São
Rafael de São José, Kalinowski, nasceu em Vilna, na Polónia, no dia
1o de Setembro de 1835 e foi baptizado com o nome de José, na igreja
paroquial de São João, fundada pelos Padres Jesuítas, hoje
transformada em museu da Universidade. Filho do casal André
Kalinowski e Josefina Polonska, ambos nascidos em famílias nobres.
Fez em casa seus primeiros estudos. Aos oito anos começou a estudar
no Instituto para os Nobres, em Vilna, onde seu pai era professor e
director.
O
jovem Kalinowski pensava em cursar estudos superiores. Nesta época a
Polónia estava dividida entre três potências militares: Áustria
católica, Prússia protestante e Rússia Ortodoxa. A cidade de Vilna e
arredores estavam sob o domínio russo. As universidades polacas e
lituanas tinham sido fechadas. Os jovens polacos e lituanos só
podiam estudar nas universidades russas de Petersburgo, Moscou e
Kiev. O pai propõe a José e a um irmão que frequentassem a Academia
de Agronomia de Hory-Horki, uma cidade situada próxima a Orsza, na
região de Mohylev, na Bielorússia.
José
não se sentia nem um pouco atraído para a agricultura. Ao final de
dois anos, em 1852, foi para Petersburgo para estudar na Escola
Superior de Pontes e Estradas, mas não encontrou vaga. Então, por
necessidade, matriculou-se na Escola Militar de Engenharia.
Tendo
terminado com êxito os cursos básicos, em 1855, foi admitido à
Academia Militar Superior. Seus dotes morais e sua inteligência
atraíram a atenção dos professores. Assim, Kalinowski recebeu a
função de Assistente de matemática e de mecânica.
Por
ocasião da guerra da Crimeia (1835-1856) foi enviado à Ilha de
Kronstadt, na baía da Finlândia, para construir, junto a outros
estudantes, trincheiras para a defesa da ilha contra as operações de
guerra dos ingleses. Em Julho de 1856, foi promovido a Subtenente e
transferido para a seção prática da Academia. Em Julho de 1857 foi
promovido como Tenente Engenheiro e permaneceu na Academia como
professor permanente, colocando-se assim, ao serviço do Corpo de
Engenheiros da Academia.
A vida
militar não o agradava, mas a Providência Divina o conduzia por este
caminho. No futuro, a arte militar lhe seria útil para ajudar a
pátria. Mas não queria permanecer muito tempo naquele ambiente no
qual, segundo escreve em uma de suas cartas, "ao buscar o espírito,
encontrava a matéria".
Em 1859
deixou a Academia e foi transferido para o Comando de Engenheiros de
Petersburgo. Porém, aí também não ficou satisfeito. Por sua própria
conta iniciou o trabalho de projecção da ferrovia estratégica de
Kursk-Kiev-Odesa.
Em 1860
foram suspensos os trabalhos da ferrovia, e Kalinowski, em Outubro
deste mesmo ano, foi designado, a seu próprio pedido, para a
fortaleza de Brest Litowski, com a função de engenheiro
superintendente da manutenção e fortificação.
Brest
Litowski é célebre por alguns importantes eventos históricos. Aí se
ratificou, em 1596, a União da Igreja Oriental de Kiev com a Igreja
Romana. Em 1918 foi assinado o tratado de paz entre os Bolcheviques
de Lenine, Alemanha e Áustria, mais tarde anulado.
Além
dos trabalhos na fortaleza, dos deslocamentos ao Estado-maior de
Petersburgo, Kalinowski abriu em 1861, na cidade de Brest, uma casa
para abrigar jovens abandonados e fundou uma escola gratuita para
eles. Em Abril de 1862 foi promovido a Capitão do Estado-maior do
exército russo. Eram tempos difíceis, dado que a juventude polaca de
Varsóvia estava preparando a insurreição armada contra a Rússia.
Kalinowski, que conhecia perfeitamente o poder militar russo,
desaconselhava a insurreição; mas, ao ver que os jovens compatriotas
não queriam aceitar raciocínios prudentes, pediu baixa do exército
russo para não se ver obrigado a lutar contra seu próprio povo. Em
Janeiro de 1863 explodiu a revolta. Kalinowski, tendo recebido a
aceitação de sua renúncia, deixou Brest Litowski e retornou a sua
casa em Vilna. Dirigiu-se a Varsóvia para receber o último soldo,
quando se encontrou casualmente com o coronel José Galezowski, que
lhe pediu para assumir o cargo de Ministro da Guerra na Lituânia.
