O DEDO DE DEUS ESTÁ AQUI!

José Ferreira

Abertura

II – O ALIMENTO DA ALEXANDRINA

1 - A Santa Cruz de Balasar

3 - A Beata Alexandrina e a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria

2 - O Jejum da Alexandrina

Conclusão

I - O JEJUM

 

 Abertura

“O dedo de Deus está aqui” – digitus Dei est hic, como gostam de dizer os que sabem latim – é uma frase do Êxodo que pensamos que se poderá evocar a propósito de qualquer dos três temas relativos à Beata Alexandrina que vamos abordar: o da Santa Cruz, o da Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria e o do seu Jejum.

Se o seu “dedo está aqui”, é porque está aqui um facto maravilhoso ou profético, e é porque Ele existe… E a urgência da afirmação de Deus está na ordem do dia[1].

As tentações da Alexandrina contra a Fé

As tentações contra a fé infligiram à Alexandrina um inaudito tormento. Merecem ser lidas algumas citações a esse respeito, mormente neste tempo em que os meios de comunicação e até a escola, sem pudor, veiculam um pensamento agnóstico ou até ateu:

Veio Jesus, disse-me:

— Crê, minha filha, crê, minha esposa amada, crê, flor mimosa do Paraíso!
Crê que Eu existo, crê que estás na verdade, crê que toda a tua vida é a minha vida.
Coragem, coragem! S (17-12-54)

 

Numa angústia lancinante repeti os meus actos de fé:
Creio, Jesus, creio que foi para mim o vosso nascimento, a vossa morte, o vosso calvário.
Creio, Jesus, creio!
Os meus abismos são tão negros e profundos que só um Deus podia penetrar neles. S (2-9-55)

 

Estou como pousada na ponta de uma lança, dizendo:
Creio, não creio; há Deus e não há; existe a eternidade e não existe.
Estou no auge do maior perigo: perder a Deus ou possuir a Deus.
Caio dessa lança, toda ferida, desfalecida; mas caio para o lado que há Deus e vela por mim e que existe eternidade. C (12-12-54)

 

Creio, creio firmemente, repeti tantas vezes no cimo da montanha, espetada numa lança, mas tão em prumo que não pendia mais nem para um lado nem para o outro: ou Deus ou o demónio; ou a eternidade ou o nada.
Assim ferida, toda em sangue, caí da parte em que fui repetindo o meu “creio, creio firmemente!”
Creio, embora o meu sentimento seja todo mentiroso. S (17-12-54)

 

— Minha filha, vem cá, vem esposa minha, repete o teu «creio», espera e confia.
Jesus está contigo, está Deus, está o Senhor, está Jesus com a sua esposa amada.
O teu «creio» sem sentimento é para os que não crêem na realidade.
A tua morte é para dar vida, as tuas trevas são para dar luz com a qual as almas ressuscitam para a graça. S (8-10-54)

 

Repete o teu “creio”. Tens de viver da fé sem fé, do amor sem nenhum sentimento de amor.
Só quero de ti o teu “creio”, a tua firmeza na cruz, a tua generosidade heróica, sempre heróica.
Vem repousar sobre o meu divino Coração. É repouso divino, é repouso confortante, é repouso de vida. S (19-11-54)

 

O nosso título remete para uma preocupação que foi muito da Alexandrina. E porque a Alexandrina é luz e farol do mundo, esperemos que este trabalho ajude o leitor, em particular o jovem, a que, reflectindo sobre os temas predominantemente históricos que escolhemos, vá percebendo a actuação de Deus na história e se torne mais firme na sua fé.

1 - A Santa Cruz de Balasar

 

Eu mandei a esta privilegiada freguesia a cruz para sinal da tua crucifixão.

Palavras de Jesus à Beata Alexandrina

O leitor mais desprevenido, quando lhe falam da Santa Cruz de Balasar, pode ser levado a pensar que está perante mais uma aparição fantasiada pela mente popular; mas os documentos provam o contrário, e são fiáveis.

Constatada a autenticidade da aparição, surpreende a data em que ocorreu: cerca de 15 dias antes do desembarque do Mindelo, um acontecimento determinante da história portuguesa. Ele ia trazer definitivamente o Liberalismo ao país, com todo o seu cortejo de violências, de desorientação, de reformas, de afrontamentos à Igreja e finalmente com a instalação do primeiro regime democrático em sentido moderno.

A seguir, ao conhecer a história da devoção que a aparição gerou, verifica-se que ela teve um reconhecimento generalizado e duradoiro, com um ou outro acontecimento lamentável de permeio, até quase desvanecer nos anos 30 do séc. XX[2].
E é então que acontece algo de ainda mais espantoso, quando Jesus anuncia que a aparição de 1832 fora um anúncio do sofrimento de vítima da Alexandrina.
Que futuro tão original para uma aparição que no começo parecia prometer tão pouco! Por outro lado, quantos outros santos, além da Alexandrina, terão sido assim tão antecipadamente anunciados?

A aparição e a história da Santa Cruz de Balasar adquiriram uma dimensão inteiramente nova com esta revelação.

Capela da Santa Cruz em Balasar

Balasar foi meta de peregrinação

“Desde 1832, por vários anos, Balasar foi meta de peregrinações em honra da Cruz aparecida misteriosamente na terra. Para protecção dela Cruz foi construída uma Capela, que tem na frente a desse mesmo ano de 1832, esculpida em pedra”[3].

Essa frente está voltada para o antigo caminho que vinha do Casal e Lousadelo para a Igreja do Matinho, e seguia depois para Escariz, Vila Pouca e Gresufes. Ali ao pé já havia a ponte[4] que vinha de Gestrins e da estrada de Vila do Conde para Guimarães. O lugar da aparição era certamente inculto e talvez em declive.

Data na frente da Capela da Santa Cruz
 

A aparição da Santa Cruz, “um caso raro”

O Pároco de Balasar enviou para Braga um relatório sobre a aparição da Santa Cruz que data de 6 de Agosto de 1832, cerca de mês e meio após o acontecimento. Veja-se o seu começo:

"Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor:
Dou parte a Vossa Excelência de um caso raro acontecido nesta freguesia de Santa Eulália de Balasar. No dia de Corpo de Deus próximo pretérito, indo o povo da missa de manhã em um caminho que passa no monte Calvário, divisaram uma cruz descrita na terra: a terra que demonstrava esta cruz era de cor mais branca que a outra: e parecia que, tendo caído orvalho em toda a mais terra, naquele sítio que demonstrava a forma da cruz não tinha caído orvalho algum".

