SITE DOS AMIGOS DA BEATA ALEXANDRINA MARIA DA COSTA

   

 

 

Pe. Leopoldino Mateus
 

NOTICIÁRIOS BALASARENSES
das décadas de 1930 e 1940
 

Recolha, transcrição e notas: José Ferreira

PE. LEOPOLDINO MATEUS

  

O Pe. Leopoldino Mateus nasceu na Póvoa de Varzim em 9 de Janeiro de 1879, na Rua da Assunção, junto ao Castelo, e aí faleceu em 27 de Janeiro 1966. O seu pai chamava-se Francisco Rodrigues do Mateus e foi alfaiate e carteiro; o nome da mãe era Josefa de Jesus. Eram gente ligada à tradição poveira da pesca e de muito poucas posses. Leopoldino era o mais velho de seis irmãos e o único rapaz.

O Pe. Leopoldino em 1899 quando acabou o curso teológico. 

Até recentemente, só se evocava este sacerdote para dar conta da sua intervenção junto da Beata Alexandrina; agora, a perspectiva alargou-se e é possível falar dele como pároco de Balasar, como pároco em concreto da Beata Alexandrina, como coadjutor da Póvoa de Varzim, como jornalista e homem de cultura.

É muito elucidativa a apresentação que o jornal poveiro A Defesa fez dele nos seus 50 anos. Veja-se parte do que se escreveu ao centro da primeira página, em 20 de Janeiro de 1929, sob o título “Pe. Leopoldino Mateus”.

 

Em 1885 matriculou-se na Escola Camões, em que era professor o Sr. Joaquim Francisco Fernandes Cunha, e em 1886 foi transferido para a Escola Gomes de Amorim (Pereira Azurar), em que era professor o Sr. José Alves Vieira, de saudosa memória.

Tendo feito o exame de Instrução Primária no Liceu de Braga, em Abril de 1890, e destinando-se à carreira eclesiástica, entrou em Outubro do mesmo ano para o Seminário de Santo António e S. Luís Gonzaga, onde frequentou o curso de preparatórios, que concluiu em Julho de 1895.

Por falta de idade, só entrou em Outubro de 1896 para o Seminário Conciliar de Braga, onde concluiu o Curso Teológico em Junho de 1899. Foi professor no Colégio de S. Joaquim, em Chaves, de 1900 a 1901, e celebrou a sua primeira missa na Igreja Paroquial desta vila (Póvoa de Varzim) no dia 28 de Setembro de 1901.

 

1.      Antes de vir para Balasar

 

E continua o artigo, para falar dele já como sacerdote:

 

No dia 1 de Janeiro de 1902, entrou para capelão do Senhor dos Navegantes, nas Caxinas, até Outubro de 1906, em que foi admitido como capelão da Confraria das Almas, onde se conserva.

A 8 de Agosto de 1908, foi nomeado pelo saudoso Prelado D. Manuel Baptista da Cunha coadjutor desta vila, lugar que tem desempenhado com zelo e actividade, ininterruptamente, durante a paroquialidade dos Reverendos Priores Manuel Martins Gonçalves da Silva, José Martins da Silva Gonçalves, Álvaro de Campos Matos, Aurélio Martins de Faria e Alexandrino José Leituga. Tendo-se dedicado à pregação, já tem percorrido uma boa parte do norte do país, onde tem sido muito apreciado.

 

 

Retrato do Pe. Leopoldino existente na sacristia da Matriz da Póvoa de Varzim.

 

Nas corporações religiosas já foi, durante algum tempo, juiz da Confraria de Nossa Senhora do Rosário e segundo secretário da Senhora de Lourdes e Mesa da Associação do Coração Agonizante de Jesus; fez parte da Comissão da Senhora do Desterro, dando-lhe grande impulso, e hoje é membro da Comissão de Santo António, da Matriz. Em corporações civis, foi presidente da direcção da Associação de Socorros Mútuos (A Povoense), em 1907, salvando-a do perigo que a faria soçobrar, mais do que uma vez presidente da assembleia-geral da mesma e presidente do conselho fiscal, durante dois anos, da Mutualidade. É o actual presidente da assembleia-geral da Fúnebre Familiar e foi presidente do conselho fiscal da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários durante o biénio findo.

De Julho de 1912 a Junho de 1917 foi presidente da direcção da Associação de Caridade A Beneficente, cargo em que desenvolveu um carinho e dedicação exemplar pela causa dos pobrezinhos e durante alguns anos foi membro activo da Conferência de S. Vicente de Paulo.

Dedicando-se ao jornalismo é redactor efectivo do considerado semanário local “A Voz do Crente”, colaborador do nosso semanário e do “Comércio da Póvoa de Varzim”, do “Mensageiro Eucarístico”[1] de Braga e correspondente do importante diário católico de Lisboa “As Novidades” e do semanário do Porto “A Ordem”. Tem feito parte de diversas comissões festivas, principalmente da Festa Marítima, em que tem revelado o seu amor pela Póvoa.

O nosso estimado colaborador foi muito cumprimentado no dia das suas bodas de ouro, tendo havido na Igreja Matriz missa e grande comunhão pelo seu aniversário natalício – 50 anos. Fazemos votos ao Céu pelo prolongamento da sua preciosa e estimada existência. J.A.M.