Kalinowski aconselhou-se com seu director espiritual e com pessoas
de sua confiança e aceitou o posto que lhe fora oferecido.
Assim
ele justifica os motivos de sua decisão: "O que ouvira não me
entusiasmava a participar na insurreição: mas deveria fechar os
olhos aos que haviam provocado o incêndio, e voltá-los, antes de
mais nada, para os que se atiravam a esse fogo trepidante, e isto
foi decisivo".
Nos
primeiros dias de Junho de 1863, Kalinowski regressava a Vilna. Sem
que seus familiares o soubessem, estabeleceu o quartel-general em
sua própria casa. Contudo, era perseguido sempre mais intensamente
por uma necessidade de vida espiritual num tempo tão perigoso. Em
cumprimento de seu dever como Ministro da Guerra, ajudava às
famílias dos combatentes, fazendo o possível para lhes poupar do
pior.
Kalinowski retornou às práticas da vida sacramental, graças à uma de
suas irmãs, Maria, que, ao lhe oferecer uma cruzinha de ouro
destinada a um primo, Jaime Gieysztor, condenado à deportação na
Sibéria, suplicou a José que se confessasse. José não pôde resistir
a um convite tão amável e se confessou. Era o dia 15 de agosto de
1863. A partir deste dia começou a viver uma vida de intensa
espiritualidade.
Enquanto isso, os chefes da insurreição na Polónia e Lituânia caíam
nas mãos dos russo e eram condenados à morte ou deportados para a
Sibéria. Em Vilna, durante os meses de Fevereiro e marco, Kalinowski
ficou só. Mas também foi levado na madrugada de 24 para 25 de marco
de 1864. Foi processado e condenado ao fuzilamento. A intervenção da
família e outros motivos, entre os quais se encontrava a grande
estima moral de que ainda gozava entre os russos, induziram o
governador de Vilna, Murawiew, a comutar-lhe a pena de morte. Foi
mandado para o exílio e trabalhos forçados na Sibéria por dez anos.
Ao
final de nove meses de caminhada num percurso de 8.000 km, os
sobreviventes, entre os quais se encontrava Kalinowski, chegaram a
Usolé, perto do lago de Bajkal. Usolé era uma aldeia construída às
margens do rio Angara; os sobreviventes foram amontoados num único
salão do quartel local. É impossível se ter uma mínima ideia dos
sofrimentos enfrentados pelos deportados, expostos durante o inverno
ao frio siberiano, que oscilava entre 30 e 45 graus abaixo de zero,
às tempestades de neve e às enfermidades. Kalinowski a tudo suportou
resignadamente, fortalecido pela oração e uma profunda vida
interior. Também pôde consolar, ajudar e animar a seus desventurados
companheiros. Por isso era muito querido. Tinham-no por santo. O
padre Nowakowski, capuchinho e companheiro de exílio, testemunha que
os prisioneiros chegavam a acrescentar às suas orações a seguinte
invocação: "Pelas orações de José Kalinowski, liberta-nos, Senhor!"
Em
agosto de 1868, o governo russo trocou a pena de trabalhos forçados
para um simples desterro em Irkutsk, onde permaneceu até 1872, ano
em que recebeu licença para estabelecer-se em Perm, próximo aos
Montes Urais, de onde podia ir abraçar seus familiares durante as
férias.
A
repatriação definitiva ocorreu em 1874. Mas o decreto de amnistia
lhe proibia estabelecer-se na Lituânia. Foi então para a casa de seu
irmão Gabriel, em Varsóvia, localizada à rua Krakowskie
Przedmiescie, próxima à igreja dos Carmelitas Descalços.
Na
Sibéria, Kalinowski adquirira fama de excelente educador. Por
influência de Alexandre Oskierka, um de seus amigos durante o
exílio, ofereceram-lhe o cargo de preceptor e educador do príncipe
Augusto Czartoryski, que residia em Paris, no "Hotel Lambert". O
príncipe Ladislau Czartoryski queria para seu filho não apenas um
mestre, mas um guia, um amigo, alguém que representasse toda a
cultura histórica e religiosa da Polónia e que estivesse em
condições de formar o jovem, ligado, da parte de sua mãe Maria do
Amparo, à família real espanhola, então no exílio.
