Jesus, prolonga-se
a minha agonia, não tem fim o meu calvário. As negras trevas da noite não podem
jamais terminar para mim; não vejo o caminho, não posso seguir nem voltar para
tràs; não tenho guia, não tenho vida. Sinto o coração e a alma a despedaçarem-se
em bocadinhos. Por amor de quem aceito tudo isto? Por vós, meu Jesus, só por vós
e pelas almas. Servi-vos da minha tristeza e agonia, servi-vos do sacrifício que
me levou ao extremo para dares a paz ao mundo, meu Jesus, para que o vosso
divino Coração possa receber de mim toda a alegria, consolação e amor possível,
para que sejam realizados todos os vossos desejos, para que as almas sejam
salvas. Se eu não vivo para as salvar, se os meus sofrimentos não bastam para
lhes evitar o inferno, depressa, meu amor, depressa, levai-me então para vós;
não se pode viver assim; que ao menos me reste esta esperança: a minha agonia
consola o seu divino Coração. Apressai-vos, Jesus a socorrer-me; fazei que eu
seja firme nos meus propósitos. Dai-me para os meus lábios um sorriso enganador
no qual eu possa esconder todo o martírio da minha alma; basta só vós terdes
conhecimento de todo o meu padecer. Percorrei, meu Jesus, todo o meu corpo,
coração e a alma, vede se encontrais mais alguma coisa que vos sirva para vós;
quero dar-vos tudo, tudo. O retirarem de mim o meu Paizinho espiritual e todos
os sacrifícios que a esse se seguiram, levaram-me a sofrer ao máximo. E agora,
meu Jesus, sabê-lo aqui t0227o pertinho de mim e eu como a avezinha triste em
dias de inverno a morrer de fome, não poder falar-lhe, não poder receber dele
alimento e vida para a minha alma; é de morrer de dor. Reine e impere o vosso
amor, só ele pode vencer.
Prometi-vos, meu Jesus, sofrer em
silêncio, não ter um desabafo enquanto pudesse caber no meu peito a dor do meu
triste padecer. Agora não posso mais, Jesus, estou esmagadinha. Esmagam-me as
humilhações, desprezos e abandonos. Perdi a vida da terra, perdi a vida do Céu;
sou inútil para vós. Pobre alma que outra coisa não sente senão medo e pavor.
Triste coração ansioso por possuir o sangue do mundo inteiro para em todos os
caminhos do calvário ladrear com
letras de sangue: amor, amor, o amor de Jesus! E nada tem e de nada serve para o
consolar e amar. Ó Jesus, ouvi o brado da minha alma; eu só quero amar-vos,
pecar nunca. Eu sou miséria, eu sou nada; sinto-me envergonhada, estou
desfalecida. Mas a minha vontade quer seguir todos os caminhos travessados por
vós. O meu corpo está na cruz. Sinto a minha cabeça cercada de espinhos sem
poder voltá-la dum lado para o outro, todos eles me ferem agudíssimamente; é
dolorosíssimo todo o sofrimento dele. Mas os meus lábios só querem balbuciar:
Mais, mais, meu Jesus, mais. A vontade tão louca a aproximar-se da crucifixão; o
corpo, a pobre natureza arrepiante quer retirar-se, não tem coragem para tanto.
A hora aproxima-se. Sede vós, ó Jesus, toda a força da vossa filhinha que
aparentemente se sente de tudo e de todos abandonada.
Chegou a hora,
Jesus, e ao extremo chegou a minha aflição. Sentia que já não podia mais. O
esmagamento abria-me o peito, e vós como sempre viestes em meu auxílio,
infundistes em mim a vossa força divina.
— Ó minha amada,
minha querida filha, é este o caminho, segue-me; é a via dolorosa, é o caminho
do clavário. Fui eu que te escolhi, é a salvação das almas, é a minha glória.
Coragem, minha amada! Tenho mais consolação e alegria na tua crucifixão do que
em todos os sofrimentos e amor das almas do mundo inteiro! Alegra-te, confia!
