Balasar, 4-2-937
Viva Jesus
Talvez tenha estranhado o meu
silêncio e com razão. Mas, a causa é simplesmente esta: como me custa
muito a falar e muito mais ainda a ditar quaisquer palavras, como não
havia nada de urgente, descansei um pouco. Não foi por me esquecer,
porque muitas vezes me lembrei de lhe escrever.
Nosso Senhor continua a
ter-me no mesmo estado de alma, em profundo silêncio comigo. Meu Jesus,
ó meu Jesus, como custa viver assim. Não é preciso explicar-me mais,
pois o meu paizinho já sabe tudo.
Só raramente e por poucos
instantes, eu sinto algum fervor. Dum momento para o outro, vem como que
um ladrão roubar-me tudo. É a cruz que Nosso Senhor me envia: bem-vinda
ela seja. Não sei como amá-la mais. Não sei como testemunhar melhor o
meu amor a Nosso Senhor. Por mais dura que seja a prova por que o meu
bom Jesus me faça passar, eu nunca me esqueço de um muito obrigada e
faça-se a Vossa Santíssima Vontade. O que Vós quiserdes, meu bom Jesus,
também eu quero. Eu quero ser consumida nas chamas do vosso divino amor
na Santíssima Eucaristia. E sou bem atendida porque estou bem consumida
na ânsia de o querer amar e parecer-me que O não amo. Como o meu Jesus
ama tanto a minha pobre alma, apesar das minhas ingratidões passadas! E
ainda, agora mesmo, O desgosto tantas vezes e tanto O não queria
desgostar! Meu Deus, meu Deus, como eu sou tão má. Mas eu faço o que meu
bom paizinho me ensinou. Atiro com tudo para as Santas Chagas de Nosso
Senhor.
Muito obrigada pelo cartão e
pelo santinho que me enviou pela Deolinda quando ela veio do retiro.
Não se esqueça nunca, nunca
de pedir a Jesus por mim que muito preciso. Às vezes tenho alguns
momentos que vou a desanimar, mas, o meu Jesus não me abandona, vem
dar-me a mão.
Virá Ele, em breve, buscar-me
para o Céu? Eu de lá alcançarei tudo para Vª Rª que tanto tem feito por
mim, apesar de eu tanto o ter consumido.
Lembranças da minha mãe, da
Deolinda e da D. Sãozinha.
Abençoe, por caridade, a
pobre
Alexandrina
P.S. Peço-lhe o favor de me
recomendar ao Senhor Dr. Oliveira Dias e de lhe dizer que tenho lido com
interesse a leitura do espelho da filha da Maria. É nesse espelho
santíssimo que eu queria constantemente ver-me. Ao outro, é bem verdade
tudo que Ele diz. Se Ele me mostrava o meu interior, pobre de mim, teria
vergonha de mim mesma.
Alexandrina
Viva Jesus.
Revmº Senhor Padre Pinho,
Vai estranhar, com certeza, a
minha carta e tem razão porque não é costume; mas a necessidade a isso
me obrigou. Só por necessidade o faço porque só sei escrever para
pessoas da minha condição. Alexandrina está pior: desde o dia 15 em
diante, que ela fala pouco e as falas que dá é só com muito sacrifício e
só muito ao pé dela é que se ouvem. Diz ela que o pouco que fala é só
com um grande esforço que lhe parece ir corresponder ao fundo da
espinha. Custa-lhe a mexer todos os membros do corpo, mas principalmente
o lado esquerdo. Tem a coxa esquerda muito inchada, calça-se com uma
almofada e causa-lhe muita aflição ter de mexer com ela. Hoje disse-me
que estava doente, tão doente, que só lhe faltava morrer. E ansiosa por
isso está ela. Às vezes diz-me assim:
— “Nosso Senhor demora-se tanto
a vir-me buscar-me! Mas parece-me que agora não deverá tardar. Dentro em
breve, estarei com os anjinhos. E de lá, contai comigo que hei-de
alcançar tudo de Nosso Senhor. Ele há-de fazer-me tudo o que lhe pedir
porque eu também nunca Lhe digo que não. Bem sei que é Ele quem me dá
coragem para tudo sofrer”.