 

N’A Voz do Crente de 4 de Janeiro escrevera-se, depois de o Pe. Leopoldino ser declarado “orador sagrado, ilustre e primoroso jornalista e nosso colaborador assíduo e dedicado”:

 

No desempenho das funções do seu ministério, o Rev. Leopoldino Mateus, diligente e canseiroso, desenvolve uma actividade pasmosa e modelar. Apesar disso nunca o tempo lhe falta para nos prestar os seus valiosos e apreciáveis serviços.

 

A redacção aproveita o ensejo para lhe tributar o seu “agradecimento pela sua boa colaboração e prestar-lhe a nossa solidariedade jornalística contra as insinuações baixas e torpes com que alguns pretensiosos, cheios de orgulho e presunção, têm tentado ofuscar o brilho das suas primorosas crónicas, cheias sempre da mais sã doutrina”.

Infelizmente, não se esclarece nas transcrições o papel que o Pe. Leopoldino teve nas duras lides jornalísticas dos primeiros anos da República. Só para se fazer uma apagada ideia do que isso foi, ao menos nos anos mais quentes do confronto da República com a Igreja, leia-se o que segue. No começo de Janeiro de 1912, quando o Pe. Leopoldino completava 32 anos, O Poveiro, de que era colaborador, anunciou o seu aniversário e deu-lhe os parabéns:

 

Os nossos parabéns vão não só a ele, que ele tudo merece, mas a seu extremoso pai e a sua família, que o não esquecerá. Ao padre Leopoldino Mateus, acérrimo defensor das doutrinas da Igreja, um apertado abraço e muitos anos de vida na boa carreira que segue em honra da nossa terra.

 

O Intransigente, jornal republicano radical, achou por bem tirar estas inqualificáveis conclusões da delicada saudação:

 

1 – Que o Padre Leopoldino fez anos, no dia 7 de Janeiro, que se resolveu vir visitar a luz do sol a este mundo;

2 – Que tem sido um bom camarada do Laurindo, do Prior e dum outro imbecil a quem chamam Alfredo Fernandes da Silva, o Fresco, espécie dum nojento trapo arremessado a uma sarjeta, coadjuvando-os nas escabrosidades da cloaca jornalística;

3 – Que, para honra da crença professada por aquela merdífera raça de gentalha, a companhia do padre Mateus é indispensável e insubstituível;

4 – Que, por tudo isso e pelo mais que não souberam dizer, engasgados como ficaram, pelo taco das grandes comoções, o padre Mateus teve de pagar algumas canecas de vinho e receber os mil e um parabéns da pitoresca confraria.

Pois receba, agora, o padre Leopoldino Mateus também as nossas felicitações, pelo seu aniversário natalício, e continue a deliciar-nos com as caldeiradas do seu engenho e arte de escrever “relâmpagos”, que parecem “frescas” baboseiras de fadista aperaltado; “secções alegres”, destinadas a anavalhar, caluniosamente, a honra alheia e “críticas de tacão”, para rebaixar os sentimentos dos democratas e enaltecer as “virtudes” dos milhafres da grei jesuítica. E tudo em nome de Deus?!...

 

Esta linguagem (que infelizmente ainda é possível encontrar hoje em certos meios) comenta-se a si mesma; mas a elevação d’O Poveiro era conhecida, tanto que em tiragem ultrapassava de longe os outros semanários da terra e aos poucos projectava-se como de dimensão nacional, quando os republicanos o silenciaram.

Alude-se no escrito a rubricas jornalística atribuída ao Pe. Leopoldino, mas não é garantido que essa atribuição corresponda à verdade.

Este exemplo de torpezas com se queria ferir o bom nome do Pe. Leopoldino não foi caso único: repetiu-se no mesmo jornal e está nas declarações prestadas pelos republicanos radicais por altura do complô monárquico[2].

Mas ele não parou de escrever para os jornais. Em 13 de Fevereiro de 1920, A Sentinela informava que ele era “assíduo colaborador” d’O Liberal.

Por altura do II Congresso Eucarístico da Arquidiocese de Braga, que teve lugar na Póvoa de Varzim, em 1925, publicou-se então um opúsculo, que era uma espécie de número único de revista. O Pe. Leopoldino, que foi o secretário desse Congresso, colaborou com um artigo intitulado “A Fé dos Poveiros”. Escreveu ele:

 

Mais uma vez, a religiosa vila da Póvoa de Varzim, por ocasião do Congresso Eucarístico, vai mostrar a Portugal inteiro que a sua fé em Jesus é viva e fervorosa e que os seus corações consagram a Jesus-Hóstia a mais sincera das dedicações.

Como a maior parte da população pertence à classe piscatória, são os filhos do mar, os humildes poveiros, que vão tomar parte activa nas grandes solenidades que se realizam por essa ocasião.

Não é de hoje a fé dos poveiros a Jesus Sacramentado; herdaram esses sentimentos dos seus maiores, que tiveram sempre o cuidado de, com o seu exemplo e com os seus conselhos, incutir no ânimo dos filhos a sua crença em Jesus e a sua devoção à Virgem da Assunção.