Perante o estranho facto, o Pároco actuou com grande circunspecção, com um sentido de realismo admirável:


"Mandei eu varrer todo o pó e terra solta que estava naquele sítio; e continuou a aparecer como antes no mesmo sítio a forma da cruz. Mandei depois lançar água com abundância tanto na cruz como na mais terra em volta; e então a terra que demonstrava a forma da cruz apareceu de uma cor preta, que até ao presente tem conservado. A haste desta cruz tem quinze palmos de comprido e a travessa oito; nos dias turvos divisa-se com clareza a forma da cruz em qualquer hora do dia e nos dias de sol claro vê-se muito bem a forma da cruz de manhã até as nove horas e de tarde quando o Sol declina mais para o ocidente, e no mais espaço do dia não é bem visível".

 

O monte Calvário

A expressão “monte Calvário” que se encontra no relatório indica sem dúvida o morro que vem do sul e que desce ali para o rio Este. Devia ser lugar predominantemente ermo; o chão é predegoso e o rio não era vadeável na vizinhança. Algures, talvez sobre o cimo morro, erguiam-se as três cruzes do Calvário.
As pessoas de que fala o documento viriam porventura do Lousadelo e do Casal e também de além do Este e dirigiam-se para a antiga igreja do Matinho.

 

Aspecto do monte Calvário

 

O desembarque do Mindelo

Em 1832, o país já vinha a viver um conturbado e longo período e tinha iminente uma crua guerra civil. O desembarque do Mindelo, que havia de conduzir D. Pedro, Duque de Bragança e ex-imperador do Brasil, à vitória sobre D. Miguel e ao triunfo do Liberalismo, ocorreu em 8 de Julho desse ano. Ele fora precedido por uma tentativa de aportar em Vila do Conde, facto que um padrão recorda junto à foz do Ave.

Padrão do desembarque dos Mindeleiros
em Vila do Conde
e sua cartela

 

 

“Aquilo vem dar cabo disto”

Conservava-se então memória muito viva das violências contra a Igreja a que a Revolução Francesa dera azo. Por isso muito boa gente via com maus olhos os liberais e preferia os conservadores realistas. Ficou célebre a frase que a abadessa do Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde pronunciou ao ver ao longe a esquadra libera junto à costa: “Aquilo vem dar cabo disto”. E não tardou muito que as Ordens Religiosas fossem extintas.

 

Durante décadas houve em Vila do Conde um sacerdote francês, certamente exilado dos tempos da Revolução.

 

 

“Frontão” da fachada sul do Convento de Santa Clara de Vila do Conde

 

O ex-voto de Bernardina Rosa

Este ex-voto à Santa Cruz de Balasar lembra de modo directo a agitação que se seguiu à vitória liberal, e que já vinha de antes. O abade de Touguinhó (concelho de Vila do Conde) nele mencionado chamava-se Custódio José de Araújo Pereira (1777-1852) e, ao que se sabe, era riquíssimo, mas irrepreensível: foi preso e expulso, mas não foi à cadeia. Anos adiante, tendo regressado, pagou de seu bolso uma nova igreja paroquial[5].

 

Igreja em cisma

A assinatura ao lado é do pároco de Balasar que enviou o relatório sobre a aparição da Santa Cruz de terra para Braga e data do mesmo mês que o reltório, Agosto de 1832. No ano seguinte, não sabemos porquê, deixou de paroquiar a freguesia e sucedeu-lhe o P.e Manuel José Gonçalves da Silva. Como o pároco de Touguinhó, também ele foi expulso (de 1834 a 1841).

A grande desorientação que se viveu nas fileiras da Igreja foi ao ponto de esta viver em cisma durante uma década, com bispos não reconhecidos pela Santa Sé.

 

Custódio José da Costa

Custódio José da Costa, o balasarense de Lousadelo que pôs a sua pessoa e os seus haveres ao serviço da dignificação da Santa Cruz aparecida em Balasar, fez-se representar neste quadro que se conserva na Capela[6]. Foi um homem providencial.

Como leigo, a onda das expulsões dos párocos não o atingia e por isso pôde prosseguir a obra de dar dignidade e vigor à nova e surpreendente devoção.

Na legenda do quadro exprimiu-se assim:

“Milagre que fez a Santa Cruz de Balasar, aparecida a 21 de Junho de 1832 a Custódio José da Costa, que, sendo o principal fundador desta capela, trabalhou cinco anos com o seu corpo e abonos de dinheiro, prometendo à mesma Santa Cruz que, se lhe permitisse estas obras sem perigos nem assaltos de ladrões, nela colocaria um painel com o retrato da sua efígie com a cruz na mão, e assim o concedeu a mesma Santa Cruz, e pede de mercê a todos que este lerem um Pai-nosso e uma Ave-Maria por minha intenção e por todos os benfeitores que ajudaram estas obras, aplicados pelas almas de seus pais e por todas as do Purgatório”.

Texto autógrafo de Custódio José da Costa.

O P.e Leopoldino Mateus escreveu sobre Custódio José da Costa:

“Este homem de bem e fervoroso católico nasceu em Balasar no ano de 1788. Filho de pais humildes, mas laboriosos, resolveu deixar o torrão natal e embarcar para o Brasil, como efectivamente fez, em 1803, para tentar fortuna. Ali, depois de uma luta de porfiados trabalhos, tendo adquirido uma fortuna razoável, resolveu regressar à sua terra, o que fez antes do aparecimento da Santa Cruz. Custódio José da Costa, cuja efígie se conserva num quadro a óleo, na pequena capela, sendo testemunha da assombrosa aparição que emocionou não só o povo de Balasar mas também os crentes das vizinhas freguesias, que acorriam em grande número a visitar e rezar à Santa Cruz de Jesus Cristo, resolveu empreender a erecção de uma capela onde houvesse mais respeito e devoção pelo símbolo da Redenção”.

