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Capítulo 5°

A sua humildade

A SUA HUMILDADE

Um dos pontos claros na fisionomia espiritual da Alexandrina, e que nunca vi desmentido com nenhuma surpresa, é a sua profunda humildade, em que havia a acção evidente do Espírito Santo.

Foram nove anos de observação que me levaram a esta conclusão para mim evidente e confirmada muitas vezes, com todas as notícias e documentação posteriormente recebidas. Algumas passagens dos seus escritos confirmam o que asseveramos:

Encontro em mim, desde a mais tenra idade – escreve ela nas notas autobiográficas –  tantos, tantos defeitos, tantas, tantas maldades que como as de hoje me fazem tremer...

E mais adiante:

Comecei agora a frequentar a catequese e a dar mostras de um grande defeito, a teimosice... Lembro-me que era muito teimosa.

Em carta ao director, a 9/V/35, depois de referir com toda a simplicidade graças extraordinárias de Nosso Senhor, com a mesma simplicidade continua:

Parece-me que não há no mundo ninguém tão pobre, como a mim, que não há ninguém tão pecadora como eu nem que tão mal sirva a Nosso Senhor. Parece que não sinto fervor nenhum.

A 4/VII/35:

... Durante o dia ia repetindo a Nosso Senhor:

Ó meu Jesus, eu não sei como agradecer-Vos tantos benefícios. Eu que não sou digna de levantar os olhos para o Céu, nem de Vos chamar pelo dulcíssimo nome de Pai, sou por Vós tão beneficiada!

Obrigada, meu Jesus, muito obrigada, meu Jesus...

E continua:

Que paz eu sinto em minha pobre alma! Como sinto desejos de O amar sempre e cada vez mais! Hoje recebi-O, mas não tinha muito fervor; mas já tem sido pior. Sabe o que me parecia ver? De cada vez mais grandeza em Nosso Senhor e a mim me parecia ser cada vez mais pequena: parecia que me aninhava, que me punha de rasto. Por isso de cada vez me sinto mais indigna de receber Nosso Senhor, aquela grandeza, aquela bondade infinita! Mas, confiança na Sua misericórdia, não é?

A 11/IX/35:

Parece que tudo quanto se tem passado comigo está esquecido menos os pecados: esses lembram-me. Tenho momentos tão aflitos e às vezes nem sei pelo quê. Nessas ocasiões, parece-me que tenho tantos pecados!

Passagens destas há muitas nas suas cartas.

Saltemos para 1937, a 4 de Fevereiro:

Nosso Senhor continua a ter-me no mesmo estado de alma... Em caso raro e por poucos instantes eu sinto algum fervor... Eu nunca esqueço, por mais dura que seja a prova por que o meu Jesus me faz passar, um “muito obrigada" e "faça-se a Vossa Santíssima Vontade, o que Vós quiserdes, meu bom Jesus, também eu quero; eu quero ser consumida nas chamas do vosso divino amor na Santíssima Eucaristia."

... E sou bem atendida, porque estou bem consumida, na ânsia de O querer amar e parecer-me que O não amo! Como o meu Jesus ama tanto a minha pobre alma, apesar das minhas ingratidões passadas! E ainda agora O desgosto tantas vezes e tanto O não queria desgostar! Meu Deus, meu Deus, como eu sou tão má!

A 24/IX/37, desabafa assim:

O meu Jesus não me tem faltado de vez em quando, a auxiliar-me. É certo que me dá coragem, mas ao mesmo tempo humilha-me e envergonha-me. Coisas tão lindas que o meu Jesus me diz, trata-me como se eu nunca O tivesse ofendido e como se Ele não soubesse a pobre da minha vida! Que miséria a minha! Que ingrata tenho sido com Nosso Senhor! E Ele tão bom e tão amável para comigo.

A 15/XI/37, tem entre outras esta frase:

Ó meu Jesus, Vós acariciais-me tanto e dizeis-me coisas tão lindas! Não olhais à minha pequenez, à minha miséria? E Nosso Senhor disse-me:

– Minha filha, é na tua pequenez e na tua miséria que Eu escondo a minha grandeza, a minha glória.

No ano seguinte, a 6/I/38:

A minha alma está muito atribulada! Tremendas dúvidas me afligem. Eu tenho nojo de mim. Sinto-me abandonada de todos (é esta a impressão de sua alma), mas conheço bem que todos me deviam deixar e fugir espavoridos de mim (na mesma carta conta a primeira visita que teve do Sr. Cónego Vilar, enviado lá pela Santa Sé, para a examinar, de que falaremos mais adiante).

Daí a um ano, a 19/1/39:

Ai, meu Padre, quanto esta pobrezinha sofre! Eu queria esconder-me por completo e não queria que o meu nome fosse falado, nem enquanto viva nem depois da morte! Claro está: não sou eu que quero: é a tribulação que me consome (até nisto expressa a conformidade com a Vontade de Deus). Não mereço ser falada, sou digna de desprezo. Vivo numa tristeza e noite contínua. Trevas, trevas! Oh, que trevas! Vejo isto a grande distância. É escuro, é medonho o caminho que tenho que seguir! Nem ao menos uma pequenina luz para me guiar. Por vezes parece que arrebento com o peso que vem sobre mim! (é sentimento profético do muito que estava para vir sobre ela ainda).

