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PÁGINAS DE POLÉMICA

Mística e jornalismo

 A. Veloso, Brotéria, Jan. 1947                            

 

Neste longo artigo, o Padre Agostinho Veloso sugere que a nossa Beata não podia deixar de ser uma embusteira. Mas, por mais sensatos argumentos que ele quisesse aduzir, não era. Mas faz bem ler isto e depois o comentário do Dr. Dias de Azevedo. A argumentação do artigo, que tão sólida parece, cai pela base, não resiste aos factos. Aliás, já forma vencidas também as renitências face a Teresa Neumann.

 

A psicose do maravilhoso vem de longe. É uma tentação mais ou menos cíclica, principalmente em tempos anormais, quando a vida, na palavra justa de Vauvenargues, mais se vence do que se vive. Pode haver outras razões, mas esta é, parece-nos, uma das mais influentes nesse curioso fenómeno, de que o nosso tempo nos tem dado abundantíssima matéria de observação e estudo.

Madre Virgínia da Paixão

Só dos últimos anos, lembram-nos os casos típicos do Barral, da Madre Virgínia (no Funchal), e das visionárias de Lamego, da Covelhã, da Vergada, de Pereira de Avidagos, de Balazar, do Pinheiro, de Baião, de Oriz[1] e, ultimamente, a de Vilar Chão. E certamente que o rol não fica por aqui. Estes casos, porém, tornaram-se mais conhecidos, não porque valham mais que os outros, mas porque a imprensa periódica, tomando-os à sua conta, lhes deu, com razão ou sem ela, uma notoriedade que, de outro modo, nunca chegariam a ter...

Mas o pior não é isso. O pior é que, pela maior parte das vezes, a imprensa, que destas coisas se ocupa, não é, precisamente, a mais competente, não só no ponto de vista das responsabilidades confessionais (pois se trata geralmente de jornalistas indiferentes, em matéria religiosa, ou até mesmo, mais ou menos declaradamente adversos), mas ainda sob o aspecto da preparação doutrinal, em tais escritores naturalmente nula, ou pouco menos.

Recordemos alguns casos recentes, de jornalismo incompetente, em coisas de mística, ainda que mais não seja, ao menos para justificar o título a que estas considerações se subordinam. A propósito de um livro de Jeanne Danemarie, Le mystère des stigmatisés, referiu-se Júlio Dantas, num dos seus folhetins dominicais de O Comércio do Porto[2], a várias estigmatizadas estrangeiras, e também a algumas portuguesas. Das estrangeiras, não vamos aqui ocupar-nos hoje. Levar-nos-ia isso muito longe. Lembraremos, no entanto, que a aprovação eclesiástica, dada a livros desta natureza, se confina à doutrina neles exposta, e de modo nenhum serve de abonação qualificativa dos fenómenos, chamados místicos, neles descritos. E isto, quer se trate da simples aprovação episcopal, dada pelo respectivo ordinário a qualquer livro, em que destas coisas se trate, quer mesmo da beatificação ou canonização dos Santos, nos quais, por ventura, tais fenómenos se tenham verificado. Assim, por exemplo, no decreto de 29 de Novembro de 1931, no qual se proclamou a heroicidade das virtudes de Gema Galgani, a Igreja não só se não pronuncia sobre a natureza desses fenómenos, mas expressamente diz que nem o faz, nem o costuma fazer: Nullo tamen per praesens decretum (quod quidem nunquam fieri solet) prolato judicio de praeternaturalibus Servae Dei charismatibiis [3].

Quer isto dizer que o facto de Le mystère des stigmatisés, como no referido folhetim alega Júlio Dantas, vir «abonado pelo imprimatur do Arcebispo de Paris», é suficiente garantia, não de que os fenómenos místicos, lá averbados, sejam, realmente, verdadeiros, mas de que no livro se não ensinam erros doutrinais, o que é, evidentemente, coisa muito diversa. 

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 Depois de aludir a alguns casos de estigmatizadas estrangeiras, faz-se, no referido folhetim, uma alusão passageira à estigmatizada de Lamego «uma pobre mulher de Castro Daire, Maria da Conceição, governante de um dignitário da Sé lamecense, que apresentava, quando em estado de êxtase, como Ana Catarina Emmerich ou Teresa Neumann, feridas abertas no peito, na cabeça, nos pés e nas mãos». Também de passagem, lembraremos, aqui, aos mais esquecediços, que o caso dessa falsa estigmatizada de Lamego foi, na devida altura, definitivamente esclarecido por Bernardo de Carvalho, em Parada do Bispo, e pelo seu irmão e nosso saudoso amigo, P. Manuel de Carvalho, então pároco de Sedielos. Devido à imprudente precipitação da imprensa, a coisa alvoroçou, de facto, meio mundo. Afinal, a mistificação desfez-se, quando as filhas de Bernardo de Carvalho descobriram, debaixo da cama da impostora, as tesouras e as seringas, cheias de sangue, tinta e outros ingredientes, com que ela fingia os estigmas.

Dessa comédia, podem ver-se notícias esclarecedoras, na imprensa do tempo, e nomeadamente nas Novidades, onde a fraude ignóbil foi completamente desmascarada. 

