O ano de 1955
ia enfim trazer à Alexandrina o termo de seu tão prolongado e tão
misteriosamente cruciante calvário.
"As dores
eram, nos últimos meses horríveis" - escreve o seu médico, a 17-X-55; e a 31
do mesmo mês:
Ultimamente estava a sofrer imenso, e parece-me que a sua doença, as suas
dores eram de origem sobrenatural, daquela origem a que se refere Henri Bon,
quando fala das enfermidades sobrenaturais.
Já no começo
de Janeiro, a 10, o mesmo ilustre clínico, que tão conscienciosamente
estudou, acompanhou e se desvelou por este caso raro para a ciência e para a
mística, afirmava a respeito da Alexandrina:
Está prostrada como nunca. Está a chegar ao cimo do seu calvário. Parece que
tudo tem evolucionado nesse sentido.
À Doentinha,
em êxtase de 7-I-55, dizia Nosso Senhor:
Estás no teu ano, estás no teu ano, estás no teu ano! Confia, confia em Mim;
Não falto ao que prometo. As minhas promessas de Senhor Supremo, omnipotente
vão realizar-se. A tua missão na terra depressa terminará. Confia, confia: o
Céu é teu; lá vais continuar a tua missão...
Já foi dito
como, nos últimos anos, um dos sofrimentos mais esmagadores para a
Alexandrina eram as imensas visitas que se via forçada a receber, para a
todos dirigir palavras de conforto e estímulo a melhor vida. A 29-V-53, por
exemplo, vieram à sua pequena aldeia para com ela falarem umas 6.000
pessoas, em 100 camionetas e 150 automóveis e deixaram-lhe sobre a cama 130
cartas.
Pois bem:
tornou-se-lhe mais torturante esta afluência de gente, porque nos primeiros
meses do ano não podia suportar a luz - novo martírio com que a brindava o
Senhor - e por isso custava-lhe imenso ter que falar a toda essa multidão,
com a janela aberta.
Uma fotografia
que lhe tiraram a meados de Agosto do ano de 1955 mostra bem o
desfalecimento e dor em que se encontrava. Até 2 de Setembro ainda, com
muito custo, ia ditando, como de costume, os seus sentimentos de alma.
Depois, não o pôde fazer.
A 2 de
Outubro, disse:
Hoje, dia dos Santos Anjos, senti que me tocaram no ombro e ouvi cantar os
Anjos. Perguntei: Quem cantará com os Anjos? Nosso Senhor respondeu:
– Tu, tu, tu; em breve, em breve, em breve.
Sentindo que o
fim estava próximo, pensou pedir a Extrema-unção. A 12 de Outubro, pelas 8
horas da manhã, depois de comungar, ouviu estas palavras de Nosso Senhor:
– Faz,
minha filha, o que desejas (a Extrema-unção). Tu vais para o Céu; tu vais
para o Céu...
Durante toda a
manhã desse dia, repetia frequentemente:
Eu queria o céu! Eu não tenho peninha nenhuma de deixar a terra! Acabaram
todas as trevas da alma. Acabaram todos os sofrimentos da alma. É sol, é
vida, é tudo, é Deus!...
A irmã
perguntou-lhe:
– Tu que querias?
– O Céu, porque na terra não se pode estar. Eu queria receber a
Extrema-Unção, enquanto estou viva... Vai ser muito bonito aqui...
Ó Jesus, seja feita a vossa vontade e não a minha!
Pelas 15
horas, feito um acto de resignação e de aceitação da morte, ministrou-lhe o
Rev. Pároco da freguesia o sacramento da Extrema-Unção. Antes de receber
este sacramento, pediu perdão à mãe, à irmã, ao Confessor R. P. Alberto G.
Gomes, ao Rev. Pároco, aos médicos, às primas, às pessoas amigas e à criada,
depois falou assim:
Já estarei com a minha alma pura, para receber a Extrema-Unção?
Ai, Jesus,
não posso mais na erra.
Ai, Jesus! Ai, Jesus!
Ai, Jesus!
A vida, o Céu,
custa, custa!
Sofri tudo nesta vida pelas almas! Mirrei-me, triturei-me, nesta cama, até
dar o meu sangue pelas almas! Perdoo a todos, perdoo, perdoo. Foram
instrumentos para meu bem. Ai, Jesus, perdoai ao mundo inteiro!
Depois de ministrada a Extrema-Unção, exclamou:
Ai, estou tão contente, por ir para o Céu!...
Sorriu-se com
os olhos no Céu.
