Santo
Agostinho não era ainda mais que sacerdote, quando recebeu uma carta
encantadora de suavidade, elegância, amizade e louvores, da parte de
ilustre senador e cônsul romano, que, com a mulher, acabava de
abraçar
a vida monástica. A carta estava acompanhada de um pão bento, em
sinal de união. No cabeçalho estava escrito:
Ao
Senhor Agostinho, irmão unânime e venerável, Paulino e Teresa,
pecadores. Tratava-se de São Paulino, nascido em Bordéus, em 353.
Contava uma longa lista de senadores na família, tanto do lado
paterno como do lado materno. Seu pai, Pôncio Paulino, era prefeito
do pretório nas Gálias, e primeiro magistrado do império do Oriente.
A esta nobre nascença Paulino ajuntava um espírito elevado e
penetrante, um génio rico e fecundo, uma facilidade maravilhosa de
exprimir-se.
Cultivou tais predicados desde a infância, por um estudo assíduo dos
diferentes ramos da literatura. Teve por mestre de eloquência e de
poesia o célebre Ausono, que foi cônsul em 379. Foi elevado,
conquanto jovem ainda às mais altas dignidades, e declarado cônsul
antes de Ausono, seu mestre. Desposou uma espanhola chamada Tereásia
ou Teresa, que lhe trouxe vultuosos bens, que era sobretudo distinta
pelo mérito pessoal e pela piedade. Fez grande número de amigos na
Itália, na Espanha e nas Gálias, onde havia exercido durante o
espaço de quinze anos os seus raros talentos e a maravilhosa
capacidade para administração dos negócios, tanto públicos como
particulares. Mas a morte de um irmão, as revoluções políticas que
se seguiram ao assassínio do imperador Graciano, e mais ainda os
entretenimentos que teve com Santo Ambrósio de Milão, com São
Martinho de Tours, com São Victrício de Touen, com o Santo Delfim de
Bordéus, da mão do qual recebeu o baptismo pelo ano de 380,
deram-lhe gosto pelo retiro e inspiraram nele o desejo sincero de
levar uma vida mais cristã.
Enfim,
encorajado pela mulher, retiraram-se ambos para uma pequena
propriedade que tinham na Espanha e ocuparam-se unicamente de sua
santificação, desde o ano de 390 até 394. Foi lá que perderam o
filho único que Deus lhes havia dado. Enterraram-no em Alcala, junto
dos santos mártires Justo e Pastor. Desde esse tempo obrigaram-se,
com sentimento mútuo, a viver em continência perpétua.
Em
breve, Paulino mudou o hábito, a fim de anunciar ao mundo a
resolução de abandonar o senado, os pais, os bens, e ir sepultar-se
num mosteiro ou no deserto. Os bens deviam ser consideráveis, pois
Ausono testemunhou o pesar que sentia de ver partilhar entre cem
pessoas diferentes os reinos de Paulino, seu pai.
O santo
vendeu todas as possessões e distribuiu o preço entre os infelizes.
Abriu os celeiros e paióis a todos os necessitados. Não contente com
aliviar os pobres da vizinhança, chamou-os de todas as partes para
nutri-los e vesti-los. Resgatou uma infinidade de cativos e de
pobres devedores reduzidos à escravidão por não terem o que pagar.
Vendeu igualmente os bens da mulher, que não aspirava com menos
fervor à prática da pobreza voluntária. Tal acção foi louvada e
admirada por todos os santos que se viam então na Igreja. Mas as
pessoas do mundo tachavam-na de loucura. Paulino foi abandonado por
todos, mesmo pelos parentes e escravos, que recusavam prestar-lhe os
serviços mais comuns da humanidade. Ausono, seu mestre, que era
cristão, mas apenas o suficiente para não ser pagão, queixou-se da
transformação, por várias cartas em verso. O santo respondeu-lhe por
diversos pequenos poemas transudando urbanidade delicada, onde lhe
assegura que a sua conversão a Deus não fazia senão tornar mais
íntima a antiga amizade.
Todavia, em meio a essa censura geral, viu dois de seus mais
ilustres amigos seguirem-lhe o exemplo. O primeiro foi Sulpício; o
segundo Santo Aper, vulgarmente Santo Evre, que foi bispo de Toul.
O
propósito de Paulino, renunciando ao mundo era ir passar os dias num
ermo próximo de Nola, na Campanha, e servir Jesus Cristo na tumba de
São Félix, ser o porteiro da igreja, varrer o pavimento todas as
manhãs, vigiar à noite para guardá-la, e terminar a vida no
trabalho. Mas o povo de Barcelona, edificado com a pureza de seus
costumes, apoderou-se dele no Natal de 393, e pediu com insistente
calor que se tornasse sacerdote.
Ele
defendeu-se como lhe foi possível, e não consentiu na ordenação
senão com a condição de que seria livre de ir para onde quisesse.
Era contrário às regras da Igreja; mas se passava por vezes por cima
delas. Após a Páscoa do ano seguinte, 394 abandonou a Espanha para
ir à Itália. Em Milão vivia Santo Ambrósio, que o recebeu com muitas
honras e o agregou ao seu clero. Continuando a viagem, foi até Roma,
onde melhor o recebeu o povo do que o clero. Alguns eclesiásticos e
o Papa não queriam relações com ele. Paulino cedeu à inveja e
retirou-se; mas escrevendo a seu amigo Sulpício Severo, não pode
deixar de queixar-se. Talvez o Papa, que tinha muito zelo pela
observância das regras da Igreja, não achava bom que, contrariando
tais regras, Paulino houvesse sido ordenado sacerdote sendo neófito
leigo, e sem estar unido a uma igreja particular. Seja o que for,
Paulino apressou-se em deixar Roma para dirigir-se a Nola, onde
tinha escolhido o retiro junto da tumba de São Félix, que ficava a
alguns passos da cidade.