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 Outro caso, a que Júlio Dantas se refere, é mais antigo. Deu-se na segunda metade do século XVI. A protagonista foi uma freira do convento da Anunciada, que o terramoto destruiu, e ficava ali em baixo, onde agora sobe o elevador da Lavra, que dá para o Campo de Santana. Chamava-se, essa freira, Maria da Visitação. A ela se refere também o Sr. Hugo Rocha, num espectaculoso artigo de O Século Ilustrado[4] . E é interessante que, tanto no folhetim, como neste artigo, a freira é dada como franciscana, coisa que ela nunca foi. Onde é que ambos iriam desencantar a mesma inexactidão histórica? Ou — o que parece mais certo — não terá o segundo copiado, cega e servilmente, do primeiro?

Seja, porém, como for, o certo e averiguado é que, sobre o assunto, um e outro se mostraram lamentavelmente mal informados. E, partindo do mesmo falso suposto, ambos tiveram idêntico mau gosto de arquitectar hipóteses sinistras, sobre maquiavélicas rivali­dades entre dominicanos e franciscanos, das quais soror Maria da Visitação teria sido a vítima inocente. Afinal, não foi nada disso. Como adiante se verá.

O caso da freira da Anunciada é lembrado por Júlio Dantas e Hugo Rocha, como argumento a pari, o primeiro, a favor dos estigmas de Catarina Emmerich e Teresa Neumann, e o segundo, para acreditar os da senhora Amália Fontes, de Vilar Chão. Há efectivamente, entre eles, bastante paridade, mas de sinal contrário, ao que os dois jornalistas lhe atribuem. Vejamos o que eles dizem.

Versão J. Dantas

A mais célebre e a mais dramática das estigma-tizadas portuguesas, porém, só regressando ao século XVI a podemos encontrar; é soror Maria da Visitação, a freira da Anunciada. Que se sabe dela? O que nos diz o processo do Santo Ofício, que se encontra nas preciosas colecções do Arquivo da Torre do Tombo.

Em 1587 espalhou-se por Lisboa a notícia de que uma religiosa franciscana fazia profecias, operava milagres, e apresentava nas mãos — mãos de rara beleza — os estigmas de S. Francisco de Assis. Todo o mundo correu ao mosteiro; dos recessos da província, da própria Espanha, vinham fidalgos e povo ouvir e ver; o cardial Alberto, fantasma pur-purado que governava o reino em nome de Filipe II, caiu aos pés de soror Maria da Visitação; o estandarte da invencível armada, não foi um bispo, nem um arcebispo que o benzeram, — foi ela, a freira-prodígio, trazida em procissão deslum-brante perante o povo, extática, os cílios erguidos para o céu, as mãos sangrando.

O convento prosperou em graças e bens. Os domi-nicanos, porém, inimigos da Ordem seráfica, resol-veram demolir o ídolo. A freira da Anunciada foi acusada de impostora e arguida de pintar ela pró-pria, com tintas e pincéis, as chagas das mãos.

A multidão, fácil de conduzir, começou a murmu-rar contra a freira, a acusá-la de servir, com as suas práticas sacrílegas, a ambição da família francis-cana; e, ao passo que alguns espíritos supe-riores, como frei Luís de Granada, acreditavam firmemen-te na estigmatização e nos êxtases de soror Maria da Visitação, o povo apontava-a já como simula-dora e ambiciosa política, cujo castigo se impunha, para prestígio da Igreja e purificação da fé.

Urna junta de médicos, nomeada pelo Santo Ofí-cio, chegou à conclusão de que se tratava realmen-te de feridas, que sangravam. Nova junta, só de teólogos, reunida pouco depois, reconheceu, pelo contrário, que os estigmas eram pintados. Uma terceira junta, mista, constituída por teólogos e por médicos, confirmou a existência de fraude, Soror Maria da Visitação, convencida de impos-tura, foi desterrada para um mosteiro de Abrantes, e lá se extinguiu, na triste cela da penitência — já, ao que parece, sem êxtases e sem estigmas — esquecida de todos aqueles que, na passada gran-deza, a tinham venerado e adulado.

A leitura do curioso livro de Jeanne Danemarie convenceu-me de que existem realmente impres-sionantes pontos de contacto entre o caso da freira da Anunciada e o de Catarina Emmerich. As mes-mas juntas, a mesma cruel vigilância, a mesma «dúvida organizada» em volta de uma e de ou-tra — dúvida mais dos teólogos do que dos médicos —, e a recusa sistemática da Sagrada Con-gregação dos Ritos quanto ao andamento do pro-cesso de beatificação da segunda.

A fantasia de Brentano prejudicou sensivelmente Ana Catarina. Quanto a soror Maria da Visitação, ninguém pensou ainda, não digo já em a beatificar, mas, ao menos, em reabilitá-la perante a poste-ridade. Pela minha parte, confesso, entre um exa-me de teólogos, que verificaram a simulação, e uma observação de médicos, que a não verifica-ram, vou pelos médicos» (1).

