Alexandrina Maria da Costa

SENTIMENTOS DA ALMA

JUNHO 1945

1º de Junho de 1945 – Sexta-feira

As minhas ânsias têm voos que me fazem voar para a morte. Anseio por dar a vida. Ficam as ruas seladas com o meu sangue, caminho no maior silêncio. Tenho sede de dar a vida para possuir as vidas. Vejo o sepulcro que há-de possuir o meu corpo; é sepulcro que tira do sepulcro almas, muitas almas, apodrentadas, quase já mortas. Subo a grande montanha do calvário, caio por tantas vezes e quantas fico como se o meu corpo já fosse um cadáver, um cadáver desconhecido. O sangue, que lhe corre pelo rosto, não o deixa ver. O corpo é pior ainda do que o de um leproso desfeito. O coração vai sequioso, há-de vencer pelas almas, há-de morrer por elas. No calvário, pregada na cruz, o solo estremecia tanto que fazia estremecer a minha cruz e as que estavam a meu lado. As ternuras do coração espalhavam-se para os que nelas estavam crucificados. Para a direita eram aceites, para a esquerda recusadas. Sentia a revolta do que as recusava e o amor do que as recebia. Sentia e via com a alma a Mãezinha ao pé da cruz a tentar abrir os Seus santíssimos braços para tomar Jesus, que estava crucificado em mim. Ela queria fazer em vida o que ia fazer depois de Ele morto. Queria abraçá-Lo e derramar sobre Ele as Suas lágrimas. É inexplicável a dor de tudo isto: o que sofriam os dois corações, o de Jesus e o da Mãezinha. Que dor também no meu pobre coração! Ele parecia um corpo que pela doença não encontra posição; voltava-se para um lado, voltava-se para outro, levantava-se e desfalecia. Bradava ao céu repetidas vezes. Veio o meu Jesus.

— Minha filha, estrela fulgurante, o teu brilho ilumina as almas. És a luz que as guia ao meu divino coração. Vem cá, vem à vida para dares vidas; vem a mim para te dares às almas. A vida que lhes dás de mim a recebes. Eu sou a vida do teu corpo e da tua alma, e tu és a vida delas. Por ti recebem a graça, por ti são salvas.

Fiquei unida a Jesus, rosto com rosto, coração com coração. Dos lábios de Jesus recebia ósculos cheios de doçura e amor. E do Seu Coração Divino recebia sangue. O meu coração dilatou-se, e o sangue de Jesus parecia já não caber dentro de mim, enchia-me o peito. Jesus só desuniu o Seu Coração do meu ao terminar o colóquio. E dizia-me:

— Recebe, minha filhinha, o sangue que gera as virgens, dá pureza, graça e amor. É a vida divina que dou às minhas esposas mais amadas. Oh! quão grandes são as maravilhas que opero em ti!  Que riqueza para as almas! Que tesouro escondido! Que milagre oculto! E tentam destruir o terreno que eu preparei. Encobrem tudo com o erro e a mentira, tentam encobrir as flores mais belas do meu jardim, do jardim que não há igual. São flores, são pétalas e perfume para o mundo inteiro. A hora chegará, o triunfo não vem longe. Dá-te às almas, dá-me as almas; foi para as salvares que te confiei o mundo. E ele não corresponde. E as minhas maravilhas ocultas, quando era tão urgente não estarem. Que meios de salvação! E o mundo em tanto perigo!

— Jesus, então está o mundo em risco de se perder?

— Sim, minha filha. A justiça divina não pode resistir mais. Ele não se converte. Eu não sou amado. São tão poucas as almas que me amam! São tão poucas as que praticam, como devem, a piedade! São tão poucas as que sofrem bem, conhecem o valor da sua cruz e a amam! E é tão grande o número dos que me ofendem! Há tanta maldade! Está a desaparecer do mundo a castidade. Ó impureza que tanto me ofendes. Repara, sofre, filhinha amada, e vê quanto sofre o meu divino coração. Sofre contente, sofre comigo.

— Sofrer, sim, meu Jesus, mas conVosco não. Quero sofrer eu, mas não Vós. Quero a Vossa força para resistir, mas não quero a Vossa dor.

— Diz, diz, minha pomba bela, porta-voz de Jesus para o Santo Padre. Que todo o mundo escute a voz do seu pastor, que é a voz de Jesus. Peço amor, peço pureza, peço emenda de vida. Que a voz do Santo Padre seja para o mundo segundo aviso de Noé. Se não quiserem ouvir a voz do seu pastor, se não atenderem ao chamamento do céu, hão-de ouvir o eco da destruição e obedecer à sentença de condenação eterna. Que o Santo Padre fale às nações, a todos os governantes: podem eles pôr termo a tanta desmoralização, a tantos males que fazem perder a humanidade. Continua a tua missão, filhinha amada. Pede-me sempre, espera-te a recompensa. És poderosa na terra e no céu. O orvalho da tua missão cairá sempre sobre as almas, quando já estiveres na tua Pátria.

Recebi de Jesus por despedida uma forte efusão do Seu divino amor. Decorreram algumas horas, e Ele sempre a queimar-me o coração. Disse a Jesus:

— Que mais posso fazer por Vós e pelo mundo?

— A tua heroicidade sempre e sempre o teu amor ao meu divino coração, à tua cruz e às almas. Coragem, coragem sempre.

Pouco depois, já as dúvidas me atormentavam, e a lutar com elas dizia:

— Meu Jesus, tudo o que faço é com os olhos em Vós, só tem dois fins: o amor, a salvação. Amor a Vós, salvação das almas.

E Jesus ainda me segredou:

— Não duvides, minha filha, a tua vida não é de enganos, a tua vida é do céu, é divina.

Vieram os espinhos, vários espinhos feriram o meu coração; aceitei-os com os olhos fixos em Jesus. É mais uma prova de amor, um meio de salvação.

2 de Junho de 1945 – Primeiro sábado

Quanto pior melhor, passei mal a noite. O sofrimento consumiu o meu corpo, mas para mim era motivo de contentamento. Quanta mais dor mais união com Jesus. Mas oh! que temor eu tinha de me aproximar d’Ele! Que medo desta união, de viver na Sua divina presença. A minha alma sofria, agonizava. Eu redobrava de esforços para me unir a Ele. Veio a hora de me preparar para O receber. Preparei-me sempre tímida, mas com ânsias vivas de O consolar e não me separar d’Ele. O temor acompanhou-me até ao momento de comungar. Comunguei, mudou o cenário; o temor desapareceu. Sentia em mim a Sua divina presença e o Seu amor. Falou-me:

— Minha filha, pomba, pomba, pomba branca, fiel e pura. Vem a mim, aproxima-te, não temas, não tens por que temor, o teu temor não é teu. Oferece-mo, é reparação que te peço. Escolhi-te para vítima, és a maior vítima da dor, do sacrifício e do amor. Oferece-me o teu temor pelas almas que se aproximam de mim para me receberem em estado miserável, horroroso, e nada temem. Recebem-me em suas línguas malditas, línguas de fogo. Filha querida, esposa amada, deixa-me ter contigo este desabafo. Oferece-me ainda o teu temor pelos sacerdotes. Olha o meu divino coração por eles tão ferido. Tomam-me em suas mãos impuras, recebem-me em seus corações podres e sem nada temerem. Cegaram-nos os vícios, calejaram-nos as paixões. Não mostro logo o poder da minha justiça divina para não os punir eternamente. Entro em todas essas almas para logo sair esforçado por Satanás, que é rei e senhor dos seus corações. Antes queria ser dado aos cães ou às feras, por quantas eu seria mais agradecido e louvado. Já vês, amada minha, não é teu esse temor. Já vês, lírio dos prados, açucena pura, que não são tuas as horrorosas misérias de que te vês sobrecarregada. És a nova redentora, fui eu que te escolhi e eu redentor também por elas fui sobrecarregado, por tudo respondi ao meu Eterno Pai. Agora tens de responder tu, a ti te confiei a humanidade; espalha sobre ela o aroma angélico das tuas virtudes. Tenho sede de amor, quero habitar em teu coração, aqui sou amado, não sou ferido. Oh! como estou bem!