Na capela da Lapa, erigida pelos valentes pescadores em honra da sua augusta padroeira, Maria Santíssima, conservam o SS. Sacramento, a quem não deixam de prestar homenagens da sua piedade e amor filial.

Alguns anos houve até que, na segunda-feira de Páscoa, era promovida uma festa em acção de graças ao Senhor Sacramentado pelos benefícios concedidos durante o ano. […]

Depois, como no actual regime fosse proibido levar o Sagrado Viático aos doentes, parece que tinha esmorecido a fé dos poveiros a Jesus-Hóstia, mas não! Veio a Arquiconfraria dos Pajens do SS. Sacramento arregimentar as criancinhas, para, aproximando-as do seu Criador, haurirem nessa fonte salutar graças copiosíssimas e bênçãos salutares.

Como Jesus deve estar contente com esses humildes poveirinhos que, de tão pouca idade, amam já o seu Jesus, recebem-No com frequência e adoram-No com afecto.

Como Jesus deve estar alegre, porque nessa capela muitas vezes, pela ausência de fiéis, entregues às lides domésticas, o Manso Cordeiro estava só, tendo frio, apesar de ter formado o Sol, porque lhe faltava o calor dos corações; padecia sede, apesar de ter feito aparecer todas as águas, porque estava sequioso do bem das almas; sentia necessidade, sendo seus todos os alimentos e todas as riquezas, porque lhe escasseavam as almas que O recebessem dignamente e onde pudesse viver e reinar.

Agora, procurado e rodeado de crianças que O amam e louvam, recebem e adoram, como Jesus deve estar bem, como Jesus deve estar satisfeito! Já tem quem O siga, já tem quem O conheça! E, que não têm sido infrutíferos os trabalhos desta Arquiconfraria, bem o mostram essas festas sumptuosas, essas apoteoses brilhantíssimas a Jesus-Eucaristia que têm agitado tantos corações e movido tantas almas a aproximarem-se de Jesus, recebendo-O com fé, adorando-O com entusiasmo e amando-O com afecto.

Outrora, eram os pais que ensinavam os filhos, com o seu exemplo e com as suas lições, a amar, conhecer e respeitar o Pai do Céu; hoje, são os filhos que com o seu procedimento ensinam aos pais que não basta, para amar Jesus, ter fé, é necessário ter o coração puro – “Felizes os corações puros, porque eles verão a Deus!” – recebê-Lo com frequência e defendê-Lo com ardor.

É por isso que não podíamos deixar de nos associar a esta homenagem das criancinhas a Nosso Senhor Sacramentado por ocasião do Congresso Eucarístico, fazendo votos pela conservação desta piedosa associação que tanto bem faz às almas e pelo bom êxito das festas Eucarísticas para que se acenda cada vez mais a fé dos poveiros e traga ao aprisco do Senhor tantas ovelhas cegas e ingratas que dele vivem afastadas.

 

Este escrito eucarístico não deixa de ser curioso pois em breve o seu autor vai ser pároco duma “vítima da Eucaristia” a quem levará diariamente a Comunhão ao longo de dezoito anos.

Em 20 de Maio de 1923, n’O Liberal, ele assinara um outro artigo de homenagem ao falecido Pe. Álvaro de Matos.

 

Na hora dos elogios

 

Se noutros tempos, o Pe. Leopoldino, com os seus colegas d’O Poveiro, haviam sido alvo das chufas mais vis, ia chegar para ele a hora dos elogios. Foi assim n’A Propaganda, de 17 de Julho de 1933, pouco mais de uma semana após ele tomar conta da paróquia de Balasar.

 

No dia 9 de Julho tomou posse da paroquialidade de Balasar, deste concelho, o nosso prezado amigo e conterrâneo Sr. Pe. Leopoldino Rodrigues Mateus. Deixando a sua terra e os seus venerandos pais, o novo pároco vai cumprir uma missão de paz e religiosidade, confiada pelo seu Prelado, que tem pelo nosso amigo a maior estima e consideração pelos relevantes serviços prestados à Igreja.

Foi muito sentida a ausência deste ilustre sacerdote, que se impôs pelo seu zelo e dedicação à Igreja e pelo seu bairrismo, sempre devotado à causa da sua terra. Como capelão da Confraria das Almas, onde esteve durante 27 anos, calcorreando as ruas todas as madrugadas, quer chovesse quer ventasse, de dia e de noite, intensificou esta devoção, que é hoje muito fervorosa.

Como capelão interino da devoção da Senhora do Desterro aumentou a frequência daquela pequena capela, convertendo-a no centro de fervorosa piedade. Como coadjutor ou vigário cooperador da freguesia da Póvoa de Varzim, cargo que desempenhou com zelo e actividade durante 24 anos, prestou bons serviços à causa da Igreja Católica, de que é digno ministro.

Por isso, não admira que o povo crente da Póvoa o estimasse e respeitasse, porque sabia a falta que faz no nosso meio religioso e social. Deixou a nossa Varzim e foi cumprir uma missão delicada para a importante freguesia de Balasar, deste concelho. Ao celebrar a sua primeira missa paroquial, as suas palavras de saudação calaram de tal forma no ânimo dos seus novos paroquianos que todos atentos e visivelmente satisfeitos foram cumprimentar o seu novo abade.

