«Desejo realmente que estejais informados do árduo combate que
sustento por amor de vós.»
(Gal. 2,1)
O
sofrimento é uma “constante” na vida dos santos.
Seriam
todos eles masoquistas a ponto de amar magoar-se a si mesmos e
desejar os piores sofrimentos para atingir a sua meta: o Paraíso?
Pensar
assim seria um erro monumental: os santos amam o sofrimento
simplesmente por amor: primeiro por Deus e depois pela salvação dos
irmãos. Eles «completam na sua carne o que falta às tribulações
de Cristo», como nos ensina São Paulo. (Gal. 1,24)

Entre
estes santos e bem-aventurados que aceitaram livremente estas provas
dolorosas, Alexandrina de Balasar ocupa um lugar especial: não só
suportou os tormentos da paixão cada sexta-feira, mas também aceitou
outros sofrimentos para a salvação de seus irmãos.
A
obediência foi também um dos seus “pontos fortes”: nunca aceitou uma
missão sem antes consultar o seu director espiritual, porque o
próprio Jesus lhe tinha dito um dia: “obedece-lhe em tudo”.
Por
isso, quando o Senhor a convidou para ser vítima, fazendo-lhe esta
pergunta: «Queres dar-me o teu corpo para que eu o crucifique?»
e, depois de ter precisado o que a aceitação implicaria: “Eu
exijo de ti muitos e grandes sofrimentos”, a Alexandrina achou
por bem pedir conselho ao seu Pai espiritual:
«Que
hei-de fazer no meio disto? Sofrer por amor do meu querido Jesus.»
A
resposta segue a pergunta: «Sofrer por amor do meu querido
Jesus.»
Mas
porque é que as almas santas têm de sofrer? Por que Deus precisa
enviar-lhes provações, muitas vezes ou quase sempre muito dolorosas?
O sacrifício supremo de Cristo não foi suficiente para a salvação do
mundo inteiro?
É
pertinente contar aqui uma pequena história que ajudará a melhor
compreender esta “situação” das almas-vítimas:
Um dia,
a quando dum colóquio entre Jesus e santa Teresa de Ávila, Jesus
disse-lhe: «É assim que eu trato as almas que me são mais
queridas…» Então a Santa carmelita respondeu com um certo humor:
«Então não me admiro que tenhais tão poucas!»
É
importante saber que o Senhor nunca impõe a ninguém o sofrimento:
deixa a escolha para aquele a quem a proposta é feita. Este último
aceita ou não e a sua liberdade é respeitada. Deve-se saber que
algumas almas, por receio ou por medo, não aceitaram as propostas
divinas que são necessárias para a salvação de muitos. No entanto,
eles não foram banidos: Deus continuou a amá-los e a rodeá-los com
todas as graças de que precisavam para a sua própria salvação.
Recordemos o jovem rico de quem o Evangelho fala...
Deus
não precisa de sofrimento humano, mas Ele deseja utilizar
almas-vítimas, porque são pára-raios para os seus irmãos e irmãs.
O
sacrifício de Cristo foi mais do que suficiente para obter a
salvação do género humano. Recordemos “a noite do grande milagre”:
depois de ter instituído o sacramento do Amor, Jesus “levou consigo
Pedro, Tiago e João, e começou a sentir medo e angústia”. E ele
disse-lhes: “Minha alma está triste até a morte. Ficai aqui e vigiai
comigo.” (Mt. 26,38)
Jesus,
na sua angústia, queria a companhia destes três discípulos, para que
eles partilhassem, de certa forma, este sofrimento que estava
prestes a cair sobre Ele. Não foi, naturalmente, um pequeno
sofrimento, mas o sofrimento causado por todos os pecados do
passado, presente e futuro — os nossos, aliás.
Ele
queria que eles compartilhassem, não o peso imenso que já estava
esmagando sua “alma triste até a morte”, mas a própria visão
dos efeitos que o pecado causa no Rosto divino. Ele não os forçou,
simplesmente os convidou, deixando-os livres de escolher: a prova é
que logo adormeceram, como se nada estivesse acontecendo.
