SITE DOS AMIGOS DA BEATA ALEXANDRINA MARIA DA COSTA

     

SAGRADA FAMÍLIA
— B —

Livro de Génesis 15,1-6.21,1-3.

Naqueles dias, o Senhor disse a Abrão numa visão: «Nada temas, Abrão! Eu sou o teu escudo, a tua recompensa será muito grande.» Abrão respondeu: «Que me dareis, Senhor Deus? Vou-me sem filhos e o herdeiro da minha casa é Eliézer, de Damasco.» Acrescentou: «Não me concedeste descendência, e é um escravo, nascido na minha casa, que será o meu herdeiro.» Então a palavra do Senhor foi-lhe dirigida, nos seguintes termos: «Não é ele que será o teu herdeiro, mas aquele que sairá das tuas entranhas.» E, conduzindo-o para fora, disse-lhe: «Levanta os olhos para o céu e conta as estrelas, se fores capaz de as contar.» E acrescentou: «Pois bem, será assim a tua descendência.» Abrão confiou no Senhor, e Ele considerou-lhe isso como mérito. O Senhor visitou Sara, como lhe tinha dito, e realizou nela o que prometera. Sara concebeu e, na data marcada por Deus, deu um filho a Abraão, quando este já era velho. Ao filho que lhe nascera de Sara, deu Abraão o nome de Isaac.

 

Livro de Salmos 105(104),1b-2.3-4.5-6.8-9.

Louvai o Senhor, aclamai o seu nome, 
anunciai entre os povos as suas obras.
 
Cantai-lhe hinos e salmos,
 
proclamai as suas maravilhas.
 

Orgulhai-vos do seu nome santo;
 
alegre-se o coração dos que procuram o Senhor.
 
Recorrei ao Senhor e ao seu poder
 
e buscai sempre a sua face.
 

Recordai as maravilhas que Ele fez,
 
os seus prodígios e as sentenças da sua boca,
Descendentes de Abraão, seu servo,
 
filhos de Jacob, seu eleito.
 

Ele recorda sempre a sua aliança,
 
a palavra que empenhou para mil gerações,
 
o pacto que estabeleceu com Abraão,
 
o juramento que fez a Isaac.
 

 

Carta aos Hebreus 11,8.11-12.17-19.

Irmãos: Pela fé, Abraão, ao ser chamado, obedeceu e partiu para um lugar que havia de receber como herança e partiu sem saber para onde ia. Pela fé, também Sara, apesar da sua avançada idade, recebeu a possibilidade de conceber, porque considerou fiel aquele que lho tinha prometido. Por isso, de um só homem, e já marcado pela morte, nasceu uma multidão tão numerosa como as estrelas do céu e incontável como a areia da beira-mar. Pela fé, Abraão, quando foi posto à prova, ofereceu Isaac, e estava preparado para oferecer o seu único filho, ele que tinha recebido as promessas e a quem tinha sido dito: Por meio de Isaac será assegurada a tua descendência. De facto, ele pensava que Deus tem até poder para ressuscitar os mortos; por isso, numa espécie de prefiguração, recuperou o seu filho.

 

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo,
segundo S. Lucas 2,22-40.

Ao chegarem os dias da purificação, segundo a Lei de Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, para O apresentarem ao Senhor, como está escrito na Lei do Senhor: «Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor», e para oferecerem em sacrifício um par de rolas ou duas pombinhas, como se diz na Lei do Senhor.

Vivia em Jerusalém um homem chamado Simeão, homem justo e piedoso, que esperava a consolação de Israel; e o Espírito Santo estava nele. O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria antes de ver o Messias do Senhor; e veio ao templo, movido pelo Espírito. Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino, para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito, Simeão recebeu-O em seus braços e bendisse a Deus, exclamando: «Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo». O pai e a mãe do Menino Jesus estavam admirados com o que d’Ele se dizia. Simeão abençoou-os e disse a Maria, sua Mãe: «Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; – e uma espada trespassará a tua alma – assim se revelarão os pensamentos de todos os corações».