— Estais, meu Jesus, à sombra do que é Vosso. Sois amado com o amor que Vos pertence. De mim nada tenho, de tudo me sinto despida.

— És grande por seres pequenina; serás exaltada por seres humilhada. O teu poder sobre as almas, a tua missão sublime continuará no céu sempre, sempre. Diz-me, minha filha, quando me dás a lista das almas que não queres que vão ao Purgatório?

— Não quero fazê-lo, Jesus, sem me consultar. Esperai mais um pouco, se não ficais triste, meu Amor. Escrevo-os desde já no meu coração para Vós lerdes, meu Jesus, até que doutra forma o possa fazer. Concordais assim sem Vos desgostardes?

— A tua humildade e obediência são para mim motivo da maior consolação e amor. Alegro-me com isso, mas não te dispenso, quero que a faças, e por tua mão, e relembres também aquelas que já te prometi levar para o céu sem Purgatório. Coloca-a depois junto da imagem do meu divino coração para lá estar sempre até que todas essas almas partam para a sua Pátria. Faço isto para provar-te o meu amor, todo o amor e loucura por ti.

— Obrigada, meu Jesus, no tempo e na eternidade.

— Diz, minha filha, ao teu paizinho o que vou dizer-te.

— Como, meu Jesus? Dizeis-me tanta coisa para ele, eu não posso falar-lhe, não me deixam.

Jesus sorriu com o Seu doce sorriso.

— Sossega, sossega, minha filha, lá chegará. Faço isto para lhe mandar sempre o meu amor para ele dar às almas e para provar-lhe que ele está na verdade e que foi vítima escolhida por mim para o unir a ti. Quero-o purificado. Quero dois espelhos cristalinos para enfrentarem um com o outro.

Jesus abriu o Seu Divino Coração e continuou:

— Diz ao teu médico que todo o céu se alegra ao ver a sua atitude e defesa pela minha divina causa. Abro o meu divino coração para derramar o meu divino amor e a abundância das minhas graças sobre ele e todos os seus. Derramo-as sobre o seu coração de esposo, de pai e filho também. São para ele e para os que lhe são caros. Recebem-nas por ti. Diz-lhe que é unido a mim que operaremos milagres para conservar-te a vida até que se dissipem as nuvens para aparecer o sol, e brilharem as minhas graças e maravilhas. Vem, minha Mãe, confortar a nossa filhinha. Dá-lhe a tua graça, pureza e amor.

Veio a Mãezinha, tomou-me em Seus braços, estreitou-me com Jesus. Beijou-me, acariciou-me docemente.

— Minha filha – disse-me Ela – ama sempre o teu Jesus. Sofre tudo com alegria para O consolares. Vê-Lo amado sou amada também. Vê-Lo consolado é ser consolada eu também. O amor que dás a Jesus dás a mim.

— Vai, minha filha – disse Jesus – vai dar ao mundo tudo o que de Nós recebes. Dá primeiro aos que te são queridos como prova do teu coração agradecido. Dá, pomba bela, são riquezas do céu.

Jesus e a Mãezinha deixaram-me com mais força para sofrer. Confio que com Ele tudo vencerei, e que o mundo e o demónio nada poderão contra mim.

5 de Junho de 1945

Parece que a minha eternidade principiou já aqui neste mundo; nunca mais acaba, não chega o meu céu. Sofrer por amor é doce, mas custa tanto! Querer Jesus, amá-Lo sempre, viver só para Ele e sentir que nada amo e nada faço para O consolar. Passam os dias e com eles as horas e com elas passo eu também, sem adiantar um passo no caminho da virtude. Passa tudo e tudo parece estar sempre no mesmo lugar. Passam os dias, os dias que são sempre noites, e eu sempre nas trevas, sempre abismada nelas, sempre trevas para atravessar, sempre mundos delas para percorrer. É um painel de trevas sempre diante dos meus olhos; um painel que me mostra o presente e o futuro. O que me espera são os horrores das trevas. A minha alma tem de ser entregue a Jesus, mergulhada nelas. O abandono em que me encontro é tormento de morte. Eu queria dar a vida a todos os momentos, sinto-me obrigada a expirar e a perder tudo para a todos salvar. Ai o mundo que me foge! Que agonia causa esta fugida ao meu pobre coração! Quero dar-me a ele com o coração aberto, para lhe mostrar quanto o amo e quanto o quero, e ele não me quer, rejeita-me. O meu sangue é calcado por ele, e nada mais posso fazer para que ele seja salvo. Parece-me não ter compaixão nenhuma pelo meu Jesus. Ao vê-Lo crucificado, sinto que toda a compaixão foi perdida, que não tenho dó dos Seus sofrimentos. O meu coração está tão empedernido que não se comove ao ver o sangue que por mim foi derramado, não tenho pena do Seu martírio. Não tenho e tenho ao mesmo tempo. Uma força mais irresistível do que a minha, que não quer sofrer, não quer amar, não quer fitar nem escutar Jesus; foge para o gozo, para o mundo das paixões e nada quer do céu. Tremendo horror! E a ternura dos meus olhares fita tudo isto, vai acompanhando todos os passos errados. E à ternura do olhar junta-se o amor e a loucura do coração, e a dor fá-lo agonizar. Armo-lhes laços com estas prisões tão doces, mas não caem, amarram-se a Satanás, e tudo foge. Que pena a minha!

— Ó Jesus, ó Jesus, quanto sofreis Vós!

Em toda esta luta bendigo Jesus e a Mãezinha, bendigo a cruz que quero beijar e abraçar sempre. Agradeço todo o abandono que sinto ser o céu que mo dá. Sinto um aborrecimento por uma pessoa que devia ser o meu apoio, o único apoio que me deixaram na terra. Não tenho razões de queixa, antes pelo contrário. Vejo que é Jesus que assim o quer. Mas, oh! quão doloroso é isto para a minha alma! Hoje estava sozinha no meu quarto, neste mar de cegueira, de dores e abandono. Olhava para um e outro lado e em tudo via dor, de tudo me surgia dor. Lutava sozinha e quase perdida. De repente Jesus fez-se sentir no meu coração e falou-me assim:

— Tenho frio, tenho sede, tenho fome. Minha Alexandrina, minha pomba, loucura do meu coração, dá-me agasalho, sacia a minha sede e a minha fome.

— Como, meu Jesus? Como Vos hei-de agasalhar no meio da minha miséria? Como hei-de saciar a sede e a fome ao meu Jesus, ao meu Rei e Senhor, eu que nada tenho?

Jesus sorriu a bom sorrir e disse-me:

— Dá-me, minha filha, agasalho dentro do teu coração, sacia-me a sede que tenho de amor por aqueles que me não amam, mata-me a fome das almas.

— Ó meu Jesus, não sei o que hei-de fazer. O meu coração já sabeis que é Vosso, inteiramente Vosso, entrai nele e não Vos retireis mais. Como Vos hei-de amar, se eu não tenho amor? Como Vos hei-de dar as almas, se não as posso prender? Tudo o que tenho é Vosso, a Vós pertence. Custa-me tanto ouvir-Vos pedir-me e não ter nada para Vos dar!

Jesus sorriu novamente e disse:

— Este modo de eu pedir é para ver as tuas ânsias, é para consolar no teu amor o meu coração tão ferido. Ama-me, ama-me então mesmo com o meu amor. Sofre tudo para me dares as almas. A dor é a mais forte cadeia para as prender. Tem coragem! Bem sei que te possuo inteiramente. O martírio em que te encontras é o maior meio de salvação. Dá-te, dá-te toda às almas. Eu dou-me a elas contigo e por ti. Sou todo teu, tens-me ao teu dispor como a criancinha pequenina ainda, sem vontade nem capricho, que só se satisfaz com o amor e carinhos de sua mãe. Eu estou satisfeito com o teu carinho e amor. Dá-me, dá-me a conhecer às almas, mostra-lhes o amor do meu coração.

