Em suas notas
biográficas escreve a Alexandrina resumidamente:
Sem saber como, ofereci-me a Nosso Senhor como vítima e
vinha desde há muito tempo pedindo amor ao sofrimento. Nosso Senhor
concedeu-me tanto, tanto esta graça, que hoje não trocaria a dor por tudo
quanto há no mundo. Com este amor à dor, toda me consolava em oferecer a
Jesus todos os meus sofrimentos; A consolação de Jesus e a salvação das
almas era o que mais me preocupava.
Mais adiante
diz assim:
Tudo queria
fazer por seus amores (de Jesus e Maria) e, para provar que os amava,
algumas vezes fazia bolinhas de cera e atava-as na ponta dum lencinho e com
ele batia no meu corpo, escolhendo os lugares onde mais podia sofrer, como
fosse nos joelhos e sobre os ossos, ficando com o meu corpo denegrido das
pancadas. Outras vezes atava a trança do meu cabelo aos ferros da minha cama
e puxava a cabeça com toda a força para a frente, para assim mais poder
sofrer. Ou então dava nós na ponta da trança, açoitando-me com ela nas
costas, no peito, nos braços...
Na tarde dum
domingo (foi à 14 de Outubro de 1934), tinha tantas ânsias de amor
divino, não cabendo em mim de ansiedade, suspirava por ficar sozinha vendo
partir todos os meus para a igreja… Logo que me deixaram a sós com o meu.
Jesus, foi então que Lhe provei quanto O amava. Peguei num alfinete que
segurava as minhas medalhinhas, espetando-o sobre o meu coração, mas como
não visse aparecer sangue, enterrei-o mais ainda e retorci as fibras até
elas rebentarem, surgindo sangue. Tomei a caneta e um santinho e com o meu
sangue escrevi:
Com o meu sangue Vos juro amar-Vos muito, meu Jesus, e seja
tal o meu amor que morra abraçada à cruz.
Alexandrina Maria da Costa
E ainda
acrescentou:
Amo-vos, e morro por Vós, meu querido Jesus, e nos vossos
sacrários quero habitar, ó meu Jesus.
Balasar, 14-10-1934.
Acrescenta
depois que ao contar isto ao director espiritual, este lhe proibiu de fazer
coisas deste género.
Por tudo o que
sei da Alexandrina, atrevo-me a afirmar que não será fácil encontrar alma
que tenha amado mais a cruz do que ela.
Em primeiro
lugar, no grande martírio que lhe causava a sua doença principal (mielite
lombar) e de que esteve entrevada mais de 30 anos, nunca houve uma falta de
resignação ou de impaciência. Depois há nela uma visão clara do valor do
sofrimento; são abundantíssimos os documentos que o abonam.
Por exemplo, a
15/II/40, depois de mostrar quanto deseja consolar a Jesus, exclama:
Vem, ó dor amada, vem, ó dor querida; és tu e só tu que me
unes a Jesus! Ó dor, ó farol que me guias para o meu Criador!
E daí a onze
dias, escreve:
Ó dor, ó bendita dor! Ó cruz, ó leito sagrado, quero que
sejas tu a minha sepultura, donde jamais me possa levantar! Tu és, ó cruz
bendita, o tesoiro imenso com que Jesus me enriqueceu. Eu te quero, eu te
abraço, em ti quero estar cravada e toda de espinhos cercada!
É por Jesus que quero viver ferida e no altar com Ele sempre
imolada! Ditosa sorte que me espera na terra; ditosa me fará eternamente no
Céu.
A este
conhecimento claro do que é a dor, junta-se um amor nunca desmentido à cruz,
sempre pronta para toda a espécie de sacrifícios e eles foram inúmeros,
ininterruptos e de todas as espécies. Ela acolhia-os sempre com todo o
heroísmo, oferecendo-se invariavelmente ao Senhor para mais e pedindo-Lhe
até que invente sofrimentos novos. Nosso Senhor fez-lhe bem a vontade até à
morte.
Já a 2/III/36
declarava ela:
Se fosse possível eu sofrer todos sofrimentos do mundo,
contanto que Nosso Senhor fosse amado por todos, eu não me recusava a isso.
Digo isto muitas vezes a Jesus: – Quem me dera poder-Vos consolar,
dizendo-Vos: Vós já não sois mais ofendido, nem Vos vão mais almas para o
inferno; Vós sois amado e conhecido por todos! Ó sim: eu quero sofrer muito,
para que o vosso sangue não seja derramado inutilmente por nenhuma alma.
A 21/XI/36
encontramos o que Santo Inácio de Loiola chama, nos seus Exercícios
Espirituais, o terceiro grau de humildade:
Bendito seja o meu querido, que me deu a maior riqueza que
me podia dar já nesta vida: deu-me os sofrimentos, deu-me a maior
felicidade! Penso para mim que não é nada uma eternidade inteira para eu O
amar, louvar e agradecer por tantas graças, tantos benefícios e tantas
riquezas que Ele me tem dado.
Ó meu bom P., digo isto de todo o meu coração: se me viessem
agora dizer que o resto do tempo que tenho para viver o passava sem mais
sofrimentos e que tinha a mesma glória no Céu, como se sofresse, eu
responderia: não, mil vezes não! Foi pelo sofrimento que me foram abertas as
portas do Céu. Eu ter a dita de me assemelhar tanto ao meu querido Jesus
crucificado, e desprezá-la? Não, isso não; sofrer, e sofrer sempre. Amor com
amor se paga. Foi por meu amor que Jesus sofreu e morreu e só por amor quero
eu também sofrer e morrer. Eu tenho vivido num contínuo abandono espiritual.
Estou à prova; mas seja em tudo feita a vontade de Nosso Senhor.
Esta passagem
não precisa de comentários; impõe-se por si mesma. Noutra, a 3/XII/36,
exclama:
Ao contemplar Nosso Senhor Jesus Cristo crucificado, ao
recordar quanto Ele sofreu por mim, não Lhe posso recusar nada; só, Lhe
repito e quero repetir: mais, meu Jesus, mais! E Nosso Senhor aceita; tem
sempre que repartir comigo. É tal a minha desolação e frieza em que me
encontro que me faz lembrar quando pega o fogo numa casa, que queima tudo,
só lhe ficam as ruínas. Pobre de mim! É o que eu encontro: uma vida de
pecados e desgostos para Nosso Senhor; nada mais tenho…
A 18/XII/37
escreve, no meio de grande tribulação interior:
Então já acabou o retiro? Já sabe a certeza da intrujona que
eu sou? Quanto o tenho enganado? É o que me tem dito o demónio. Deus
louvado, nunca pensei em enganá-lo, antes pelo contrário, me tenho esforçado
quanto possível por o fazer conhecer a minha miséria e o quanto tenho
ofendido o meu querido Jesus...
Nosso Senhor há dias que me tem a jejum. Tanto vale eu
chamar como estar calada. Ele não me fala nem se faz sentir. Há dias, numa
ocasião que eu sentia grande aflição na minha alma e dizia:
Ó meu Jesus, crucificai-me a valer na alma e no corpo, como
se não tivésseis pena de mim. Tratai-me como se me não tivésseis amor. Fingi
que me abandonais, contanto que Vos esqueçais dos crimes dos pecadores e que
Vos lembreis só do amor que lhes tendes, para os conduzires (sic) ao bom
caminho.
Não sei se
Nosso Senhor aceitou a minha oferta, mas talvez aceitasse.
Este ponto,
porém, ficará mais claro depois de explicado o seguinte.
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