Em Sexta-feira
Santa, às 11,30 horas.
― “Não temas,
minha filha, que não és mais crucificada. A crucifixão que tens é a mais
dolorosa que se pode imaginar na história. Vou levar-te comigo para o Céu; vais
comigo direitinha com a tua Mãe querida. Diz ao teu Paizinho: logo depois da tua
morte vou dar a paz em sinal que quero a consagração do mundo à minha bendita
mãe por ti tantas vezes pronunciada, mas antes hão-de cumpri-se os meus desejos
e a minha divina promessa.
No sábado de
Aleluia, depois de comungar, às 6 horas da tarde, Nosso Senhor falou-lhe assim:
― “Coragem,
minha filha ; Jesus está contigo e estará até ao fim. Tens sido fiel em
receberes as minhas graças e o meu amor! Eu serei fiel em as distribuir e o meu
amor com toda a abundância. Amo o teu Paizinho, amo o médico que com tanto amor
te acompanha. Coragem! Um pouco mais! Bem pouco durará a batalha. A tua Mãezinha
querida vem ao teu encontro e acompanha-te ao Paraíso, assim como virá ao
encontro do teu Paizinho e do Sr. Doutor e os acompanhará ao Paraíso. É o
prémio, é a recompensa que lhes dou”.
Desde Sexta-feira
Santa principiei a sentir-me morta no calvário no meio das maiores trevas e
abandono. Caíram sobre mim todos os leões. Não deram sepultura ao meu corpo;
vinham as aves nocturnas e, apesar das negras trevas, viam para comer o meu
corpo. Fiquei sempre neste sofrimento e agora sinto essas aves a enterrar o bico
nos meus ossos e reduzirem tudo em cinzas. A cruz onde fui cravada caíu por
terra, mas ainda sinto uma parte do meu corpo presa pelos cravos. Agora essas
aves ainda têm muito que escabulhar no meu corpo que não tem vida nenhuma da
terra, apenas o meu coração sente uma vida que não é humana, é vida divina; essa
vida divina dá-lhe sangue e sinto a humanidade inteira a beber essa vida divina
como se fossem avezinhas. Agora sinto que só depois dessas aves nocturnas
reduzirem os meus ossos a cinzas é que poderei partir. Eu nunca mais me sinto
agora na cruz: é sempre o sofrimento que está dito. Este não é menos doloroso.
Sinto os leões a aproveitarem-se mais da carne, mas da carne que já está podre,
nojenta, e as aves com os seus grandes bicos metem-nos nos ossos e broqueiam-nos.
Não compreendeis quanto sofro, nem eu mesma sei explicar.
Deixaram a minha
alminha no meio da montanha entregue à maior tempestade, negra, tristíssima,
árida; deixaram-me no abandono. Caíram sobre mim todos os leões! Como é triste a
ingratidão dos homens!...
No dia em que veio
a meu Paizinho a alma sentia-se confortada, mas logo que ele se retirou,
senti-me como que esquecida dele e da Santa Missa de que eu tinha tido tantas
saudades. Nem mo deram, nem mo emprestaram: ele veio como que fugido. Tudo isto
morreu comigo no calvário, a não ser quando Nosso Senhor mo dá milagrosamente
para meu conforto e isto acontece algumas vezes por dia.
De 13 para 14 de
Abril, durante a noite, senti a presença do meu anjinho da guarda. Ele queria
aliviar-me, levantar o meu corpo para o suavizar de tanta dor.
De 14 para 15 de
Abril, ele, o demónio, também por aqui andou. Aquelas sombras pretas que eu via
quando tinha as coisas de demónio, esta noite andaram aqui abaixo e acima.
No dia 16, hoje,
sinto que as aves já vão cá para baixo, ventre, em cima tinham mais que
escabulhar. Agora sinto que as aves vêm ao tronco que está transformado em
cinzas e remexem-nas a ver se ainda encontram alguma coisa que comer. Como nada
já encontraram, vão para o ventre juntarem-se às muitas outras que já lá estão
enterrando os bicos até encobrirem as cabeças.
Os medos que sentia
à crucifixão transformaram-se em saudades. Quanto não havia de custar a Nosso
Senhor estar com o seu santíssimo Corpo na Cruz se a mim me custa tanto ter o
meu pousado na cama!
