Recebi-O pela manhã e logo depois
de Ele entrar no meu coração pedi-Lhe muito amor, pedi-Lhe muitas graças e a
graça de crer sempre n’Ele, mesmo sem crer. Ele na Sua infinita bondade
segredou-me no fundo do coração estas palavras:
― “Dá-te, dá-te,
dá-te, minha filha, consome-te no meu amor, por amor às almas.”
A ansiedade do
Seu amor, a ansiedade de viver o Seu dia durou no decorrer das horas, mas sempre
na maior tortura da alma. Caminhei para o Calvário. Atraiçoava-me a mim mesma e
feria-me cruelmente com toda a espécie de tormentos. Olhava-me a mim mesma com
olhares aterradores e desesperadores. Cheia de ódio e vingança, fugia do
Calvário.
Mas, ah, no meu
íntimo havia um novo contraste! Apertava o coração, espremia o seu sangue até à
última gota. Quanto mais ódio e sofrimentos, mais compaixão, mais ternura, mais
amor. O coração não tinha mais sangue a dar. Não é para mim exprimir a minha
dor. Quanto sofri com coisas tão diferentes! Sempre a chamar pelo Céu, sempre a
repetir o meu “creio” no meio de toda a treva, morte e abandono. Creio, creio,
creio!
Veio Jesus quando
repetia o meu “creio” nesta luta dolorosa.
― “Minha filha,
minha filha, coragem, coragem! Crê, crê! A vítima não tem outro caminho; a
vítima generosa tem de reparar por tudo. Tens em ti a vida do mundo, a vida de
Deus. O mundo a ferir-me cruelmente, a atraiçoar-me, a fugir-me. Eu, cheio de
compaixão, misericórdia e perdão a oferecer-lhe o meu Sangue até à última gota,
a dar-Me todo por ele. Crê, crê! Previne-te bem, filha amada. Tens de viver da
fé, tens de viver do “creio”. É a fase mais dolorosa da vítima. É montanha, são
castelos que atingem a maior altura. Dá-te, consome-te, confia, que o teu Céu
está perto.”
― Ó Jesus, não
sei a melhor forma de me dar a Vós. Não sei como consolar-Vos e dar-Vos as
almas. Guiai a minha vida, auxiliai-me nos meus caminhos! Sou a Vossa vítima.
Falava sozinha.
Jesus não estava.
― Creio, meu
Jesus, creio. Por amor, dai-me o Vosso amor. Creio, ó meu Deus, onde estais Vós?
Não vejo nem tenho força para caminhar.
Voltou Jesus,
alegre, com o Seu Divino Coração nas mãos incendiado numa só chama.
― “Aceita, no dia
do meu Divino Coração, dou-te, renovo-te a oferta do meu Divino coração. Tudo
quanto ele tem é teu: riquezas, amor, misericórdia e perdão. Por ti tudo será
dado às almas. És o segundo canal por onde passa para o mundo tudo o que é meu.
Eu passo para a minha Bendita Mãe, primeiro canal celeste, e Ela passa para o
teu, porque és a primeira vítima por Mim escolhida na terra. As almas recebem
tudo por ti à medida que o quiserem receber. Quanto mais ansiarem pureza e amor,
maior será a abundância que recebem.”
Eu tinha o
Coração Divino de Jesus dentro do meu peito. Ardia numa labareda elevadíssima.
Jesus deixou uma espécie de veiazinha saliente e compridinha que penetrou no
íntimo do meu coração e pelo qual passava a gota do Seu Divino Sangue. Por ela o
meu coração bebia sofregamente. Estava cheio. Jesus satisfê-lo.
― “Dá esta vida!
Tem coragem! O mundo, o mundo cruel, as almas, as almas necessitam de vítimas
que assim se imolam. Dá-me tudo, dá-me tudo. Acode a Portugal, acode ao mundo! Ó
justiça, ó justiça de Deus!”
― Jesus, por
amor, dai-me amor! Por amor, amparai-me; por amor, fortalecei-me; por amor,
atendei às minhas preces; por amor, salvai e perdoai ao mundo. Creio, creio em
Vós. Sou a Vossa vítima.
As minhas preces
foram feitas na ausência de Jesus, mas creio que Ele as ouviu e há-de atender a
elas. |