Vai grande regozijo na freguesia de Balasar pela estadia do seu novo Pastor, a quem já tributam respeito, estima e consideração, esforçando-se por conservar o mais tempo possível. Sua Reverência cumpre um dever de obediência aceitando aquele lugar espinhoso e trabalhoso, é de esperar que o povo de Balasar, respeitador e crente, estime o seu novo Pároco, que é um dos sacerdotes mais trabalhadores e honestos da nossa terra.

Que a saudade que o povo da Póvoa tem pelo seu ex-coadjutor e amigo dedicado seja compensada pela benevolência e estima com que é tratado na sua nova freguesia. Ao Sr. Abade de Balasar, todos os que aqui trabalham na redacção enviam os seus respeitosos cumprimentos.

 

       2.      Em Balasar

 

O Pe. Leopoldino veio com certeza para pacificar a freguesia que andava agitada. O episódio do apedrejamento dos protestantes deve ter tido um efeito muito nocivo, e não foi exemplo único do desnorte da paróquia.

A sua actividade anterior na Póvoa de Varzim proporcionara-lhe o conhecimento do Pe. Mariano Pinho, que residira alguns anos no Largo das Dores. Inclinado a dar uma muito particular atenção às crianças, natural é que, chegado a Balasar, o Pe. Leopoldino convidasse este jesuíta e ambos aí promovessem a criação da Cruzada Eucarística das Crianças, que ele dinamizava a nível nacional. O Pe. Mariano Pinho era um padre doutor, que tinha vindo havia poucos anos do estrangeiro, e também do exílio, sábio como poucos. Por isso, em Balasar, a acção conjunta destes dois dedicados sacerdotes, que teve lugar em 16 de Agosto de 1933, redundou num êxito.

A ida do Pe. Mariano Pinho a Balasar está muito bem documentada: regista-a a Cruzada, regista-a um livro de actas do cartório paroquial e regista-a ainda uma notícia do jornal A Propaganda, além Autobiografia da Alexandrina.

A notícia d’A Propaganda é a do primeiro noticiário que transcrevemos.

 

Estudo histórico sobre a Santa Cruz

 

Em finais de 1933, começa a ser publicado n’A Propaganda um estudo sobre a Santa Cruz de Balasar cujo autor assina apenas por Z. Quem poderia ser o autor deste longo trabalho que o Pe. Leopoldino, muito mais tarde, quando escreve os seus dois artigos para o Boletim Cultural Póvoa de Varzim, não menciona embora fale também da Santa Cruz?

Era certamente o próprio Pe. Leopoldino. Bem vistas as coisas, dificilmente podia ser outra pessoa, pois a investigação implicava o conhecimento do documento que existe no cartório paroquial. Mas a confirmação, a nosso ver, encontra-se quando se compara a versão do trabalho saído n’A Propaganda com a que foi mais tarde publicada no Boletim Cultural. A segunda decalca e completa a primeira.

Esse foi pois o primeiro contributo cultural que ele deu para o estudo da história de Balasar.

No segundo dos artigos de 1933, há umas frases que convém lembrar:

 

Pena foi que o povo laborioso e crente de Balasar não celebrasse no ano pretérito a festa comemorativa do primeiro centenário da célebre aparição que tanto nome deu à freguesia, pelos milhares de forasteiros que a foram visitar e pelas grandiosas festas celebradas em sua honra.

Acontecimentos estranhos à sua vontade frustraram essa comemoração, debalde lembrada pelo nosso colega Baptista de Lima em diversos números d’O Comércio da Póvoa de Varzim. Foi pena que tal comemoração se não efectuasse porque podia ser o ressurgimento de uma devoção que, em tempo, foi intensa e fervorosa, não só na classe piscatória desta vila mas também no povo crente do nosso concelho vizinho.

 

Ficamos por aqui a saber diversas coisas: que não foi feita a comemoração; que acontecimentos estranhos à vontade dos balasarenses a impediram; que Baptista de Lima escreveu sobre essa data no Comércio; que os pescadores poveiros e gente de Vila do Conde costumavam acorrer às festas da Santa Cruz; que o Pe. Leopoldino escreve, ou assim o imagina, na Póvoa.

Também é claro que foi por iniciativa do Pe. Leopoldino que se publicou em 1936, n’A Propaganda, o cartaz a chamar os fiéis, em especial os poveiros, para a devoção à Santa Cruz. Termina assim:

 

A classe piscatória da Póvoa de Varzim, sempre piedosa e apaixonada pelas obras de Deus, acudia assiduamente, vendo-se na maior parte dos dias santificados grupos de poveiros, a pé e rezando, abeirar-se da capelinha onde oravam com fervor e confiança, beijavam a Santa Cruz, andavam em redor e, depois de tomada a frugal refeição, regressavam à sua terra cantando os seus cânticos peculiares.

A maior frequência de forasteiros e devotos dava-se no dia do Corpo de Deus, aniversário da aparição da Santa Cruz, cuja festa atingiu um brilhantismo desusado, com duas afamadas bandas de música, feérica iluminação, lindas decorações e soberbo fogo-de-artifício. A fim de regularizar a situação económica da capela, fundou-se a Confraria do Senhor da Cruz que contava bastantes irmãos.