 

Interior da Capela da Santa Cruz

A Capela da Santa Cruz foi dimensionada para proteger a Cruz aí aparecida, deixando ainda algum espaço para as pessoas circularem em redor.

O gradeamento em madeira delimita os contornos da cruz original. A terra, essa não é de origem, já que os devotos que visitam o lugar teimam em levar pequenas porções dela, obrigando os zelado-res a trazer terra de outra procedência.

Nossa Senhora das Dores

A Cruz que se vê sobre o pequeno altar da pa-rede frontal tem uma pintura não muito ní-tida do Crucificado; ao fundo dela, é visível a repre-sentação de Nossa Senhora das Dores[7].

Interior da Capela da Santa Cruz

 

O Registo

A estampa à direita chamava-se registo. Verosimilmente ainda virá do tempo de Custódio José da Costa. Veja-se a legenda:
“Nosso Senhor da Cruz aparecida no monte Calvário da freguesia de Balasar, a 22 de Junho de 1832.
O nosso Ex.mo Prelado concedeu 40 dias de indulgências a todas as pessoas que rezarem de joelhos um Pai-nosso e uma Ave-Maria diante desta estampa pela extirpação das heresias, concórdia entre os Príncipes Cristãos e exaltação da Santa Madre Igreja Católica”.

A “concórdia entre os Príncipes Cristãos” poderia ainda aludir a D. Pedro (ou seus sucessores) e D. Miguel.

A data da aparição foi deslocada para o dia seguinte.

 

Curiosidades

De 1830 a 1833, Balasar renovou o tombo da sua Comenda. Isso obrigou à intervenção de muita gente de fora da freguesia, o que proporcionava uma animação menos comum. Esse tombo, naturalmente, contém muitas informações; por exemplo, a de que a freguesia, além do pároco, possuía um cura ou a de que à data da aparição da Santa Cruz já os futuros Viscondes de Azevedo possuíam a Quinta.

Esta circunstância, que trazia a Balasar gente dum saber acima do comum aldeão, como o Juiz e outros funcionários, há-de ter ajudado a divulgar a aparição do dia do Corpo de Deus de 1832.

 

Fragmento do Edital que anuncia o início das diligências para a renovação do novo Tombo

“O Doutor António de Paiva Ribeiro, Juiz de Fora dos Órfãos nesta vila de Barcelos e seu termo e Juiz do Tombo da Comenda de Santa Eulália de Balasar, da Ordem de nosso Senhor Jesus Cristo, por Sua Majestade Fidelíssima, que Deus guarde, etc., faço saber as todas as pessoas que o presente Edital virem e dele tiverem notícia que, por provisão de treze de Novembro de mil oitocentos e vinte e nove, expedida pela Mesa da Consciência e Ordens, foi Sua Majestade servido encarregar-me da factura do novo Tombo dos Bens, Propriedades e mais Direitos pertencentes à dita Comenda de Santa Eulália de Balasar […]
E assino trinta dias aos moradores existentes no termo desta vila, sessenta aos que dela viverem ausentes, quatro meses aos que habitam fora do Reino, contados do dia da afixação deste em diante, para satisfazerem a todo o referido, debaixo da dita pena e de proceder em tudo às suas revelias e de se haverem por citados para todo o relatado e mais termos necessários na forma do regimento”.

 

O ex-voto de 1838

Notável a concepção deste ex-voto de 1838 à Santa Cruz: a Cruz está estendida no chão, frente a uma mulher que reza. Além da Cruz, vê-se uma grande nuvem de tons brancos, que parece evocar a que guiava o povo hebreu na caminhada no deserto. Dela, um Olho de Deus, inscrito num triângulo isósceles, representando a Trindade Divina, como que reflecte para a mulher a força que nasce da Cruz.

A senhora em súplica, de nome Maria Margarida, é poveira e viúva; tinha um filho no Brasil desde há muito e poucas notícias lhe chegavam. Depois de orar, «com muitas lágrimas», na capela da Cruz, o filho «lhe apareceu à porta sem ser esperado».

 

“As Duas Fiandeiras”

No romance As Duas Fiandeiras, publicado em 1891, Francisco Gomes de Amorim descreve a romaria da Santa Cruz do ano de 1845.
De notar a referência à grande concorrência de povo e o “vistosíssimo arraial”, que juntava inclusive gente vinda do Porto e de Braga.

A igreja de que fala era com certeza a capela que então existia onde agora está a Igreja Paroquial, e que devia ser de razoável dimensão. O facto de haver ainda uma casinha das esmolas, popularmente chamada “mosteiro”, que ficava no lugar da actual a Residência, além da capela da Santa Cruz, é também significativo de da adesão que a nova devoção motivou.

Cartaz

Esta página em jeito de cartaz saiu no jornal poveiro A Propaganda, em 5 de Novembro de 1936, quando se quis dar fôlego acrescido à tradição da festa do Senhor da Cruz e após a publicação dum longo estudo sobre a aparição de 1832.
Pouco depois vai Jesus convidar a Alexandrina para a crucifixão.

Jesus fala da Santa Cruz

No colóquio de 5 de Dezembro de 1947, Jesus falou assim à Beata Alexandrina:

"Quase um século era passado que Eu mandei a esta privilegiada freguesia a cruz para sinal da tua crucifixão. Não a mandei de rosas, porque a não tinha, eram só espinhos; nem de oiro, porque esse com pedras preciosas serias tu com as tuas virtudes, com o teu heroísmo a adorná-la. A cruz foi de terra, porque a mesma terra a preparou.
Estava preparada a cruz; faltava a vítima, mas já nos planos divinos estava escolhida; foste tu.
O mal aumentou, a onda dos crimes atingiu o seu auge, tinha que ser a vítima imolada; vieste, foi o mundo a sacrificar-te".

Oito anos à frente, em 21 de Janeiro de 1955, insistiu:

“Há mais de um século que mostrei a cruz a esta terra amada, cruz que veio esperar a vítima. Tudo são provas de amor!
Oh, Balasar, se me não correspondes!
Cruz de terra para a vítima que do nada foi tirada, vítima escolhida por Deus e que sempre existiu nos olhares de Deus!
Vítima do mundo, mas tão enriquecida das riquezas celestes que ao Céu dá tudo e por amor às almas aceita tudo!
Confia, crê, minha filha! Eu estou aqui. Repete o teu «creio». Confia!”