Senhor Padre Pinho, por
caridade, não nos esqueça junto de Jesus. É tão pesada a nossa cruz! Só
com uma grande força do Céu é que se conseguirá levá-la. Custa-me tanto
ver a minha querida irmãzinha sofrer tanto, tanto, e não lhe poder
valer! O que me dá mais consolação, é presenciar como ela sofre com amor
e como só deseja que se faça a vontade de Nosso Senhor em tudo e sempre.
Como não sei nada de Vª Revª, por onde anda, pedia-lhe o favor de, logo
que possa, me dizer para onde tenciona ir para, no caso ser preciso,
comunicar alguma notícia, sabermos para onde.
A D. Sãozinha envia-lhe
muitos cumprimentos e pede para mandar dizer que tenciona passar as
férias da Páscoa em Braga e, se não passar, se daqui até lá o poderá
encontrar algum dia em Braga.
Muitas lembranças da minha
mãe e da Alexandrina, que pede que a abençoe.
Adeus por hoje.
Abençoe também a pobre
Deolinda.
Senhor Padre Pinho,
Como assim, tenho que fazer
mais este sacrifício de escrever a Vª Reciª para lhe contar como tem
passado a Alexandrina. Eu não sei explicar como ela está, mas pelo pouco
que vou dizer, Vª Revª já fará ideia de tudo.
Quanto aos sofrimentos do
corpo, continuam a ser muitos, muitos. Continua a não poder falar senão
com grande sacrifício. O pouco que come, já lho tenho metido na boca ou
segurado a mão dela com a minha. Não se atreve a fazer o sinal da cruz
com a mão dela sem a segurar. Continua a estar inchada e os pés,
principalmente o esquerdo, ultimamente tem inchado muito, o que lhe
causa muita aflição. Até lhe custa a ter a roupa em cima e não se move
sozinha para nada. Hoje diz-me que aos bocados parece que não vê.
Domingo, quando fui mudar-lhe a roupa, pensei que ela morria.
Quanto aos sofrimentos da
alma, disse-me que tem tido dias que Nosso Senhor a tem experimentado
muito e por isso que pedia ao paizinho dela para a recomendar muito a
Nosso Senhor e para pedir ao Senhor Dr. Oliveira para ter a caridade de
fazer o mesmo. Que pedissem muito agora por ela na terra que, depois no
Céu, ela faria o mesmo.
Adeus por hoje, que não tenho
tempo para mais.
Muitas lembranças da minha
mãe e da D. Sãozinha e peço para me não esquecer junto de Jesus e para
me abençoar.
Deolinda Maria da Costa.
Senhor Padre Pinho,
Aqui me tem a cumprir um
dever de obediência e agradecer a Vª Revª a boa cartinha que teve a
caridade de escrever à Alexandrina; em nome dela muito obrigada.
Ela tem piorado cada vez
mais. Não sei se poderá ser possível agravar-se mais o seu sofrimento.
Continua a ter os pés inchados e tem tanta aflição neles e tantas dores
que várias vezes no dia me pede para pegar neles nas minhas mãos a ver
se os alivia um pouco. E depois diz-me assim: “Olha como eu imito a
Nosso Senhor!” Tem piorado muito da bexiga. Tem botado muito sangue,
depois fica com dores horríveis. Deitamos-lhe panos quentes e até esses
trazem sangue. Estou a escrever a Vª Revª junto do leito dela donde
pouco tempo posso sair, nem de dia, nem de noite. E, por algumas vezes
com custo, tenho reprimido as lágrimas vendo-a sofrer tanto, tanto, e
não saber o que hei-de fazer. Às vezes pede-me para a puxar mais para
cima; vou a fazê-lo e ela faz-me sinal para parar e fica quasi
desmaiada. Se assim continuar, nem se lhe pode mudar a roupa.
