Nos
princípios do século XVI viviam na aldeia de Bruñola,
da diocese de Gerona, dois esposos jovens, proprietários de
uma quinta chamada Masdevall, e regularmente ricos e bons cristãos.
O porvir se apresentava a seus olhos aprazível e cheio de
esperanças; mas por circunstâncias que ignoramos, os
dois esposos viram-se completamente arruinados, e dali a pouco
tiveram de ser admitidos por caridade, enfermos e sem recursos, no
hospício de
Santa
Coloma de Farnés.
Sem
embargo, como diz o
apóstolo
São Paulo,
aos que amam a Deus tudo lhes vem a parar em bem; as provas
cristãmente sobrelevadas se convertem num manancial de
riquezas eternas para o céu, e até podem, se assim o
permite o Senhor, atrair bênçãos nesta terra.
Havendo recobrado a saúde os dois enfermos, pediram às
autoridades de
Santa
Coloma
que
lhes permitissem consagrar-se ao serviço do hospital.
Concedeu-se-lhes este favor e dedicaram-se a ajudar aos pobres e aos
enfermos com alegria e com exemplar caridade cristã. Por
então, quer dizer, em
1520,
lhes
concedeu o Senhor um filho de bênção, a que
puseram por nome Salvador, o
qual, andando o tempo, obraria incontáveis milagres. Deram-lhe
cristianíssima educação e o menino se mostrou
desde sua infância modelo de obediência e de piedade.
Chegado à idade da adolescência, Salvador foi
enviado a Barcelona com sua irmã
Blasa e
foi colocado como aprendiz de sapateiro, mas ignoramos se chegou a
aprender completamente o ofício. Sentindo no fundo de seu
coração a voz de Deus que o inspirava o desejo de
deixar o mundo, foi a suplicar aos franciscanos do convento de Santa
Maria que o recebessem na comunidade na qualidade de irmão
converso. Com grande alegria sua foi recebido e revestido do hábito
de São
Francisco.
Puseram-no como ajudante do irmão cozinheiro, religioso de
muita virtude, que se encarregou de formar o recém vindo nos
exercícios da obediência. Sua tarefa era fácil.
Com uma docilidade incansável, frei
Salvador se
entregava aos mais humildes ofícios, acendia o fogo, esfregava
os pratos, limpava as panelas e fazia tudo o que lhe mandava o irmão
cozinheiro. Amigos do silêncio, não saiam de seus lábios
outras palavras que os doces nomes de Jesus e Maria, a quem invocava
durante o trabalho. Os padres franciscanos, ao ver a virtude deste
jovem irmão, noviço ainda, diziam que havia de ser sem
dúvida mais tarde, por sua santidade, uma das glórias
de sua Ordem. Um dia, sem embargo, caiu em falta, mas muito a pesar
seu. Ocorreu isto com motivo de uma das festas patronais do convento.
O chanceler do reino, excelente cristão e muito devoto dos
franciscanos, lhes havia anunciado que iria a comer com eles,
acompanhado de vários personagens notáveis, amigos
seus. Todo o mundo sabe que os filhos de São
Francisco vivem
de esmolas; assim é que o inteligente chanceler havia cuidado
de enviar de antemão abundantes provisões, de forma que
o irmão cozinheiro tivesse com que preparar um bom festim.
Desgraçadamente, durante a noite, este bom irmão foi
acometido de uma forte febre e encarregou a frei
Salvador que
avisasse ao padre guardião; mas depois da comunhão
ficou absorto numa longa acção de graças, a modo
de êxtases que durou várias horas. Chegava
entretanto a hora da comida e o padre guardião foi à
cozinha para ver se tudo estava preparado em resposta a suas ordens.
Que surpresa! Nem sequer estava aberta a porta. Enviou
imediatamente a procurar o irmão cozinheiro, a quem
encontraram enfermo na cama; o pobre irmão se escusou dizendo
que desde o ofício de meia-noite havia encarregado a
frei
Salvador que
avisasse ao padre guardião e lhe entregasse as chaves. O
padre guardião, indignado, correu à igreja fez sair
a Salvador, fez-lhe
as mais humilhantes reprovações e declarou que
semelhante afronta feita toda a comunidade e a seus nobres hóspedes
merecia que o tirassem do convento. Arrebatando-lhe as chaves, foi
ele próprio a abrir a cozinha. Apenas tinha entrado, se
ofereceu a seus olhos um maravilhoso espectáculo. Tudo o que
haviam mandado na véspera estava muito bem preparado, sem que
houvesse nada que desejar. Era seguro, sem embargo, que ninguém
havia podido entrar na cozinha. Deus havia querido revelar a
santidade de seu jovem servidor e, guardando-lhe para si próprio
toda aquela manhã, havia suprido sua ausência por meio
dos anjos, ou de outro modo milagroso. Frei
Salvador não
foi, pois, despedido do convento e aproveitou admiravelmente o caso
para praticar mais e mais a obediência e a humildade. Cumprido
o ano de noviciado, foi admitido a pronunciar os votos solenes. |