Hoje esta devoção está um pouco frouxa sendo raros os grupos de pescadores poveiros que acorrem a implorar graças e a cumprir promessas. Nas paredes da pequena ermida encontram-se alguns quadros de ex-votos, por causa de doenças, sobressaindo um de que foi vovente o Rev. Abade de Touguinhó[3]. Daqui se vê que a devoção da Santa Cruz aparecida em 1832 em Balasar não era só praticada pelo povo simples e trabalhador, mas também por pessoas ilustradas e de elevada posição social.

É necessário manter o culto da tradição e avivar no povo de hoje a fé e religiosidade dos seus maiores que nos transes perigosos recorriam com fé confiança ao sinal da Redenção, a Vera Cruz onde Jesus agonizou durante três horas, longas como três séculos, e morreu para resgate da humanidade perdida pela queda dos nossos protoparentes.

Eis o significado deste caso oferecido à admiração e dos assistentes, convidando-os a fazer uma visita ainda que breve à capelinha onde se conserva a Santa Cruz aparecida em 1832.

 

Neste apelo está o estilo das prédicas do Pe. Leopoldino. Afinal, o centenário, ao menos em sentido lato, fez correr tinta, como já documentámos.

Os poveiros hão-de regressar mais tarde a Balasar… para visitarem e ouvirem a Alexandrina.

 

Que mais fez o Pe. Leopoldino em Balasar?

 

Como correspondente para a imprensa da Póvoa, o Pe. Leopoldino assume muitas vezes o papel dum cronista da sua terra adoptiva, que assinala as mais diversas ocorrências que lhe chegam ao conhecimento. Mas fá-lo anonimamente, como se fosse um balasarense a escrever, numa atitude muito construtiva, que não regateia elogios a ninguém, mesmo ao pároco...

O Pe. Leopoldino, em Balasar, prega, chama outros pregadores e animadores de renome para as festividades e para assistir as associações religiosas, faz discursos na escola, cria ele mesmo associações religiosas… Uma dedicação exemplar!

Com os artigos históricos sobre Balasar que fez sair n’A Propaganda e no boletim Póvoa de Varzim, este sacerdote poveiro iniciou o estudo da freguesia que paroquiou. Embora se tenha fixado num período temporal bastante recente, o trabalho tem um inegável mérito e supõe uma recolha de informação variada.

Os noticiários semanais que fez sair nos jornais da Póvoa entre 1933 e 1956 são uma fonte indispensável para conhecer Balasar e a movimentação gerada em redor da Alexandrina. Conservam-se perto de 500.

 

3.      Outras intervenções na imprensa poveira

 

Ao tempo em que paroquiava Balasar, intervenção do Pe. Leopoldino na imprensa poveira não se limitou aos noticiários. Publicou vários escritos no geral de teor moralizante sobre estes temas: o Natal, contos do Natal, escritos marianos, escritos de atenção aos necessitados e temas vários.

 

O tema do Natal mereceu ao Pe. Leopoldino pelo menos estes artigos: “O Príncipe da Paz” (O Comércio da Póvoa de Varzim, 23/12/1946), 1942), Festa do Natal (O Comércio da Póvoa de Varzim, 18/12/1943), “Rei da Paz” (Idea Nova, 22/12/1945) e “O Natal” (Idea Nova, 23/12/1946).

 

Nos jornais e números seguintes saíram escritos com o título de Conto do Natal que pensamos que foram da autoria do Pe. Leopoldino[4] (ele apenas assina um): A Propaganda, 23/12/1934: Conto do Natal; A Propaganda, 15/01/1939: Conto do Natal; A Propaganda, 17/12/1939: Conto do Natal; A Propaganda, 24/12/1941: Conto do Natal (incompleto); A Propaganda, 27/1/1943: O Presépio (Conto do Natal); O Comércio da Póvoa de Varzim, 20/12/1943: Conto do Natal; O Comércio da Póvoa de Varzim, 28/12/1944: Tempos Idos, Conto do Natal; O Comércio da Póvoa de Varzim, 22/12/1945: Conto do Natal; Idea Nova, 22/12/1945: Conto do Natal, Noite Santa; Idea Nova, 23/12/1946: Conto do Natal; Idea Nova, 20/12/1947: Conto do Natal; Idea Nova, 24/12/1948: Conto do Natal; Idea Nova, 23/12/1950: Consoada de Mariette, Conto do Natal; Idea Nova, 22/12/1951: Conto do Natal; Ala Arriba, 24/12/1955: Conto do Natal; Ala Arriba, 22/12/1956: Conto do Natal; Ala Arriba, 21/12/1957: Conto do Natal.