Vais em breve, muito em breve receber o prémio de todos os teus sofrimentos. Tem
coragem! O teu Paizinho está aqui para te auxiliar com o teu Jesus e a tua
Mãezinha querida.
Caminhei convosco,
meu Jesus; cheguei ao Horto, mas já tão só! Recordava as vossas divinas
palavras, só elas eram a minha força. Lá nunca vos encontrei nem ouvi falar.
Triste noite e abandono. Que onda de crimes caía sobre mim. Por todo o Horto
estavam marcados os caminhos das almas. Cada um deles estava selado pelo vosso
Sangue divino. Que tristeza ver tantas almas retirarem-se dele e até
desprezá-lo. Por todos os caminhos surgiam essas almas com variados sofrimentos
para vós. Doce Jesus, que dor imensa para o vosso divino Coração ser tão
maltratado pelas almas para quem só tivestes amor. Que confusão! Que medo tão
pavoroso que transformava o vosso Coração e o vosso Corpo em sangue! Pobre de
mim! Que era eu no meio desse Horto, meu Jesus? Uma pequena bola, um inútil
instrumento manejado por vós. Seguiram-se os passos da Paixão; aqui e além
ficava desfalecida. Durante a flagelação, confesso, meu Jesus, que nunca senti
tanto abandono do Céu e da terra. Era só raiva desenfreada no meu pobre corpo;
estava já no auge a minha aflição; ou era aliviada ou morria. Senti então um
pronto-secorro da terra e a vossa graça divina desceu sobre mim, descansei em
vós por algum tempo até receber a vida que precisava. A minha alma
transformou-se, passou da mais extrema dor e agonia à suavidade e à paz.
Fui para a coroação
de espinhos. Senti-me obrigada a descansar na Mãezinha; senti nesse momento e
por mais algumas vezes que o meu Paizinho espiritual, aquele que de mim
retiraram, desejava dar-me alívio. A Mãezinha tomou-me em seus braços, cobriu-me
com o seu manto, beijava-me, e vós beijáveis-me, meu Jesus. Ouvi que vós dizíeis
para Ela:
— É minha filha
e é tua filha, minha Mãe, é filha dos nossos amores.
Segui para o
calvário; a cada passo que dava, era a menos um momento de vida, perdia-a
rapidamente. Faltava-me auxílio do Céu, não tinha luz que me mostrasse o
caminho. Foi quase agonizante que na cruz fui pregada. Os insultos do calvário
abafavam-me os gemidos: apenas se ouvia o sangue cair no chão. Os gemidos e as
lágrimas da Mãezinha faziam-se sentir no meu coração. Rompi então em extrema
agonia a bradar ao Céu e a perguntar-lhe a causa de tamanho abandono. O meu
brado não foi ouvido, pareceu-me não ser atendida; tinha que morrer sozinha. E
agora, meu Jesus, já algumas horas da noite são passadas, não cessa a minha dor,
não passa a minha agonia, sinto prolongar-se o meu abandono. Perdoai-me, meu
Jesus, parece-me não acreditar em vós. As palavras que me dissestes não podiam
ser dirigidas para mim; eu sou uma criatura vil, não posso consentir que deiteis
sobre mim os vossos divinos olhares. O que eu sou, o que eu sou, meu Jesus.
Perdoai-me, abençoai-me, meu Jesus; contudo desejo amar-vos.