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(1) Cf. Júlio Dantas, Estigmatizadas, em Comércio do Porto, n.º cit. Note-se que não pomos reparo no facto de Júlio Dantas antepor, na qualificação dos estigmas», o juízo dos médicos», ao dos teólogos. Dicuni medici, repetia, muitas vezes S. Tomás. Como já aqui dissemos, seria imprudência rematada não os ouvir naquilo em que a sua competência é insubstituível. E, de facto, foi assim que decidiram, por unanimidade, os teólogos reunidos em 1938, no Carmelo de Avon-Fontainebleau, todos concordes em que, mesmo em almas muito santas, e altamente favorecidas de carismas sobrenaturais, podem coexistir, com esses carismas, factos patológicos notáveis, a que é necessária atender.

Ora, ninguém melhor do que o médico, para ajudar a distinguir o patológico, do que o não é. Esta doutrina foi, já, há 4 anos, por nós exposta, nesta revista, (Cf. A. Veloso, A Mística e a Medicina, era Brotéria, Janeiro de 1942, págs. 82-86). No que porém, não pudemos deixar de reparar foi no facto de Júlio Dantas, depois de ter dito que a qualificação negativa dos estigmas fora feita por uma junta composta de médicos e de teólogos, na qual, também os médicos reconhe-ceram a fraude, concluir que «entre um exame de teólogos, que verificaram a simulação, e uma observação de médicos, que a não verificaram», vai pelos médicos. Ora a verdade é que, também os médicos a verificaram...

 

Versão H. Rocha

Desde há quatro séculos, sim, porque, no século XVI corria o ano de 1587 e Portugal gemia sob o jugo filipino, uma freira portu-guesa patenteou, perante o assombro de quan-tos houveram conheci-mento do milagre, idên-tico ao operado com Amá-lia da Natividade Ro-drigues Fontes, de Vilar Chão, que a Virgem Maria distinguiu, pouco tempo há, com idên-tico favor. Chamava-se em religião, Maria da Visitação a religiosa que, no tempo ao primeiro Filipe deu brado em Lisboa com os seus pro-dígios. O Tribunal do Santo Oficio ocupou-se de soror Maria da Visitação, a freira da Anun-ciada, e foi o processo instaurado pela Inqui-sição e arquivado na Torre do Tombo que trou-xe até nossos dias a revelação do esquisito mila-gre e dos sucessos concomitantes.

No seu mosteiro de monjas da regra do «Povo-rello» de Assis, soror Maria da Visitação (…) tocada por uma graça divina, tornou-se, em pouco tempo, objecto de especial devoção (…). Além dos seus dons proféticos e taumatúrgicos, bastantes para lhe criarem, em torno da será-fica fronte, auréola de santa, soror Maria da Visitação notabi-lizava-se pelos seus estigmas nas mãos, os mesmos que São Francisco apre-sentava. As alvas mãos da freira da Anunciada sangravam, quando as divinas chagas se abriam, e o povo, particularmente sensí-vel àquele sinal físico do martírio do Senhor no Calvário, não se cansava de proclamar a san-tidade da estigmatizada. O cardial Alberto ge-nuflectiu, em franca veneração, perante a hu-milde francis-cana que Jesus Cristo marcara com o selo carnal dos eleitos do Céu.

A inveja, porém, que não é do foro privativo dos simples mortais, aconselhou os monges da Ordem de São Domingos, incompatíveis com os seus colegas da Ordem de São Francisco, à prática de uma acção nefanda, qual foi a de acusar de impostora a estigmatizada que tanto fizera pros-perar o convento a que pertencia. Segundo os seus acusadores, mais invejosos da fortuna material dos franciscanos, do que da projecção moral dos prodígios operados por aquela bem-fadada serva de São Francisco, soror Maria da Visitação come-tia a mais grosseira e revoltante das fraudes, pintando nas brancas mãos os rubentes estigmas atribuídos a graça do Senhor. Como a calúnia é a mais eficaz dos instrumentos de demolição, a traça dos pérfidos contestadores não tardou a surtir o pretendido efeito. Em breve a freira da Anun-ciada era tida e havida por embusteira de baixa estopa e os seus prodígios eram levados à conta de refals-ada simulação e caviloso comércio em benefício da Ordem Seráfica, que lhe explorava o embuste. Foi então que o Santo Ofício inter-veio, nomeando uma junta médica, que, no relatório do seu exame, confirmou a existência de chagas sangrentas nas mãos da religiosa incriminada. Logo, após, uma junta religiosa, constituída por teólogos, deu os estigmas como falsos e produzidos por pincéis e tinta. Uma junta mista, com a participação de mé-dicos e teólogos, formada, certamente, com o intuito de desempatar os pareceres, deu também o fenómeno como fraudulento. Soror Maria da Visi-tação não foi torturada nem queimada pela Inquisição, como praticante de bruxedos e explo-radora da credulidade do público, mas o seu sacerdócio acabou na ignomínia do desterro. Num convento de Abrantes, onde não voltou a cair em êxtase (…) a freira da Anun-ciada viveu o resto dos seus dias, desprezada pelos homens e, aparente-mente olvidada por Deus… Não é, porém, qual-quer desses casos o móbil destas considerações. É, em especial, de Amélia da Natividade Rodrigues Fontes, a miraculada e estigmatizada de Vilar Chão, que pretendo tratar».