Jesus
não precisava da ajuda deles, porque só Ele podia e devia carregar o
peso imenso das nossas faltas, mas desejou a presença de alguns dos
Seus amigos fiéis, não para que carregassem a cruz com Ele, mas para
que recebessem d'Ele o primeiro fruto dos Seus sofrimentos,
tornando-se amor infinito.
Do
mesmo modo, de facto, que não há amor sem sofrimento, também não há
sofrimento sem amor, porque o amor e o sofrimento são inseparáveis.
“Vigiai e orai para que não entreis em tentação: o espírito é
ardente, mas a carne é fraca”. (Mc: 14,
38)
Apesar
deste conselho, os discípulos adormeceram, porque mesmo se “o
espírito é ardente, a carne é fraca”, ao ponto de abandonar o
Amigo que sofre e luta neste confronto gigantesco entre o Bem
supremo e toda a malícia humana de todos os tempos, pois, como bem
diz São Paulo, os homens “extraviaram-se
em seus vãos pensamentos, e se lhes obscureceu o coração insensato.
Pretendendo-se sábios, tornaram-se estultos.”
(Rm. 1, 21-22)
Eis
porquê — é ainda S. Paulo que previne — “a
ira de Deus se manifesta do alto do céu contra toda a impiedade e
perversidade dos homens.”
(Rm. 1, 18)
O nosso
mundo vive “de cabeça para baixo”: a fé quase desapareceu da face da
terra; os homens não rezam porque já não acreditam em Deus; os seus
corações endureceram e o mal tornou-se planetário. Mas a esperança
de um retorno a Deus é também uma evidência para cada crente, porque
“onde abunda o mal, abunda também a graça”. Protejamo-nos
pois contra o pessimismo alarmista e depositemos a nossa confiança
em Deus, Senhor e Mestre de tudo.
O
sofrimento e o amor são, portanto, inseparáveis, porque um não pode
passar sem o outro. Sofrer pelo homem ou mulher que se ama é prova
de amor, assim como amar é aceitar as consequências do amor, e uma
dessas consequências é precisamente o sofrimento. Se nos recusamos a
sofrer pelo ser que dizemos amar, é porque nosso amor é brando,
passageiro e mentiroso. Num casal, esta recusa geralmente leva à
separação, ao divórcio.
Nos
escritos da Beata Alexandrina, são frequentes as alusões ao
sofrimento. Mesmo se por vezes ela se queixa, o que é natural e
humano, ela acrescenta sempre esta frase: “mas seja feita a
vontade do meu amado Jesus”. Ela aceitou, ofereceu-se a si
mesma, sabendo ao que se expunha e, por amor o fez, com um amor
sincero e profundamente enraizado na sua fé inabalável.
«Bendito seja Nosso Senhor que me mandou a este mundo para sofrer e
passar tantos desgostos, e eu acrescentei tantos e tantos pecados.
São esses os que mais me afligem, por tanto desgostarem a Nosso
Senhor. Os sofrimentos todos os dias os peço, e sinto uma grande
consolação espiritual nas horas em que eu mais sofro, por me lembrar
que tenho mais que oferecer ao meu bom Jesus.»
Um
exemplo do que acima dizíamos e que se encontra na mesma carta:
«Mas
há coisas que muito custam a passar; porém, faça-se a vontade de
Nosso Senhor e não a minha.»
Outro
exemplo de aceitação, não desprovido de um certo humor:
«O
que tive que mais me consolou — na Páscoa — foi um bom folar com que
o meu Jesus me presenteou nesse dia com uma oferta de grandes
sofrimentos.»
Mas a
Alexandrina não foi a única a exprimir-se desta maneira; antes dela,
São Paulo, utilizou a mesma ideia:
«Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós.»