Haviam
construído uma igreja sobre a sepultura; ao pé da igreja havia uma
construção muito longa de dois andares com uma galeria dividida em
celas, das quais Paulino se servia para receber eclesiásticos que
iam visitá-lo. Do outro lado havia um alojamento para pessoas do
mundo, e também um pequeno jardim. Muitas pessoas piedosas tinham-se
unido a ele, que formou então uma sociedade chamada companhia de
monges. Todos se sujeitavam a uma regra, e praticavam diversas
austeridades. Cada dia Paulino rendia a São Félix toda a honra de
era capaz; mas tentava ultrapassar-se no dia de sua festa.
Todos
os anos lhe celebrava os louvores com um poema, que chamava de
tributo de sua homenagem voluntária. Temos ainda hoje quinze desses
poemas, o primeiro dos quais foi composto na Espanha.
Paulino
morreu em 431. Tinha sido eleito bispo de Nola em 409 e, nesse
cargo, não procurou jamais fazer-se temido, mas amado de todos. Nos
julgamentos, examinava com rigor e decidia com doçura. Conquanto
houvesse distribuído tão liberalmente os bens, outrora, tomava
grande cuidado dos da igreja para despendê-los fielmente.
Dava a
todos, perdoava, consolava, edificava uns pelas palavras, e pelas
cartas, outros pelos exemplos. A reputação estendia-se-lhe por todo
o império, e também entre os bárbaros. Feito prisioneiro dos godos,
que devastavam a Itália em 410, disse a Deus com confiança:
"Não
permitais, Senhor, que me torturem pelo ouro e pela prata; sabeis
onde coloquei tudo o que me destes". Sua prece foi ouvida: os
bárbaros não o torturaram, e também não os que haviam tudo
abandonado por Jesus Cristo. Em seguida, nada mais tendo a dar,
tornou-se escravo para resgatar os filhos de uma viúva, aprisionados
na África pelos vândalos, depois de estes haverem devastado a
Campanha. Tinha a idade, como se crê, de setenta e oito anos, quando
caiu enfermo de uma dor do lado; e como haviam desesperado da cura,
dois bispos foram visitá-lo.
Sua
chegada proporcionou-lhe tanta alegria, que parecia ter esquecido a
doença; e, estando prestes a entregar a alma a Deus, mandou trazer
diante do leito os vasos sagrados, a fim de oferecer, com os bispos,
o sacrifício, para recomendar a alma a Deus e restituir a paz aos
que havia separado do santo ministério, segundo a disciplina da
Igreja.
Após
haver cumprido tudo com alegria, disse repentinamente, em voz alta:
- Onde estão meus irmãos: Um dos assistentes, persuadido de que
falava dos bispos que estavam presentes, disse: Ei-los! São Paulino
replicou: - Refiro-me a meus irmãos Janeiro e Martinho, que acabam
de falar-me, e que me disseram que vinham buscar-me. Ouvia São
Janeiro, bispo de Cápua e Mártir, cujas relíquias estavam então em
Nápoles, e São Martinho de Tours, que lhe tinham aparecido.
Em
seguida, estendeu as mãos ao céu e cantou o salmo: Elevei as mãos às
montanhas, e terminou por uma oração. O sacerdote Postumiano
advertiu-o de que devia quarenta moedas de outro pelas vestes que
havia dado aos pobres. São Paulino respondeu sorrindo: Meu filho,
não te preocupes, encontrar-se-á alguém que liquidará a dívida dos
pobres. Pouco depois, entrou um sacerdote vindo de Lucânia, enviado
pelo bispo Exuperâncio e seu irmão Ursaco, homens eminentíssimos,
que lhe trouxeram cinquenta moedas de ouro como presente; São
Paulino recebeu-as e disse: Rendo-vos graças, senhor, de não ter
abandonado i que em vós espera. Deu duas moedas de ouro ao sacerdote
que as havia trazido, e ordenou fosse o resto pago aos mercadores
que haviam dado as vestes aos pobres.
Caindo
a noite, repousou até meia-noite, depois a dor de lado recrudesceu
com violência, sem contar o mal que lhe haviam feito os médicos,
aplicando-lhe fogo diversas vezes, inutilmente. Sofreu também muito
de opressão do peito, até uma hora da madrugada. Ao romper da
aurora, segundo o seu costume, acordou todos, e rezou as matinas, ou
melhor, as laudes, como de ordinário; clareando o dia, falou aos
sacerdotes, aos diáconos e a todo o clero, exortando-os à paz,
ficando depois sem falar até a tarde. Em seguida, como que
despertando, lembrou-se de que Ra tempo do ofício das lâmpadas, vale
dizer, das vésperas e, estendendo as mãos, cantou lentamente:
Preparei uma lâmpada ao meu Cristo.
Após
algum tempo de silêncio, pela quarta hora da noite, vale dizer dez
horas, todos os assistentes estavam bem acordados, foi a cela
sacudida por um tremor tão grande de terra, que se prostraram a
rezar atemorizados, sem que os que estavam fora do quarto de algo se
apercebessem. Ele entregou a alma, e o semblante e todo corpo
pareceram brancos como a neve. Era o dia 22 de Junho de 431, dia em
que a Igreja lhe honra ainda a memória. As circunstâncias de sua
morte foram escritas por um sacerdote chamado Urânio, que a havia
presenciado.
Vida
dos Santos, Padre Rohrbacher, Volume XI, p. 94 à 100 |