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A felicidade prometida...
é entrar na
própria alegria do Senhor
Este texto
ocupa uma parte central entre a parábola das dez donzelas, que devem
esperar o esposo (cf. Mt 25,1-13), e o grande quadro do último juízo (cf. 25,31-46)
para o qual já nos orienta, porque põe em relevo a exigência do serviço
fiel e do amor operoso. A narração desenrola-se em três tempos. No tempo
da entrega dos bens estão descritas as acções sem comentários (w.
14-16). O segundo é o tempo da ausência do Senhor e coincide com o longo
período em que os três homens trabalham para levar a cabo a missão
recebida (w. 16-18). Vem, finalmente, o momento da prestação de contas,
ocupado inteiramente pelo tríplice diálogo do proprietário com os
empregados (w. 19-30): com os primeiros dois, o diálogo decorre idêntico
(w. 20-23); o espaço maior é dedicado ao confronto com o terceiro homem
(w. 24-27) – a personagem que determina a acção e mais nos deve levar a
reflectir – e à sua sorte (w. 28-30).
Como a
precedente (cf. Mt 25,1-13), esta parábola é uma narração realista, inspirada
no que acontece no mundo dos homens. O talento não era uma moeda
verdadeira e própria, mas uma espécie de lingote com o peso variável
entre 25 e 34 kg de prata. Equivalia ao pagamento de seis mil dias de
trabalho de um assalariado, seis mil denários de prata. Mesmo quem
recebe um só lingote fica na posse de uma riqueza notável.
A disposição
do senhor dos talentos não é ambígua: confia nos seus subalternos
colocando nas mãos deles, com plena confiança, tudo o que possui, oito
talentos no total: «confiou-lhes os seus bens.» (v. 14) É também um
homem que lhes conhece as capacidades: distribui os lingotes conforme a
avaliação que fez das habilidades de cada um. A intenção do proprietário
é de tal modo evidente que os primeiros dois, sem perder tempo,
começaram logo a negociar para fazer aumentar a riqueza recebida. O
comportamento do terceiro está em nítido contraste com o dos
companheiros: enterra o lingote, de modo a conservá-lo intacto, mas
infrutuoso.
É importante
interpretar, no interior da narração, também as palavras que o senhor
dirige aos primeiros dois: «Muito bem, servo bom e fiel. Porque foste
fiel em coisas pequenas, confiar-te-ei as grandes. Vem tomar parte na
alegria do teu senhor,» (wr 21-23) O tema da «alegria» aqui
passa para primeiro plano, mas já ecoava nas palavras dos dois «servos
bons e fiéis», na sua prestação de contas, introduzida por um «eco» de
entusiasmo espontâneo: «Senhor, confiaste-me cinco talentos; aqui estão
outros cinco que eu ganhei.» (w. 20,22) A alegria para que o senhor os
convida, possivelmente o banquete que festeja o seu regresso, é muito
mais do que um gesto de cortesia. Ele honra-os e une-os a si com um
vínculo de amizade, que eleva o seu relacionamento para um plano muito
superior.
Os ouvintes
tiram as suas conclusões. O terceiro homem representa o tipo do perfeito
servilismo, que deforma a imagem de si e do outro, e se deixa dominar
pelo terror. E o terror não somente impede qualquer iniciativa de um
certo fôlego, mas chega a fazer abortar à partida a possibilidade mais
fácil: «Podias depositar no banco o meu dinheiro.» (v. 27) Os banqueiros
tinham sido introduzidos na Palestina pelos Romanos e eram tolerados
pelos rabinos. Através da parábola e
para além dela, Jesus fala aos discípulos do Seu mistério e do
mistério do Pai. A Sua visão de Deus é libertadora e vivificante, em
total oposição com a imagem da escravidão e da morte que d'Ele tem o
terceiro homem. Deus confia no homem e conta com a liberdade responsável
do homem, em vista do seu Reino.
O tempo que
decorre entre a partida e o regresso do Senhor não deve ser desperdiçado
numa espera angustiosa, ociosa ou agitada da Sua vinda. É antes tempo do
compromisso dos discípulos na comunidade da sequela. A que se referem os
talentos no plano da mensagem
evangélica? Jesus confia à Sua Igreja tudo
aquilo que é Seu (v. 14): a sua
Palavra, o Evangelho e os mistérios do Reino, e o Seu testemunho.
Mas também a terra para semear e cultivar com justiça, fidelidade e
solidariedade, o trabalho para construir uma cidade onde Deus possa
habitar com o homem, e o homem habitar em paz com o seu vizinho.
Finalmente, o Senhor confia à Igreja o dom de Si no amor.
A assembleia
cristã que celebra o penúltimo domingo do Ano Litúrgico participa num
acontecimento que une intimamente a alegria e o serviço, a beatitude
saboreada em germe e a responsabilidade de um dom confiado. Quem escuta
a Palavra que neste dia ressoa na Igreja sente o apelo a servir o Senhor
na alegria. E não é o Senhor que Se manifestou na humildade da nossa
condição humana na Sua primeira vinda, mas o Senhor da glória, que virá
na plenitude da majestade divina, para julgar os vivos e os mortos. A
mensagem das três leituras e do salmo responsorial é
concordante neste prodígio possível na fé cristã: o Senhor e Rei da
glória não exige medo d'Ele, nem a tristeza acerca de nós, nem a nossa
fragilidade; antes nos pede que O sirvamos na alegria.
Este apelo
desmente as novas e velhas recriminações feitas aos cristãos de que são
gente triste, resignada, demissionária. Ao mesmo tempo, põe-nos de
sobreaviso quanto a um dos vícios capitais e dos pecados mais graves
contra a esperança: a preguiça, que a teologia interpreta como
«tristeza da graça» (tristitia gratiae). É o pecado de que o
terceiro homem da parábola é imagem: o aborrecimento e o desgosto do dom
recebido; a recusa em deixar-se amar; a incredulidade de quem duvida com
obstinação de que o Senhor lhe dê confiança e o torne companheiro em dar
forma e rosto ao Reino do Pai. A tarefa confiada à comunidade e ao
indivíduo é viver o êxodo quotidiano do temor servil para o amor filial,
a crescer no amor, o que não significa obrigar-se a fazer o «óptimo em
si mesmo», mas antes a desejar o mais e o melhor, segundo a dimensão de
excelência que Paulo pede à sua jovem Igreja (segunda leitura).
Jesus manifesta a verdade e a fecundidade do dinamismo do amor com a
máxima: «A todo aquele que tem, dar-se-á mais e terá em abundância, mas,
àquele que não tem, até o pouco que
tem lhe será tirado.» (Evangelho,
Mt
25,29) Com esta expressão termina também a parábola
do semeador e a sua explicação (cf.
Mt 13,3-23), a indicar a
semelhança da sua mensagem.
Quem ama torna-se cada vez
mais capaz de amar; quem é fiel e responsável nas tarefas que lhe
foram confiadas, sejam elas grandes ou pequenas, cresce na fidelidade e na liberdade dos filhos de Deus. Tudo isso
lhe será dado por Deus, e o
discípulo fará experiência disso
no amadurecimento da interioridade
pessoal e na eficácia do testemunho.
A felicidade
prometida a quem serve o Senhor na alegria é
entrar, finalmente, na própria
alegria do Senhor, aquela pela
qual Ele veio e virá. Será também
isto uma dádiva e um prémio concebidos com sabedoria e amor para a
criatura humana elevada à
dignidade filial. De facto, «nem toda a alegria entrará
na felicidade, mas toda a felicidade entrará na alegria». |