O
"Hotel Lambert" era uma residência para príncipes, localizada no
centro de Paris, na ilha de Saint Louis. A mãe de Augusto morrera
muito jovem e o príncipe Ladislau se casara com uma sobrinha do rei
Luís Felipe, a princesa Margarida de Orleãs, que era a "dona da
casa" quando chegou Kalinowski.
Na
residência parisiense do Hotel Lambert, Kalinowski logo descobriu a
riqueza interior de Augusto, sua vocação sacerdotal. Durante três
anos se dedicou a ele integralmente, com um carinho sempre
crescente. Nas contínuas viagens que Augusto precisava fazer, à
procura de locais de clima mais suave, devido à sua frágil saúde,
Kalinowski sempre o acompanhava. Transformou-se assim em verdadeiro
pai, amigo, mestre, companheiro, director espiritual e enfermeiro.
Kalinowski entendeu que Augusto precisava de um educador sacerdote,
enquanto ia, ele mesmo, descobrindo sua vocação ao Carmelo. Augusto,
efectivamente, tornou-se sacerdote salesiano e morreu em odor de
santidade. Actualmente é Venerável Servo de Deus e só lhe falta um
milagre para sua beatificação. No dia 5 de Julho de 1877, Kalinowski
deixou a família Czartoryski e se mudou para a Áustria.
Os
Carmelitas Descalços fundaram o primeiro convento em Cracóvia no ano
de 1605. Antes da divisão da Polónia contavam com 17 conventos e 291
religiosos, 7 mosteiros e 116 monjas. Depois da divisão, no
transcurso de um século foram-se suprimindo todos os conventos de
padres, excepto o de Czerna, e todos os mosteiros, entre os quais
apenas um se salvou, o de Cracóvia, à rua Kopernika. Neste mosteiro,
em 1875, viviam 26 monjas, provindas dos vários mosteiros supressos.
Neste mesmo ano a Madre Xaviera de Jesus Czartoryska fundou em
Cracóvia o segundo mosteiro, à rua Lobzowska, e com suas religiosas,
tudo fez para restaurar o ramo masculino da Província. No entanto, o
problema mais agudo de seu projecto era a falta de homens candidatos
a tal empresa.
Eis que
aparece no horizonte a figura de José Kalinowski. Madre Czartoryska
viu nele o homem providencial e apto para uma obra grandiosa.
Conhecia-o bem, pois sabia muito a seu respeito através de sua
família em Paris, já que ela era tia de Augusto. Kalinowski não se
sentia apto para empreender a restauração do Carmelo na Polónia, mas
decidiu ingressar na Ordem para fazer penitência e orar por sua
pátria e pela Igreja. A Providência Divina, sem dúvida, actuou de
tal forma em sua vida religiosa e sacerdotal, que Kalinowski se
tornou o verdadeiro restaurador da província polaca.
No dia
26 de Novembro de 1877, Kalinowski ingressou no noviciado da Ordem
dos Carmelitas Descalços, em Graz, na Áustria, recebendo o hábito
carmelitano e adoptando o nome de Frei Rafael de São José. O Mestre
de noviços foi muito exigente, mas Kalinowski, acostumado à vida
dura da Sibéria, suportou todo o rigor da vida religiosa.
Concluído um noviciado exemplar, emitiu seus votos temporários e foi
enviado a Raab (Gyor), na Hungria, para iniciar seus estudos de
filosofia e teologia. Aí emitiu seus votos solenes no dia 27 de
Novembro de 1881. Foi mandado para Czerna, onde foi ordenado
sacerdote no dia 1882, pelo bispo Dom Albino Dunajewski, futuro
cardeal e amigo do Frei Rafael. Após sua ordenação, foi nomeado Vice
Mestre dos noviços, e já em 1883, era Prior.
Frei
Rafael se propôs a trabalhar pela restauração da vida religiosa em
Czerna através de novas fundações, de Monjas, em Premislia (1884),
Leópolis (1888) e dos Padres em Wadowice (1892) e Cracóvia (1906).
Em 1892
foi com alguns padres para Wadowice como superior da nova fundação.