Jesus foi medicina para a minha alma. Com mais coragem pude resistir e sorrir à minha cruz. Com o meu coração agradecido por tão grande prova de amor, pude esquecer por algum tempo o muito que sofria.

7 de Junho de 1945

— Onde poderei encontrar bálsamo para as minhas dores? Ó meu Deus, na terra parece-me que já não posso encontrá-lo. Tudo é para mim causa de maior sofrimento.

Só em Jesus, só de Jesus poderei receber algum alívio. E esse bem depressa passa, é como aragem que corre, deixando só no próprio momento o seu frescume suavizador. Na minha comunhão de ontem e de hoje senti-me mais unida com o meu Jesus. Ele passava do Seu Divino Coração para o meu cadeias puras, cadeias finas, cadeias de amor. Desde então tenho no meu coração novo coração, e neste coração está alguém a atirar estas cadeias, a formar laçadas ao mundo das almas. Faz-me lembrar o marinheiro dentro da sua barquinha a atirar as redes ao mar para apanhar a pesca. Eu sinto dentro de mim o marinheiro das almas a fazer o mesmo canseirosamente. Sinto um mundo de amor sobre o meu coração. Este amor, este mundo, é o mundo do Coração de Jesus. É um mundo e é para o mundo. Que ânsias tão grandes a querer possuí-lo! Que ternuras, doçuras e amor! Outro coração de lágrimas se colocou dentro do meu. Estas lágrimas são choradas sobre a humanidade inteira, cobrem-na. São lágrimas de agonia por este coração cheio de riquezas desprezado. Está este coração de chaga profunda tão aberta para receber a todos. Faz lembrar a avezinha de asas abertas para cobrir seus filhinhos. Sinto as veias do meu corpo todas unidas, todas abertas a darem ao mesmo tempo as últimas gotas de sangue. Como elas são espremidas! As gotas escasseiam, elas já não têm mais que dar. E no meio disto sempre as ânsias de possuir universos de sangue para todo derramar pelas almas. Tanto queria amar a Jesus e sofrer todas as dores para O consolar. Quando sinto que nada faço, e tudo é um engano, quando o desalento me bate à porta, para de todo me perder, eu digo:

— Jesus, lede no meu coração, parece-me que Vos engano, mas eu falo-Vos verdade. Lede tudo, já sabeis que é verdade. Eu não trocava o amor de todas as criaturas do mundo inteiro pelo Vosso. Perder tudo da terra, mas amar-Vos e possuir-Vos. Se me dissésseis que, para eu amar algumas criaturas a quem tanto devo e estimo, deixava de Vos amar a Vós, ainda que fosse um momento só, não, meu Jesus, não consentia nisso. Não queria amá-las nem delas receber amor. Quero amar-Vos sempre, sempre, sobre todas as coisas, não cessar de Vos amar. Sinto-me sobrecarregada com o peso da humanidade. Tenho de chorar sobre ela tantas lágrimas. Este peso arranca-me do corpo os vestidos, dá-me a cruz, o calvário e a morte. A nada cedo; venha o que vier, tenho de dar a vida. Já à noite, entre os amigos que não posso deixar, de entre eles vêm para mim olhares traiçoeiros e sentimentos de dor, de compaixão e amor. Dos meus olhos saem olhares ternos que O querem atrair e convidá-Lo a vir a mim. Que ternura sem igual! Esta bondade não é minha, mas de Jesus, que sinto ser vítima em mim mesma. O que é a Sua bondade! O que é a traição do mundo! Que distância do céu à terra!

8 de Junho de 1945 – Sexta-feira

Pensava hoje amar tanto, tanto, o meu Jesus! Pedi-Lhe no dia do Seu Divino Coração todo o Seu amor até me perder nele. E não fui capaz de O amar e nada soube dizer-Lhe. Esperava até, ao recebê-Lo, ouvir d’Ele umas palavrinhas, mas nada ouvi. Fiz a preparação friamente, recebi-O como a um estranho, não sei falar-Lhe. Pedi-Lhe amor, mas, não sei como, não tinha nada de meu para receber e depositar esse amor. Sofro por ditar os sentimentos da minha alma e sofro por não os saber ditar. Bendita seja a minha cruz! Hoje sofro como nunca sofri. Logo após a comunhão, levantou-se em mim um mundo de tantas maldades, de tantos crimes. Pareceu-me que me abriram o peito, subiram tão alto, chegaram ao céu, feriram o Coração de Jesus. Estas maldades, que atingiram a maior altura, caem por todos os lados, encobrem o mundo, tiram-lhe ávida. E, assim, tenho passado as horas com o peito aberto, o coração ferido sem nada poder fazer. Jesus não pode mais. Sinto o poder da Sua misericórdia, sinto a força do Seu divino amor a querer infundir-se e penetrar em tudo isto. Tudo é repelido, nada é aceite. O céu é posto de parte e cai por último sobre tudo uma chuva das lágrimas de Jesus. Como eu sofri! Pareciam-me todas as maldades minhas, que era a causadora de todo o sofrimento de Jesus, que era enganadora. Senti que Jesus estendeu os Seus santíssimos braços para me receber e abraçar e ouvi que Ele me dizia:

— Não enganas, minha filha, não enganas, és vítima, são meios meus. Coragem!

Eu subia o meu calvário e sobre os meus ombros levava a cruz. Os meus olhos não queriam ver os horrores das misérias que sentia; cerrei-os a tudo. Subi a encosta com todo o sofrimento, mas com todo o amor para dar a vida. Sempre a sentir o peito e o coração abertos com a imensidade dos crimes, fui crucificada; e não cessei mais o meu brado ao céu: Socorro! Socorro! Veio Jesus, fortificou-me, aqueceu-me e disse:

— Venham os sábios e os que se dizem sábios ao livro das maiores maravilhas, de todas as maravilhas, de todas as ciências divinas. Venham uns provar e outros aprender o que é a alma vítima, os prodígios da graça e a acção de Jesus em sua alma. Coragem, minha filhinha! O que sentes em ti são meios de salvação. Tu recebeste o meu divino amor com toda a abundância. O que hoje sentes em ti também eu o senti no meu calvário. O que dentro de ti se levantou e o teu coração ferido são os crimes da humanidade, de verdade não podem aumentar mais. É certo o meu Divino Coração não poder ser mais ferido, não pode resistir a tanto. És vítima, a vítima mais semelhante a mim. Provem-no ao mundo os sábios, estudem-no, aprendam-no os que o não são. Eu dou o meu divino amor, estendo a minha compaixão sobre este mundo apodrecido, e tudo é recusado; choro sobre ele as minhas lágrimas. Faço-te sofrer assim, porque és vítima dele e a ti o confiei. Diz tudo, escreve tudo, o Divino Espírito Santo não desceu, habita sempre no cenáculo do teu corpo. Tudo o que disseres é Ele, e são as tuas inspirações. Quando os teus lábios se moverem para falares, sou eu que os movo e falo em ti. Vem, minha pomba, não me canso de te chamar minha pomba, meu lírio, minha açucena, e é-lo de verdade. Vem novamente receber o sangue do meu Divino Coração. Por amor o dás, por amor o recebes. Não to dou até te fortalecer, porque és vítima. Dou-to para sofreres, dou-to para teres que dar, dou-to para operar milagre e conservar-te a vida.

Uniu Jesus o Seu Coração novamente ao meu, que depressa se dilatou. Senti-me logo outra. E Jesus continuou a falar-me:

— Já corre novamente em tuas veias virginais o sangue virginal de Jesus. É a vida da tua vida, mostro aqui o meu poder, provo a minha acção divina na tua alma, provo a minha loucura de amor pelas almas. E, como prova do meu amor para contigo, do mundo que te confiei e da missão mais sublime que tens a desempenhar, dou-te hoje, no dia do meu Divino Coração, o poder de dares às almas, que to pedirem com sinceridade, o meu divino amor, e, se tu lhes disseres que lhes será dado todo na maior abundância, elas o receberão. Nova maravilha, nova graça, nova prova de amor. Recebe também dos meus lábios a minha doçura, a minha ternura, tudo o que é meu. És toda minha e para as almas, eu sou todo teu, dou-me a ti por elas.