Meu bom Jesus:
Passei quase a
noite a fazer-vos companhia; não perdi a minha união convosco. Chorei, porque
não podia esconder mais a minha dor; foram para vós as minhas lágrimas. As
trevas atingiram toda a altura da terra ao Céu, esconderam-me o azul do
firmamento. E eu tão abandonada, perdida em tanta escuridão: a minha dor era
mortal. Ainda sem raiar o dia entrastes vós no meu quarto, baixastes ao meu
coração. Passei ainda uns momentos na mesma dor; depois raiou na minha alma o
vosso Sol divino, gozei da vossa doce paz e ouvi a vossa divina voz:
— “Minha amada,
ó minha amada, o meu amor consome-te. Em ti há só oiro finíssimo; o meu fogo
divino tudo em ti purifica. Que riqueza em teu coração! Tenho nele toda a
consolação e delícias. Deste-me tudo, tudo recebi e guardei. Vim ao jardim da
minha esposa, nele colhi muitas flores; guardei todo o seu perfume. É para
distribuir às almas: é ele que as atrai para mim. Diz, minha louquinha, ao teu
Paizinho, que o é é sê-lo-á sempre; não consenti nem consentirei que to tirem;
que lhe mando todo o meu amor e da minha Mãe bendita. Basta, basta a experiência
dos homens. O golpe que te foi dado teria sido fatal se eu não velasse por ti,
se não te amparasse e cobrisse toda a protecção divina.
Eu quero-o
depressa com todo o seu cuidado a par com a tua alma. Diz ao Sr. Doutor que tudo
quanto a ti faz, a Mim é feito, em ti o recebo. A recompensa é eterna, dou-lhe
todo o meu amor, de ti tudo receberá. Todos os filhinhos dele ficam sob a tua
protecção; nenhum deles se perderá; todos terão no Céu um lugar de predilecção.
Eu quero-o sempre, sempre vigilante junto da planta que lhe confiei; não poderá
viver sem todo o seu cuidado. O fim aproxima-se rápido, toda a glória e triunfo
são de Jesus”.
Deixei de vos
ouvir, meu Amor, e quase logo principiou a sangrar de dor o meu coração. No
entanto, a vossa força divina fortaleceu-me; sofro, mas com mais vida. Não quero
duvidar das vossas palavras, espero ume resolução firme, espero a transformação
completa dos corações humanos. Só o poder de um Deus pode renovar tantos
obstáculos. Espero em vós, meu Jesus: não me deixeis morre de fome, não deixais
que caia de todo no desalento. Deixai-me todo o amor, toda a confiança, todo o
desejo de sofrer por vós. A bênção, meu Jesus, para a pobre
Alexandrina
Jesus, hei-de
vingar-me, e vingar-me com toda a força, daqueles que tanto me têm feito sofrer.
Sabeis como, meu Amor? Com orações mais fervorosas, com todos os meus
sacrifícios para que eles vos conheçam e vos amem. Se vos amassem como vós
quereis, não procederiam assim. Perdoai-lhes, bom Jesus. Tudo quanto dizem de
mim, eu sem vós, sem a vossa graça, julgo-me capaz de muito mais. Se me
deixásseis sozinha um momento, seria o bastante para eu praticar os maiores
crimes. Eu só tenho que agradecer àqueles que me humilham e me ferem. Abriram-me
um novo caminho para eu vos seguir mais de perto, com mais perfeição e amor. A
tudo quero sorrir e seja sempre e primeiro que tudo esse sorriso para vós. O meu
pobre coração está retalhado, não cessam de o pisar e na mesma chaga
continuamente ferir. Não importa, só importa o vosso Amor, esse basta-me, esse
quero possuí-lo ainda que para isso seja esmagada e por todos tratada como
escrava. A vós, meu Jesus, já me dei como escrava e continuamente me dou.
Inclino a cabeça para receber de vós o cutelo de toda a dor e sacrifício. E no
íntimo do meu coração vou dizendo sempre: Faça-se, Jesus, faça-se como quereis.
Jesus, morrem os
meus lábios de sede e de fome, e de sede morre a minha alma. A sede do meu corpo
sois vós que permitis que eu a não possa saciar; ofereço-vos o sacrifício,
aceito-a por amor, para que possais vós saciar a sede de todos os corações. A
sede e fome da minha alma é causada pelos homens, são eles que me deixam morrer,
não permitem que a minha alma se alimente e se sacie naquela fonte que vós
escolhestes. Ó Jesus, ó Jesus, compadecei-vos de mim, olhai a minha alma como a
avezinha perdida, a perder a vida ao desamparo.