Tudo isto foi lembrado por H. Rocha, só para nos convencer do que os estigmas da visionária de Vilar Chão valem tanto como os da freira da Anun-ciada. Sim. Não devem valer muito mais (1).

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(1) Cf. Hugo Rocha, O caso da miraculada e estigmatizada de Vilar Chão, em O Século Ilustrado, n.º cit., pág. 2.

 Dum e doutro lado, como se vê, a mesma confusão histórica, de atribuir a soror Maria da Visitação, a regra franciscana, e as mesmíssimas fantasias, logo gratuitamente deduzidas deste equívoco fundamental. Afinal, a freira era dominicana e foram, precisamente, os seus irmãos de hábito quem lhe desmascarou o embuste, caindo, portanto, pela base, a pretensa intriga de que ela teria sido vítima. E assim se faz e se copia a História... 

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O caso da freira da Anunciada foi, há 4 anos, suficientemente esclarecido na Lumen, embora de modo incidental, pelo nosso amigo e confrade, Dr. Mário Martins, cuja preparação especializada e aturadas investigações, sobre a história das místicos portugueses, lhe dão, nesta matéria, autoridade muito particular[5]. Só é pena que, passados 3 anos, Júlio Dantas se entretivesse, ainda, a trocar a história pela fantasia, e mais, um ano depois, Hugo Rocha lhe viesse servilmente, repetir, não só o erro, como também as falsas hipóteses que, sobre ele, o primeiro tinha, gratuitamente arquitectado!

Por outro lado, parece que, na sua descrição rocambolesca, nos querem dar a entender que a coisa só agora foi descoberta, nos arquivos misteriosos da Torre do Tombo, e que, até aqui, ninguém, ainda, do estranho caso, tivera a mais insignificante notícia: «... e foi o processo instaurado pela Inquisição e arruivado na Torre do Tombo, que trouxe até nossos dias a revelação do esquisito milagre e dos sucessos concomitantes». Assim explica Hugo Rocha, soturnamente, e com os olhos impedrados de pavor, a revelação que nos faz e quási nos mesmos termos em que, 3 anos antes, Júlio Dantas a tinha feito. Ora, a verdade é que a história da pobre freira anda, há muito tempo, em livros, por fora da Torre do Tombo. Menendez y Pelayo trata-a, com bastante desenvolvimento, no tomo V da sua Historia de los Heterodoxos Españoles, onde, além da exposição dos factos, nos dá também notícia de alguns volumes que do caso tratam, pela maior parte contemporâneos da falsa estigmatizada[6].

E, sem sairmos das nossas fronteiras, temos desenvolvida e insuspeita notícia do caso, por exemplo, na História de S. Domingos, do nosso Fr. Luís de Sousa, que, além de irmão de hábito de soror Maria da Visitação, é, também, contemporâneo dos acontecimentos que refere.

Desgraçadamente, hoje, prefere-se a fantasia barata ou a leitura enervante de romances desnacionalizadores ao estudo dos clássicos, cuja leitura encerra apreciáveis lições, sempre tão oportunas! não só de boa linguagem portuguesa, como também de óptimo tradicionalismo lusíada e até, como no caso sujeito, de história ainda por falsificar…

O caso da freira da Anunciada, vem contado no Cap. XI, da III parte da História de S. Domingos. Encontra-se este capítulo, no IV volume da terceira edição (Lisboa, MDCCCLXVI), páginas 66 a 72.

Nos capítulos antecedentes (desde o terceiro) historiara Frei Luís de Sousa a fundação do Mosteiro da Anunciada, e a vida de algumas religiosas que, nele, pela sua virtude, se tinham distinguido. Agora, corno ele mesmo diz, na epígrafe, vai tratar «de hum estranho, e calamitoso sucesso, que n'este Mosteiro se vio em huma Religiosa». Esse sucesso é precisamente, o da tal falsa estigmatizada, Maria da Visitação.

Frei Luís de Sousa preludia a narração do caso, contando outro parecido, e que ele considera, ainda, «de maior estranheza e lás-tima». E o caso de um monge «que por vanglória, chegou a cegar-se tanto, que se lançou em hum poço, cuja altura era tal, que não havia vista, que de cima enxergasse a agoa».

Foi este, o monge Heron, e bem se pode considerar o seu caso corno «de mais estranheza e lástima» porque, apesar de tirado do poço, ainda vivo, não foi possível, nos três dias que, depois, viveu, levá-lo a reconhecer o erro, morrendo, assim, impenitente, pelo que custou muito ao Abade Pafúncio dar-lhe sepultura eclesiástica, pois «seu voto era, que fosse tratado n'ela, como os que por suas mãos se matão».

Frei Luís de Sousa lamenta a impenitência do velho monge, não só pelo perigo espiritual a que se expôs, mas também «pelo des-crédito, que (destas coisas) resulta contra a virtude, e virtuosos».

Frei Luis de Sousa

Por isso, avisa prudentemente os filhos de S. Domingos, para que se acautelem contra as manhas e artifícios de Satanás. Repetindo uma perícopa dos Provérbios, diz que «debalde arma rede, quem a põe à vista das aves»[7].

