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Alexandrina Maria da Costa

SENTIMENTOS DA ALMA

NOVEMBRO
1943

6 de Novembro – Primeiro sábado

― “Estás, minha filha, na posse do teu Deus. A tua vida não tem nada de humano, é só divina: já vives aqui só a vida do Céu. O adorno que eu dou às minhas esposas mais queridas são espinhos e dos espinhos mais agudos. Mas tu transforma-los com tanta doçura e amor que todos ficam em pedras preciosas. Que encanto, que riqueza é o teu coração, ó minha pomba bela. O arminho não se mancha, cada vez mais branco e puro. Sentias, minha filha, o teu espírito que morreu? Fui Eu que assim o permiti: morreu para o mundo, mas vive mais e melhor para o Céu. A aflição que sentes do fogo do Purgatório é a verdade, é a realidade. Estou a purificar-te para depois da tua morte não teres que estar lã, vais direitinha para Mim. Assim o quer a minha bendita Mãe para saberes o que as nossas almas queridas lá sofrem; dá-o a conhecer ao mundo. Sofre tudo, tudo oferece por elas. Mas não temas, meu amor, meu encanto, estás amparada por mim e por minha bendita Mãe; não cais, não vacilas. Estamos encantados contigo, Ela e Eu velamos por ti mais, muito mais do que aquela mãe que dia e noite vela pelo seu filhinho. Tu és a alegria de Jesus, és a alegria de Maria. Nós ao contemplar-te esquecemos os crimes da terra culpada, da humanidade sem ti perdida. Vais em pouco, dentro em pouco para o Céu, mas confia, minha filha, o teu Paizinho vem. A missão dele não acabou, continua ainda; continua enquanto vives e depois da tua morte ainda[1].   Ele é jóia da minha Companhia, por isso mesmo o escolhi para te guiar para mim. Amo-o mais do que às pupilas dos meus olhos. Diz-lhe que de novo lhe mando todas as minhas riquezas e amor e a graça de atrair para mim as almas. Ele não demora, minha filha, a dar-te a luz que necessitas.  Diz também ao teu médico, meu encanto, diz-lhe, afirma-lhe com toda a verdade, que pela missão que lhe confiei, pela missão que te diz respeito e ele com tanto amor e boa vontade vai desempenhando, dar-lhe-ei luz e graça para desempenhar com sua esposa a missão do lar, para guiar, encaminhar pelo caminho mais seguro todos os filhos para mim. As minhas bênçãos e amor caem sobre eles com toda a abundância. São meus, todos meus, todos para mim, todos para o Céu”.

― Ó meu Jesus, humilhada e confundida estou eu diante de vós. Não mereço nada; muito obrigada, Jesus.

― “Pois nada mereces, minha filha : faço eu com que tudo mereças. Criei-te assim bela e encantadora aos meus divinos olhos, aos de minha bendita Mãe. Recebe as nossas carícias, recebe todo o nosso amor, recebe toda a luz e graça do divino Espírito Santo com a promessa de que não te enganas e de que as minhas divinas promessas serão cumpridas”.

― Ó Jesus, ó Mãezinha, são carícias de Mãe, mas só de uma Mãe como vós. Que doces são os vossos beijos, Mãezinha, enchem-me de vós, dão-me força para viver, coragem para combater.

9 de Novembro

O que penso sobre a guerra e a minha confiança em Deus.

Quando me falam da guerra e do perigo em que Portugal está, sorrio a tudo, pois o meu coração redobra de confiança chegando a dizer a Jesus: Jesus, confio em vós! E digo para quem me fala: Não será tanto assim, Nosso Senhor é de infinita misericórdia! Não é porque nós merecemos mais do que as outras nações. Não têm os pais muitas da vezes as sua predilecções para com um dos seus filhos? Assim acontece com Nosso Senhor. Muitas vezes estas conversas faziam-me sofrer pelo que ouvia do mundo e pelo que sentia de Nosso Senhor e ouvia, quando ele me dizia repetidas vezes: “Confia, confia, minha filha”. Temia muitas vezes ser o demónio, mas os efeitos dele não se faziam sentir na minha alma. Ao ouvir as palavras “confia, confia, minha filha”, sentia muita paz e força capaz de vencer a guerra.