Enchi-me ainda mais com o que recebi dos lábios de Jesus. Senti tanto o Seu amor, a Sua união, perdi-me n’Ele e n’Ele me pareceu adormecer por um pouco.

— Meu Jesus, que pequenina eu sou, que vergonha eu tenho ao ver-me assim favorecida de Vós.

— Envergonhas-te de receber as minhas grandezas, minha filha amada? Não posso eu descer à tua pequenez, fazer-te grande com a minha grandeza? És toda minha, tenho o direito de fazer de ti o que quiser. Transformado em ti, por ti sou dado às almas.

— Obrigada, meu Jesus. Contai comigo. Fazei que muitas almas queiram o Vosso divino amor, eu a todas o quero dar.

Jesus desligou do meu o Seu Divino Coração, e pouco depois voltei à minha dor. Por amor d’Ele estou lutando para O consolar e salvar as almas. Queria salvá-las todas.

10 de Junho de 1945

O demónio principiou de novo com as suas ameaças. Ontem à noite, quando rezávamos, ele veio atormentar o meu espírito, abanar-me com a cama, até ser notado por alguém; e bailava de contentamento. E eu já tinha sofrido tanto! Tive um dia tão cheio de espinhos! Oh! quanto se sofre! Oh! agonias das almas que não sois compreendidas! E eu sozinha e só miséria. Jesus espreme e tira para Si toda a substância. Em nada, mesmo em nada, tenho alegria. Que Ele se alegre e console nesta noite, nestas trevas do meu espírito. Elas surgem cada vez mais; infundo-me nelas e momento a momento mais tenho que atravessar. Hoje revivi, momento a momento, pormenor por pormenor, a minha ida para a Foz. Dois anos são passados. Foi um painel que se apresentou à minha frente, passei hoje novamente por tudo. Eu dizia para mim mesma:

— Por quem obedeci? Por quem sofri tudo isto? Só por Jesus e pelas almas.

A muito custo escondi as minhas lágrimas. Era tal a dor que eu senti que só com Jesus pude resistir a ela e esconder as lágrimas. Sofri tão sozinha, ou aparentemente sozinha, sempre à espera que Jesus viesse confortar-me com umas palavrinhas. Não veio, entreguei-me à cruz e confiei.

14 de Junho de 1945

A montanha mundial de misérias continua no meu coração; e ele chagado, está aberto com grande ferida. A dor do coração não pode enfrentar a malícia. Os olhares da alma não podem ver tantos crimes. As ânsias não podem ser mais, ânsias de me dar ao mundo, sofrer e morrer por ele. Amo-o com a maior loucura, amo, mas não é o mundo, não são os seus encantos. Amo as almas que nele habitam, é por elas a minha loucura.  Que dor tão grande! Sinto Jesus como cordeiro inocente; sinto o mundo como fera feroz a atirar-me a Ele para O ferir sem piedade! Que quadro tão triste, ver Jesus tão bom a enfrentar tanta maldade e crueldade! Vou recordando sem querer a minha estada na Foz; sofro tudo lentamente. Que Jesus tome todo este martírio para Ele, que se salvem as almas. Que dias de tão tormentoso abandono! Para mim tudo é desprezo, da terra e do céu. Senti hoje tanto ao vivo na minha testa um espinho! Causou-me dor quase mortal. Do mesmo lado que o senti pareceu-me por algum tempo perder a vista. A dor apoderou-se de todo o meu rosto e foi bater ao coração que estava tão oprimido pelo peso dos insultos, dos desprezos e com a vista de tudo o que o espera. Quero ir esconder-me, quero chorar tantos males. Sinto necessidade de bradar ao Eterno Pai:

— Se é possível, afaste-se de mim esta amargura, mas só quero a tua vontade.

E assim vou renovando a Jesus a minha oferta de vítima. Assim abraço a cruz que de pé se me apresenta à minha frente. Neste transe veio aumentar o meu sofrimento a visão do inferno. Tremendo, tremendo! Horroroso, horroroso! Que escombros tão negros e feios! Tantos demónios uns sobre os outros e tantos bichos assustadores! Mas não vi nele as almas, mas parece-me que não era o inferno completo. O que seria de mim sem a força de Jesus!

15 de Junho de 1945  – Sexta-feira

Se em todos os dias não tenho podido falar sem um enorme sacrifício, hoje ainda mais. Jesus e a Mãezinha me ajudem. Tenho de resumir, se não fosse a obediência nada dizia. Nesta manhã, senti-me ajoelhada e presa à coluna. Uma chuva de açoites caiu sobre o meu corpo, e outra chuva de pedaços da minha carne e gotas do meu sangue caíam à minha volta, deixando manchado de sangue o solo e os que me rodeavam. Coroada de espinhos, segui depois para o calvário. Caí repetidas vezes desfalecida, e o meu rosto e os meus lábios envolviam-me na terra, chegando a sentir que me abafava. Ia cega para a dor, sofria tudo como se nada visse, mas tinha vista clara para o amor, era ele que me obrigava a caminhar e a vencer. Cravada na cruz, continuei a sentir em mim o mundo das grandes maldades. E o coração sempre aberto, a sangrar. E o meu brado ao Eterno Pai era contínuo, o abandono indizível. Jesus não se apressou, mas veio, não falhou. Uniu-me a Ele, prendeu-me com fortes prisões. Veio como quem vem fatigado de uma grande jornada; sentou-Se no meu coração e disse-me:

— Minha filha, estou cansado de tanto sofrer, deixa-me descansar em ti, no palácio do teu coração, quero deliciar-me à sombra das tuas virtudes. Venho com sede, quero saciá-la na água cristalina da tua fonte. É fonte de reparação, de pureza e de amor. É água que suaviza a minha dor, cicatriza a chaga do meu Divino Coração e as feridas da minha cabeça, feitas por tantos espinhos. Olha como eu estou: foram os pecadores que assim me feriram. Deixa-me consolar e descansar em ti.

Jesus mostrou-me então o Seu Sagrado Coração aberto e a sagrada cabeça coroada de espinhos. Que pena eu tive de Jesus! Ele inclinou sobre o meu peito a sacrossanta cabeça, como se fosse dormir por um pouco. Momento de grande conforto: Jesus a descansar em mim. Que união a nossa!

— Meu Jesus, que delícias podeis Vós encontrar neste pobre coração? Que conforto podeis tirar em tanta miséria? Que sede podeis saciar em tanta secura e frieza? Que vergonha a minha! Procurai, Jesus, a ver se encontrais, ponde em mim alguma coisa para poderdes receber. Vejo-me tão sobrecarregada de misérias!

Jesus sorriu, mas sorriu tristemente e disse-me:

— Não são tuas, minha filha, são as maldades que me feriram. És vítima, mas vítima inocente. Eis por que te faço sofrer assim, eis por que te deixo em tão grande abandono.

— Nunca me repreendeis das minhas faltas, e eu desgosto-Vos tanta vez, meu Jesus!

Novo sorriso, mas desta vez mais alegre veio aos lábios de Jesus.

— As tuas faltas, minha pomba bela, são precisas para eu esconder o brilho, o sol resplendoroso da minha grandeza. São nuvenzinhas que escondem esses raios luzentes para poderes ser enfrentada pelas criaturas. É preciso esconder um pouco o meu brilho resplendoroso. Pensas, se preciso fosse, que não serias repreendida por mim severamente? Mas não é, sofres como eu quero. É para provar que tudo sofres à minha divina vontade que fingi deixar-te sozinha em tão duro penar. É assim a alma que ama a Jesus e às suas almas; é assim a esposa que ama o seu Esposo, que a Ele se entrega e só a Ele é fiel. Recebo de ti, minha amada, tudo quanto posso receber duma criatura minha. E tu tudo recebes do teu Jesus, do teu criador. Tudo quanto pode ser dado por um Deus a essa mesma criatura. Possuis todo o meu amor, todas as minhas riquezas e poderes. Como eu te amo! Que riquezas te confiei!