Quere dizer: para nosso dano, o inimigo «usa de estratagemas, tempera peçonhas: o remédio é descobrir-lhe os artifícios, e da peçonha fazermos triaga, lembrados que mais nos rendeu aos Cristãos a dúvida, e teima em duvidar de um Tomé, que a facilidade com que creram as Marias». Bom conselho, infelizmente, nem sempre seguido, como nos exemplos acima referidos de jornalistas que, desorbitando da sua linha de competência, parece quererem censurar a Igreja, pelo facto de ela não ter beatificado a pobre alucinada Maria da Visitação…

Discretamente, Frei Luís de Sousa alude a alguém que, no seu tempo opinava ser melhor «lançar terra sobre este sucesso, para que se perdera da memória dos homens». Mas logo diz que «isso seria fazer a vontade ao inimigo e ajudar, e favorecer suas cautelas». «O que importa — insiste — é que saibam os Anacoretas nas covas do deserto, que houve um Heron enganado, para que fiem só de Deus. Saibam as freiras de S. Domingos em Portugal, e saiba-o embora o mundo todo, que para se humilharem as muitas e boas, que nela ha, e todas viverem acauteladas, permitiu Deus a ilusão de uma fraca, e presuntuosa, que passou assim».

E conta a seguir o caso. Em idade de doze anos, no ano de 1563, entrou no mosteiro da Anunciada, em Lisboa, Maria da Visitação, assim, depois, chamada, por ter tomado o nome do dia e festa em que vestiu o hábito. Fez profissão, daí a cinco anos, sendo já de dezassete. Era singela, humilde, despretensiosa, nenhum trato fora de casa, recolhimento, silêncio, e honestidade. Tudo bom — diz o Cronista —, mas natural somente, porque não procedia, nem tinha raiz no coração, como depois se viu.

Qualidades naturais, libertas de um princípio superior, são sombras de virtude. É verdade. «Porém, tanto pode a virtude até com as sombras que (no caso da freira da Anunciada) estas a fizeram com grande extremo amada de todo o Mosteiro». Chamavam-lhe «santa», e ela, ingenuamente acreditava. E, vendo «que lhe rendia muito o que nada lhe custava», lá lhe pareceu que mais ainda lhe renderia «se ajudasse o natural com um pouco de artifício». E foi o que ela fez.

«Deixou-se a miserável vencer da tentação, começou a ajudar-se de tudo o que entendia a fana avaliar por mais Santa: gastava muitas horas no Coro; e porque se entendesse, que era emprego de Amor de Deus, mostrava extraordinário fervor para os Sacramentos; e com a frequência deles, que era muita, juntava grandes significações de interior devoção. Assim, cresceu em tanta reputação, que não só das freiras eram estimadas suas orações, mas é certo que entrando no Mosteiro a infanta Dona Maria, se apartava com ela poucos anos antes de professar, e lhe pedia Ave Marias[8]. Alegre, soror Maria, de ver que frutificavam suas artes, ia acrescentando sempre alguma coisa de novo. Já caía em raptos e êxtases, já contava revelações. Passaram anos, negociou de novo fogo na cela e luzes no Coro, que fazia crer serem celestiais. Chegou a mostrar a cabeça ferida, certificando que o Esposo (assim chamava sempre a Cristo) lhe comunicara a honra e efeito de sua Coroa de Espinhos, e era crida em tudo. Porque, além de ser fácil de enganar com a virtude, toda a gente virtuosa (...), tinha soror Maria sobre os mais dotes da natureza, um semblante amável, acompanhado de tal geito e brandura, que criava nos ânimos de quem a via, respeito e afeição. Meios que maravilhosamente acrescentavam a cegueira geral».

O que aí fica vale como documento humano de psicologia feminina, e como aviso a jornalistas ingénuos e principalmente a directores de almas, algumas vezes, cúmplices, embora de boa fé, dos falsos caminhos, onde as melhores qualidades naturais se podem perverter. Guiada por S. Francisco de Sales, Santa Joana de Chantal, quando, na leitura da Comunidade, aparecia qualquer narração de visões, êxtases, etc., mandava sempre passar adiante. Porque descresse sistematicamente dessas coisas? Não. Mas porque sabia que nada disso é essencial à santidade. Infelizmente, não falta hoje quem, como os dois jornalistas referidos, pense de outra maneira, considerando, por sua conta e risco, como beatificável, a freira da Anunciada, só pelo facto dos estigmas, que vai-se a ver, nem verdadeiros eram. E que fossem! A santidade não é isso… 

*****

Transcrevamos, agora, o «curriculum vitae» da pobre alucinada, tal como vem contado na História de S. Domingos, de Frei Luís de Sousa.