Fácil é de ver o que estas palavras acrescentam de novo à aparição de 1832. Se a documentação histórica era fidedigna, se a história da devoção nascida e desenvolvida em redor da Santa Cruz era conhecida ao menos em relação aos aspectos mais marcantes, agora tudo isso adquire uma dimensão nova, a de um anúncio muito pouco comum, relativo a uma figura da santidade invulgar.

A Santa Cruz de Barcelos

Até 1836, Balasar integrava-se no Concelho de Barcelos, em cuja sede se conta que no começo do séc. XVI também tinham aparecido umas cruzes.

Também lá a aparição deu grande brado e originou concorridíssimos arraiais.

Um livro de 1672 reuniu e explorou as memórias do acontecimento.

 

 

Frontispício do Panegírico da Vila de Barcelos, de 1672.

 

 

Conclusão

Em 1832, Balasar era muito diferente do que é hoje. Distante de qualquer centro significativo, foi apesar disso a escolhida para a aparição da Santa Cruz.
Desta chegou até nós um conjunto de informações que nos permitem conhecer não só os factos com rigor, mas ainda circunstâncias variadas que os acompanharam. Colocam-nos no âmbito da história, do acontecimento bem documentado e não da lenda.
Hoje sabemos que o dedo de Deus esteve ali, que tudo foi pensado em função da Beata Alexandrina, a “vítima do Calvário”.
Por isso, a importância da aparição de 1832 não pode deixar de ser enorme.

 

Em 2007 recordaram-se os 175 anos da aparição da Santa Cruz.

 

 

2 - O Jejum da Alexandrina

 

  

“É absolutamente certo que durante 40 dias em que a Alexandrina esteve internada no “Refúgio» não comeu nem bebeu, nem urinou, nem defecou”. 

Dr. Henrique de Araújo

 

Uma história de resistências

O jejum da Beata Alexandrina pode ser visto como um instante convite, um apelo para que as pessoas se aproximem do seu surpreendente mundo. Por isso decerto os seus inimigos de hoje, como os de ontem, teimam em pô-lo em causa. Realmente, se ele fosse falso, abalava irremediavelmente o edifício desse mundo. Mas é um facto e factos não se negam, explicam-se.

Ele é também um desafio lançado à nossa mentalidade que valoriza o dado objectivo e inapelável. Por isso é particularmente interpelante: é extraordinário, mas verdadeiro.

Se cheira a milagre, é falso, pensa muita gente[1]. Mas esta atitude é tão pouco científica como a aceitação ingénua do facto miraculoso. Científico é analisar, investigar os factos até ao limite e depois tirar as conclusões que eles imponham, sejam elas quais forem.

Felizmente, a história das resistências ao jejum da Alexandrina responde, cremos, a todas as objecções que sobre ele hoje se queiram levantar. Muitos se anteciparam: levantou-lhas o Arcebispo de Braga, levantaram-nas vários médicos, levantou-as a comissão teológica que a examinou em 1944, etc.

Esse jejum começou por ser uma certeza apenas para a roda dos amigos da Alexandrina, para aqueles que a conheciam de perto e que com ela sofriam e que sabiam que nela não havia mentira. Depois, aos poucos, a notícia divulgou-se e ganhou adeptos.

Como veremos à frente, essa abstenção total de alimentos ou inédia não é um facto novo na história da Igreja.

Vamos abordar o tema em dois momentos: no primeiro tentaremos estabelecer com a máxima garantia a realidade desse excepcional jejum, no segundo, procuraremos penetrar já no mundo de vítima e de outras experiências místicas da Beata, mas a partir do mesmo jejum.

 

 

I - O JEJUM

 

 

“Uma mulher que não come nem bebe há 6 anos e vive perfeitamente!...”


Um dos primeiros testemunhos públicos, inequívoco e insuspeito, sobre o jejum da Alexandrina foi publicado em 4 de Novembro de 1947 no
Jornal de Notícias. O autor do texto terá sido o próprio director desse diário portuense.
Sob o título de “Uma mulher que não come nem bebe há 6 anos e vive perfeitamente!...”, o artigo desenvolve-se em duas partes. Começa com uma breve introdução, a que se segue uma entrevista à doente, e depois completa-se com a segunda parte, intitulada “A história da enfermidade e as conclusões clínicas que ela provocou”.
O jornalista tinha tomado conhecimento do facto invulgar e quis indagar da sua veracidade. O seu trabalho dá apenas conta do que pôde apurar, sem alguma vez pretender opinar sobre as conclusões dos médicos judiciosos que o tinham estudado: não acrescenta nem diminui a informação a que teve acesso. Coisa mais serena e objectiva não é legitimo pretender. Veja-se então a primeira parte, a entrevista:

 