A 1/II/39:

A vida é penosa para esta pobrezinha. Como hei-de viver assim! Parece-me que não há abandono comparado ao meu. Ninguém se compadece de mim! A minha miséria é a maior das misérias. Sinto uma tristeza tão profunda! Sinto-me tão envergonhada e confundida diante de Nosso Senhor! O meu Deus, no meio de tanta miséria, estar em mim, operar em mim tantas coisas, dizer-me palavras tão lindas; mas a quem nas diz? Quem sou eu? A mais indigna filhinha de Jesus.

Todas as coisas da minha vida me atormentam (ao ver tão profundamente o seu nada) e me fazem encher de dúvidas (é a dúvida salutar que Nosso Senhor deixa a estas almas, no meio das suas grandes comunicações, como ensina S. João da Cruz). Como é que Nosso Senhor não tem nojo de estar em mim! Quase me parece impossível Ele não ter nojo e fugir espavorido para sempre.

Ainda no mesmo mês, a 8/II/39:

Meu Jesus, que horror eu ver o abismo incomparável das minhas misérias e o meu Jesus não ter nojo de habitar nesta imundície e acariciar-me e dizer-me coisas tão lindas; é o que me faz duvidar, quase me leva ao impossível. Parece que até tremo e o coração se desfaz em dor.

De forma que o que mais a faz duvidar das graças extraordinárias de Nosso Senhor é o ver tão clara e profundamente o seu nada, a sua miséria.

Passagens como estas repetem-se indefinidamente e o mesmo era de viva voz, ao abrir a sua alma. Conhecia ao vivo o seu nada e a sua miséria e sentia necessidade que todos compreendes­sem esse nada que lhe causa horror e nojo; e por isso as palavras de Nosso Senhor a enaltecê-la, em vez de a envaidecerem, humilham-na profundamente; o mesmo sentimento a invadia com as provas de estima que lhe davam os outros; às vezes, nos seus êxtases há uma verdadeira porfia: Nosso Senhor a exaltá-la, com os encómios mais delicados e ternos, e ela a abater-se e humilhar-se.

Este sentimento de horror de si mesma sobe ao auge quando Nosso Senhor a fazia sentir-se revestida dos pecados do mundo, como vítima!

Em resumo: nunca notei nela uma imperfeição na humildade e procurei neste ponto mais que em nenhum outro ser exigente. Por isso sabia que nada a desvanecia e custava-lhe imenso ver-se conhecida e estimada. Quantas vezes me dizia:

O meu nada, meu P., o meu nada! A minha miséria é um abismo sem fundo e o meu P. não me conhece! É preciso que me conheça!

É sabido que, nos últimos anos, a Alexandrina começou a ser tão conhecida e tanta era a fama da sua virtude que Balasar se tornou num lugar de visitas constantes e numerosas e de todas as partes: todos queriam ver a "Doentinha" de Balasar e ouvir umas palavrinhas suas. Pois bem: mal o público sabia quanto isto lhe custava e a humilhava. Assim escrevia, a propósito, a 21/V/1949:

Todos os dias pensava em dar-lhe as minhas notícias, mas a minha cruz é tão grande que não posso dispor de mim para nada. Nosso Senhor anda ao contrário dos meus desejos. Para O consolar submeto-me aos d'Ele, para tudo o que Ele quiser. Gostava de estar sempre sozinha, na solidão e no silêncio, e na maior parte do tempo, não estou. A gente a visitar-me é muita e os meus sofrimentos são enormíssimos. É esta a razão da minha demora. Umas horas não me deixam as visitas, noutras não me deixam os sofrimentos. Tudo isto me causa pavor! Eu não quero fugir à cruz, porque, se assim não fosse, escondia-me num buraquinho, para ali viver só com Jesus. Sei que Ele quer este sofrimento e, confiada nas suas divinas promessas sobre a salvação das almas, é que eu, com o sorriso nos lábios e o coração a sangrar, vou recebendo e aconselhando, com a minha grande ignorância, a todos que se aproximam de mim. Não estou aqui para satisfazer os meus desejos, mas sim os do meu amantíssimo Jesus. Procuro não perder a minha união com Ele na Santíssima Eucaristia e com os meus três Amores por quem me quero enlouquecer: Pai, Filho e Espírito Santo. Se o martírio do meu corpo é indizível, o da alma ultrapassa ainda mais. ...

Tenho tanto que dizer, mas de dia para dia aumenta tanto a minha ignorância, que nada sei dizer nem exprimir. Se a minha alma e o meu coração escrevessem, es­creveriam um mundo de volumes...

O que aí fica, creio, prova suficientemente o que um distinto sacerdote que a tratou de perto me afirmava:

É uma humildade profundíssima; a convicção do seu nada e da sua miséria só se explica pelo contacto íntimo com Deus.

É também o que me parece: se alguma coisa era obra de Deus nesta alma, é a sua humildade, que eu chamaria humildade infusa.

   

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