Ai de mim sem vós!
Que dor, que dor, meu Jesus! Que trevas! Que escuridão tão assustadora! Que
caminhos tão cobertos de espinhos! Caio às cegas sobre eles, neles dilacero o
meu corpo, perco o meu sangue. É pelas almas. Pondes à minha frente, diante dos
meus olhos a minha enorme cruz; vejo-a claramente, nela sou cravada
continuamente. E agora, Jesus, de momento para momento vai sendo a minha agonia
mais dolorosa. De longe a longe solto um gemido, já quase sem vida; os meus
olhos perdem a luz; morro abandonada, cheia de medo. Aproxima-se a crucifixão;
amparai-me, velai por mim, meu Jesus.
Meu Jesus, ao
aproximarem-se para mim os momentos de maior angústia, ouvistes, meu Jesus, a
minha voz quase sumida a dizer-vos que me levásseis para vós, que já não podia
mais? Perdoai-me, meu bom Jesus, perdoai-me, meu Amor. É verdade que o meu
desfalecimento era tanto, o meu corpo não tinha forças, não era capaz de
mover-me. A vontade queria seguir-vos, essa estava firme e vós viestes
ampará-la, destes-me a vossa vida, fortalecestes-me com a vossa doce voz:
— “Minha filha, amada minha, dá a
esmola a Jesus que bem poucas vezes te será pedida.
Sem ela, morrem de fome os pecadores e milhares cairiam no inferno. Sem ela,
Portugal não teria paz e todo o universo não receberia a paz desejada; sem ela
não estaria o meu divino Amor em muitos corações, em muitas almas. Coragem! O
teu Paizinho ampara-te, auxilia-te com Jesus e a Mãezinha”.
Caminhei para o
Horto de cada vez com mais tristeza, trevas e dor. Sentia-vos, meu Jesus,
revestido de mim a chamardes as almas. Dizíeis-lhes a agonia do vosso divino
Coração, mostráveis-lhes como ele estava ferido e só por amor. Que ingratidão!
Eu sentia elaas a voltarem-vos as costas, a desprezar-vos. Pobres almas, não
querem escutar-vos; fugiam de vós, loucas, para a perdição. Retiravam-se as
almas para um lado e o Eterno Pai para o outro, irado contra vós, deixando-vos
no maior abandono. Eu já quase não podia resistir ao sentir a vossa dor, a vossa
amargura; fazia estalar as pedras. Não podia ver-vos fugir para a solidão,
meter-vos sob a terra, esmagado com um universo de pecados. Não sei exprimir a
vossa dor, meu Jesus; não tenho palavras que expliquem a infinidade do vosso
amor. Levantei-me do Horto para continuar a ser o mesmo instrumento em vossas
divinas mãos em todos os passos da Paixão. Aumenta o abandono de crucifixão para
crucifixão; o desfalecimento é mais, mil vezes mais. Do Céu não posso esperar
auxílio, da terra tudo me querem tirar. Ó Jesus, ó Jesus, para onde hei-de
voltar-me? Só com a obediência tão mal compreendida resisto a um mar de dores.
Na flagelação inclinei-me a vós, foi o vosso divino Coração o meu abrigo, nele
recebi a vida que estava quase perdida. Resguardada por vós, olhava todos os
sofrimentos, mas enquanto descansava não os temia. O vosso divino abrigo dava-me
força, suavizava-me a minha dor Quando sem dó nem piedade batiam na minha cabeça
e nela se enterravam agudíssimos espinhos, fui descansar na querida Mãezinha.
Então, como a criancinha que brinca no regaço de sua mãe, atirava-me a Ela,
lançava-me ao seu pescoço, beijava-a, abraçava-a e por Ela era acariciada.