Disseram-lhe:
“Mas Nosso Senhor esteve só três horas, e tu estás há muito tempo!” E ela
respondeu: “Nosso Senhor tinha-o tanto todo em ferida, e o meu não está.
Tenho sentido
tantas saudades pela crucifixão, que me lembrava que só se aprecia uma coisa
depois que se perde. Se a tivesse agora, abraçava-a num eterno abraço,
figurando-se-me que nunca mais desligava os braços e que ficava assim
eternamente. Lembrava-me: se fosse agora, como amaria a paixão e os tormentos de
Nosso Senhor! Pensava em mandar buscar a roupa da crucifixão para a ver, beijar
e abraçar. Ao ver a esteira sobre a qual passava a paixão disse: ― Deixai beijar
essa esteira!
E beijou-a.
Na noite de 19 para
20 de Abril de 1942, a Mãezinha veio por duas vezes junto de mim e por uma das
vezes acariciou-me.
Ao perguntar-lhe
se era linda, disse: “Era bela! Bela! Oh! Como era bela! Como não hei-de querer
ir para o Céu para a ver eternamente?!...”
“Como vinha
vestida? ― “Era luz, luz, a luz mais brilhante; vestia mantos de cores.”
Nunca pensei poder
haver tantas agonias da alma. Sinto que era o bastante para me tirar a vida, se
Jesus não ma sustentasse. Parecia-me que o meu Paizinho sofria muito, e não me
enganei. Passados dias, soube do sucedido. Os meus sofrimentos redobraram. Esta
vida divina que sinto sustentar meu coração vai levantando-o ao alto, cada vez
mais alto para ele receber os últimos golpes. É ferido por todos os lados.
Picam-me em todos os sentidos. As aves já comeram quase todo o ventre, já as
sinto pelos rins. O meu corpo já quase nem cinzas tem. Levaram-me à mais alta
montanha e os ventos espalharam as cinzas e foi na maior escuridão que ouvi uma
espécie de um toque para reunir todas as aves e à uma pousaram-se no meu corpo.
Agora já vão nas ancas. Posso dizer: A minha alma está triste até à morte, tão
triste ela está que nada há no mundo que a possa alegrar. A cruz onde fui
crucificada não existe; já nem os pés sinto presos pelos cravos.
Sinto a alma como
se fosse um corpo preso de mãos e pés, mas toda escuridão e onde não penetra a
mais pequenina luz e onde não pode entrar a mais pequenina ponta de ar.
Abandonou-me o Céu e a terra, mas as minhas cinzas respeitam. São os sentimentos
da minha alma. Ontem ao receber ordem do Prelado para ser levada para Coimbra a
fim de ser observada pelo Sr. Doutor Elísio de Moura, passou-me pela mente: que
mal compreendido é o sofrimento. Estou certa que se experimentassem o que se
passa no meu corpo por uns momentos, não havia no mundo quem se atrevesse a
trazer-me ao conhecimento tal coisa.
Com os olhos fitos
no Céu, pude dizer: Seja tudo por amor de Jesus. Ele é digno de tudo. As almas
tudo merecem, porque custaram o sangue de Jesus. A agonia da minha alma
prolonga-se, agrava-se mais e mais. Só o Céu pode pôr termo a tudo isto. Nosso
Senhor me aceite tudo e seja comigo, porque só com Ele se pode vencer. Que
amargura, que amargura não ter o meu Paizinho para meu conforto e minha luz!
Pedia a Jesus com
toda a confiança para morrer na primeira sexta-feira de Maio, para poder jã
passar o primeiro sábado no Céu. Ao saber de todo o sofrimento do meu Paizinho,
para justificar a sua inocência, ofereci a Jesus, se fosse do seu divino agrado,
me desse mais treze dias de vida e depois ir passar o dia da Ascensão no Céu,
sofrendo assim mais este tempo para Jesus satisfazer os meus pedidos.
Nesse mesmo dia,
disse-me Nosso Senhor:
― “Minha filha,
diz ao teu Paizinho que confie plenamente em mim. O meu divino Coração é
todo-poderoso. Eu venço e triunfo com ele. Eu amo-o e ele nunca me ofendeu”.
Mais tarde um
pouquinho, voltou Jesus a dizer-me:
― “Diz ao Sr.
Padre Frutuoso que diga ao teu Paizinho que Eu atendo a tudo o que me pede a
minha filhinha e que tenha sempre na mente dele que Eu tenho poder para mover à
Céu e a terra”.
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