— Ó meu Jesus, já que me falais assim, dizei-me. Vós quereis ser amado, quereis que eu dê o Vosso divino amor às almas e dissestes-me que lhes seria dado quando mo pedissem. Isso é só enquanto estiver na terra ou também depois no céu?

— Ó minha filha, ó esposa querida, é desde já na terra e em breve no céu. Quando te for pedido do coração, com verdadeira disposição, logo o sentirão em si. O que fazes agora na terra continuas muito depressa a fazê-lo no céu. Quando souberes que da terra tal graça te é pedida, as mesmas palavras repetirás de lá. Ser-te-á dado com toda a abundância. Quando me pedires para as almas a graça da conversão ou do meu divino amor, vencerás o meu coração. Tomarei o teu pedido, como se fosse uma ordem dada. Vês como te faço rica? Vês a loucura do meu amor por ti? Coragem, muita coragem. Viste o inferno que ontem à noite te mostrei? Era lugar para mil e algumas almas: sacerdotes, religiosas, almas piedosas consagradas a mim. Era doloroso e aterrador aquele lugar, não era? Também por elas sou ofendido gravemente. Ferem-me tanto! E muito mais ainda pelos conhecimentos que têm de mim. Dás-me todos os sofrimentos que te pedir por elas?

— Tudo o que quiserdes, Jesus. Posso acudir-lhes? Posso salvá-las?

— Sim, filhinha, sofre alegre, ainda é tempo. Vou fazer-te sofrer muito, mas virei confortar-te. Consentes que o demónio venha novamente com os seus ataques?

— E Vós, meu Jesus, prometeis-me que não me deixais enganar-me nem enganar ninguém?

— Confia, filhinha, nada receies. Nunca te enganaste, e nunca permitirei que te enganes e não consinto que me ofendas. Não pode haver pecado na reparação. Olha, deixa-me, vai para o convívio dos teus.

— Meu Jesus, não posso, estou presa a Vós.

— Já vês, filhinha, que não te enganas. Estás presa pelo amor do teu Jesus, sou eu a tua loucura e prisão. Vai escrever tudo, tudo saberás com a luz do Espírito Santo. Tudo poderás com a minha força. É remédio para as almas, são fontes de salvação. Opero em ti a maior das maravilhas. Recebe a minha vida, vai dar a minha vida. Recebe a minha paz, ó mensageira minha, e vai dar a paz às almas.

— Obrigada, meu Jesus. Recebei toda a minha dor como prova do meu amor. Aceitai o meu coração cheio de agradecimento. Não me falteis nunca, nunca; espero em Vós.

Fiquei com tanta pena de Jesus! Estou sequiosa de sofrimentos para O consolar; não O posso ver tão ferido. Quero suportar todos os sofrimentos para livrar as almas de tão terrível inferno. Dignai-Vos, meu Jesus, desde já aceitar para isso o meu cansaço, a desconsolação da minha alma; não tenho outra coisa a não ser dor. E se ao menos esta fosse minha! Perdoai-me, sou Vossa.

19 de Junho de 1945

Parece que não sei se estou no mundo, se vivo nele ainda. Ai, quanto custa lutar, quanto custa vencer! Que estragos eu sinto na minha alma! Que dor no meu coração! Todo ele é sangue, todo ele são espinhos, está aberto, foi ferido pelas maldades. Que mundo tremendo delas me sobrecarrega! Sofro, porque Jesus sofre; sofro, porque Ele é ofendido. Quero unir o mundo a Jesus, quero prendê-lo a Ele e não o consigo. Trabalho e nada colho para Ele; sofro e não O consolo. Sinto que toda a dor, nem todo o amor da terra podem consolar o Coração santíssimo de Jesus. Eu quero tirar os espinhos do Seu Divino Coração e da Sua sagrada cabeça; queria curar todas as feridas do Seu corpo divino e não vejo. Sinto que Ele está todo chagado, que o sangue corre a jorros do Seu corpo santíssimo, mas as trevas que me cobrem, e momento a momento me infundo cada vez mais nelas, nada me deixam ver. E o meu coração anseia, anseia por ver Jesus, anseia por O amar e consolar.

— Mas, ó meu Deus, como poderei amar-Vos sem vida!

Tudo me fugiu, só a miséria ficou; tudo perdi, só o pecado apareceu; estou esmagada por ele. E o demónio esmaga-me também com o peso da sua malícia. O que faria eu, se Jesus me faltasse? E o que faria ele, se Jesus o deixasse? Inventou o maldito nova forma de atormentar a minha alma. Aparece-me em forma de cão, aparece-me quando oro, passeando à minha frente. E por duas vezes foi mais além do que isto; refinam as suas maldades. Foi a primeira vez durante a noite e depois de me convidar ao mal e dizer-me que era mais fácil pecar por há muito não ter pecado; insultou-me maldosamente. Depois de lutar e combater com ele, pôs-se à minha frente em forma de cão e cheio de nojo por mim. Dizia-me:

— Vê como estás, nem os cães querem pecar contigo, têm nojo. Como não o hei-de ter eu?

Parecia-me mesmo ser um cão o companheiro do meu pecado. E ele ao longe dava gargalhadas. Fiquei indecisa sem saber o que fazia e quase sem saber se sim ou não vivia e sem poder chamar pelo meu Jesus. Estava tímida: Ele veio de encontro ao meu temor.

— Já sabes, minha filha, que não pecas, estou contigo no meio do perigo. Tem coragem, é a reparação que te peço. Se soubesses a prova de amor que dás ao meu Divino Coração e às almas? Coragem! Coragem! Assim como os pecadores têm novas invenções de maldades e crimes, venho eu com novas invenções divinas. Pedi à minha vítima amada esta reparação. Vê quanto eu amo as minhas almas!

No segundo combate, o demónio veio novamente em forma de cão.

— Ó meu Jesus, que maldade a dele!

Punha-se a latir raivosamente e fazia-me sentir como se o tivesse preso a mim e fosse eu quem o prendia para companheiro do meu pecado contra vontade sua. Eu queria mover as minhas mãos e não podia, parecia-me estarem agarradas a ele para o não deixar fugir. Confio em Jesus que não pequei; confio, porque Ele me tem prometido; não porque me parece não ter pecado.

— Já Vos disse, meu Jesus, e repito-o novamente: antes quero o inferno por toda a eternidade, prefiro o inferno ao pecado por mais leve que ele seja. Não quero desgostar-Vos com a mais pequenina coisa.

Eu dizia isto a Jesus, e as minhas mãos pareciam-me ainda estarem presas ao demónio em forma de cão. Ele ria a bom rir. E Jesus falou:

— Retira-te para longe com as tuas manhas infernais, maldito, deixa a minha vítima.

Logo as minhas mãos ficaram livres, mas com a impressão que nelas me deixou um monte de coisas porcas. Jesus estreitou-me ao Seu Divino Coração e com o Seu rosto unido ao meu acariciou-me e disse:

— Não acredites nas suas manhas malditas, minha filha amada. É tão delicada esta reparação que a poucas almas a posso pedir. A nenhuma a peço como a peço a ti. É preciso grande pureza, grande amor para sair dela ilesa e nela me dar a consolação e reparação que o meu Divino Coração necessita. Anima-te com a confiança que em ti deposita o teu Esposo Jesus, ó minha esposa amada. Coragem, não pecaste, não pecaste. Que grande reparação me deste!

Custa muito sofrer e desta maneira, mas o amor vence. Custa muito mais ver Jesus ofendido. Custa muito mais ver e sentir o inferno das almas.