«Inda não tinha catorzes anos de profissão, e já por toda a cidade e reino era nomeada como coisa caída do Céu (...). E as freiras todas tão enfeitiçadas com ela, que nos catorze anos de professa, e não tendo mais que trinta e um de idade, a fizeram prioreza. Feita prelada eis que em dia de S. Tomaz, 7 de Março de 1584, sai com nova maravilha: publica que, na mesma noite, lhe dera o Esposo suas santíssimas Chagas. Mostra as mãos e, nelas, os sinais. Como tinha tão fundada sua reputação, não só foi crida, mas recebido o caso com universal alegria e veneração. Chegou a El-Rei, e passou ao Papa, correu por toda a Cristandade. Acudiam de toda a parte (...) ofertas grossas e muitas, que enriqueciam a casa, e a prioreza, rindo-se ela, zombando e triunfando Satanás».

«Neste caso (...) mostraram as Religiosas (...) o zelo que sempre houve da Religião verdadeira e honra de Deus (...). Começaram a fazer escrúpulo do que viam, obrigadas de sua consciência e reverência a Deus, e respeito da mesma soror Maria, que muito amavam. Passaram a considerar suas coisas profundamente, e vieram a achar nelas tais contradições, que assentaram serem as chagas pintadas e, pelo conseguinte, tudo o que mais se dizia, falso e fingido».

«Deram conta, com todo o segredo, aos Prelados maiores, propuzeram razões bem fundadas, apontaram circunstâncias, de que resultava manifesto engano, e mui achado na matéria. Mas tal posse tinha tomado dos corações de todos ou a piedade cristã, ou o crédito de soror Maria, ou a cegueira que Deus permitia que durasse, que não só não foram ouvidas, mas rendeu-lhes seu zelo um grande merecimento do Céu. Porque, desde esse dia, até que o negócio se aclarou, foram maltratadas e perseguidas».

Frei Luís de Sousa detém-se aqui a pensar na cegueira incrível com que certa gente se deixa enganar, engano nem sempre fundamentado na intensidade do sentimento religioso, pois não se vê como, no caso dos jornalistas apontados, se possa dar a piedade cristã, como motivo de tão descabelado fanatismo. O cronista chega a dizer que «se entre cristãos se dera lugar a fado, bem pudéramos chamar fatal um engano tão crasso em si, e de tanta dura. Tão crasso, que uma leve e breve ensaboadura o podia tirar a limpo, como enfim veio a ser; e tão durável, que prevaleceu mais de quatro anos, entre gente de valor, sábia e amiga de Deus e da verdade».

Admira-se o cronista, e o caso não é para menos. Num livro, sobre as fraudes do espiritismo, o P.e Herédia resolve a coisa, pelo que ele chama «a psicologia da decepção», ou seja, o fenómeno psíquico, pelo qual certa gente, aliás tida e havida por intelectual, se mostra, afinal, escandalosamente predisposta, ou a perceber o que não existe, ou a não perceber o que realmente existe». Tal foi o caso, por exemplo, de Wlliam Crookes, que, depois de, a força de talento, dedicação e estudo, ter conquistado, no mundo científico, merecido renome, se deixou finalmente iludir pelos bufarinheiros do espiritismo, dos quais veio a ser um dos mais renitentes e impenitentes sequazes[9]. Júlio Dantas, cuja maneira de ser e responsabilidades intelectuais parece que o deviam imunizar contra estas manifestações de misticismo avariado, não o vimos nós a lidar armas pelos falsos estigmas da freira da Anunciada, e a preferir o parecer dos médicos ao dos teólogos, esquecido de que, segundos antes, dissera, com todas as letras, que a última junta a decidir o caso fora, precisamente, composta de médicos e de teólogos? Mas o melhor é continuarmos a ouvir o que sobre o «estranho e calamitoso sucesso» nos diz ainda Frei Luís de Sousa.

«Parece, explica ele, que tudo estava conjurado em favor  da cegueira». De facto, chegou nessa altura a Portugal, como Vigário Geral, o Padre Mestre Frei Alberto Agayo, que «era homem de peito» e julgava-se que decidiria a coisa de vez. Afinal, «veio soror Maria à grade da Comunhão e tanto soube dizer, que o Vigario Geral tendo prestes todo o necessário para o lavatório, a deixou e se foi do Mosteiro, e de Lisboa, sem fazer nada».

Era isto já por Outubro de 1587. Então soror Maria saiu-se com uma habilidade eminentemente feminina. Como, no convento de S. Domingos, vivesse Frei Luís de Granada, decrépito, cego, e já com 83 anos de idade, a freira mandou-o chamar, para que «quizesse ele fazer a experiência, que o Vigário Geral não fizera». Bem sabia ela que, em tais condições, o velho seria fácil de enganar e que, tendo o bom do fradinho merecida fama de Santo, o seu parecer havia de pesar na opinião pública, e ajudar a desfazer as suspeitas, cada vez mais generalizadas. Como de facto. «Juntou-se sua virtude grande com a que cuidava que havia em soror Maria. E, com as dores que ela soube contrafazer incomportáveis, de maneira fez o exame que, para com gente de entendimento, não fez nada; e, para com o povo, ficou soror Maria mais acreditada[10]».