Faz-me tanta pena quando lhe
estou a meter na boca o quasi nada que come e ela nem poder bulir com os
queixos para comer! Fica tão aflita com aquele bocadinho de movimento
que faz. Mas, graças a Nosso Senhor, continua a sofrer muito bem e com
grande ansiedade em chegar o dia de ela ir para o Céu. Ontem à noite
disse-me: “Agora parece-me que sempre é certo Nosso Senhor vir-me
buscar”. E hoje disse-me: “Eu não vou morrer, vou viver. Vou para
a minha pátria; a minha pátria não é isto, é o Céu”. Sim e eu também
me parece que se aproxima o fim. Ai meu Jesus, não sei como nos havemos
de separar uma da outra.
A Alexandrina pede-me para
dizer a Vª Revª que continua no mesmo estado de alma; que ás vezes se vê
atrapalhada. Recomenda-se muito a Vª Revª e pede que a abençoe.
Muitas lembranças da minha
mãe e da D. Sãozinha.
Abençoe, por caridade, a
pobre
Deolinda
Senhor Padre Pinho,
Espero que Vª Revª me
desculpará por, já hoje, voltar a escrever-lhe. Escrevi uma carta para a
Gandra, Baltar e receando que ela não lhe fosse entregue, resolvi
escrever duas letrinhas para o Porto, para Vª Revª saber como passa a
Alexandrina.
Está tão doentinha! Quasi não
sossega nem de noite nem de dia. Pede-me para a puxar para um lado e
para outro e não encontrando posição para estar diz assim: “Ó meu
querido Amor, Vós ainda sofrestes mais do que eu”. Às vezes também
me diz: “O que se passa no meu corpo só Deus o sabe; e basta que Ele
só o saiba”. Às vezes dá-lhe pela cabeça, principalmente de noite,
diz que não sabe bem explicar mas que é como quem está variado: mas não
fala, é só com o pensamento; não sei se será do estado da fraqueza.
Mas, apesar de tudo isto,
conserva como de costume o sorriso nos lábios e ainda diz a Nosso
Senhor: “Mais, meu querido Jesus, mais; tudo quanto vos aprouver
enviar-me, e só desejo que se cumpra a vontade de Nosso Senhor em tudo e
sempre”.
Diz-me ela para eu mandar
dizer a Vª Revª que a alma não é menos crucificada que o corpo. Que
pensa se Nosso Senhor, na sua infinita sabedoria ainda encontrará mais
meios para a afligir. E que finge tudo tirar-lhe. Que até lhe parece que
não é amada por Nosso Senhor nem por Nossa Senhora. Mas que tem toda a
confiança que é.
De novo pede a Vª Revª para a
não esquecer junto de Jesus e promete fazer o mesmo: também pede para
daí a abençoar.
Muitas lembranças da minha
mãe e peço a caridade de me abençoar também a mim,
Deolinda.
Senhor Padre Pinho,
Ainda tenho que ser eu quem
lhe dou as notícias de Alexandrina.
Por isso, em nome dela, muito
obrigado pela cartinha que lhe enviou no dia dos anos assim como
........
Senhor Padre Pinho, ainda não
chegou o dia de a Alexandrina partir para o Céu como ela deseja. Sábado
de Aleluia, pelas oito horas da manhã, pensámos que era para ser.
Deu-lhe uma aflição tamanha que, se demorava muito tempo, ela não
resistia. Principiou-lhe por dores horríveis nos rins e na bexiga, não
deixando que ela se pudesse mexer para parte nenhuma. Depois principiou
em vómitos, mas não vomitava nada. No meio desta aflição ela pedia-me
para lhe dar o crucifixo a beijar e repetia: “Ó meu querido amor, Vós
ainda sofrestes mais do que eu”. Eu repetia com ela algumas
jaculatórias para ela acompanhar com o pensamento. Também mandámos
chamar o Senhor Abade, mas ele não estava.
Durante todo o dia nunca mais
saí do pé dela, nem para comer. Depois as dores abrandaram um pouco,
deixou de ter vómitos e sossegou um pouquinho. Agora continuam todos os
outros sofrimentos como Vª Revª já sabe. Passa horas no dia que são
tantas dores que os olhos rasam-se-lhe de lágrimas e eu não posso passar
sem chorar ao vê-la sofrer tanto. Ainda esta noite passou tão mal! Mas
já tem passado mais assim. Apesar de tudo, ela só deseja que se faça a
vontade de Nosso Senhor em tudo e sempre.