Rapidamente construíram uma bela igreja e um grande convento sob a
protecção de São José. As vocações começaram a surgir.
Em
Wadowice, Frei Rafael "viveu os anos mais belos de sua vida,
dedicado à direcção dos trabalhos, sobretudo à educação dos jovens
candidatos à vida religiosa, à direcção espiritual de numerosíssimas
almas que procuravam sua direcção espiritual (seu confessionário em
Wadowice, como em Czerna, era assediado até as primeiras horas da
madrugada". Organizou a Ordem Terceira Secular e a Irmandade do
Escapulário. Em meio a esta intensa actividade apostólica encontrou
tempo para investigações históricas e teológicas com as quais
pudesse reforçar as bases históricas e teológicas da restauração da
Ordem e a renovação espiritual do Povo de Deus.
Morreu
em Wadowice, no dia 15 de Novembro de 1907, exactamente no dia da
comemoração de todos os fiéis falecidos do Carmelo. Todos estavam
convencidos de que morrera um santo. Esta fama de santidade se
espalhou imediatamente, conforme afirmou uma testemunha ocular, o
Frei Bronislau da Santíssima Trindade, Carmelita Descalço:
"Os
habitantes da cidadezinha de Wadowice e das aldeias circunvizinhas
visitaram espontaneamente e em grande número os despojos mortais;
rezavam, tocavam o corpo do Servo de Deus com pequenas imagens,
devocionários e rosários. [...] Os religiosos, de sua parte, pegavam
às escondidas da cela do Servo de Deus pequenos objectos, como
relíquias de quem morrera em odor de santidade. Eu mesmo peguei uma
espécie de venda, que havia usado durante sua enfermidade. Dela
emanava um estranho aroma balsâmico. Não querendo acreditar neste
aroma, pensei que ele talvez usasse alguma pomada perfumada quando o
vendavam. Fui ao coro monástico, onde o Servo de Deus celebrava a
Missa, depois de sua primeira enfermidade; ali encontrei o amito, o
corporal e o sanguíneo que ele usava para celebrar a Santa Missa, e
percebi uma coisa estranha. O mesmo idêntico aroma balsâmico emanava
dos panos sagrados, do cálice e do amito, como eu percebera na
venda. Muito respeitosamente, fiz um pacote com estes objectos e o
entreguei às Monjas Carmelitas da rua Wesola, em Cracóvia, para que
o conservassem".
Foi
sobretudo um homem de Deus, solícito em estar em contínua comunhão
com Ele. Seus contemporâneos são unânimes em defini-lo como "oração
vivente". Continuamente recordava a seus religiosos: "Nosso
principal afazer no Carmelo é o conversar com Deus em todas as
nossas acções". A oração, alimentada e sustentada pela austeridade,
pelo silêncio e pelo recolhimento, foram o cimento de toda sua vida
espiritual. Procurava viver em profunda intimidade com a Virgem
Maria e isto recomendava a seus frades e monjas. Venerava-a e a
amava como "Mãe e Fundadora" da Ordem, empenhando-se em tê-la sempre
presente no espírito e se esforçava para trabalhar por sua glória.
Dizia: " Para os religiosos e monjas carmelitas, o ato de honrar a
Virgem Santíssima é de capital importância. Nós a amamos
verdadeiramente quando nos esforçamos em imitar suas virtudes,
especialmente sua humildade e seu recolhimento na oração... Nosso
olhar deve estar constantemente fixado nela, e a ela devem se
orientar todos os nossos afectos, conservando sempre a lembrança de
seus benefícios e esforçando-nos em lhe ser sempre fiéis". Escreveu
vários livros sobre Maria e outros temas carmelitanos. Foi confessor
famoso. Para este apostolado escolheu o lema de São Paulo:
"Caridade, alegria e paz" (Gl 5,22).
O papa
João Paulo II o beatificou na Polónia, no dia 22.6.1983. Foi
canonizado no dia 17 de Novembro de 1991 pelo mesmo papa. Vale
lembrar que em Wadowice, cidade onde faleceu São Rafael de São José,
nasceu, em 1920, o papa João Paulo II que, pelo afecto que nutria
pelos Carmelitas e por sua veneração aos restos de São Rafael
Kalinowski, por duas vezes tentou ser religioso carmelita.
FONTE:
http://www.carmelitasbh.com/santidade-carmelita/rafael |