Como o Padre Humberto
tomou conhecimento
da morte da Beata Alexandrina

O texto que se segue foi extraído duma entrevista dada pelo Padre Humberto ao seu confrade Padre Ismael de Matos, ao tempo em que decorria em Braga o Processo Informativo Diocesano da Alexandrina. A entrevista foi publicada pelo entrevistador no seu livro O que dizem de Alexandrina.

Naquele mês de Outubro de 1955, encontrava-me eu empenhado numa campanha catequística que tinha lugar na diocese de Monreale, na Sicília, a mais de mil quilómetros de Turim. Num domingo à noite, após a conclusão de uma semana catequística, que eu dirigira numa pequena cidade, levaram-me de automóvel a Terrassini, importante vila com duas paróquias, onde, logo no dia seguinte, eu iria dar início a outra série de conferências. Andava morto de cansaço. Mal cheguei, pedi ao pároco, meu amável hospedeiro daqueles dias, uma chávena de café com leite e fui imediatamente para a cama.

Na manhã do dia seguinte, segunda-feira, celebrei muito cedo. Estava na sacristia a tirar os paramentos, quando vi aproximar-se uma mulher. Saudou-me com um « Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo ! » e disse-me ter urgência em falar-me. Eu não a conhecia, pois chegara àquela vila havia apenas algumas horas. Das suas palavras, concluí que desejava confessar-se e respondi-lhe que a esperaria no confessionário. Ela, porém, logo retorquiu :

— Mas eu não quero confessar-me. O que tenho a dizer, posso dizê-lo aqui mesmo.A

E, numa atitude humilde, com voz sumida, prosseguiu :

— Enquanto V. Rev.cia estava a celebrar a missa, apareceu-me Nossa Senhora e encarregou-me de lhe transmitir o seguinte :

« ”A Alexandrina morreu e já está no Céu.”

Eu não sei quem seja essa Alexandrina. Mas Nossa Senhora disse mais isto :

“Diz ao Padre que não fique triste, porque a Alexandrina está com ele. Recomenda a Sua Rev.cia que descanse, porque o espera um grande trabalho.” »

Dito isto, aquela mulher desconhecida saudou-me e retirou-se.

Não sei com que cara fiquei !... Mas sei que a notícia me deixou atordoado. Limitei-me a murmurar um vago agradecimento e a responder à saudação : « Para sempre seja louvado ! »

Os três dias seguintes (até quinta-feira) foram para mim um tormento. Surpreendia-me o facto de nem o Médico, nem a Deolinda, nem nenhum dos meus amigos de Portugal se terem dignado comunicar-me aquela morte. Julgava merecer essa comunicação pelo muito carinho que sempre nutrira pela causa de Balasar. E confesso que se apoderou de mim uma grande amargura.

O correio de quinta-feira trouxe-me a carta que V. Rev.a enviara para Turim e, juntamente, a estampazinha de Pio X que para mim tocara nas mãos da defunta.

Foi então que surgiu em mim o desejo de me encontrar com a desconhecida com quem falara na sacristia para de novo ouvir da sua boca a narração de quanto se passara naquela segunda-feira. Mas como consegui-lo, se eu nem sequer fixara os traços do seu rosto ? Perguntei ao pároco se, por acaso, reparara na pessoa que viera procurar-me à sacristia. Mas ele nada vira e os escassos indícios que lhe forneci não conseguiram elucidá-lo :

« Era uma mulher baixa, de cabelo grisalho e aspecto piedoso. Trazia um xaile preto... ». Ele então sugeriu :

— Amanhã, ao distribuir a Comunhão, veja se consegue identificá-la. É a única maneira de resolver o assunto.

Naturalmente, eu não revelara qual a razão da minha curiosidade. Só lhe dissera que precisava de encontrar aquela mulher para uma expli-cação pessoal.

Segui o conselho do Pároco. E pareceu-me tratar-se ele uma pessoa que, após a Comunhão, fora ajoelhar-se a um cantinho, junto de um nicho onde estava a imagem de um santo, já não recordo qual.

Depois da missa, ao encontrar o pároco na sacristia, lembrei-lhe a conversa da véspera :

« Olhe, parece-me que a tal pessoa é aquela que está ajoelhada num cantinho assim, assim. »

Respondeu-me :

— É com certeza a Antónia Aiello. Uma bela alma !

Não dei a conhecer o que me ia no coração. Só pedi :

— Faça-me o favor de a convidar a vir à sacristia.

O pároco assim fez, tendo ficado na igreja enquanto ela vinha falar comigo. Não me enganara! Era real­mente a pessoa com quem eu desejava falar !

A meu pedido, repetiu-me a comunicação transmitida dias antes. Foi então que lhe expliquei quem era a Alexandrina. De rosto afogueado, ela ouvia-me cheia de interesse, mas evidentemente humilhada. A concluir a conversa, lembrou mais uma vez :

— Mas Nossa Senhora pediu para V. Rev.cia não ficar triste..., e eu rezarei por essa intenção.

Ditas estas palavras, retirou-se com o mesmo ar discreto e humilde com que entrara.

Foi no regresso a Turim que, de repente, me surgiu a ideia de escrever a biografia da Alexandrina. Fi-lo em oito meses, aproveitando o pouco tempo que as minhas pregações me deixavam livre e um período (dois meses) em que — providencialmente, sem que eu tenha feito qualquer diligência nesse sentido — os meus superiores me mandaram, como capelão, para a Casa de Saúde das Filhas de Maria Auxiliadora.

Nesses dois meses, então mais sossegado, pude dedicar-me à consulta do abundante material escrito pela Alexandrina ou por ela ditado à Deolinda.

Quantas vezes eu não me senti desnorteado naquele imenso oceano de riquezas espirituais da Serva de Deus, sem encontrar a explicação de muita coisa que excedia as minhas possibilidades! Era então que voltavam à minha mente as palavras ouvidas na sacristia de Terrassini :

« Espera-o um grande trabalho ».

Meu Deus, como são misteriosos os vossos caminhos! E como é grande a Vossa bondade !