Ai, que
claridade! É tudo luz! (sorriu-se). As trevas, as trevas, tudo
desapareceu!... Bem dizia o Sr. Doutor (o Médico assistente)!...
Às 6 horas da
manhã do dia 13:
Meu Deus, meu Deus, eu amo-Vos! Sou toda vossa!
Tenho necessidade de partir! Não gostava de morrer de noite... Morrerei
hoje? Gostava.
Na verdade, o
dia era muito ao sabor dos seus grandes amores: Nossa Senhora e o Santíssimo
Sacramento, era quinta-feira e 13 de Outubro.
Quantas vezes,
nas suas cartas chamava à quinta-feira o seu dia e quantas manifestou desejo
de morrer numa quinta-feira!
Pediu à irmã
que lhe desse a beijar o Crucifixo e a Mãezinha. A irmã perguntou-lhe:
– Para quem
te sorrias? (porque se lhe notara no rosto um sorriso angelical, ao
dizer que gostava de morrer nesse dia). Respondeu:
– Para o Céu!
Durante essa
manhã foi visitada por várias pessoas. Quando entrou um grupo, exclamou com
voz mais forte:
Não pequem, o mundo não vale nada. Isto já diz tudo. Rezem o Terço, todos os
dias.
Às 11 horas,
disse para o seu Médico:
Eu sou muito feliz, porque vou para o Céu...
Às 11,35 pediu
que lhe rezassem o ofício da agonia, às 17, disse para uma visita:
Adeus até ao Céu!
Quis a
Providência que Mons. Mendes do Carmo, Professor do Seminário da Guarda e
antigo Reitor do Colégio Português em Roma, assistisse às últimas horas da
vida terrena da Alexandrina. Ele mesmo contou o facto, que apareceu narrado
em vários jornais. Oiçamos as suas autorizadas palavras:
No passado dia
10, saí da Guarda com vontade de seguir para Fátima, a passar o dia 13 de
Outubro, um dos maiores dias da História de Portugal e, para muitos e para
mim, o maior. Chegado a Coimbra, deixo os distintos companheiros de viagem
que lá seguiram para o grande Santuário e eu parto para Balasar. Queria
visitar pela terceira vez a conhecida doentinha, a Alexandrina.
Na tarde do
dia 11, entro em sua casa. Encontro-a gravissimamente doente, mergulhada em
dores, doçura e silêncio, dando a impressão de que a sua vida terrena
estava a findar: poucos dias, horas apenas, talvez.
No dia 12,
depois da Missa infinita, dei-lhe a Comunhão divina. Recolheu-se no
silêncio eloquente e profundo da sua Acção de Graças. Seguiram-se horas de
sofrimentos asfixiantes, respondendo a algumas perguntas, com palavras quase
imperceptíveis. Cerca das 3 horas da tarde, pede o Sacramento da
Extrema-Unção, pedido espontâneo que ninguém lhe sugeriu.
Tudo preparado
já no quarto-Calvário, quer antes, espontaneamente também, fazer o seu acto
de resignação e disse perante todos:
Ó Jesus amor, ó Divino Esposo da minha alma, eu, que na vida só procurei
dar-Vos a maior glória, quero, na hora da minha morte, fazer-Vos um acto de
resignação e assim, meu amado Jesus, se neste acto dou maior glória à
Trindade Santíssima, jubilosamente me submeto aos vossos eternos
desígnios... para só querer e implorar da vossa Misericórdia o vosso Reinado
de amor, a conversão dos pecadores, a salvação dos moribundos e o alívio das
almas do purgatório.
Meu Deus, como sempre Vos consagrei minha vida, Vos ofereço agora o fim
dela, aceitando resignadamente a morte, acompanhada das circunstâncias que
Vos derem maior glória.
Depois, em voz
clara, pediu perdão, agradeceu e perdoou a todos. Recebeu em seguida, em
calma angélica o Sacramento depurador dos últimos vestígios de culpas e
imperfeições. Encheu-se o quarto de lágrimas e soluços altos e a Alexandrina
moribunda diz:
"Não
chorem, que eu vou para o Céu." E repetiu: "Não chorem, que eu vou
para o Céu."
Disse ainda
brevíssimas frases...
O sofrimento
aumentava e a noite de 12 para 13, a sua ultima na terra, foi uma noite de
agonia. De manhã, pelas 8 horas, fez a sua última Comunhão.
Às 11,35,
espontaneamente também, pede que lhe rezem o ofício da agonia. De joelhos,
junto do seu leito, acompanhado de outras pessoas, recito essas orações e
súplicas inspiradas e comoventes.