Havia também uma profetisa, Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. Era de idade muito avançada e tinha vivido casada sete anos após o tempo de donzela e viúva até aos oitenta e quatro. Não se afastava do templo, servindo a Deus noite e dia, com jejuns e orações. Estando presente na mesma ocasião, começou também a louvar a Deus e a falar acerca do Menino a todos os que esperavam a libertação de Jerusalém. Cumpridas todas as prescrições da Lei do Senhor, voltaram para a Galileia, para a sua cidade de Nazaré. Entretanto, o Menino crescia e tornava-Se robusto, enchendo-Se de sabedoria. E a graça de Deus estava com Ele.

 

PONTOS DE REFLEXÃO

PRIMEIRA LEITURA Gn 15.1-6; 21,1-3

A primeira leitura deste domingo coloca no centro a figura de Abraão e, sucessivamente, a de Sara. Porquê esta escolha na festa da Sagrada Família? Certamente para colocar em relevo a fé de Abraão e de Sara, mas também para recordar que a salvação acontece através de nascimentos milagrosos, julgados impossíveis pelos homens. A leitura une duas passagens que no texto bíblico estão distantes: a fé de Abraão (Gn. 15,1-6) e o nascimento de Isaac (Gn. 21,1-3).

A Palavra do Senhor, que convida à coragem e renova a promessa, soa aos ouvidos de Abraão como uma palavra já vazia. Demasiado tarde, para que possa ser verdadeira. Abraão esperou inutilmente uma descendência e agora pressente que a morte se aproxima: «Vou partir.» (Gn. 15,2) Ele, que obedeceu à ordem do Senhor sem sombra de hesitação, encontra agora a coragem de exprimir duas vezes a sua dúvida.

Mas nem sequer perante a dúvida e a amargura do Patriarca, Deus se apressa a manter a promessa. Simplesmente a renova.

Saindo da sua tenda e mudando a direcção do olhar, Abraão pôde reparar que o poder do Senhor pode avançar mesmo na maior fraqueza, e que o que é impossível ao homem é possí­vel a Deus. E assim Abraão «acreditou no Senhor, o que lhe foi atribuído em conta da justiça». (Gn. 15,6) Toda a figura de Abraão está contida nestas poucas palavras: «acreditou», isto é, confiou mais uma vez em Deus.

SEGUNDA LEITURA Hb 11,8.11-12.17-19

Todo o conteúdo da Carta aos Hebreus se move em duas linhas cruzadas e dependentes entre si: uma linha teológica (quem é Jesus?), e uma linha moral (como viver cristãmente?) O passo escolhido hoje pela liturgia para a primeira leitura move-se ao longo da segunda linha. É apresentada uma família, composta por Abraão, Sara e Isaac, em que o comporta­mento de cada membro foi determinado pela sua relação com Deus e pela sua fé.

O autor da Carta aos Hebreus está convencido de que a comunidade à qual se dirige precisa sobretudo de fé, de uma fé existencial, entendida como confiança e esperança, como obediência, de um apoio na Palavra de Deus, embora esta pareça ir adiando a promessa.

Abraão partiu, obedecendo ao Senhor e acreditando na sua promessa, sem saber sequer para onde ia. E pela fé ofereceu Isaac, o filho amado, o único fruto da promessa. E Sara acreditou na possibilidade de ser mãe, embora fora da idade. Fé no impossível, portanto. A fé de Abraão e de Sara torna-se numa fé no impossível, para além do humano e das suas medidas, pois está na origem de uma descendência humana.

É esta a fé da Igreja que acredita em Cristo, uma Igreja exemplificada em dois cônjuges anciãos.

EVANGELHO Lc 2,22-40 (forma breve: 2,22.39-40)

O evangelho da infância de Lucas (caps. 1-2) insiste amiúde sobre o tema do Templo: quer na primeira cena (o anúncio do anjo a Zacarias), quer nas duas últimas (a apresentação de Jesus no Templo e Jesus entre os doutores). O passo proposto pela liturgia hodierna é composto por três quadros: a apresen­tação do Menino no Templo (w. 22-24), o encontro com Simeão (w. 25-35) e o encontro com Ana (w. 36-38). Dois versículos conclusivos narram brevemente o regresso da Sagrada Família a Nazaré.

No relato da purificação de Maria e da apresentação de Jesus no Templo, Lucas parece querer sublinhar a observância da Lei: a expressão aparece três vezes (w. 22.23.24). O evangelista apresenta, por isso, a Família de Nazaré como uma família observante.