(Col. 1,24)
O
desejo de reparação é uma constante em Alexandrina: ela não quer que
o Senhor seja ofendido, mas os homens o maltratam pela sua
indiferença, pela sua moral depravada: pecam alegremente e sem
remorsos, como se Deus não existisse. Que fazer então?
Repeti
a Jesus: “Mandai, o que quiserdes, contanto que Vos desagrave das
ofensas que recebeis”.
«Como
eu seria ingrata se me recusasse a dar o meu corpo, que é inútil,
àquele que, por minha causa, sofreu tanto! Àquele que deseja obter
muitas vítimas de amor para salvar almas!»
Mesmo
aos seus amigos ela aconselha de abraçarem resolutamente a Cruz:
«Ambas recebemos do Senhor a abençoada cruz de cada dia. Isto,
levado com amor e resignação, é um meio eficaz para elevar-nos cada
vez mais no amor de Jesus; para santificar-nos e ajudar, através dos
nossos sofrimentos, as almas que, surdas à voz de Jesus e cegas à
sua luz, se abandonam aos prazeres do mundo sem nunca pensar na sua
salvação.»
Se isso
não é amor, já não entendemos nada!
A
Alexandrina, como São Paulo podia também dizer: «Eis a finalidade
do meu trabalho, a razão por que luto auxiliado por sua força que
actua poderosamente em mim.» (Col. 1, 29) Porque considera que
ela mesma não é nada; ela reconhece o seu abismo.
«No que me
diz respeito
— escreveu ela à sua amiga Çãozinha —, confesso considerar-me
indigna de tão feliz graça.»
Um pouco
mais adiante, na mesma carta dirigida à professora de Balasar, elle
escreveu ainda:
«Desde há
dezasseis anos, a doença, dia após dia, se propagou em todo o meu
corpo… e desde há dez estou prisioneira na minha cama sem poder
levantar-me…
Quanto fui
favorizada pelo Senhor! Quão suave é o jugo sob o qual Ele me
mantém!
Recebo isto
como uma prova de amor da parte de Jesus pela minha alma.
Bendito seja
Aquele que não olhou para a minha indignidade.»
Se ela
não estivesse consciente do seu nada, eis uma mensagem que lho teria
lembrado:
«Diz-me
Nosso Senhor que não atribua nada disto a mim, porque não sou mais
do que o pó, e o que tenho eu que me não fosse dado por Ele?»
Alexandrina sabe o que é a “Comunhão de Santos”. Ela sabe muito bem
que as suas orações e sofrimentos, físicos ou morais, são de grande
utilidade para a conversão dos “pobres pecadores” e para a salvação
de suas almas; sabe também que as orações de seus irmãos por ela são
uma iniciativa importante para ajudá-la a levar a sua cruz no
caminho do Calvário.
«Senhor Padre Pinho, não sei se é pelo muito que Vossa Reverência
pede por mim, que me sinto de cada vez mais animada no meio dos meus
sofrimentos. Parece-me ter coragem ainda para sofrer mais e espero
em Nosso Senhor que a pouco e pouco mos há-de ir aumentando até que
eu morra abrasada no seu divino Amor, cravada na cruz com Ele.»
Poderíamos
multiplicar as citações extraídas das “Cartas” ou do seu Diário
espiritual os “Sentimentos da alma”. Mas seria isso verdadeiramente
necessário?
Alexandrina amava loucamente o Senhor, amava ternamente os seus
irmãos, mesmo os que lhe faziam mal, e o seu desejo mais ardente —
expressou-o várias vezes — era realmente que o Senhor “aumentasse a
minha dor até que eu morra abrasada pelo seu divino Amor, pregada na
Cruz com Ele”. E Jesus escutou-a: ela morreu louvando ao Senhor e o
crucifixo colado aos seus lábios.
«Vós
vos despistes do homem velho com os seus vícios, e vos revestistes
do novo, que se vai restaurando constantemente à imagem daquele que
o criou, até atingir o perfeito conhecimento.»
(Col. 3, 9-10)
Afonso Rocha
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