Haviam-nos falado da existência, em Balasar, no concelho da Póvoa de Varzim, de uma paralítica que viveria em regime de jejum integral. Conhecemos, da tradição, os grandes jejuadores a Índia, que conseguem passar largos períodos, 40 a 50 dias, sem ingerir alimentos, mas sabemos que se esses indivíduos não comem sólidos, não deixam porém de ingerir líquidos. Pelo que nos informavam, a doente de Balasar não comia nem bebia. Seria possível? Mas então como se explica a sua existência – a sua sobrevivência?
O assunto espevitou a nossa curiosidade jornalística – e decidimos tirá-lo a limpo tanto quanto os nossos meios permitissem.
Claro que a primeira ideia que nos acudiu foi ir à Póvoa.
Não se trata, aqui, como se entende, de pôr em prática a conhecida divisa de S. Tomé – «ver para crer». O facto de vermos a doente, e foi isso que tratámos de fazer, não quer dizer que nos desse a certeza de que ela se encontra em abstinência completa. Para tal seria preciso usar outros meios, que já não são da nossa competência.
Indicava-se uma observação demorada, uma vigilância permanente, durante muitos dias. Mas também esse pormenor não o descuramos, como o leitor verificará na altura própria. Por nossa parte, o que pretendíamos e o que conseguimos foi falar à paralítica, ouvir-lhe algumas palavras, colher uma impressão pessoal acerca da sua enfermidade e da sua psicologia.
A doente chama-se Alexandrina e tem presentemente 43 anos. Reside com sua mãe e sua irmã, na freguesia de Balasar, a 10 quilómetros da sede do concelho, numa pequena casa do lugar do Calvário, em cuja parede exterior se vê um azulejo com a imagem da Virgem.
À porta, quando chegámos, estacionava um automóvel. Um dos moradores do local, que nos havia indicado o caminho, elucidou-nos:
— São visitas.
E acrescentou:
— É uma excelente mulher. O que mais impressiona é que, não comendo nem bebendo, a sua aparência é relativamente magnífica. Fala pouco, mas é para todos duma grande doçura. E olhe que pensa como se fosse uma pessoa de saber.
E rematando, admirativamente:
— O que se passa com ela é um mistério!
Nesse momento saem as pessoas por quem o automóvel esperava. Depois de partirem, a Sra. Maria do Vicente, mãe da Alexandrina, manda-nos entrar.
A doente está meia deitada na cama, a cabeça e as costas amparadas em almofadas. O quarto, simples, com a claridade luzente que lhe vem duma janela ampla, está ornamentado por um crucifixo e várias imagens. Ao fundo do leito, sobre um cobertor fino, repousa um bichano de raça.
A Alexandrina, de sorriso aberto, espera talvez que lhe dirijamos a palavra. O rosto é sobre o comprido, a boca rasgada, a pele branca, um tudo-nada rosada. Seus olhos são pretos, duma luz brilhante, e os cabelos também negros, emolduram-lhe a fisionomia numa expressão de simpatia desafectada mas, tem 43 anos, mas não figura mais que 35.
Entrámos em conversa:
— Disseram-nos que não se alimenta.
— É verdade. Deixei de comer e de beber há seis anos.
— Mas não tem apetite?
— Estou sempre enfartada.
— Repugnam-lhe os alimentos?
— Não. Por vezes sinto até saudades deles.
— Então porque não aproveita essas ocasiões para tentar uma alimentação ligeira?
— Não posso. Sinto-me bem.
— Mesmo bem?
— É como quem diz: Passo bem, passando mal.
— Há que tempo está doente?
— Trinta anos. Só há 13 é que tive a primeira grande crise. Dessa vez, torturada pelo vómito, sofri um jejum de 17 dias. Vieram depois outras crises, menos prolongadas. Quando elas passavam, voltava a comer. Por fim, quase só o comia fruta. Mas há seis anos veio a crise definitiva. Então deixei os alimentos por completo.
— O seu aspecto não deixa perceber isso.
— Cada um sabe de si. Compreendo que a minha doença tem despertado curiosidade e murmurações. Aflige-me que tal suceda: desejaria que não se preocupassem comigo. De mim já se tem falado demais. Se estivesse no meu poder, metia-me num buraco.
A Alexandrina fala porém sem aborrecimentos – fala naturalmente, dizendo o que sente. Essa simplicidade é transparente. Sofre, por certo, mas resiste com alegria, couraçada por uma decidida força espiritual, a sua fé.
Insistimos no interrogatório:
— E os médicos?
— Os médicos – não dizem nada. Todas as semanas vem aqui o Sr. Dr. Azevedo, mas não me receita remédios. Há cinco anos estive em observação numa casa de saúde do Porto. Foram 40 dias de vigilância apertada, rigorosa. Mas regressei – daí como havia entrado para lá.
Passava meia hora. A enferma estava visivelmente fatigada. Despedimo-nos, fazendo votos pelas suas melhoras. Sorrindo, ela agradeceu-nos.

O jornalista não encontrou uma histérica a falar talvez dos seus ataques demoníacos, de exorcismos, de rezas e coisas do género. Não, a Alexandrina é uma mulher serena, que pensa correctamente, que possui uma “expressão de simpatia desafectada”, que não dispensa uma graça quando vem a ocasião dela: “passo bem, passando mal” (passar mal neste caso é não comer).
O articulista avança depois para a segunda parte do seu escrito.