Veio depois o Geral da Ordem, Xisto Fabri, e também desta vez, «começando o lavatório, acolheu-se soror Maria às armas mulheris. Correram rios de lágrimas, palavras, e geitos significadores de dores imensas e tais, que, sendo falsas, quebraram o coração ao bom Padre com dor verdadeira (...). E, parecendo-lhe que fazia ofício de tirano, contra uma donzela inocente e santa (...), tornou-se para Roma, deixando-a cheia de favores e honras, e carregadas de novos preceitos e penas as procuradoras da verdade. Assim ficou vitoriosa a mentira, e autorizado de novo, o engano».

No ano seguinte (1588), o Inquisidor Geral e Governador do Reino, Arquiduque e Cardeal Alberto, cometeu a averiguação, não já a particulares, mas ao Tribunal. Durante trinta dias, os Inquisidores ouviram testemunhas, e fizeram diligências várias. «Foi a última — refere Frei Luís de Sousa — um pouco de sabão, que brevemente fez desaparecer tinta e vernizes, ficando as mãos lizas e sem outra cor nem sinal».

Desmascarada a freira, confessou tudo, coisa que, — diz com ironia o Cronista — «já não era necessária».

Júlio Dantas e Hugo Rocha dão-nos a entender que ela foi sofrer, no desterro, penitências horripilantes. Não é verdade. Claro está que a coisa exigia alguma reparação social. Mas, como informa, ainda, Frei Luís de Sousa, as penas foram «todas leves, porque se não achou no caso mais pecado, que fingimento humano». A maior foi a transferência para o Mosteiro de Abrantes, onde, longe das testemunhas da sua mistificação ridícula, mais facilmente poderia refazer um ajuizado programa de vida espiritual[11]. E, se esta foi «a maior pena», justo será reconhecer que o desterro não foi assim tão duro nem tão atribulado, como os citados jornalistas ingenuamente pretendem. Conhecemos muito bem a linda cidade de Abrantes, e confessamos que, de modo nenhum nos desagradaria se, um dia, a Providência dispusesse que nos «desterrassem» para lá...

Frei Luís de Sousa remata o capítulo, dizendo ter-lhe custado «grande dor e mágua» a narração deste sucesso. Fê-lo, porém, por amor à verdade, e em virtude das rigorosas leis do ofício de Cronista, «que, para sermos cridos nos bens e felicidades, é forçado não calar os males e desventuras». Tal é a boa doutrina. 

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E a isto se reduz o caso da freira da Anunciada. Terão mais valor os outros dois, a que Júlio Dantas fundamentado no livro de Jeanne Danemarie, se refere? Parece que não. De Ana Catarina Emmerich, pouco mais se sabe, do que o que dela nos dizem Clemente Brentano e o seu cunhado Goerres, casado com Isabel Brentano, a «Sibila do Romantismo», como no seu tempo a chamavam, e cuja imaginação exaltadíssima a manteve, apesar de casada, em «ideal noivado» com Goethe, e lhe inspirou o seu estranho e delirante livro Goethes Brieftwechsel mit einem Kinde. Conhecedor dos Evangelhos apócrifos, não terá Clemente Brentano, exaltado como a irmã e o cunhado, e ajudado por eles, fantasiado as revelações, que atribui a Catarina Emmerich? Há razões para suspeitar que sim. Catarina era completamente anal-fabeta. Não há, portanto, da sua mão, uma única letra. Conhecido «o temperamento extravagante e fantasista dos três, parece que a mais elementar prudência aconselha, pelo menos, uma reserva in-teligente, na apreciação das estranhas revelações, por eles atribuídas a Catarina Emmerich.

Quanto a Teresa Neumaun, achamos cedo, para se poder formular um juízo definitivo. Os testemunhos de pessoas, inquestionavel-mente sinceras, e igualmente autorizadas, tanto sob o ponto de vista teológico, como científico, estão longe de serem concordes, o que prova, pelo menos, que o caso não é, assim, tão simples, nem tão claro, como cena gente cuida.

Sobre este caso, ouvimos, longamente o P. Paulo Siwek, então pro-fessor de Psicologia na Universidade Gregoriana, e que tinha ido a Konnersreuth, em missão oficial, estudar pessoalmente o caso. Ora, as conclusões a que chegou foram bastante desfavoráveis à sobrenaturalidade dos factos. E, por informação do nosso amigo, P. Diogo Crespo, O. F. M., sabemos que, tendo lá ido, igualmente, em missão oficial, o seu ilustre confrade, P. Agostinho Gemelli, doublé de médico e de teólogo, regressou também pouco inclinado a admitir essa sobrenaturalidade.

Não sabemos se estes juízos virão, um dia, a ser corrigidos. Em todo o caso, e para já, parece-nos mais prudente esperar. Abstenhamo-nos, portanto, até mais completos estudos, ou mais seguras informações, de qualquer decisão peremptória[12]. Demos tempo ao tempo, e não nos adiantemos, incompetentemente, ao veredicto definitivo da Ciência e da Igreja, que, em coisas de tanta transcendência, de modo nenhum pode ser substituído pelas notícias que, de quando em quando, espalham pelo mundo agências irresponsáveis, e que, do assunto percebem tanto, como certos jornalistas, muito nossos conhecidos…


[1] O caso de Oriz foi inteligentemente desmascarado no Diário do Minho n.os de 23 e 30 de Julho de 1946.