21 de Junho de 1945

Sinto que estou morta com o peso do mundo; reduziu-me ao nada, e é este nada que continuamente se mergulha em trevas. Quantas mais me cobrem, mais me infundo nelas, mais trevas vejo. Quando deixarei de as ver? Quando deixarão elas de me aterrorizarem? E eu tão só, mesmo sem ninguém! Oh terrível desprezo e abandono! Não vejo, não sinto o conforto da terra nem o do céu.

— Ó meu Deus, como hei-de estar aqui assim? Preocupa-me tanto a salvação do mundo!

Não posso sentir Jesus tão ferido. Não tenho corpo nem coração para Ele se consolar em mim. Foi o mundo das maldades que me destruiu. Quero amar o meu Jesus e não tenho coração para O amar, desapareceu de mim, não sei a quem pertence. Confio, confio que será a Jesus. Queria sangue para dar por Seu divino amor, gota a gota, e não o tenho; sinto que as veias do meu corpo desapareceram. Não tenho nada, nada posso fazer por Jesus e pelas almas. Só o demónio não cessa. Que grande tormento! Vieram uns poucos para a minha frente em forma de cães. Que cenas tão feias e maliciosas! Eram cenas e palavras só do inferno. Pedi logo a Jesus para não O ofender; ofereci-me como vítima, enquanto o maldito me deixava falar. Ao terminar da luta, fiquei insatisfeita, parecia-me que queria ter pecado, e gravemente. Mas não era assim, o que eu queria era não ter desgostado Jesus, não O ter ferido. Eu não sabia como se podiam ter dado tais cenas. Sentia em meu coração uma dor profunda. Eu não podia tomar a minha posição. Sofria tudo, o mal-estar do corpo e as aflições da alma. Jesus velou por mim, defendeu-me. Ouvi-O dizer:

— Ordeno-te, minha filha, que tomes a tua posição. É o Esposo que manda, e a esposa obedece. É o Rei que quer, e a rainha sujeita-se, aceita. Filhinha, coragem! É a reparação mais fina e delicada que te peço. É a flor mais pura.

E via à minha frente um espelho tão grande e tão puro! Encantava tanto o seu brilho e alvura! Via-se claramente, estava cercado de flores. Que encanto! Jesus continuou:

— Vês, minha filha, o espelho da tua alma. As flores são flores de pureza. Confia, a tua alma não se manchou. A reparação e consolação foram para mim. Dá a Jesus, dá às almas, mostra ao mundo a maior reparação, o maior heroísmo no sofrimento. Oh! quanto ele vale! É a maior prova de amor que dás ao meu Divino Coração.

As palavras de Jesus são como mãos amigas a levantar-me desfalecida da valeta da estrada. Logo que estou de pé, tudo se esconde e foge. Nesta noite, não sei a hora, apareceu-me Jesus pregado na cruz. Este Jesus e esta cruz transformaram-se em mim. Passei o dia e já estou noutra noite e sempre a sentir o mesmo Jesus, a mesma cruz dentro de mim. O meu coração é o de Jesus, o meu corpo o de Jesus é. É Ele que sofre, vive e ama. Tudo isto para mim é maior motivo de sofrimento, mas tudo para Ele vai. Sofro, e é d’Ele a dor. Eu não vivo, quem vive é Ele. Estou na solidão do horto, e do meu corpo saiu uma chuva de sangue; não caiu sobre mim, mas saiu de mim. Ensopou-me os vestidos e correu na terra. Que massa de sangue!

22 de Junho de 1945 – Sexta-feira

Jesus continua na cruz e dentro de mim, de mim que não vivo nem existo. Ai, o doce Jesus de braços e Coração abertos! Queria dizer quanto Ele sofre e ama; sei sentir, não sei dizer, não me chega a língua, não sou capaz. Sofro e morro de dor. O que daria eu para poder fazer compreender a todos uma ofensa feita ao Coração Divino de Jesus, e quanto Ele nos ama apesar de tudo! Assim caminhei para o calvário com esta sede de me dar a conhecer às almas, de me dar a elas, de morrer por elas. Nunca caí tantas vezes como hoje. Que repetidas quedas! Que desfalecimento tão grande! O meu corpo gelava-se sem sangue; o coração não palpitava, os lábios não tinham vida. O amor venceu, foram as cordas que me arrastaram. Os meus lábios moribundos tinham sede ardente, mas o coração mais sequioso estava; quer beber a amargura até à última gota, tudo quer sofrer, porque a todos ama. Tudo quer dar para tudo receber. No alto da cruz sentia no meu corpo os maus tratos do mundo, era como se fosse por todo ele apedrejado; sentia mesmo como se as pedras me ferissem. No Coração Santíssimo de Jesus, que estava em mim crucificado, vi sair uns raios de fogo, pareciam raios de sangue. Aqueles raios vinham estender-se sobre todos aqueles de quem o meu corpo sentia os maus tratos, as pedradas. Que ternura e compaixão saía daquele Coração tão amante! Dos meus olhos moribundos, já sem vista para o mundo, saíam para ele os olhares mais doces, mais ternos e amantes; eram olhares que penetravam tudo e a todos; viam toda a maldade e ingratidão. Foi assim que veio Jesus. Veio, prendeu-me e demorou-se bastante tempo sem me falar. Tomou em Suas divinas mãos o meu coração e fez dele uma grande bola que momentos depois colocou no lugar do coração. E disse-me:

— Minha filha, o teu coração é uma bola de amor. Ama-me, ama-me, ama-me pelo mundo que não me ama. Ama-me, ama-me, ama-me por aquelas almas que deviam amar, e de quem eu esperava amor. Tu és louca de amor por mim, és louca de amor às almas. E sabes, minha pomba bela, por que as amas? Ama-las, porque são minhas e amas aquilo que é meu. Queria-te no céu, minha louquinha, mas necessito tanto de ti aqui.

— Se me quereis lá, Jesus, juntai aos meus desejos os Vossos. Não Vos digo mais nada, porque Vos prometi não Vos pedir o céu.

— Ó coração de oiro, fontenário de amor, aceitei o teu sacrifício. Tem coragem! Eu dou-te o céu em breve mesmo sem mo pedires. Estou à espera da vontade dos homens. Mas sabes por que necessito de ti aqui? Para consolares o meu Divino Coração, para curares as minhas chagas. Vês como estou tão ferido, tão cercado de espinhos? São os pecados, são os crimes do mundo.

Jesus mostrou-me as chagas dos Seus santíssimos pés e mãos e a sacrossanta cabeça e Coração cercado de espinhos, todo Ele eram feridas e sangue.

— A tua dor, minha filha, é o bálsamo das minhas feridas. Repara, sofre contente. Para a tua missão, missão dos pecadores, missão de amor, não precisava na terra; desempenha-la no céu. Tudo vais receber do trono divino, tudo passará para ti das mãos da minha bendita Mãe, para espalhares pela terra, para fazeres chover sobre as almas as riquezas, fruto da tua dor. É por ti que o mundo receberá as bênçãos e graças do Senhor. Eu precisava de usar do azorrague como usei no Templo e já usei com o azorrague da minha justiça divina e ainda usarei mais, castigarei severamente aqueles que se opõem à minha causa divina.

— Meu Jesus, usai de compaixão, não os castigueis; antes movei-lhes o coração.

— São pedras duras, são corações sem amor, resistem, não se movem aos meus desejos. Confia, a causa é minha. Eu tudo vencerei. Repete, minha filha, flor mimosa e pura, a tua mensagem ao Papa. Sou eu que peço; quero que ele brade, brade ao mundo, como pai de todos, pai escolhido por mim, que lhe peça para não me ofender, que haja emenda de vida. Que mande os seus bispos e todos os que governam a convidarem os fiéis ao amor, à penitência. Que fechem as portas dos vícios, que oponham barreiras aos caminhos da perdição. Pede, pede, ó mensageira de Jesus. Vem agora, minha filha, receber do teu Jesus sangue para viveres, sangue para dares a vida. Já que eu não posso agora derramá-lo pelas almas gota a gota, derrama-lo tu, minha vítima, minha redentora.