A história da enfermidade a as conclusões clínicas que ela provocou

Se a Alexandrina estivera internada e vigiada, seria curioso saber quais as conclusões a que os médicos haviam chegado.
E foi precisamente esse facto que procurámos elucidar.
O internamento da doente verificou-se com efeito no Refúgio da Paralisia Infantil, de que é director o ilustre neurologista Dr. Gomes de Araújo. Das observações diversas e aturadas feitas durante o internamento, resultou um relatório, cuja leitura nos foi amavelmente facultada. Não seguimos os passos desse documento, em todos os seus pormenores, mas vamos aludir aos seus pontos essenciais, para uma melhor compreensão do estranho caso que nele se foca.
A Alexandrina foi vista em 1941, na clínica do Sr. Dr. Gomes de Araújo, onde compareceu com o seu médico assistente, Sr. Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, de Ribeirão. O diagnóstico desse exame determinou uma paralisia ergástica por compressão.
Em Maio de 1943, o Dr. Gomes de Araújo, instado pelo Dr. Azevedo e outras pessoas, que lhe afirmaram que a doente deixara de se alimentar há 13 meses, visitou-a em Balasar, na companhia do Sr. Prof. Dr. Carlos Lima, e depois dum exame neurológico e psicológico, aconselhou o internamento, para observação e tentativas de terapêutica.
Em 29 de Julho desse mesmo ano, verificou-se a entrada da enferma no Refúgio, na Foz.
Sigamos agora passos mais curiosos da observação clínica, sob todos os aspectos.
Linha genealógica da enferma e outros antecedentes: não teve ascendentes alcoólicos nem loucos, mas há algures tuberculosos e cancerosos. Aos 11 anos teve uma doença grave que parece ter sido uma febre tifóide. Quando tinha 13 anos, deu uma queda da altura de 3 metros e meio, sentindo uma dor aguda na região lombar sacra. Como a queda foi determinada por uma emoção violenta de temor, ficaram-lhe dela penosas recordações, surgindo antes os primeiros distúrbios dispépticos, com depressão neuro-psíquica: dois fenómenos paralíticos de que se libertou mais tarde. Aos 20 anos foi para o leito, por motivo dos seus padecimentos se terem agravado.
As impressões clínicas da observação acentuam: Aspecto perfeito à primeira vista, normal intelectiva, afectiva e volitivamente, mas depressa se revela portadora de um equipamento de ideias fixas, estereotipadas e sistematizadas, vivendo e sentindo intensa e sinceramente, sem sombra de mistificação ou impostura, ideias que determinam a abstinência.
E quanto a sintomas fisionómicos e morais: expressão viva, perfeita, meiga, bondosa, acariciante; atitude sincera, despretensiosa, correntia. Nem exotismo nem melifluidades; nem timidez nem exaltamento de voz. Conversa natural, inteligente, subtil.
Na vigilância feita à doente participaram várias senhoras da mais absoluta seriedade. D. Maria Guichard, D. Amélia Romualdo Ribeiro, D. Irene e D. Júlia F. Madureira Guedes, D. Rosa e D. Helena Gomes de Araújo, D. Helena G. Araújo Silva, D. Maria de Sousa Pinto e D. Maia Alice Silva Rosas. Algumas destas senhoras foram convidas a verificar a doente por se mostrarem incrédulas quanto à abstinência. E essa vigilância durou 40 dias, sendo aplicados à doente panos frescos na fronte e um saco impermeável no epigastro, com soluções de sal amargo, aliás por ela ignorados.
O médico interrogou-a longamente, tentando convencê-la a alimentar-se. Que não: sofre por amor de Deus  –  redargue.
Morrerá se continuar a não comer. Por isso, faz-lhe saber que vai começar a tentar uma pequena alimentação. Ela insiste na recusa: «Deus não quer que eu coma».
— Mas repugnam-lhe os alimentos?
— Não. Até por vezes tenho saudades da comida.
Concretamente – a observação e a vigilância permitiram verificar estes factos excepcionais: a doente não comeu, não bebeu, não urinou, não defecou. Citando Charcot, anota-se que a falta de apetite (anorexia mental) é dos acidentes mais graves nos histéricos. Em parte é o caso da Alexandrina. Mas só em parte. É que nela a abstinência é total, acompanhada pela paralisação da função excretora dos rins; quer dizer, nenhumas micções, como também nenhumas defecções.
O documento é uma notável peça científica e conclui desta maneira, em que o autor empenha a sua probidade profissional e pessoal:
Trata-se duma neurópata. Verificou-se durante 40 dias completa abstinência de alimentos e bebidas, o que leva a crer que tal situação possa ter notável precedência. Durante esse período não defecou nem urinou, o que ultrapassa os casos de aneura (?) conhecidos.
A despeito da normal perda de peso, conserva uma frescura e resistência impressionantes. Finalmente, oferece o aspecto dum caso que a Medicina sabe em grande parte explicar, mas não deixa contudo de patentear alguns pormenores que, pela sua importância de ordem biológica, tais a duração da abstinência de líquidos e anúria, impõem uma suspensão, aguardando que uma explicação clara faça a necessária luz.
A ciência não é definitiva, como se vê. O que é incontroverso é o facto de a doente viver há anos – sem levar à boca nem alimentos nem bebidas.

Destacam-se só estas afirmações:

E quanto a sintomas fisionómicos e morais: expressão viva, perfeita, meiga, bondosa, acariciante; atitude sincera, despretensiosa, correntia. Nem exotismo nem melifluidades; nem timidez nem exaltamento de voz. Conversa natural, inteligente, subtil.


Oito dias à frente, o Dr. Dias de Azevedo, em artigo saído no mesmo jornal, fez alguns acertos à informação publicada e forneceu mais alguns pormenores.

O veredicto da comissão examinadora

O esforço do Dr. Azevedo para conseguir o reconhecimento público da verdade do jejum da Alexandrina sofreu um doloroso revés quando, em Junho de 1944, foi publicado o veredicto da Comissão Examinadora que o Arcebispo de Braga D. Bento Martins Júnior incumbira de estudar a Doente de Balasar para que a diocese pudesse emitir sobre o caso um parecer fundamentado.
Foi esta a conclusão a que chegou a comissão:

Perante o longo relatório feito, esta Comissão sente a necessidade de dizer nada ter encontrado que ateste (no caso da Alexandrina) algo de sobrenatural, extraordinário ou miraculoso. Ousa mesmo acrescentar que há indícios seguros para se afirmar o contrário. Por conseguinte, esta Comissão faz votos para que o Ex.mo Prelado adopte todas aquelas medidas necessárias para a glória de Deus e a tranquilidade de tantas almas.

foram estas as medidas do Arcebispo:

Tendo em vista este esclarecido parecer e voto, determinamos o seguinte:
a) que se faça silêncio sobre os pretensos factos extraordinários atribuídos à referida doente ou de que ela afirma ser protagonista, os quais não devem ser expostos nem apreciados em público, mas confinar-se quando muito ao âmbito estritamente privado;
b) que seja feita recomendação aos sacerdotes que não alimentem mas antes caridosamente contrariem a curiosidade que em volta da doente e por considerações de ordem religiosa se possa vir a manifestar ainda, visto que essa curiosidade não pode ser sã e bem fundada, nem é louvável;
c) que a mesma recomendação se faça a todos os nossos diocesanos, sempre que houver necessidade e se puder fazer discretamente;
d) que ao Rev.do Pároco de Balasar se comunique que o incumbimos, além disso, de velar para que a doente e a sua habitação não sejam molestadas com visitas importunas, feitas a título de observação dos pretensos fenómenos extraordinários a que se atribua carácter religioso ou intenção religiosa.

Estas determinações foram lidas e comentadas em quase todos os púlpitos da Arquidiocese de Braga e deixaram o Dr. Azevedo isolado, sem aliados, ao menos parcialmente desacreditado face a adversários de peso.
Para se medir, porém, a gritante irresponsabilidade da comissão, leia-se a contundente crítica que ela mereceu aquando do Processo Informatico Diocesano:

O “Parecer” expresso pela Comissão não pode ser considerado válido por vários motivos:

1 – Os teólogos não visitaram a Alexandrina (houve apenas uma visita ocasional dum dos membros);
2 – Os teólogos examinaram apenas pouquíssimos escritos da Serva de Deus;
3 – Não foram interrogados o director espiritual, os familiares, o médico assistente, etc.;
4 – Contra o parecer dos peritos-médicos sustentam a opinião de que se trata dum caso de histerismo;
5 – Exprimem um juízo sobre o conteúdo dos Escritos que não concorda com o juízo dos Censores[1].
6 – O “Parecer” é desmentido no Processo de Braga, foi abandonado pelo Arcebispo de Braga e pelos próprios teólogos redactores, que depuseram depois a favor da Alexandrina. Foi um caso de incompetência e presunção.