Ás vezes diz-me assim:
“Eu
tenho tantas dores e parece que não sofro nada! Sou tão rabugenta! Não
sei sofrer caladinha!”
É tal, às vezes, a aflição
interior que ela sente, que me diz assim: “O que eu fui e o que sou:
dantes ainda tinha algum conserto e ainda era amiga de Nosso Senhor;
agora não tenho conserto nenhum, não rezo, não sou nada amiguinha de
Nosso Senhor”.
Ela agradece a Vª Revª tudo o
que fez por ela no dia dos anos e sempre e pede que, por caridade,
continue, que ela também promete nunca o esquecer junto de Jesus.
Muitas lembranças da mãe e de
D. Sãozinha.
Deolinda.
Senhor Padre Pinho,
Cá estou eu de novo a dar-lhe
notícias da Alexandrina.
Ainda era para não escrever,
mas parece-me que ela ficava mais contente se eu mandasse duas
palavrinhas.
Ela ainda vive porque Nosso
Senhor assim quer, porque se não fosse por Ele, era impossível ela
resistir com tanto sofrimento sempre de dia e de noite; pouco tempo é o
que ela dorme.
Sábado, durante cinco horas,
estive constantemente a deitar-lhe panos de água quente sobre a bexiga e
ela com dores horríveis e muito aflita e quase continuadamente deitava
coisas para fora. Certamente era isso o que lhe fazia a aflição. Depois,
ali pelo meio da tarde, sossegou mais um pouquinho e dizia-me que estava
muito cansada, que já não podia mais e eu estava quase na mesma. Mas
isto não foi só sábado, tem continuado todos os dias, de então para cá.
Alguns dias não tem sido tanto tempo.
Ela diz-me que é porque não
sabe sofrer e por isso às vezes, aos bocadinhos, tenta remediar sem os
panos mas não pode. Diz ela que, se não fosse a grande aflição que tem
no corpo todo, que resistia mais; assim aos bocados lhe parece
desfalecer. Também me disse que às vezes, só por um instante, chega a
ter medo do sofrimento. Mas que não admira, porque Nosso Senhor, também,
no Jardim das Oliveiras, temeu e disse: “Pai, se é possível, afastai de
mim este cálice”.
Hoje, também mais que uma
vez, me disse que estava muito cansada; como não havia de estar Nosso
Senhor, naquela noite de quinta para sexta-feira santa, até à hora de
ser crucificado!
Vou terminar porque já estou
a abusar da paciência de Vª Revª, que a esta hora deve estar bem
cansado.
Muitas lembranças da minha
mãe e de D. Sãozinha.
Eu tanto preciso de me
confessar, mas não posso sair daqui. Seja o que Deus quiser.
Por caridade, não nos esqueça
junto de Jesus para que Ele ajude a Alexandrina a levar a cruz até ao
alto do Calvário e a mim para que me ajude a acompanhá-la, que tanto me
custa.
Abençoe-me, por caridade.
Deolinda.
Senhor Padre Pinho,
Estimo que Vª Revª tenha
chegado bem a Braga e que continue bom, são os meus desejos. Cá estou eu
a escrever a Vª Revª ainda mais cedo do que fazia conta.
Pensava em escrever
quinta-feira, como de costume, mas não queria deixar passar tanto tempo
sem que Vª Revª saiba do que se passa.
Quando esta chegar não sei se
a Alexandrina ainda estará viva.
Na noite de quinta para
sexta-feira vomitou e passou muito mal. De dia continuou a ter vómitos,
mas não tinha nada que vomitar.
Não sei se Vª Revª se lembra
de ela já na quinta-feira se queixar que não podia mastigar nem engolir,
que lhe parecia que tinha a língua grossa. Pois, na sexta-feira e no
sábado ainda consegui qualquer coisa, quase nada; mas eram tais as dores
que sentia no céu da boca e pelo canal abaixo que até fazia pena.