A agonia
intensificava-se; eu sugeria-lhe com alguma frequência palavras divinas...
Tantas vezes lhe dei a beijar o Crucifixo e a medalha de Nossa Senhora das
Dores e sempre os seus lábios se moveram a esse beijo... quando pela última
vez lhe dei a beijar essas jóias, os seus lábios ficaram imóveis.
Em artigo
posterior, referindo-se a esse instante supremo, diz o mesmo ilustrado
Sacerdote:
Quando lhe
pedi que repetisse comigo:
“Trindade
Santíssima, meu Deus, no vosso Coração entrego a minha alma”, a
agonizante docemente sorriu. Expirou...
Eram,
astronomicamente, 7,52 minutos, hora privilegiada para a morte de muitos
Santos, como tenho lido em suas biografias...
Na manhã de
14, estava o cadáver em câmara ardente - é ainda Mons. Mendes do Carmo quem
fala - vestido de tecido alvíssimo, no caixão por dentro todo alvíssimo
também.
Ainda de
manhã, começou a romagem da visita ao cadáver da que por tantos já em vida
era tida como uma santa. Mas o que houve de singular, e que parece único nos
anais da morte, pois jamais li facto semelhante, foi essa romagem de
milhares e milhares de pessoas que, começada à uma hora da tarde, continuou
sem pausa, sem interrupção, durante a noite inteira até às dez da manhã,
hora da partida do cortejo fúnebre para a Igreja...
Eram pessoas
vindas de muitas terras vizinhas e longínquas e do Porto, de Braga, de
Guimarães, de Famalicão, da Póvoa de Varzim.
Eram pessoas
de todas as categorias sociais: lentes de Medicina, médicos, advogados,
comerciantes, industriais, capitalistas, artistas e enorme massa do povo
modesto e humilde. Milhares? De certo (uns cinco mil)...
Na tarde do
dia 15, em que o corpo da Alexandrina baixou à sepultura, dizia um
cavalheiro do Porto:
"Hoje no
Porto, não há rosas brancas, foram todas para Balasar.”
E, na
verdade, o cadáver mais parecia estar num riquíssimo jardim em flor do que
na câmara mortuária, na câmara ardente. Aquela que em criança, bem criança
ainda, fora por alguns meses, como tantas filhas da aldeia, uma pastorinha,
que não frequentou a terceira classe, era agora alvo de homenagens tão
sentidas, tão afectuosas, tão extraordinárias, na hora da morte, que
através os séculos só as lemos nas biografias dos grandes Santos.
Que episódios
comoventes até às lágrimas eu poderia contar de médicos e sacerdotes
distintos que nessa hora vieram ao meu encontro, em narrativas agradecidas
ou desabafos dolorosos, por causa da Doentinha de Balasar.
Quarenta
sacerdotes, e tantos bem comovidos, tomaram parte nos seus funerais. Quanto
ela venerava e, crucificada no leito, orava pelos Sacerdotes, saber-se-á um
dia.
E lá ficou, em
sepultura sua, oferecida por corações amigos e agradecidos, o corpo mártir
da virgem de Balasar, de rosto voltado para a Igreja...
Tinha razão a
Alexandrina quando, nas vésperas da morte, afirmava "vai ser aqui muito
lindo." Já há muitos anos Nosso Senhor lhe tinha asseverado o mesmo, por
outras palavras:
Ditosos os que assistirem à tua morte, à morte da minha crucificada!
Sua irmã
Deolinda escreve-nos, a 19-XI-55:
Sua morte foi
de uma santa. O seu enterro foi coisa nunca vista. Milhares de pessoas
passaram pela sua urna e centenas delas lhe beijavam os pés, na
impossibilidade de lhe poderem beijar a mão ou o rosto. Todos lhe queriam
tocar terços ou tirar pétalas dos cravos brancos sem conta que à sua volta
estavam. Dizem as pessoas velhinhas: nunca vimos nem voltamos a ver coisa
igual.
Toda a gente
de Balasar se cobriu de luto e de luto continuam ainda. Dizem que é um sinal
de gratidão, pelo muito que lhe devem.
Agora vai
muita gente ao cemitério, ajoelham junto da campa a rezar. Uns levam-lhe
ramos de flores, outros velas, outros dinheiro. Também bastantes pessoas
continuam a vir visitar o seu quarto que conservamos na mesma. Tem dias que
é uma romaria contínua...
Será esta já a
aurora da glorificação que Nosso Senhor tantas vezes prometeu à Alexandrina,
para depois da sua morte?
O futuro o
dirá.
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