No encontro com Simeão seriam muitas as coisas úteis a recordar. Mas, focamo-nos apenas numa. Além de «justo e piedoso» (v. 25), Simeão é guiado pelo Espírito: «O Espírito Santo estava nele» (v. 26). O Espírito é nomeado duas vezes no episódio (w. 26.27): evidentemente o protagonista é Ele. E de facto é mesmo o Espírito que suscita em Simeão a espera ardente do Messias, mantendo-a firme até ao fim; a esperança é dom do Espírito. E é sempre o Espírito que oferece a este piedoso hebreu a clarividência necessária para reconhecer o Messias num Menino; sem o Espírito não se vê a presença de Deus. O reconhecimento torna-se explícito no cântico e nas palavras proféticas que Simeão dirige a Maria.

Ana, finalmente, é chamada «profetisa» (v. 36), porque reconheceu no Menino a «redenção» de Jerusalém. Simeão espe­rava a «consolação» (v. 25) de Israel, Ana a «libertação» (v. 38), isto é, o resgate. São duas imagens que ao mesmo tempo falam de salvação: a consolação supõe uma condição de tristeza, o resgate uma condição de escravidão. A vinda de Jesus liberta-nos de ambas.

Com razão se diz hoje que a família é o primeiro lugar da evangelização, provavelmente o mais decisivo. Com efeito, é na família que a criança, mesmo muito pequenina, respira ao vivo a fé ou a indiferença. Por aquilo que vê e vive, ela adverte se em sua casa – e na vida – há lugar para Deus ou não. Nota se a vida se projecta pensando só em si mesmos, ou também nos outros. Tudo isto para dizer que «normalmente» o modo de viver encontra as suas raízes na família. Daqui uma curiosidade: como era a Família de Jesus? Que terreno soube oferecer ao crescimento de Jesus? Como compreendeu e acompanhou a sua vocação?

Os evangelhos são, a este respeito, muito sóbrios, quase ciosos de falar disso. O evangelista Lucas oferece, porém, três temas importantes: a atitude da escuta, da obediência e da dádiva. Meditemos apenas sobre o primeiro tema. Lucas acena a isso brevemente três vezes. A primeira vez, como conclusão do relato do nascimento, indicando Maria que conserva com cuidado todas as palavras escutadas, meditando-as no seu coração (Lc 2,19). «Conservar» significa permitir à palavra escutada que penetre no íntimo de nós mesmos, e significa conservá-la com amor e vigilância, sem nada perder do que significa, porque é preciosa. Lucas aponta uma segunda vez a atitude de escuta dos pais de Jesus, quando fala da apresentação de Jesus no Templo e conta que o velho Simeão tomou o Menino nos braços, profetizando o seu destino. Lucas diz que José e Maria estavam admirados com o que d'Ele se dizia (Lc 2,33). Não se trata de uma admiração qualquer. É o assombro pensativo de dois pais que reparam que Deus tem um desígnio particular sobre o seu Filho e pro­curam humildemente decifrá-lo.

Pela terceira vez, como conclusão do encontro com Jesus no Templo, o evangelista anota que sua mãe «conservava todas estas coisas no seu coração» (Lc 2,51). As palavras dos pastores, a profecia de Simeão, e agora o gesto e as palavras do próprio Jesus: estas são todas as palavras que Maria conserva e nas quais medita. Guarda-as e medita nelas com amor, porque compreende que elas indicam o caminho que o Filho deverá percorrer. Ela é uma mãe voltada para o seu Filho, não para si mesma.

Bastam estas breves notas para nos indicar como a Família de Nazaré viveu a atitude da escuta. Uma dupla escuta de Deus e do seu Filho. Não escuta de si mesmos, mas de Deus e do Filho. É esta a primeira e fundamental disponibilidade que os pais são chamados a viver: esquecerem-se de si mesmos, das suas necessidades e sonhos acerca dos filhos, para se po­rem à escuta «daquilo que Deus quer» e esquecerem-se de si mesmos, para se colocarem à escuta do filho, para poderem ajudá-lo a discernir o seu caminho.

Padre José Granja,
Reitor da Basílica dos Congregados, Braga.

 

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