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A DEUS O QUE É DE DEUS…
O texto situa-nos
em Jerusalém, o local onde vai desenrolar-se o confronto final entre Jesus e o
judaísmo. De um lado estão os dirigentes judeus: instalados nas suas certezas e
preconceitos, recusam-se terminantemente a acolher a proposta do Reino. Do outro
lado está Jesus: Ele procura que os dirigentes do seu Povo tomem consciência de
que, ao recusar o Reino, estão a recusar a oferta de salvação que Deus lhes faz.
Para ilustrar a
situação, Jesus conta-lhes três parábolas (que lemos e meditámos nos últimos
três domingos). Na primeira, identifica-os com o filho que disse “sim” ao seu
pai, mas que não foi trabalhar no campo (cf. Mt 21,28-32); na segunda,
equipara-os aos vinhateiros maus que tiveram a ousadia de matar o filho (cf. Mt
21,33-46); na terceira, compara-os com os convidados para o banquete que
rejeitaram o convite (cf. Mt 22,1-14). Irritados com a ousadia de Jesus e
questionados pelas suas comparações, os líderes judaicos procuram ansiosamente
um pretexto para o acusar.
É neste contexto
que Mateus nos vai apresentar três controvérsias entre Jesus e os fariseus (cf.
Mt 22,15-22.23-33.34-40). Em qualquer caso, o objectivo é surpreender afirmações
controversas e encontrar argumentos para apresentar em tribunal contra Jesus.
A primeira questão
que os fariseus, aliados com os partidários de Herodes Antipas, põem a Jesus é
muito delicada. Diz respeito à obrigação de pagar os tributos ao imperador de
Roma…
Além dos impostos
indirectos (portagens, direitos alfandegários, taxas várias), as províncias
romanas pagavam ao Império o tributo, que era uma quantia estipulada por Roma e
que todos os habitantes do Império (com excepção das crianças e dos velhos)
deviam pagar. Era considerado um sinal infamante da sujeição a Roma. A questão
que põem a Jesus é, portanto, esta: é lícito pactuar com esse sistema gerador de
escravidão e de injustiça?
Os partidários de
Herodes e os saduceus (a alta aristocracia sacerdotal) estavam perfeitamente de
acordo com o tributo, pois aceitavam naturalmente a sujeição a Roma. Os
movimentos revolucionários, no entanto, estavam frontalmente contra, pois
consideravam o imperador um usurpador do poder que só pertencia a Jahwéh e
interditavam aos seus partidários o pagamento do dito tributo. Os fariseus,
embora não aceitando o tributo, tinham uma posição intermédia e não propunham
uma solução violenta para a questão…
De qualquer forma, era uma questão “armadilhada”. Se Jesus se pronunciasse a
favor do pagamento do tributo, seria acusado de colaboracionismo e de defender a
usurpação pelos romanos do poder que pertencia a Jahwéh; mas se Jesus se
pronunciasse contra o pagamento do imposto, seria acusado de revolucionário,
inimigo da ordem romana…
Como é que Jesus
vai resolver a questão?
Confrontado com a
questão, Jesus convidou os seus interlocutores a mostrar a moeda do imposto e a
reconhecerem a imagem gravada na moeda (a imagem de César). Depois, Jesus
concluiu: “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (vers. 21). O
que é que esta afirmação significa? Significa uma espécie de repartição
equitativa das obrigações do homem entre o poder político e o poder religioso?
Provavelmente,
Jesus quis sugerir que o homem não pode nem deve alhear-se das suas obrigações
para com a comunidade em que está integrado. Em qualquer circunstância, ele deve
ser um cidadão exemplar e contribuir para o bem comum. A isso, chama-se “dar a
César o que é de César”.
No entanto, o que é
mais importante é que o homem reconheça a Deus como o seu único senhor. As
moedas romanas têm a imagem de César: que sejam dadas a César. O homem, no
entanto, não tem inscrita em si próprio a imagem de César, mas sim a imagem de
Deus (cf. Gn 1,26-27: “Deus disse: ‘façamos o homem à nossa imagem, à nossa
semelhança’… Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus”):
portanto, o homem pertence somente a Deus, deve entregar-se a Deus e
reconhecê-l’O como o seu único senhor.
Jesus vai muito além da questão que Lhe puseram… Recusa-Se a entrar num debate
de carácter político e coloca a questão a um nível mais profundo e mais
exigente. Na abordagem de Jesus, a questão deixa de ser uma simples discussão
acerca do pagamento ou do não pagamento de um imposto, para se tornar um apelo a
que o homem reconheça Deus como o seu senhor e realize a sua vocação essencial
de entrega a Deus (ele foi criado por Deus, pertence a Deus e transporta consigo
a imagem do seu senhor e seu criador). Jesus não está preocupado, sequer, em
afirmar que o homem deve repartir equitativamente as suas obrigações entre o
poder político e o poder religioso; mas está, sobretudo, preocupado em deixar
claro que o homem só pertence a Deus e deve entregar toda a sua existência nas
mãos de Deus. Tudo o resto deve ser relativizado, inclusive a submissão ao poder
político. |