Desde sábado, não tornou a
tomar alimento nenhum. Nem mesmo a água pode beber e se teima em beber
alguma, vomita-a logo.
Faz-me tanta pena ela dizer:
“Tenho tanta sede e não posso beber!” Dizia também: “Que Nosso
Senhor me tire tudo mas que não me tire a Sagrada Comunhão”. Mas até
isso lhe tirou porque, já hoje, não pôde comungar.
São tantos e tão fortes os
vómitos que às vezes parece que até se levanta no ar com a aflição.
Domingo vomitava muita água
verde e hoje, é uma água escura com muitas coisas juntas, não sei o que
é.
Mas graças a Nosso Senhor,
ela continua a sofrer bem. É isso que me consola no meio de tantas
aflições.
Agora custa muito entendê-la,
mas enquanto falava melhor ouvia ela dizer: “Amo-Vos, Jesus. Sou toda
Vossa. Sede comigo até ao fim. Minha Mãe Santíssima e São José, sede
comigo até ao último momento da minha vida”. Dizia isto e outras
coisas semelhantes.
Também me disse que Nosso
Senhor é muito amigo dela, que lhe dá tudo quanto ela lhe pedia, que
eram os sofrimentos.
Agora pergunto-lhe se está
ansiosa por ir para o Céu e se está contente com Nosso Senhor. Ela
diz-me que sim, mas que não pode mais.
Hoje esteve aqui o Senhor
Abade, por duas vezes, e como ela desejava muito comungar, ele trouxe
uma partícula por consagrar e deu-lha a ver se ela podia engolir. Mas
não pôde a não ser com água e, logo que bebeu a água, vomitou. Por isso
não comungou. Agora não vem para ela, não vem para mim, estamos ambas
sem comungar. Que Deus seja connosco!
A Alexandrina tinha-me dito
para mandar um santinho dos que tem escritos para o Sr. Dr. Oliveira.
Eles são muito fraquinhos: em vez de um vão dois, para escolher.
Peço o favor de lhos entregar
e de nos recomendar muito e que faça a caridade de pedir por nós, pois
agora mais que nunca precisamos.
A Vª Revª peço para fazer o
mesmo e que daí nos envie uma bênção muito especial, que nestes tristes
dias tanto precisamos.
Sou sempre a pobre
Deolinda
Viva Jesus.
Senhor Padre Pinho,
Agora que tenho uns momentos
mais livres, pensei em dizer alguma coisa a Vª Revª, porque faço ideia
quanto deseja saber o estado de Alexandrina pela qual muito se tem
sacrificado.
Das muitas pessoas que a
viram, ninguém julgou ela ser viva a esta hora.
O Senhor Abade vinha aqui
duas vezes por dia, lia, rezava e por aqui passou algum tempo. Mas ainda
não tinha chegado a hora. Nosso Senhor ainda não estava satisfeito.
Ainda mais alguma coisa vai encontrando para sacrificar na sua
vitimazinha.
Ainda não tornou a tomar nada
senão alguns golos de água fria ou algumas colheres de chá, e isso
mesmo, lhe causa dores horríveis desde a boca até à barriga e estômago e
que ainda lhe passa às costas. Não se pode ver quando é para engolir
essa pouca água. Diz ela que Nosso Senhor ainda sofreu mais e que também
teve sede na cruz e que lhe deram a beber fel e vinagre.
Diz-me que dizia a Nosso
Senhor que lhe queria matar a fome e a sede que Ele tem de amor ao
Santíssimo Sacramento e essa sede que nunca lha pode apagar e que a dela
em breve será saciada.
Hoje, com um braço amarrado
ao meu pescoço dizia-me assim: “Estou pronta, o meu corpo já está um
cadáver, mas morta por isso estou eu. Se me apanho no Céu!”
Ela tem a esperança que Nosso
Senhor a venha buscar na próxima quinta-feira. Virá? Não sei. O que sei
é que nunca pensei que se podia sofrer tanto. Mas seja feita a vontade
de Nosso Senhor.