Chegou-me aos ouvidos de que o Santo Padre tinha sido preso, e eu não me convenci disso, tomei por confusão do povo. Desde pequenina que rezo pelo Santo Padre, mas desde há muito que venho rezando mais, compadecida do muito que ele sofria. Agora que ouço isto, rezo mais. Apoderou-se de mim uma dor tão grande e uma compaixão por ele que por vezes me parecia não resistir. Sentia na minha alma um luto, como quando morre um pai de família que deixa todos os seus filhos órfãos. Os dias foram passando e nesta luta constante não me canso de oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos e por eles peço a paz. Queria aliviá-lo e confortá-lo, libertá-lo de todo o seu sofrimento e não sabia como. Um dia, depois de comungar, senti um grande desejo de escrever a Sua Santidade. Sem poder resistir a ele, disse para minha irmã: Vou escrever ao Santo Padre. Dá-me a caneta e o papel. E tratei de o fazer, pedindo a Nosso Senhor toda a luz e força e de novo ofereci o sacrifício que fazia. Escrevi o Seguinte:

            Santíssimo Padre:

            Sei que nestas horas trágicas que passam pela humanidade, depois de Jesus o coração que mais sofre é o de Vossa Santidade. Jesus sofre porque é ofendido, e Vossa Santidade sofre por ver o mundo em guerra, em ódios, em crimes. Ai, quanto sofre também o coração da mais pobre, da mais miserável e indigna das vossas filhas por não livrar o Coração divino de Jesus dos crimes da humanidade, para não ser mais ferido, e por não poder aliviar dor tão dolorosa e profunda que aniquila e trespassa o coração do meu querido Pai espiritual e pai de todo o mundo.

Ó meu querido Paizinho, eu nada valho, eu nada posso, sou pobrezinha e miséria, mas Jesus pode fazer-me forte e poderosa e é com Jesus e com a querida Mãezinha que estou ao lado de Vossa Santidade para com os meus sofrimentos o ajudar a levar tão pesada cruz.

Queria beijar a terra onde Vossa Santidade põe os pés, queria andar de rasto por onde quer que passasse o meu querido Paizinho como sinal da minha dor por o ver sofrer e do meu profundo respeito.

Coragem, coragem, Santíssimo Padre, Jesus não falta, a força vem do Alto, a guerra acaba, a paz reinará entre os homens, mas sempre com dor e sacrifício e o reinado de Vossa Santidade continuará sempre por entre espinhos, mas Jesus nunca faltará com toda a sua graça e amor para o meu querido Paizinho poder subir alegre tão doloroso calvário. Foi ele quem escolheu tão terno filho para pai de tos nós, para nos dar as santas luzes do divino Espírito Santo. É triste o reinado na terra, por causa da malícia dos homens, mas será alegre e glorioso no Céu, como prémio de tanta dor e de tanto amor a Jesus.

            Santíssimo Padre, sou uma filha vossa, doente há vinte e seis anos e paralítica há quase dezanove. Esta minha carta representa um enorme sacrifício, pois estou deitada na cama, com o meu pobre corpo trespassado das mais agudas dores, mas é uma prova de amor, santo amor ao meu querido Santo Padre.

            Ai, meu Pai, se fosse possível eu dizer quanto sofro no corpo e na alma! Que triste e dolorosa tem sido a minha vida! É só alegre com os olhos em Jesus. Pai, meu Pai, dai-me a vossa bênção apostólica, suavizai a minha dor, tende dó de mim e perdoai-me o meu atrevimento. Eu não tomei conselho com ninguém, pois já vai para dois anos que não tenho director. Manda quem pode e obedece quem deve. A bênção, a bênção, meu Pai, e o perdão para o mal escrito, mas eu não sei escrever melhor.