Mirava para um e
outro lado, por todos eles surgiam sofrimentos; sabia que eram para mim; o meu
coração sorria a tudo e dizia: tudo recebo por amor. Ó meu Jesus, isto são
alívios, não consolações, bem o sabeis. Tenha o vosso divino Coração a
consolação que eu poderia ter. Brilhai nas almas enquanto que eu sofro nas
trevas. Fui para o Calvário, fui para a cruz; o desfalecimento era de morte, os
insultos caíam sobre mim. O corpo e a alma estavam tomados de medo e pavor.
Bradar ao Céu era o mesmo que bradar a nada. Morrer sozinha, morrer em dor entre
lágrimas e suspiros, morrer para dar vida, morrer para que as trevas se
transformem em luz, eram as minhas ânsias.
Terminou este
martírio, meu Jesus, e o meu pobre coração não teve uns momentos de alívio;
continuou a sangrar; não podia esperar horizontes alegres. Quase tudo cava
apressadamente a minha sepultura. Olho para trás, olho para a frente, não vejo
ninguém por mim, tudo é revolta, tudo é desprezo. E continua a minha vida de
ilusões. Dar-me-ão o meu Paizinho espiritual? Virá hoje, virá amanhã? Meu Jesus,
eu não pratiquei nenhum crime; sofro inocente, sofro por vosso amor, sofro para
dar-vos almas. Antes sofrer uma vida inteira inocente do que sofrer um só
momento culpada. Meu Jesus, foram-me dadas de novo as cartas do meu Paizinho.
Para quê? O sacrifício está feito. Foi o mesmo que colocá-las sobre um cadáver
que nada sente. Manda a obediência, eu aceito. A vossa bênção e perdão.
Jesus, não quero
mais viver de ilusões; quero viver só de amor e de confiança. Cortai em mim tudo
o que é terreno, quero só esperar em vós, quero ser forte, mas não posso,
sinto-me definhar dia a dia. E sinto na minha alma que novos assaltos estão para
cair sobre mim. Tudo é revolta. Prevejo um mundo de leões laçarem-se a mim com
toda a raiva para me devorarem. Que angústia na minha alma! Que tristeza
profunda no meu coração! A alma treme de medo com todo o meu corpo; não posso
viver assim. Será porque o fim se aproxima? Venha ele, venha depressa. O Céu é a
minha esperança. Quero, por todos os caminhos percorridos durante a veda, deixar
escrito com o meu sangue o vossa amor. São caminhos de luta, caminhos de negras
trevas; trevas como nunca, abandono como nunca imaginei passar. Levanto as
minhas mãos ao Céu, para o Céu que tantas vezes fitei e contemplei com amor, mas
não o vejo. Brado com toda a força, do fundo do coração, e o meu brado não sobe,
parece-me Jesus não ouvir! Abandono, que completo abandono!... Jesus, Jesus,
compadecei-vos de mim, parece-me que vos perdi e que perdi a Mãezinha. Afastaram
de mim na terra o amparo, guia e luz que me tínheis dado. Jesus, Jesus, olhai a
louquinha perdida que tudo sofre e aceita por vosso amor, para dar-vos as almas.
Jesus, Mãezinha, quero sofrer tudo; as forças não me ajudam. Estou sozinha,
posso dizer convosco: Pai, porque me abandonaste? Quereis assemelhar-me a vós?
Obrigada, meu Jesus. Submeto-me ao peso da vossa Cruz. Sinto arrancarem-me o
coração, sinto que vou morrer esmagada, mas quero balbuciar sempre: Ó como é
doce morrer por amor! Ó como é doce cumprir a vontade do Senhor! Jesus, à medida
que se aproxima a crucifixão, o pavor aumenta, sinto-me cravada na cruz, dando
de longe a longe um suspiro até que seja o derradeiro. A agonia aumenta, São
dados ao meu corpo maus tratos sem piedade. Ó mundo, ó mundo que não conheces a
dor nem o amor de Jesus. Só com ele se abraça a Cruz, só com ele se caminha para
o martírio!
Chegou a hora da
crucifixão: não a podia temer mais. O meu corpo não tinha forças; perdi para mim
todo o auxílio do Céu. Obrigada, meu Amor, apresentastes-vos a dar-me conforto.