Desde o domingo, dia 25, até
quinta-feira, dia 29, não comungou. Neste dia os vómitos não eram
tantos, mandámos vir o Senhor Abade e comungou dois dias; depois no
sábado, dia 1 de Maio, não pôde comungar. Depois continuou a comungar
até hoje: às vezes temos tido bastante susto, mas não tem tido dúvida.
Por hoje mais nada, que não
tenho tempo para mais. Muito obrigada pelas boas orações de Vª Revª e,
por caridade, continue que muito, muito precisamos.
Muitas lembranças da minha
mãe e da Conceiçãozinha.
Peço, por caridade, para daí
nos abençoar.
Deolinda Maria da Costa.
Viva Jesus.
Senhor Padre Pinho,
Não me recordo se, na carta
que escrevi para Guimarães, agradeci a Vª Revª a linda cartinha que
tinha escrito à Alexandrina.
Eu nunca tive muito juízo,
mas agora, trago a minha cabeça de tal forma que cada vez tenho menos.
Portanto, se ainda o não tiver feito, agradeço-lhe agora assim como a
fotografia dela que há dias nos chegou à mão. Mil vezes muito obrigada
por tudo.
Agora vamos ao que a Vª Revª
lhe interessa saber.
A Alexandrina ainda vive.
Parece que Nosso Senhor anda a brincar com ela.
Nem nós nem as pessoas que a
viram julgavam ela ser viva a esta hora. Mas ainda não está tudo
consumado. O nosso bom Jesus ainda não está satisfeito, ainda encontra
na sua vítima mais alguma coisa para sacrificar. Que Sua Santíssima
Vontade se cumpra são os desejos dela, Apesar da grande ânsia que tem do
Céu.
Continua muito malzinha, mas
sempre pedindo e confiando que Nosso Senhor há-de ser com ela até o fim.
Estes dias os vómitos têm
sido menos, mas pela aflição que sente, parece-lhe que tornam a vir
mais. Enjoou da água; não sei se foi por a vomitar, se pelo que foi. E
agora passa muita sede. Tem chuchado o sumo de laranjas para a refrescar
um pouco, mas também está a enjoar delas.
Continua a não poder comer
porque não pode bulir com os queixos; só desde segunda-feira para cá. é
que tem passado um bocadinho de puré de batata e esse mesmo com custo.
Custa a perceber o que ela
diz porque não pode abrir a boca para falar.
O corpo dela está como morto,
sem ajudar não se move com nada.
E diz-me assim: “Vós não
imaginais o que se passa no corpo e na minha alma. Só Deus o sabe e
basta que só Ele o saiba”. Diz que é preciso ela morrer, que se não
levante por aí alguma galga.
Vª Revª quer saber porque é
que ela diz isto? É porque, apesar de estar bastante esquecida e não
prestar atenção a quasi nada que se diz, ouviu estar a contar que um
homem de Arcos perguntou por ela e disse que se dizia que estava santa;
foi o bastante para ela se afligir muito e dizer que era preciso morrer.
Senhor Padre Pinho, pedia-lhe o favor de em nome de Alexandrina
agradecer ao Senhor Dr. Oliveira Dias o lindo santinho e as boas
palavrinhas que teve a caridade de lhe mandar.
Também peço para nos
recomendar muito e para lhe pedir que não nos esqueça junto de Jesus,
para que Ele nos ajude a passar estes tristes dias. Nós também o não
temos esquecido.
Termino pedindo que desculpe
tudo e enviando-lhe lembranças da minha mãe e da D. Conceiçãozinha.
A Alexandrina recomenda-se
muito e pede que a abençoe.
Por caridade, abençoe esta
que muito precisa.
Deolinda Maria da Costa.
Senhor Padre Pinho,
Não tencionava escrever-lhe
ainda hoje, pois só para quinta-feira é que pensava fazê-lo.
Coisas há que me levaram a
dizer-lhe já algumas palavras.