Jesus uniu o Seu Divino Coração ao meu, que logo principiou a dilatar-se ao receber o sangue de Jesus. Em poucos momentos não poderia resistir a tanta força, a tanto amor, parecia-me perder a vida, e o coração deixou de dilatar-se. Jesus disse:

— Não podes com a força do meu divino sangue. O teu coração está como a lâmpada que se apaga à falta de azeite; está como a cera que se consome. Consome-se o amor, destrói-se a dor. Eu podia operar milagre, fazer que ele aguentasse com a abundância do meu sangue, mas não quero; quero fazer-te sentir a falta do sangue, o desfalecimento das tuas forças. Quero provar e mostrar ao mundo que sofres, porque amas, que sofres e sentes como criatura humana. Virei mais vezes a dar-te a pouco a pouco o meu sangue divino que é a vida da tua vida. Vai, flor encantadora, lírio perfumado, vai dar às almas a vida que de mim recebes, vai salvar o mundo.

Jesus desligou de mim o Seu Coração, cobriu-me de carícias e escondeu-se. Bem depressa voltou todo o martírio. Principiei a ver a enormidade da minha miséria e a minha indignidade para receber tantas graças de Jesus e tão grande prova do Seu infinito amor. A pena de O ver assim tão ferido derrete de dor o meu coração. Oh! Como o Seu amor é tão mal correspondido!

26 de Junho de 1945

Tenho uma cruz tão grande dentro de mim! Está ao alto, e eu abraçada a ela; não há força humana que dela me separe; parece-me que enlouqueci por seu amor. Os meus braços parecem estar colados a ela. Quanto mais eu a quero mais ela cresce. Amo-a tanto com o amor que não me pertence! Que ditosa eu seria, se este amor à cruz e à dor fosse meu! Levantou-se em mim um novo edifício. É tão grande! Tão belo! Tão bem situado! Todo cheio de arcadas. Não sei o que representa. O coração e a alma sorriem, e os meus braços querem estreitá-lo. Nada disto me pertence, nem ao menos a alegria com que o vejo levantar-se. Eu de mim sou miséria e mais nada possuo a não ser a dor. Tenho ânsias de deixar o mundo, de partir para o céu. Sofro, porque não quero ter querer. Quero o dia, quero a hora que o meu Jesus me escolher. Tenho uma sede tão grande de amor, não cabe em mim. E tanta fome de almas. Só se as possuísse a todas esta fome seria saciada. Só se possuísse o amor de todos os corações seria a minha sede apagada. Contemplo o céu, a Jesus e a Mãezinha e caio desfalecida. Estou despida do bem, não possuo amor, vejo-me de mãos vazias e sozinha neste mundo de misérias, nestes mares e mundo de trevas, sem ter ninguém por mim, sem ter quem me dê um raiozinho de luz, sem ter quem me convença que ela existe, e eu já a conheci.

— Ó meu Deus, luto por Vós e pelas almas. Ó meu Jesus, não me deixeis, não me abandoneis, como me parece, e sinto. Parece-me que me fugistes para nunca mais Vos encontrar.

Sinto que perdi todo o amor e conforto dos que me são queridos, para não mais os receber.

— Bendita sejas, ó minha cruz!

O demónio rodeia-me, anda à volta de mim como quem quer apanhar alguma coisa. Veio como um cão raivoso num assalto violento. Usou das suas manhas. Combati, já não podia mais. Invoquei Jesus e a Mãezinha. Estava caída. As palpitações do meu coração não davam lugar umas às outras.

— Se assim perder a minha vida, é sempre por Vós, Jesus.

Ouvi que Ele me dizia:

— Sossega, filha minha, confia que não pecaste. A cada palpitação do teu coração evitas de cairem neste abismo as almas.

E mostrou-mo. Nesse abismo estavam flores e raios dourados, mas ele era aterrador. Jesus continuou:

— Essas flores são as flores da tua pureza, os raios são os do teu amor; o abismo, a perdição das almas. Diz-me, minha filha, confias que não pecaste? Confias que manchaste a tua pureza? Confias que com cada palpitação do teu coração são outras tantas almas que com esta reparação evitas de me ofenderem gravemente? Diz-me, diz-me.

— Ó meu Jesus, ó meu Amor, não é preciso dizer-Vo-lo, bem sabeis até que ponto chega a minha confiança em Vós. Queria confiar com toda a perfeição, mas não tenho forças para mais; sabeis bem que me aflige a minha miséria, e que tenho receio de mim mesma.

— Esses teus receios, minha amada querida, são de grande consolação para mim. Oferece-mos, oferece-mos, por aquelas almas que os deviam ter e não têm. Anima-te, dá-me toda a reparação que te peço; nada temas, confia em mim. Gosto tanto das almas pequeninas!

Sem saber como, fiquei na minha posição, muito confiada em Jesus, mas muito envergonhada de estar na Sua divina presença. O demónio, muito satisfeito, lambia-se de contentamento. A sua satisfação queria convencer-me que eu tinha pecado, mas Jesus não permitiu que me convencesse.

— Bendito Ele seja!

28 de Junho de 1945

Estou ferida em tudo, por tudo e de todos. São tantos os espinhos e tão variados; uns ferem-me mais que os outros, mas não há no mundo quem não fira o meu coração. Posso dizer que a minha dor é quase insuportável. O meu corpo é uma massa em sangue. Sem poder resistir a tanta dor, sinto uma necessidade indizível de chorar sobre toda a humanidade que me faz sofrer. Os olhos não choram, tentam esconder suas lágrimas, mas o coração, esse chora continuamente na maior dor e amargura. Estou esmagada pelo peso da maldade. A morte aproxima-se, vejo o meu sepulcro, e é de trevas, negras trevas. E eu sempre abraçada à minha cruz, e ela sempre firme junto de mim; não a largarei jamais; quero abraçá-la na terra e no céu. Quero amá-la, porque nela vejo Jesus. Quero amá-la, porque é a salvação das almas. Sinto tanto cansaço no meu corpo por sentir os sofrimentos que me esperam, por ver a morte a avizinhar-se, por ver o horto da agonia e amargura. Estou já nele. O meu brado ao céu rompe por entre a solidão, pelas trevas da noite, por entre a folhagem verdejante das oliveiras. Sinto no meu corpo o suor do sangue; o rosto, os próprios cabelos da cabeça são ensopados nele. Mas dentro de mim há uma força que me sujeita e me obriga a querer: é o amor, é o amor que recebe a ingratidão, é o amor que não é correspondido. Eu levanto os olhos ao céu e dou ao Eterno Pai o meu sinal de aceitação. O grande edifício de arcadas conserva-se dentro de mim: é branco, mais branco que a neve. Junto a ele está uma escada que dá passagem para todos os lugares desse edifício, e essa escada sou eu. Sinto que o sou, sinto que por mim sobem continuamente passageiros, que no edifício se vão recolher. Sinto-os subir, sinto que vão ao porto de salvação e não me alegro, não me consolo. Quero que eles subam, esforço-me para que não corram perigo, mas eu, pobre de mim, fico sempre mergulhada nas minhas trevas sem fim.

O demónio continua a sua tarefa canseirosa. Se todos fizéssemos do bem o que ele faz do mal!... Meu Deus, que grande horror! Fez-me como me fazia há tempos, só com a diferença: há tempos eram muitos demónios e hoje eram muitos cães.

— Os demónios têm nojo de ti, são os cães que pecam contigo. Já que os demónios não querem, fiz com que quisessem os cães. Sou muito mais poderoso do que Deus e não faço como Ele, gosto de dar aos que me servem e são meus gozos e prazeres.