― “Minha filha,
escuta: é Jesus que se aproxima, vem beber à tua fonte, vem saciar a fome com a
tua esmola. É com a tua crucifixão que o mundo recebe paz. Coragem! O teu
Paizinho auxilia-te de longe como se estivesse aqui. Eu não o retirei de ti.
Acompanho-o com a tua Mãezinha para te amparar. Coragem, coragem”.
Caminhei para o
Horto, meu Jesus, com as vossas divinas palavras, por algum tempo gravadas em
meu coração. A pouco e pouco com as trevas nada via, com o desfalecimento nada
podia. Sofria como se nunca vos tivesse ouvido nem encontrado. Que abandono
triste! Principiei a sentir lançadas no meu coração, que o desligaram do meu
peito, fazendo-o cair ao chão, sendo nele esmagado, maltratado. Não era o meu,
mas o vosso, meu Jesus. Que dor me causava ver-vos sofrer assim e sentir que vós
vos queríeis cobrir de terra, sendo ela o véu que encobria os pecados de que
estãveis revestido. Impossível. Vós não podíeis fugir à vista do Eterno Pai. Ele
vía-vos todo manchado, revoltava-se contra vós. Eu ouvia os vossos suspiros,
sentia as vossas lágrimas. Não tínheis quem fosse testemunha delas; os apóstolos
dormiam; despreocupados de tudo, não viam que suáveis sangue. Só quando vos
levantastes para os chamardes, eles viram os vossos vestidos ensopados. Sem nada
discorrerem, continuavam o sono. Pobre Jesus! Sofríeis sozinho. Que lição para
mim! No palácio de Herodes senti em meus ombros a capa de rei e na cabeça a
cora; senti no meu coração a vossa dor por tanto que vos fizeram sofrer. Na
flagelação fui descansar ao vosso Coração divino. Era grande como o Universo,
podia percorrê-lo todo, mas não, estava muito ferida; inclinei-me para vós,
descansei até que de novo voltassem os algozes.
Na coroação des
espinhos descansei nos braços da Mãezinha, senti que o seu manto me cobria, a
sua santíssima Mão acariciava-me, o rosto dela junto ao meu suavizava a minha
dor. Sentia-me cansada, sem alegria. Em seus braços não vinham ferir-me, mas
quando fui para eles já ia em sangue.
Caminhei para o
calvário, sentia que era impossível chegar ao cimo; fugia-me a vida, falhavam-me
as forças. Invoquei a Mãezinha, invoquei o vosso divino Nome, meu Jesus, pedi as
vossas forças divinas. Ouvi que me dizíeis:
― “Hei-de encher
com a minha divina riqueza o Cireneu que com tanto amor te acompanha no caminho
do Calvário, assim como o Cireneu que primeiro te escolhi. Auxilia-te de longe
como se estivesse aqui. É grande a recompensa, serão falados através dos
séculos, assim como aqueles que mais de perto te acompanham na tua dor e ta
suavizam”.
Cheguei ao
calvário. Sentia um a meus pés onde estava crucificada e outro em meu coração.
Tudo era escuridão e abandono total. Por entre o som de grandes blasfémias
ouviam-se suspiros, caiam lágrimas de amargura e dor. Bradei ao Céu de todo o
coração; ele estava fechado, não se abriu para mim. Ó dor, ó dor, ó abandono que
és aceite só por amor!
Terminou toda a
paixão; porém a dor tem que atingir seus limites. Soube que tinha razão em
sentir os novos assaltos na minha alma. Que pena, Jesus, que se não conheça o
valor da obediência e tudo o que operais nas almas. O coração estala-me de dor.
As humilhações deitam-me por terra. Ser forte, só convosco, Jesus. Que hei-de eu
fazer pelos que me fazem sofrer? Aceita, Jesus, os nojos que eu tenho, que me
não permitem saciar a sede dos meus lábios, para que eles não tenham nojo de vós
revestido nas almas, para que vos amem e conheçam as vossas verdades. Dai-lhes
tudo, meu Jesus, que eu tudo dou por eles. Perdoai-me, Jesus. Dai-me a vossa
bênção, graça e amor.