Acabámos de receber aqui a
visita de um Sr. Padre que, por sinal, parecia muito santo. Trazia um
cartão de Vª Revª que dizia para a Alexandrina lhe falar à vontade; e
foi bom porque ela diz que, se não fosse o cartão, não lhe dizia nada do
que ele queria saber. Ele disse-lhe ao que vinha e do mando de quem
vinha. Diz-me ela que lhe respondeu com toda a franqueza e simplicidade.
Que Nosso Senhor a não levou ainda porque lhe queria mandar mais esta
prova que tanto lhe custou.
Se o sacrifício que fazia
para dizer as coisas ao paizinho dela era grande, para dizer a este que
nem ao menos o tinha visto, foi ainda muito maior. Não lhe disse tudo
porque era impossível em tão pouco tempo e o pouco que lhe disse foi com
grande esforço, porque Vª Revª bem sabe quanto lhe custa falar. Diz ela
também, que para estas coisas já é um pouquinho tarde, porque não tem a
cabeça em condições. Para ela que lhe é indiferente tudo isto; só o que
quer muito é que seja feita a vontade de Nosso Senhor. Afligiu-se muito,
principiou a chorar e ele ainda aqui estava ao pé dela.
Quanto à doença, continua a
apossar-se cada vez mais.
Os pés estão tão inchados e
as pernas que não têm mais para onde alargar. Há dias principiou a
inchar-lhe as costas; já vai o inchar a meio.
Já se lhe não conhecem os
ossos nem a espinha e custa-lhe imenso a estar na posição que tem. E
então diz-me assim: “Nosso Senhor estava quietinho na cruz e eu estou
sempre a rabiar. Eu sou tão rabugenta!”
Disse-me também que o domingo
da S.S. Trindade o passou mais no Céu do que na terra. Que estava tão
atribulada e que eram tantas tantas as saudades que tinha pelo Céu.
Vou terminar a ver se ainda
apanho o correio, que está na hora.
Muitas lembranças da minha
mãe e da D. Sãozinha.
Para mim e para a
Alexandrina, uma bênção e a grande caridade de não nos esquecer junto de
Jesus que tanto precisamos.
Deolinda.
P.S. Peço o favor, se estiver
com a Dª Maria Emília, de nos recomendar muito e de lhe pedir a caridade
de nos não esquecer junto de Nosso Senhor.
Senhor Padre Pinho,
Já vai sendo tempo de eu
cumprir um dever que parece já estar um pouco esquecido; mas não está.
Como Vª Revª sabe, tenho
sempre muita dificuldade em lhe escrever e não havendo nada de novo não
o faço; mas não é por me ter esquecido.
Então Vª Revª já regressou de
Lisboa? Chegou bem de saúde? Oxalá que sim. Agora demora-se em Braga?
Algum tempo? Eu tanto queria ir aí, que muito precisava de falar com Vª
Revª, mas não posso de maneira nenhuma sair de casa, não posso abandonar
o meu posto; enquanto Nosso Senhor quiser que eu esteja nele, eu também
quero. Às vezes custa-me tanto! Ai, meu Jesus, que Ele não me falte com
a sua graça que com ele tudo posso.
A Alexandrina continua muito,
muito doentinha. Da espinha e das costelas tem piorado muito. Para lhe
dar as voltas, não consente que a erga nada: é só arrastando de um lado
para outro. As costelas, principalmente do lado direito, não se topam,
estão caídas tanto lá para dentro, e fazem-lhe tanta aflição! E agora,
com este calor, ó meu Deus, que dias se passam e que sofrimento que não
se pode explicar.
Mas, apesar de tudo, está
sempre contente com a vontade de Nosso Senhor.
Hoje ao ouvi-la em grandes
gemidos, perguntei-lhe o que doía mais: ela fez-me sinal que era da
cabeça até aos pés.
E se fossem só os sofrimentos
do corpo. E os da alma!
Apesar de eu não saber de
tudo, parece-me que não são menos dolorosos do que os do corpo.
Quantas e quantas vezes eu
lhe vejo os olhos encherem-se de lágrimas, fruto desse grande
sofrimento.
