O Padre
Álvaro Matos

Capítulo 2

NA ESCOLA PRIMÁRIA E PRIMEIRA COMUNHÃO

1911-1912

Em Janeiro de 1911, fui com minha irmã Deolinda para a Póvoa de Varzim para frequentarmos a escola — porque na sua terra natal, como adverte a irmã, não havia escola feminina. — Não quero pensar quanto sofri com a separação da minha família. Chorei multo e durante multo tempo. Distraíam-me, acariciavam-me, faziam-me todas as vontades e depois de algum tempo, resignei-me.

Dezoito meses permaneceu na Póvoa. Ao princípio, "era pouco dedicada ao estudo — escreve a sua irmã Deolinda. — Mais tarde aplicou-se e aprendeu a ler e escrever" Não chegou porém a fazer nenhum exame primário, reduzindo-se a isso toda a sua instrução.

Continuei a ser muito traquinas — confessa ela e narra logo uma dessas traquinices perigosas — agarrava-me aos americanos (condução puxada a éguas) e deixava-me ir um pouco e depois atirava-me ao chão e caía. Atravessava a rua quando eles iam a passar, sendo preciso o condutor acusar-me à patroa (a pessoa em cuja casa morava e a quem fora confiada por sua mãe). Muitas vezes fugia de casa e ia apanhar sargaço para a praia metendo-me ao mar, como fazem os pescadores; trazia-o para casa e dava-o à patroa que o vendia aos lavradores. Com isso afligia-se a patroa, pois fazia isto às escondidas, embora rapidamente.

Foi na Póvoa de Varzim que fiz a minha primeira Comunhão. Foi o Sr. Padre Álvaro Matos que me perguntou a doutrina, me confessou e me deu pela primeira vez a sagrada Comunhão. Como prémio recebi um lindo terço e uma estampazinha.

Quando comunguei, estava de joelhos, apesar de pequenina; fitei a sagrada Hóstia que ia receber, de tal maneira que me ficou tão gravada na alma, parecendo-me unir a Jesus para nunca mais me separar dele. Parece que me prendeu o coração. A alegria que eu sentia era inexplicável. A todos dava a boa nova.

Assim quis Jesus deixar bem marcado este seu primeiro encontro sacramental com aquela que havia de ser na Terra uma das almas mais eucarísticas, das mais apaixonadas por Jesus Sacramentado!

Desde então começou a comungar diariamente.

Foi em Vila do Conde onde recebi o sacramento da Confirmação, ministrado pelo Ex.mo e Rev.mo Sr. Bispo do Porto. Lembro-me muito bem desta cerimónia e recebi-o com toda a consolação. No momento em que fui crismada não sei o que senti em mim: pareceu-me ser uma graça sobrenatural que me transformou e uniu cada vez mais a Nosso Senhor. Sobre isto queria exprimir-me melhor, mas não sei.

Cedo começa, portanto, a experimentar os efeitos da presença e da acção divina. Daí a contínua lembrança de Deus… "Desde que cheguei ao uso da razão, não me lembro de passar dia nenhum, sem que me lembrasse de Nosso Senhor" — há de escrever ela a 26.12.1935. Já aos quatro anos amava o trato com Deus:

À medida que ia crescendo, ia aumentando em mim o desejo da oração. Tudo queria aprender. Ainda conservo as devoções da minha infância, como: Lembrai-vos, ó puríssima Virgem Maria..., Ó Senhora minha, ó minha Mãe... e o oferecimento das obras do dia: Ofereço-vos, ó meu Deus... a oração ao Anjo da Guarda, oração a São José e várias jaculatórias.

E continua a mostrar-nos a sua devoção da infância:

Quando ia a passeio com a patroa para o campo, acompanhada com outras meninas, fugia do convívio delas e ia apanhar flores que esfolhava, para fazer tapetes na igreja de Nossa Senhora das Dores. Era em Maio e toda me comprazia em ver o altar da Mãezinha adornado de rosas e cravos e de respirar o perfume dessas flores. Algumas vezes oferecia à Mãezinha muitas flores que minha mãe propositadamente me levava.

Pelos nove anos, quando me levantava cedo para ir trabalhar nos campos e quando me encontrava sozinha, punha--me a contemplar a natureza, o romper da aurora, o nascer do Sol, o gorjeio das avezinhas, o murmúrio das águas: entrava em mim numa contemplação profunda, que quase me esquecia que vivia no mundo.

Chegava a deter os meus passos e ficava embebida neste pensamento: o poder de Deus!

E quando me encontrava à beira-mar, ó como me perdia diante daquela grandeza! À noite, ao contemplar o céu e as estrelas, parecia esconder-me mais ainda para admirar as belezas do Criador!

Quantas vezes no meu jardinzinho, onde hoje é o meu quarto, fitava o céu e escutava o murmúrio das águas, ia contemplando cada vez mais este abismo das grandezas divinas.

Tenho pena não saber aproveitar tudo, para começar nesta idade as minhas meditações.

Referindo-se ainda ao período que esteve na Póvoa de Varzim, fala da sua dedicação pela patroa:

Lembro-me de ir acompanhar a minha patroa a Laundos, cumprir uma promessa a Nossa Senhora da Saúde. Connosco foi uma filha dela e a minha irmã. Esta ajudava-a pegando-lhe pela mão, porque ia de joelhos e eu ia à frente dela: arrumava-lhe todas as pedrinhas que encontrava no caminho. A filha, que era mais velha do que nós, foi para a brincadeira.

Era muito dedicada à mulherzinha e quando me davam qualquer coisa boa, como fruta, doces, etc., repartia com ela que ficava toda satisfeita. Eu procedia assim, porque o meu coração assim mo pedia, apesar de ser muito má.

E logo a seguir, conta uma das suas maldades:

Uma ocasião a minha irmã pediu-lhe licença para ir estudar a casa de uma colega que morava perto de nós e eu também queria ir. Como não me deixasse, chorava e por fim chamei-lhe "poveira". Estava zangada. Não me castigou mas disse-me que não podia confessar-me sem lhe pedir perdão. Minha irmã disse-me o mesmo. Isto fez-me muita repugnância e como quisesse confessar-me e comungar, venci o meu orgulho. Ela comoveu-se até às lágrimas e perdoou-me. Senti uma grande alegria, por já poder ir no dia seguinte confessar-me e receber a Jesus