Jesus, ouvi as
minhas palavras; parece-me que já abafadas com o peso da morte. Mais uma vez
quero dizer-vos: sou vossa no tempo e vossa serei na eternidade; só a vós me dou
e só a vós quero pertencer. É com a alma em agonia e o coraçáo retalhado de dor
que os meus lábios mais uma vez balbuciam estas palavras: só por amor.
As negras trevas
não me deixam ver; só sangue sinto escorrer do meu pobre corpo. Sinto-me
sozinha, roubaram-me o meu conforto, o alívio da minha alma, o meu amparo na
terra. Tenho que lutar abandonada no combate mais difícil. Por vezes não posso
resistir às saudades de ver celebrar no meu quarto o Santo sacrifício da Missa.
Tudo roubado, tudo perdido! Perdoai, meu Jesus, aos que me causaram tudo isto,
para todos peço a vossa compaixão e a vossa luz para a sua cegueira.
No meio deste mar
de sofrimento e neste lutar de negras trevas, de noite escuríssima, a minha alma
goza a maior paz. Não temo comparecer na vossa divina presença. Lembra-me, por
vezes, se será orgulho da minha parte. Não o conhecerei, meu Jesus? Estará
escondido na minha ignorância? Vós destes-me a graça de eu conhecer o abismo da
minha miséria, mas ao mesmo tempo vejo que maior, infinitamente maior, é o
abismo do vosso amor, a vossa misericórdia e compaixão. Confio cegamente em vós
e em vós espero. Ó meu Jesus, é o manquinho infernal que tenta inquietar-me,
arrancar de mim a paz da consciência, prender-me de alguma forma às coisas
terrenas. Quando me sinto mais desprendida do mundo e em maiores ânsias de voar
para vós, para a Pátria celeste que me espera, aparecem-me rapidamente na minha
imaginação estas coisas que tanto me atormentam: “tens muita pressa de deixar os
teus, que nunca mais voltas a ver; com a morte tudo acaba, não há Céu nem
inferno”.
Jesus, Jesus, eu
amo-vos, eu creio em vós, vós não enganais ninguém: não deixeis o maldito
confundir-me. Eu não queria que estas palavras se soubessem; não quero
escandalizar ninguém, não quero tirar a fé a quem tem pouca e mais profundar no
erro aqueles que nenhuma têm. Perdoai-me se não devia dizê-lo. Meu bon Jesus,
meu doce Jesus, tenho chorado com medo à minha crucifixão. Ai de mim e pobre de
mim sem vós! Não me falteis, por quem sois, com a vossa força divina; eu não
tenho força, a minha vida está perdida. Durante a noite e na manhã de hoje
animou-me a vossa divina presença. Apresentastes-vos à minha frente, de cruz aos
ombros, inclinado para a terra, desfalecido e sem vida, rodeado de vil canalha.
Ao ver assim um Deus sofrer por meu amor, não posso recusar-vos a minha
crucifixão; aceito por vosso amor, aceito pelas almas. Revesti-vos de mim, vivei
em mim, movei o meu corpo sem vida. Está próxima a crucifixão, não me falteis,
meu Jesus, dai-me graça, força e amor.
Jesus, não me
falteis com as vossas forças para que eu possa descrever o melhor possível o que
sofrestes na vossa santa Paixão e a vossa protecção e amor para com esta
pobrezinha. É para vossa maior glória e proveito de todas as almas.
Os olhos do meu
corpo pareciam quase não verem ao aproximarem-se os momentos da crucifixão.