Vª Revª já soube que ele
escreveu? Eu escrevi-lhe duas letras a agradecer-lhe.
A Alexandrina está triste e
tem pena de lhe ter dado o desgosto de chorar diante dele.
Lembranças da minha mãe e da
Sãozinha.
A Alexandrina pede que a
abençoe e que não se esqueça de pedir muito a Nosso Senhor por ela. Eu
também me recomendo às orações de Vª Revª e também peço que me abençoe.
Deolinda.
Precisava de desabafar, mas
não o faço porque não me sinto com coragem de o fazer. Ainda que fosse
eu quem escrevesse não seria capaz de lhe dizer tais coisas por escrito.
Já no domingo de manhã, eu
tive um grande combate com o demónio. Depois de passada a tempestade,
deixou-me numa tremenda noite escura. Mas muito maior ainda foi à noite.
Durou algumas horas. Nunca pensei em tal na minha vida. Se não fosse o
muito que o paizinho se consumiu comigo e lembrar-me dessas suas santas
palavras, com certeza na segunda-feira já não comungava. Dizia-me o
maldito que não comungasse se não mais depressa me vinha buscar para o
inferno. “Não te dizia que te havia de fazer cair em horrendos
crimes? Tu queres, tu consentes. Digo-te as coisas mais feias! Tenho a
certeza que as não dizes àquele intrujão, àquele impostor” e outro
nome ainda pior. Durante essas horas de combate, ouvi por duas vezes a
voz de Nosso Senhor, com um pequeno intervalo uma da outra. Uma, coisa
muito rápida e das duas vezes repetiu as mesmas palavras.
— Minha filha, ouve o teu Jesus,
o teu esposo. Coragem, a batalha é tua. Eu estou contigo para te dar
força, minha bela, meu lírio, minha açucena, ó pura, pura, pura.
Nessa ocasião parecia-me
ouvir o demónio a rosnar como um cão. Ameaçava-me que me não deixaria
mais nem um momento, nem na terra nem no inferno, e que não tinha lá
outro condenado como eu, que eu era a pior. Eu já não podia mais. Se não
vem Nosso Senhor, pela terceira vez, como que a separá-lo de mim,
parece-me que eles até me matavam. Ouvi o meu bom Jesus, que me dizia:
— Minha filha, já te não fazem
mais mal.
E disse-me por que permitia
tais coisas, mas que me não tinham feito o mal que a mim me parecia.
— Minha filha, não me posso
demorar, vou-me esconder. Para que saibas que sou o teu Jesus, aí vai o
meu amor.
Senti aquela força interior
que me abraçava e aquele calor que me abrasava. Repetiu-me aquelas
palavras, que há dias me tinha dito e disse-me:
— “Vela comigo”.
Imediatamente tudo o que era
de Nosso Senhor me desapareceu e o que era do demónio sentia-o com toda
a gravidade, como se fosse feito por mim. Mas, durante a noite, não me
voltaram mais a afligir.
Abençoe-me, por caridade,
Alexandrina.
Senhor Padre Pinho,
A Alexandrina não pode mais.
Já está muito cansada e manda-me que diga mais alguma coisa. Mas que
hei-de dizer? Só posso dizer que nunca vi coisas destas na minha vida.
Tem-se repetido, embora os combates não estejam tão fortes.
Segunda-feira à noite, já só eu estava a pé, observei tais coisas que
fiquei admirada. Ela suava tanto que parecia ter caído num rio de água e
eram tantos os saltos que davam com ela que parecia que a tiravam da
cama para fora. Ajudei-a no que pude, dando-lhe o crucifixo a beijar,
porque ela não tinha força para o levar aos lábios. Também aspergi a
cama com água benta e não me deitei até que o demónio a deixasse. Isto
já se tem repetido mais vezes.
No sábado, pouco depois de Vª
Revª daqui ter saído, recebi esta carta da Maria José para lhe entregar;
aí lha envio.
Lembranças da minha mãe. Por
caridade, não me esqueça junto de Nosso Senhor que muito preciso.
Abençoe, por caridade, a pobre,
Deolinda.
|