 

Do tema mariano, destacamos estes artigos: “A nossa Virgem” (A Propaganda, 1/9/1949), “15 de Agosto” (O Comércio da Póvoa de Varzim, Agosto de 1940), “Rainha da Paz” (Idea Nova, 8/12/1945), “A Póvoa de Varzim e o Coração Imaculado de Maria” (Idea Nova, 24/8/1946), “Maria Virgo Assumpta est ad Aeternum Thalamum” (Idea Nova, 14/8/1948), “Nossa Senhora das Dores” (Idea Nova, 15/9/1948), “A Padroeira da Póvoa de Varzim” (Idea Nova, 4/12/1948), “Senhora de Portugal” (Idea Nova, 3/12/1949), “Nossa Senhora das Dores” (Ala Arriba, 14/9/1957) e “As Sete Dores de Nossa Senhora” (Ala Arriba, 20/9/1958).

 

Dos escritos que manifestam a sua atenção aos necessitados, anotamos: “Magnífico Gesto” (O Comércio da Póvoa de Varzim, 17/7/1943), “Cortejo de Oferendas” (O Comércio da Póvoa de Varzim, 28/8/1943), “O Dia do Hospital” (O Comércio da Póvoa de Varzim, 11/9/1943), “Bombeiros da Póvoa” (O Comércio da Póvoa de Varzim, 13/5/1944), “A Beneficente” (O Comércio da Póvoa de Varzim, 13/5/1944), “A Escola” (O Comércio da Póvoa de Varzim, 1/7/1944), “A Bem da Humanidade” (O Comércio da Póvoa de Varzim, 8/7/1944), “Muito Bem” (O Comércio da Póvoa de Varzim, Julho de 1944), “A Causa dos Pobres” (Idea Nova, 15/12/1945) e “A bem dos doentes” (Idea Nova, 16/10/1948).

 

Entre os artigos em que aborda temas vários, salientamos: “O nosso Presidente” (sobre Salazar, Idea Nova, 12/1/1946), “Bodas de Oiro” (sobre o Pe. José Cascão, Idea Nova, 24/7/1948), “Herói e Santo” (sobre D. Nuno Álvares Pereira, Idea Nova, 6/11/1948), “Igreja de S. José de Riba-Mar” (Ala Arriba, 14/3/1953, e outro com o mesmo título e no mesmo jornal em 18 de Abril).

 

“Santa Eulália de Balasar”

 

Alguns anos depois de voltar para a Póvoa, em 1958 e 1959, o Pe. Leopoldino fez sair no Boletim Cultural um trabalho histórico sobre Balasar que intitulou “Santa Eulália de Balasar” e dividiu em “Ensaio de Toponímia” e “Milagre da Santa Cruz”. Prestou com ele um grande serviço cultural à freguesia. Como sobre a Santa Cruz já nos alongámos no livro que lhe dedicámos, vamos agora dizer algumas palavras sobre o “Ensaio de Toponímia”, de que também já repetidamente nos servimos.

O autor conhecia bem a freguesia, conhecia o terreno e conhecia as pessoas, como tantas vezes deixa claro nos noticiários. A esse conhecimento ajuntou alguma informação colhida em fontes orais, na Acção Católica (Boletim Arquidiocesano e Revista de Cultura) e numa ou noutra fonte escrita, principalmente da imprensa periódica poveira.

O valor do trabalho realizado é inegável: pela primeira vez abriu-se uma janela sobre o passado da freguesia.

Quanto à imprensa periódica poveira, são transcritos vários artigos de jornais relativamente recentes. Mas há ao menos uma fonte de que se serviu e que não citou, copiando trabalho alheio e dando-o como fruto de investigação sua.

Efectivamente, ao falar das Fontainhas e ao historiar o caminho-de-ferro, páginas 187 e 188, ocupa uma página com cópia literal do artigo de Cândido Landolt “O Comboio da Póvoa” que abre o número 18, da revista Póvoa de Varzim, 1.º ano, 1912.

Este caso do Ensaio de Toponímia, cujo alcance não se deve exagerar, talvez se repita num ou outro artigo de jornal[5].

 

4.      À Memória de Alexandrina Maria da Costa

 

Semana e pouco após a morte da Alexandrina, quando todos dela guardavam viva memória mas ainda não havia livros que lhe fixassem a biografia, o Pe. Leopoldino exaltou-a neste In Memoriam:

 

Na freguesia de Balasar deste concelho baixou à paz do túmulo Alexandrina Maria da Costa “Vicente”, tão conhecida, pelo menos de nome, em quase todo o País.

Nasceu a 30 de Março de 1904 e faleceu a 13 de Outubro de 1955, isto é, nasceu no ano de Nossa Senhora (ano do 50.º aniversário da definição dogmática da Imaculada Conceição) e faleceu no dia da mesma Senhora, no dia último das suas aparições aos Pastorinhos de Fátima.

Recebeu a primeira Comunhão na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição da Póvoa de Varzim e recebeu os ú1timos Sacramentos administrados por um sacerdote poveiro, o seu pároco.

Diz-se de Nosso Senhor no seu Evangelho que passou a vida fazendo bem; da saudosa Alexandrina também se pode garantir que passou a sua vida espalhando benefícios.

De todos os donativos que alguns visitantes lhe deixavam espontaneamente, nada queria para si, distribuía-os pelas igrejas e pelos necessitados e pelas missões.

É conhecida a história da sua vida; era uma humilde pastorinha do campo quando, qual outra Goretti, perseguida para fins criminosos, não encontrou outro meio de escapar do crime do que lançar-se de uma janela ao quintal, o que lhe ocasionou uma doença que a prendeu ao leito da dor perto de 40 anos e sofrendo com a maior resignação.