Carta do Dr. Dias de Azevedo ao Arcebispo Braga

Mas a crítica do Processo Informativo Diocesano foi feita muito depois, quando a comissão já havida caído em descrédito. Ora se a luta foi difícil foi naquele Verão de 1944!
O Dr. Azevedo sentiu a necessidade de reagir face a esta resistência vinda já não do campo médico, mas do da filosofia e teologia; e fê-lo numa carta enviada ao Arcebispo bracarense em 2 de Agosto.
Trata-se dum importante documento pela clareza da argumentação, orientada em grande parte para a defesa do carácter extraordinário do jejum. É um documento dum católico esclarecido que se bate pela verdade, mesmo indo contra o parecer do seu arcebispo.

 

Exmo. e Revmo. Senhor Arcebispo Primaz,
Recebi o amável cartão de V. Exa. Revma., acompanhado do parecer duma comissão e dumas determinações, relativas ao caso, há muito falado, de Balasar. No fim de ler tudo o que me era dito, senti o dever de dizer a V. Exa. Revma., com o maior respeito e com a maior franqueza, umas cinco palavras:

1.ª Palavra: guardarei sempre em meu coração as palavras amáveis do cartão do Senhor Arcebispo Primaz, agradecendo-lhas, muito penhorado;
2.ª Palavra: procurarei ter a maior prudência, ao ser provocado a falar ou escrever da Alexandrina e sempre recordarei as determinações de V. Ex.cia Revma., para lhes ser obediente, na medida do possível, salva a liberdade para responder a qualquer crítica referente ao caso, saída em qualquer jornal ou revista de responsabilidade, pois não posso nem quero menosprezar o meu brio profissional;
3.ª Palavra: continuarei inabalável, até que a razão ou o bom senso me aconselhem atitude diferente, no mesmo posto de observação, prudência, investigação clínica e admiração pela Alexandrina, verdadeira mártir, que o tempo e Deus plena e brilhantemente justificarão;
4.ª Palavra: servindo-me da ideia do Prof. da Faculdade de Medicina do Porto, Senhor Dr. Mazano, que, falando sobre este caso, e mostrando-se muito interessado por ele, disse «não há explicação possível para já não comer há dois anos», eu continuo, como médico, sem receio de ser confundido, a afirmar que este caso é extraordinário, porque a Ciência diz que uma mulher de 39 anos, de vida intelectual e afectiva intensas, de faculdades e sentidos normais, passando alguns dias e noites sem dormir, e dormindo pouco durante o outro tempo, conservando invariavelmente ou com pequena variação o mesmo peso, conservando ainda o sangue normal nos seus elementos constitutivos ou de desassimilação, vivendo não somente quarenta dias completos e consecutivos (sob vigilância, de dia e de noite, feita por algumas pessoas descrentes), mas dois anos e três meses, aquele primeiro período em abstinência absoluta de alimentos sólidos e líquidos, incluindo a simples água, e o outro período em abstinência absoluta de substâncias alimentares, simplesmente bebendo, um ou outro dia, por imposição médica, uma ou outra colherinha de água simples, com o fim de diminuir a secura que em sua boca por vezes sente, constitui um facto verdadeiramente extraordinário, não sendo preciso, para esta classificação, que os médicos tenham de pedir licença aos filósofos ou teólogos para digna e justamente a fazerem. A quem me disser que há um parecer de filósofos e teólogos que, invadindo campo defeso, significa não ser extraordinário este facto (que maravilhou um especialista de Neurologia não crente em vários dogmas católicos, a ponto de anunciar que devemos ficar «suspensos, aguardando que uma explicação clara faça a necessária luz», pois a observação da Alexandrina tinha podido «ser segura, firme, incontestável, só deixando dúvidas aos que têm o hábito de duvidar … de si próprios»), eu responderei que quem tiver lido a História e a biografia de algumas criaturas extraordinárias sabe bem o valor dos pareceres de uma ou outra comissão. A Igreja só quer a verdade e eu amo uma e outra.
5.ª Palavra: a Comissão, lendo isto, há-de julgar que esta prosa é um pouco enfadonha e estranha a amantes da filosofia e teologia, e eu, para a suavizar, peço licença para citar as palavras do P.e Louis Capalle, S.J., em «Les âmes généreuses», pág. 165 e seg.:

La vérité théologique et expérimentale est que Dieu n’a pas donné aux âmes une résistance illimitée, et qu’Il a laissé aux directeurs ou supérieurs imprudents la puissance redoutable d’entraver ou même de ruiner l’œuvre magnifique qu’Il se proposait d’accomplir.
Nier cette vérité ou même chercher à l’atténuer par sophismes spécieux, serait atteindre par le fait même la notion de responsabilité, fondement essentiel de toute morale.

E, depois de mais frases muito interessantes, diz ainda:

Malheureusement, après une réponse évidente, on en veut souvent une plus évidente encore; et ainsi on oublie que Dieu, souverainement indépendant, ne se plie pas toujours aux exigences de ses créatures. Il donne assez de lumières pour que l’on puisse raisonnablement conclure à son intervention, et Il laisse assez de ténèbres pour que l’on ait le mérite d’une humble soumission.

Todas estas frases podem resumir-se em poucas: as determinações de V. Ex.cia, no geral, são justas, embora o tempo não venha a justificar algumas palavras como «pretensos», e o parecer da Comissão, enquanto ao facto, é exorbitante, negando-lhe a qualidade de extraordinário e dando lugar até a juízos temerários, o que não fica bem a filósofos e muito menos a teólogos.