            Nunca esqueço Vossa Santidade, nem na terra, menos no Céu. Eu não sei falar para o meu querido Paizinho. Perdão, perdão!

Sou a pobre

Alexandrina Maria da Costa.

11 de Novembro

Depois de lhe escrever, fiquei mais aliviada, cheguei até a sentir contentamento, mas pouco duradouro. No dia seguinte ao que mandei para o correio, depois de comungar, era enormíssima a dor que sentia por Sua Santidade e era grande a minha preocupação a respeito das manobras e exercícios militares e apesar de toda a minha confiança, causava-me sofrimento o que ouvia dizer, e dizia a Nosso Senhor sem pensar, sem pensar obter qualquer resposta: Ó meu Jesus, libertai o Santo Padre, dai paz ao mundo inteiro, dai, meu Jesus. E Nosso Senhor respondeu-me:

― “Sim, sim, minha filha, dou a paz, dou a paz, e em breves dias. Confia, Jesus não te engana”.

E depois continuava eu:

― Ó meu Jesus, meu Jesus, livrai Portugal da guerra! Nós não o merecemos, mas compadecei-vos de nós! Livrais, meu Jesus, livrais Portugal?

― “Sim, minha filha, Portugal é livre, não entra em guerra; não tenho eu a crucificada deste calvário ao lado da minha bendita Mãe a sustentar o braço do Eterno Pai?”

Passada cerca de uma hora, ouvi dizer que estaríamos entregues aos franceses e mataram o Santo Padre. Ao ouvir esta notícia, senti tão grande dor que o meu coração pareceu estilhaçar-se; fiquei sem poder respirar, sem poder falar e sem poder orar. Com os olhos fitos no Coração de Jesus, dizia com o pensamento: Valei-me, Jesus, valei-me. Mãezinha, não me deixeis vacilar. Oferecia a Nosso Senhor todo o sofrimento para que o Santo Padre fosse libertado, persuadida de que não tinha morrido e que não era verdade o que se dizia do nosso querido Portugal.

Foi um dia de tremenda luta. Eu pedia a Nosso Senhor que me mandasse alguém que me pudesse confortar, porque não queria ofendê-lo com o meu desânimo. Passaram-se horas de grande agonia. Sentia-me no meio de uma tremenda tempestade que tudo destruía com a maior fúria e eu sem ter quem me acudisse. Fitava Jesus, fitava a Mãezinha, pedia todo o auxílio do Céu. Nosso Senhor veio confortar-me dizendo:

― “O Santo Padre não morreu ! Vive ainda, a sua missão continua”.

Repetiu-me por várias vezes muito no íntimo do meu coração:

― “Confia, confia ; Jesus não te engana !”

Porém, o demónio, não satisfeito de me ver sofrer sem do meu sofrimento tirar resultado, enraivecido, repetia-me frequentemente:

― “Portugal em guerra, Portugal em guerra !”

Dizia-me com tanta raiva que me fazia sentir pavor. Figurava-se-me que ouvia tocar vários sinos pelo Santo Padre; qualquer ruído, pareciam-me já peças de artilharia em Portugal. Com tudo isso, conservei-me sempre firme na confiança de Jesus. Isto passou-se em 14 de Outubro de 1943, e no dia 10 do mesmo mês Nosso Senhor tinha-me dito pouco mais ou menos o que disse no dia 14. No dia seguinte, apesar de me dizerem que tudo era falso, sentia momentos de grande temor, pois esperava por alguém que me dissesse que era realidade. Maldito demónio que tentava tirar-me a paz e fazer perder a confiança naquele que não engana nem pode ser enganado. Chegou o meu confessor e esforçou-se por me sossegar, o que só na confissão conseguiu. Sempre desejosa de orar pelo Santo Padre, fazia-o sempre, mas foi diminuindo dia a dia aquela dor que por ele sentia.


[1] Será bom lembrar aqui que o Padre Mariano Pinho foi o primeiro biógrafo da Alexandrina.

   

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