Ao
contrário do que ela diz algumas vezes — não ter palavras para
descrever os seus sentimentos ou aquilo que o Senhor lhe mostra —
neste texto que nos faz viver a traição de Judas e Jesus ser preso
pelos soldados, isso não acontece: a maneira como o conta dá-nos a
impressão de também estarmos presentes, mas sem vermos, o que não
foi o casa da Alexandrina.
Pouco
antes de escrever, ela tinha estado num colóquio com Jesus, que
terminou com estas palavras da “Doentinha de Balasar”:
«Meu
Jesus, meu amor, creio na Vossa divina palavra, confio em Vós. Só
temo a minha fraqueza e miséria.»
Depois
desta demonstração de humildade, ela escreveu no seu Diário:
«Pouco depois deste colóquio com Jesus, sentia-O na minha alma e
via-O com olhar tristíssimo a derramar as Suas lágrimas sobre a
cidade de Jerusalém, que dentro em mim também habitava.
Prolongaram-se por tanto tempo estas lágrimas e tristes olhares de
Jesus, acompanhados com palavras de chamamento e ameaça.»
«Quando se aproximou, ao ver
a cidade, Jesus chorou sobre ela.»
(Lc. 19,41)
Parece
importante notar que ela diz: “VIA-O”. Seria com os seus próprios
olhos ou os olhos da alma? Ela não o diz.
Logo a
seguir começa a terrível agonia, uma “agonia de morte”.
“Cheio de angústia, pôs-se a
orar mais instantemente, e o suor tornou-se-lhe como grossas gotas
de sangue, que caíam na terra.”
(Lc. 22, 44)
O texto
que ela escreveu, a mais do seu lirismo, tem um gosto poético, por
isso vou apresentá-lo como se fosse um curto poema:
«Já de noite sentira
como se tivesse a minha roupa
colada ao corpo
e banhada em sangue.
Sentia o romper das veias
e agonia de morte.
Via as oliveiras do Horto,
o luar empalecido
e o brilho triste das estrelas,
como triste estava
o Coração divino de Jesus.
Tudo aparecia
por entre a folhagem das oliveiras,
mas com tal tristeza
que só convidava
ao silêncio e ao retiro.»
Sublime!
Sob o
“brilho triste das estrelas” e por “entre a folhagem das
oliveiras” a agonia continua e com ela a chegada daquele
personagem hediondo que pagou o bem que até então recebera com o mal
da traição; era chegada a hora de Judas.
«Um dos Doze, o chamado
Judas, caminhava à frente e aproximou-se de Jesus para o beijar.
Jesus disse-lhe: “Judas, é com um beijo que entregas o Filho do
Homem?”» (Lc. 22,
47-48)
«Senti depois, como já em outros tempos senti, o beijo de Judas»
Mais
ela “viu” mais e ouviu também «o cair por terra dos soldados, o
desembainhar da espada, que assim ao vivo nunca tinha sentido, no
que se refere à espada.»
E, como
“viu” e “ouviu”, ela testemunha:
«Se
eu pudesse mostrar a ternura, a mansidão e o amor de Jesus para com
todos os que O ofendiam… Não há nada na terra que se possa comparar
a Ele.»
«E um deles [Pedro] feriu um
servo do Sumo Sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. Mas Jesus
interveio, dizendo: «Basta, deixai-os.» E, tocando na orelha do
servo, curou-o.»
(Lc. 22, 50-51)
A Alexandrina diz no seu
Diário que Jesus «remediou
o mal de S. Pedro com tanta doçura»
e que, «com a mesma doçura se deixou prender e se entregou aos
malfeitores. Que coisas tão tristes e que tanto cansam o meu corpo e
a minha alma!»
«Oh
que pena, tanta dor e tanto amor perdido!»
(S. 19-04-1945)
Alguns
dias antes de escrever o que lemos, já ela tinha assistido não só à
Ceia do Senhor, mas também a esta cena do Horto, que lhe causou
grande dor, como ela o explica:
«Que
horror, que horror de morte! Senti tanta dor que de dor e horror
parecia-me rasgar a alma e despedaçar o coração. Não sei exprimir-me
melhor, o que sei é dizer que de tudo quanto tenho visto, sofrido e
sentido, é este caso o mais tremendo e aterrador. E, sobre tudo
isto, o amor de Jesus, amor indizível, amor que, só sendo sentido,
se pode avaliar!» (S. 12-04-1945)
Quanto
Jesus sofreu para nos oferecer a salvação!
E nós,
que fazemos para Lhe agradecer tão grande sacrifício, para Lhe
agradecer tanto amor?
Aproveitemos estas palavras que a Alexandrina nos deixou e meditemos
sobre aquilo que somos e sobretudo como deveríamos ser.
Afonso
Rocha |