Assustava-me o meu desfalecimento; o abandono em que me encontrava levava-me à
sepultura. Que tormento! Não ter vida e ter que lutar contra o mundo. Desceu
sobre mim a vossa vida e o vosso amor, ouvi a vossa doce e meiga voz:
― “Minha filha,
ó amor de Jesus, coragem, não temas, não temas. O caminho do Calvário está a
terminar: vem trilhar os últimos espinhos. Das feridas por eles feitas nascem
fontes de salvação. As almas necessitam de tudo. Jesus consola-se na tua
crucifixão, encontra em ti toda a reparação que se pode encontrar na terra.
Coragem! Jesus não te falta com a sua Mãe bendita. O teu Paizinho acompanha-te
em espírito com a minha graça, auxilia-te em união connosco”.
Fui para o Horto:
no meio do abandono relembrava as vossas doces palavras que por algum tempo se
conservaram gravadas em meu coração. Depois, com os golpes que nele senti, pelos
maus tratos que me foram dados pela humanidade, tudo desapareceu. E aí, sozinha,
em profundo silêncio, na maior escuridão, que se na morte, procurava esconder-me
para sempre, ser a terra o meu esconderijo, não ouvir as ameaças do Eterno Pai.
Meu Deus, meu Deus! E eu sozinha! Não corria uma aragem, nem as folhas das
oliveiras se mexiam a não ser para curvarem seus ramos, em sinal de adoração,
por terra. Ó dor, ó agonia de Jesus, ó loucura de amor de Jesus pelas almas! Não
eram meus estes sofrimentos, mas vossos, só vossos, meu Jesus.
Segui os passos da
Paixão: aqui e além caía sucumbida, esmagada pela dor. Repetidas vezes invoquei
o nome de Jesus e da Mãezinha; pedi as vosas forças, porque todas as minhas
estavam perdidas. Obrigada, meu Jesus, convosco fui resistindo. Na flagelação,
ao ser resguardada em vosso divino Coração, via à minha frente os algozes
preparados com os açoites para mais castigarem o meu corpo. Eu coberta com o
vosso divino Amor não os temia. Na coroação de espinhos, quando estava nos
braços da Mãezinha, via também enlearem à minha frente agudos espinhos uns aos
outros preparando novo capacete para na cabeça me cravarem. As carícias da
Mãezinha fizeram-me esquecer que eles se preparavam para mim. Oh! Como é grande
o vosso poder e o vosso amor, ó Jesus!!!
Caminhei para o
calvário sem vida para chegar ao fim; não podia caminhar, escasseavam-me as
forças. Na segunda queda, obrigou-me a obediência a entrar de novo no vosso
divino Coração; ouvi que vós me dizíeis:
― “Minha filha,
todas as minhas graças e todo o meu amor se estendem sobre o Cireneu que te
auxilia e sobre todos os seus descendentes até ao fim, e sobre o teu Paizinho
aqui presente a teu lado e sobre as almas que mais de perto te tratam, e com o
meu amor te acariciam, suavizando a tua dor. Não se chama a isto amor da terra”.
Fui cravada na
cruz. A cada pancada que davam para me cravar, caía em desfalecimento. Todo o
calvário estava escurecido, mal se ouviam os supiros da Mãezinha: eram abafados
com as blasfémias, sentía-os mais no meu coração. Parecia-me que ia em pouco
expirar em vós e que vós me queríeis afirmar que eu não morreria sem vir junto
de mim o meu Paizinho. Ó meu Jesus, esta luz que me destes obriga-me a mais
confiar em vós. É certo que nunca tive abandono comparado a este; nunca fui
ferida tão cruelmente, mas em vez de esfriar na minha fé, na minha confiança, no
meu amor para convosco, mais me sinto atraída para vós. Tudo me convida a
amar-vos, tudo me inspira a pedir-vos perdão para os que me fazem sofrer.
Perdoai-lhes Jesus, e dai-me o meu Paizinho ao menos na hora da morte para, pela
última vez, lhe abrir a minha alma. Confio, Jesus, que não faltais ao meu pedido
e que cumpris à letra as vossas promessas.
― Perdoai-me, Jesus;
dai-me a vossa bênção.
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