Era uma alma de Deus toda entregue ao sacrifício pela conversão dos pecadores, salvação dos moribundos e alívio das almas do Purgatório.

O segredo da sua resignação cristã estava na Vida Eucarística, pois que recebia diariamente o Pão dos Anjos com fervor edificante e piedade singular.

A Sagrada Comunhão já há bastantes anos era a sua única comida, porque não tomava alimento algum. Nas últimas horas de sua vida, já mais do Céu que da terra, quando a sua família chorava e soluçava, assegurava-lhes: “Não chorem, que eu vou para o Céu”.

Sim, Alexandrina contava ir para o Céu, mas como os desígnios de Deus são insondáveis, é bom sufragá-la para lhe apressar o seu triunfo, se carecer de se purificar.

O seu funeral, a que assistiram cerca de 40 sacerdotes – e mais viriam se soubessem ou pudessem – foi um triunfo, uma apoteose. O seu cadáver, inumado por entre lágrimas e suspiros na terra fria, tem ainda a visita de muitos admiradores. É uma romagem constante para sua sepultura, uns a chorar outros a suplicar graças à Sacrificada que já não vêem mas que acreditam estar no Céu.

Aqui deixamos estas linhas à memória daquela que foi modelo da vida cristã.

 

Literato

 

Conhecemos só uma pequena parte da produção jornalística do Pe. Leopoldino. E há períodos dessa produção que seria importante identificar e analisar: estamos a pensar no jornalismo de combate praticado n’O Poveiro em 1911 e 1912 e na colaboração particularmente exigente enviada para jornais de circulação nacional.

Já se viu acima como O Intransigente pretendeu atribuir ao Pe. Leopoldino certas secções d’O Poveiro, como as fantasistas crónicas intituladas “De Relâmpago” e a “Secção Alegre”. As primeiras, porque misturavam sistematicamente prosa com verso e tinham uma parcela de ficção muito saliente, interessam-nos bastante. Eram assinadas pelo pseudónimo de Aeronauta e deviam incomodar tanto que chegaram a ser parodiadas.

Mas não nos é possível identificar o seu verdadeiro autor. Segundo O Poveiro de 28 de Setembro de 1911, já teriam sido alvitrados doze nomes. E o jornal conclui assim a nota em que fala do Aeronauta:

 

Acordem; já era tempo de saberem quem era o Aeronauta.

O Aeronauta… é o Aeronauta.

 

No mesmo mês de Setembro, O Intransigente escreveu uma vez em tom sarcástico:

 

Olha o Padre Leopoldino

A escrever a “Secção Alegre”…

P’ra brunir as ferraduras

Do Cabral tem um bisegre…[6]

 

A despropositada quadra pouco ajuda no sentido de identificar com segurança a colaboração do Pe. Leopoldino para O Poveiro e para outros jornais. E isso ser-nos-ia muito útil para avaliarmos a arte da sua escrita e para percebermos como ele se foi afirmando como jornalista respeitado.

Em 20 de Dezembro de 1943, ele publicou n’O Comércio da Póvoa de Varzim uma pequena narrativa com o título de Conto do Natal. Trata-se duma história muito bem arquitectada: revela-se aí como um homem experiente na escrita de ficção.

A história começa quando Nicolau, o protagonista, e a esposa, Sofia, vivem um momento crítico, o da partida do mesmo Nicolau para a Primeira Grande Guerra. Dão-se-nos depois os antecedentes da vida do casal, para a seguir voltar ao tempo do início.

A acção tem um começo vulgar; surgem depois as complicações, primeiro a do amor, vencida pela ousadia dum casamento entre pessoas de desigual nível económico e social, depois a da guerra. Acaba contudo em final feliz, mas um final que exigiu penoso sacrifício ao par.

O que se nota é que o autor é expedito em manusear os ingredientes, sejam eles o discurso narrativo ou descritivo, seja a organização das sequências ou a vivência dos estados de espírito.

A aldeia do Minho onde moravam o Nicolau e a Sofia do conto podia muito bem ser Balasar, onde não faltavam casas abastadas. A crítica às exigências paternas quanto ao nível económico das noivas ou dos noivos era muito justificada. Lembra por vezes Júlio Dinis, pela intenção moralizante, mas tem uma feição muito própria.

Ao tempo da publicação desta história, em 1943, decorria a Segunda Guerra Mundial; embora Portugal não participasse, ela dava-lhe actualidade.

Cremos que pertencem ao Pe. Leopoldino vários outros contos publicados na imprensa da Póvoa sob o mesmo título e não assinados.

 

A despedida

 

Na altura de deixar Balasar, o Pe. Leopoldino contava 77 anos e a sua saúde estava muito debilitada. No artigo de 13 de Outubro de 1956 no Ala Arriba ele conta este diálogo com a Alexandrina onde se queixa da falta de forças e faz menção de abandonar o múnus paroquial:

 

Um dia, sentindo que as forças me iam definhando, disse-lhe:

Alexandrina, parece-me que vou deixar-vos, porque me não sinto com alento para o pesado ónus desta longa freguesia.