Que quadro feio, que cena tristíssima! Eles estavam raivosos à volta de mim, todos me queriam, e eu assemelhava-me a eles. No meio de insultos invoquei repetidas vezes o nome de Jesus e o da Mãezinha. pedi-Lhes tanto para não pecar! Lutei aflitiva. Ao terminar da luta, vim de repente às minhas almofadas e vi-os a fugir uns para cada lado, espavoridos. Disse-me Jesus:

— Foi à minha ordem, minha filha, que tu foste ao teu lugar. Fui eu que os obriguei a levarem-te a ele com as mesmas manhas com que te tinham tirado. Eles não te tocaram, minha pomba amada, nem tocam, sossega. A tua pureza não se mancha. Tem coragem! É grande a reparação que te peço. Diz-me de verdade: és capaz de me negar alguma coisa?

— Não quero ser, meu Jesus, não quero negar-Vos nada, mas temo-me. Ai de mim sem Vós!

— O teu temor, minha filha, são pétalas brilhantes para a tua coroa e são pérolas preciosas que adornam a minha. Que grande honra, que grande glória para mim! Dá-me sempre o teu temor por aqueles que o não têm. Sabes por que peço a reparação desta forma? Porque sou ofendido gravemente nesta matéria, e ofendem-me como cães. E sabes por quem, minha filha amada? Guarda só para ti e para aqueles que têm direito.

Jesus nomeou-me duas classes de pessoas e acrescentou:

— Olha quanto sofre o meu Divino Coração! Olha como é correspondido o meu amor de Pai! Vê quanto eu faço para os salvar! Ensina, filhinha, ao mundo quanto eu o amo e quanto me esforço para o salvar. Dá-me alegre e confiada esta reparação; com ela cortas as cadeias negras que prendem as almas a Satanás, e prende-las com cadeias de oiro ao meu Divino Coração. Se soubesses quanto vale o teu sofrimento!... Alegra-te, alegra-te, meu amor.

Fiquei confiada que não pequei, mas triste, tão triste e a não poder aguentar com tal ofensa feita a Jesus. Que ingratidão humana!

29 de Junho de 1945 – Exta-feira

Durante a noite, veio Jesus de encontro aos meus sofrimentos do horto. Antes de saber que era Ele, ouvi-O chorar por grande espaço de tempo. Aqueles gemidos, aquelas lágrimas causavam-me tanta dor e impressão, parecia-me morrer. Depois senti que Jesus Se aproximava mais de mim e vinha como quem quer refugiar-se.

— Minha filha – disse-me Ele – tem dó de mim, esconde-me, esconde-me no teu coração. Sou ofendido, sou ferido, consola-me, repara-me, dá-me em ti abrigo. Oferece-me tudo.

Por amor de Jesus, para O consolar, principiei a oferecer os meus sofrimentos e vários sacrifícios. E eram tão grandes os desejos, que tinha de O esconder, que queria possuir todos os corações do mundo, infundi-los todos uns nos outros e colocar Jesus no mais interior, para assim resguardar Jesus e não O deixar ser ferido por nenhuma criatura. Queria vê-Lo resguardado nas mais íntimas chamas de amor. Eu, tão desconsolada, esforcei-me tanto para O consolar. Pela manhã, veio Jesus adolescente buscar-me à prisão. Tomou-me pela mão, foi o meu companheiro, o meu cireneu em todo o caminho do calvário. Eu ia desfalecida, coberta de suor e sangue, mas sabia que Jesus me acompanhava. E, quando eu caía, Ele deitava-me as Suas mãos santíssimas para levantar-me. Eu recebia aquele benefício como se não fosse feito a mim. A Sua divina presença não me aliviava, via só a dor, oprimia-me o seu peso e arrastava-me o amor. Cheguei ao calvário, e o mesmo Jesus adolescente infundiu-Se em mim, retratou-Se no meu corpo e foi comigo crucificado. Oh! como Jesus sofreu logo desde tão tenra idade! No meio da agonia da morte, bradava ao Eterno Pai, sem me lembrar que o Seu Divino Filho estava comigo crucificado. E foi assim que agonizei, e Ele novamente me falou:

— Minha filha, minha filha, meu paraíso, meu aqui na terra, tabernáculo da minha habitação. Estou mais consolado, cicatrizaste com o teu amor e a tua reparação as feridas dos espinhos que cercam o meu Divino Coração. Aceita como recompensa o sangue do meu Divino Coração, aceita, que é a tua vida, aceita, que é a vida das almas.

Jesus uniu novamente os nossos corações, estavam como que colados um ao outro. Eu via da chaga do Coração Divino de Jesus passar para o meu o Seu divino sangue e raios fortíssimos do Seu amor. Só isto foi o bastante para eu me perder e enlouquecer por Ele. Não pude receber nem muito sangue nem muito amor. Mal o meu coração principiou a dilatar-se com a força do amor e do sangue de Jesus, fiquei logo como que desfalecida sem poder receber mais. Jesus disse-me:

— Coragem, minha filha, recebe e dá às almas. Dar-te-ei o meu sangue gota a gota, assim como gota por gota tu o dás por mim e pelas almas. Eu quero fazer-te sentir o enfraquecimento e todo o sofrimento humano, tiro assim mais glória para mim e proveito para as almas. Se sentisses em ti a vida divina de que vives, não era tão doloroso o teu martírio, não era tão grande a glória, nem tinhas tanto poder sobre os pecadores. Quero mostrar em ti as minhas maravilhas, o meu poder, a minha sabedoria, para dar lição ao mundo e mais àqueles que deviam saber e não sabem, mas quero que sintas o sofrimento de tudo o que é humano. Tem assim todo o brilho a minha divina causa. Semeia, semeia já na terra, semeia sobre os corações e as almas, semeia, que são sementes do céu. Mergulha-te contente nas tuas trevas, é sinal que o céu se aproxima, e caminhas para a tua última fase. Quantas mais trevas e horrores para ti, mais luz e amor para as almas. Quanto mais sofrimento na terra mais poderosa és junto do trono divino e maior chuva de graças podes derramar lá do céu sobre a terra. Escuta, minha pomba amada, flor pura e delicada. Sabes o que significa em ti esse novo edifício que é tão branco e tão belo? É a continuação do resgate. És a nova redentora, estás a concluir o que eu agora não posso. Que estudem, que estudem como te assemelho a mim. Eu com a minha paixão abri às almas as portas do céu, e tu com a tua paixão, com o teu martírio inigualável continuas a abrir às almas as portas do céu, que para elas novamente estavam fechadas, fechadas pelos seus crimes, pela sua degradação. Tu és edifício majestoso de pureza, amor e de conquista. És a escada por onde as almas sequiosas de mim, por onde os pecadores sobem a esse edifício de pureza e de amor e dele passam ao céu; és a conquistadora das almas. Sofre contente, não é perdido o teu sofrimento. A minha paixão, a minha morte não salvaram a todas, porque não querem salvar-se. A tua paixão, a tua morte darão a vida eterna a todos quantos da minha Pátria quiserem gozar. Tem coragem! Ainda que o mundo tenha que sofrer grandes e graves castigos por não se reconciliar comigo, comigo será sempre salvo pelo teu sofrimento. Milhões e milhões de almas subirão por ti ao céu. No meio do teu martírio não te deixo sentir a consolação da minha divina presença e conforto do meu Eterno Pai. És a minha virgenzinha, a mártir do meu divino amor, a esposa e crucificada que mais assemelhei a mim. Vai, filhinha, luz do mundo, salvação do mundo, luz das almas, fogo dos corações. Dá-te toda por meu divino amor às almas, dá-lhes tudo o que de mim recebes, espera em mim, confia em mim, eu não te falto, não falto ao que prometo. O céu está próximo, triunfa a minha divina causa.

Jesus, ao dizer isto, acariciou-me docemente e escondeu-Se, deixando por um pouco uns fiozinhos d’Ele ligados a mim, que me davam vida. Passaram-se umas horas, vinha chegando a noite, mas dentro de mim já era tenebrosa e triste. Sorria para mostrar alegria e esconder a minha dor, que quase me tirava a vida. Mas mesmo assim o meu coração sorria à dor, sorria a Jesus e ardia em chamas devoradoras de O amar. Eu de novo me abracei à cruz. É a salvação das almas, é a prova do meu amor a Jesus.