[2] N.º de 25 de Fevereiro de 1945.

[3] Acta Apostolicae Sedis, 1932, pág. 57.

[4] N.º 467, Lisboa, 14, Dezembro, 1946.

[5] Cf. Mário Martins, S. João da Cruz “espiritualidade portuguesa”, em Lumen, Dezembro de 1942, págs. 696-697.

[6] Cf. Menendez y Pelayo, Historia de los Heterodoxos Españoles, Madrid, 1928, págs, 222-224.

[7] Na edição que temos à vista, a perícopa é dada como de S. Mateus. Mas a verdade é que pertence ao Livro dos Provérbios, l, 17.

[8] Menendez j Pelado diz mais. A fama da freira da Anunciada correu mundo. Havia, então, tanto em Portugal, como lá fora, quem tivesse, em grande veneração, relíquias suas e quadros, em que ela era figurada. Em 1586, publicava-se em Paris um livro sensacional, sobre «Os grandes milagres e santíssimas chagas que a veneranda Madre Prioreza recebeu este ano de 1586, na cidade de Lisboa, no reino de Portugal, da Ordem dos frades pregadores, aprovados pelo reverendo frei Luís de Granada e outras pessoas dignas de f é...» Em Paris, na Tipografia de João Besant, 1586. Menendez y Pelayo cita ainda outros livros, em que a mistificação é combatida ou metida a ridículo. Cfr, Historia de los Heterodoxos, Madrid, 1928, pág. 222, nota.

[9] Cf. C. M. Heredia, S. J., Los fraudes espiritistas, 4ª edição, México, 1944, págs. 35-42.

[10] Depois de o caso se esclarecer, Frei Luís de Granada, ficou muito pesaroso pelo facto de, por causa da sua ingenuidade, outros terem sido também enganados. E fez quanto pôde, por palavra e por escrito, para os desiludir. Mais, apesar de alquebrado pela doença e pela idade, ainda procurou num sermão, neutralizar o escândalo. Esse sermão foi publicado em 1588, poucos meses antes da sua morte.

Frei Luís de Granada era espanhol de nação. Referindo, porém, palavras do P. João Baptista de Castro, diz ajuizadamente, Inocêncio que «podemos chamar-lhe nosso, porque entre nós viveu, ensinou e morreu». Dicionário Bibliográfico, t. V, pág. 96.

[11] O Mosteiro das Dominicanas, para onde soror Maria da Visitação foi transferida, está esplendidamente situado, e é hoje ocupado pelas repartições públicas de Abrantes.

[12] Quem, no caso da freira da Anunciada, se não deixou iludir, foi S. João da Cruz, que, nessa altura, tinha vindo a Portugal. E é interessante que esta exemplar prudência foi, depois, elogiosamente invocada, no processo da sua beatificação, a seguir transcrito, na parte que ao caso se refere.

«Preguntado por la pregunta veinte, del dicho interrogatorio, que le fue leída, dijo: que sabe este testigo que el venerable padre Juan de la Cruz tuvo don conocido de profecía, manifestado en muchas ocasiones, y especialmente en una en que, celebrando Capítulo general, en la ciudad de Lisboa, y procurando todos los demás padres del Capítulo ver a una monja que entonces tenia gran fama y opinión de santa, de quien se decía tener llagas como San Francisco, siendo así que estaban engañados con ella machos varones insignes, creyendo ser verdadera su santidad, entre los cuales era uno el reverendo padre fray Luís de Granada, su confesor, y con el casi todos cuantos la trataban y veían, estando, pues, ella en esta tan grande opinión y aclamación de santa, y santa prodigiosa, el venerable padre Juan de la Cruz, con el espíritu de profecía y don de conocer espíritus, que el Señor le había dado, conoció que todo aquello era embuste y embeleco; e así jamás quiso verla y hacer caso de sus llagas, aunque se lo persuadieron todos los religiosos graves del Capítulo, en cuja compañía estaba; antes bien, dijo que luego descubriría Dios aquel embuste. Y a un religioso, compañero suyo, llamado fray Bartolomé de San Basilio, que traía a la vuelta algunas cosas de la dicha monja, como reliquias, se las mando arrojar en el camino, dando siempre a entender que aquella santidad era fingida; y así se descubrió presto, como lo había dicho el venerable Padre». (Procesos de beatificación y canonización, apud P. Silvério de Santa Teresa, C. D., Obras de San Juan de la Cruz, Burgos, 1931, Tomo V, págs. 422-423. Este documento vale bem por um tratado de prudência mística. Houve sempre quem confundisse, ingénua ou sornamente, crendice fácil, com devoção verdadeira. Como se vê, S. João da Cruz não era assim…

 

NOTA do Webmaster : A causa de beatificação e canonização da Madre Virgínia da Paixão (do Funchal, de que fala acima o Padre Agostinho Veloso) foi introduzida em Roma, depois de ter obtido o “Nada obsta” da Conferência Episcopal Portuguesa.

Quanto à Ana Catarina Emmerich, ela é agora Beata et o caso da Teresa Neumann está à seguir muito regularmente em Roma.

 

 

 

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