A doente calou-se, mas, volvidos alguns dias, antes de lhe dar o Pão da Vida, ao abeirar-me do seu leito, diz-me:

“Senhor Abade, não receie perder o vigor para deixar a freguesia; porque pedi a Nosso Senhor que eu morresse antes de V. Rev.cia nos deixar e Ele prometeu-me que sim, e a sua palavra não falta”.

E assim sucedeu.

 

Uma fotografia tirada na altura mostra-o efectivamente muito alquebrado.

No Verão, o Pe. Leopoldino passava sempre uma breve temporada na Póvoa, por razões de saúde, mas sem dúvida também para cultivar as suas amizades poveiras. Foi para lá que voltou quando deixou Balasar.

A freguesia fez-lhe uma despedida emotiva e merecida, descerrando um retrato seu no salão paroquial.

 

O apagamento

 

Segundo um testemunho inserido pela Prof.ª Zulmira Linhares no artigo que dedicou ao Pe. Leopoldino e segundo outras fontes, este antigo pároco, que faleceu com 87 anos, passou em cruel penúria os últimos anos da vida:

 

Foi nestes dez anos finais (1956-1966) que o Pe. Leopoldino talvez tenha passado o período mais sombrio, negro, preocupante e agreste da sua existência. Esgotado o mealheiro, sua irmã, que com ele havia partilhado a vida paroquial, parte pelas ruas da Póvoa a mendigar auxílios materiais para a subsistência de ambos – a sua e a do irmão sacerdote. Esta situação humilhante chocou-nos. Dela demos conhecimento ao Superior Hierárquico e julgamos que o facto terá sido atenuado, se não remediado.

 

Esta situação terá sido provocada por uma sobrinha a quem ele emprestou uma quantia avultada de dinheiro e que ela não devolveu.

Uma notícia necrológica sobre o Pe. Leopoldino exprime-se assim a dada altura:

 

Jornalista devotado, sempre presente em todas as emergências em que a sua terra dele necessitasse, bondoso e incansável trabalhador, deixa o saudoso sacerdote todos os seus conterrâneos na maior mágoa.

 

A mesma notícia reconhece-o como “dotado de grande inteligência” e “notável orador sacro”.

Quanto a inteligência, sabemos que era um homem culto e que escrevia com fluência, numa prosa corrente e de agradável leitura; sobre a sua oratória, não é fácil hoje avaliá-la, quer porque a oratória é um saber prático e por isso só quem o ouviu é que sobre ela se podia capazmente pronunciar, quer porque não consta que deixasse qualquer sermão escrito.

Do seu espólio pessoal, disseram-nos que depois de estar durante anos ao abandono terá ido para o lixo. Mesmo que alguém tenha tido o cuidado de arrecadar o que nele havia de visivelmente mais valioso, terá sido uma grande perda.

Nos 23 anos em que paroquiou Balasar, o Pe. Leopoldino preocupou-se sobretudo com a formação religiosa e mesmo cultural dos seus paroquianos.

Disseram-nos também que, em termos de política, soube sempre dialogar quer com os apoiantes do regime quer com os seus opositores, o que é notável.

Deixou algumas obras materiais: a colocação de novos sinos na torre e da energia eléctrica na igreja, a construção do salão paroquial e o artístico cruzeiro da paróquia.


[1] O Mensageiro Eucarístico era a revistinha do Padre Abílio Gomes Correia, Órgão da Agregação do SS. Sacramento e das Marias do Sacrário.

[2] Outubro de 1911.

[3] O “vovente” não foi o pároco de Touguinhó, mas Bernardina Rosa. O então pároco de Touguinhó, que se chamava Custódio José de Araújo Pereira, era um homem muito abastado e exemplar.

[4] Além de usarem o mesmo original título de Conto do Natal, estas histórias tem aspectos comuns entre si e abordam temas usuais do Pe. Leopoldino. Mas mais, em vários casos são situadas em espaços que lhe foram familiares.

[5] Sobre a Casa do Capitão

 

A rematar a sua nota sobre o lugar do Casal, o Pe. Leopoldino escreveu:

No mesmo lugar, há uma casa, chamada «do Capitão», porque nela residiu, há muitos anos, o Sr. Alexandre Sampaio do Nascimento, capitão da marinha mercante.

Numa porta tem gravado o número 412, ignorando-se o seu significado.

 

Alexandre Sampaio do Nascimento foi certamente descendente próximo de Alexandre José do Nascimento, que também viveu no Casal entre 1828 e talvez 1833 pelo menos. Aí lhe nasceram dois filhos.

Alexandre José do Nascimento era natural de Matosinhos, filho de Manuel José, marítimo, e casou para Vila do Conde, onde se dedicou ao comércio. Nos anos de 1834 a 1839, teve nesta vila um papel político de grande destaque, nos cargos de provedor e administrador, como acérrimo, truculento defensor do liberalismo. Faleceu em 1 de Agosto de 1869, com 80 anos.

Deixamos aqui este acréscimo ao que o Pe. Leopoldino apurou sobre a Casa do Capitão.

[6] O bisegre é um “instrumento usado pelos sapateiros para brunir os tacões e as bordas das solas do calçado”.

 

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