Termino esta, fazendo votos pela preciosa vida de V. Excia. Revma. e pedindo que esta carta seja anexa ao supra mencionado parecer da referida Comissão (ou ao relatório dos médicos) que se pronunciou sobre a grande mártir que é a Alexandrina de Balasar, a quem o Mons. Vilar chamava sua “protectora”, a sua “colaboradora providencial”, a sua “cooperadora mais fiel que Jesus lhe deu”. E esse valia uma Comissão.
Beijo as mãos sagradas de V. Excia. Revma.
Manuel Augusto Dias de Azevedo
Ribeirão, 2 de Agosto de 1944.


Firmeza e clareza acabadas, obediência inteligente, não cega, é o que encontramos nestas “palavras” do Dr. Azevedo.

Quem era o Dr. Gomes de Araújo?


As polémicas em redor do jejum da Alexandrina envolveram muita gente. Embora arredado e silenciado em Vale de Cambra, todos sabiam que era o trabalho de nove anos do P.e Mariano Pinho que em primeiro lugar era posto em causa; o
P.e Agostinho Veloso, esse estava de mãos livres e por isso activo; os médicos, como o Dr. Gomes de Araújo ou o Dr. Carlos Lima, não se envolveram em debates que tinham contornos que ultrapassavam a medicina, mas saberiam bem que se jogava ali o crédito dos seus nomes; os membros da comissão, esses sentir-se-iam seguros pelo aval do Arcebispo.
Tentemos fazer ao menos uma sumária (e incompleta) avaliação de dois protagonistas desta borrasca, os Drs. Gomes de Araújo e Dr. Azevedo.
É pouco o que conhecemos sobre o Dr. Gomes de Araújo para além do que a seu respeito escreve a
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
.

Nascido em Baião em 1881, «formou-se na antiga Escola Médico-Cirúrgica do Porto, onde fez um curso distinto. Defendeu tese em 1908, sobre Ionoterápia Eléctrica, trabalho que foi premiado, dedicando-se desde logo à especialidade das doenças nervosas e artríticas.
Em 1926 fundou, na Foz-do-Douro, o “Refúgio da Paralisia Infantil”, que sempre tem dirigido e desenvol­vido com dedicação inexcedível. Esta obra de assistên­cia representa um grande esforço, pois contam-se já por milhares as crianças beneficiadas, e constitui um exemplo que foi seguido na capital, onde passou a organizar-se o «Centro contra a Paralisia Infantil».
O notável médico de­dicou-se à obtenção do soro antipoliomielítico, único que, a partir de 1940, passou a ser aplicado em Portugal.
De entre o grande número de trabalhos publicados, citaremos:
A doença de Hein-Medin — Seus aspectos clínico e social; A propósito da Seroterápia da Poliomielite; A primeira epidemia de Poliomielite em Portugal; O pro­blema social do Reumatismo; Histeria — Pithiatismo; Mielastenia Amiotrófica; Os Reumatismos nos seus as­pectos clínico, social e médico-legal, etc.
Tem colaborado assiduamente na
Medicina Moderna, no Portugal Médico e noutras revistas científicas nacionais e estrangeiras.
É membro da Sociedade Portuguesa de Química e da Real Academia de Medicina de Madrid» (
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira
).
O Dr. Gomes de Araújo faleceu a 18 de Março de 1964. Nessa altura, o Dr. Dias de Azevedo referiu-se-lhe longamente, mas quase sempre no sentido de esclarecer os leitores sobre o jejum da Alexandrina. Essa informação vê-la-emos mais adiante. É de interesse saber que o Dr. Gomes de Araújo possuiu uma casa na Trofa, que o punha na vizinhança do Dr. Dias de Azevedo.

Quem era o Dr. Manuel Dias de Azevedo?

O Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo nasceu na vila de Ribeirão, Vila Nova de Famalicão, em 21/09/1874, e aí faleceu, a 20/12/1971. No número de Janeiro de 1960 do Boletim Mensal da Alexandrina, que fundou e que redigiu sozinho desde Julho de 1957 a Agosto de 1970, evocava ele assim a sua adolescência e juventude:

Fui estudar, tendo onze anos de idade, para os Seminários de Braga e, depois de feito aí o Curso Teológico, fui convidado por quem de direito a ir formar-me na Universidade Gregoriana, agradecendo, mas declinando o convite.

Ensinou depois no Colégio de Ermesinde, dedicando-se simultaneamente a actividades de animação religiosa. É então que se matricula na Faculdade de Medicina do Porto, iniciando a actividade médica nos anos 30. Mas voltemos ao seu relato autobiográfico:

Em seguida fui leccionar e resolvi simultaneamente repetir nos Liceus os exames do curso secundário. Após esses exames, matriculei-me na Faculdade de Medicina, fazendo esse curso no tempo normal de seis anos e leccionando sempre. Defendida depois a tese de doutoramento, que nesse tempo era facultativa, embora convidado por pessoas ilustres a ficar a trabalhar no Porto, vim para Ribeirão, minha terra natal, onde há vinte e cinco anos venho exercendo clínica.


Um catedrático veio a chamar ao Dr. Dias de Azevedo «Augusto na medicina»; o Pe. Humberto declara-o «primus inter primos».
Apesar de ser pai de 14 filhos, dadas as dificuldades económicas da população, dedicava dois dias semanais a consultas gratuitas para os mais indigentes.

Homem de acção, foi fundador ou animador de várias instituições de prevenção social, pugnando por elas quer na sua terra natal, quer em vilas e cidades. «Foi chamado a usar da palavra em congressos religiosos de carácter nacional, assembleias paroquiais, permanecendo os seus discursos quer nas respectivas actas, quer em separatas»[9].
Sobre a sua acção junto da Alexandrina, a quem tomou como madrinha, não nos vamos alongar. Interveio em vários jornais e manteve mesmo polémicas com vista a defender o bom nome da sua doente.

A palavra ao Dr. Manuel Dias de Azevedo

O Dr. Azevedo alonga-se no Boletim de Graças, a partir de Abril de 1964, sobre o seu esforço para conseguir o reconhecimento médico do jejum da Alexandrina, justamente quando acabava de falecer o Dr. Gomes de Araújo.
Depois de elogiar o director do Refúgio de Paralisia Infantil e referir as conversas por si havidas com o Arcebispo de Braga, que o aconselhava a aprofundar o estudo clínico da Alexandrina, prossegue:

Fui ao Porto e convidei um médico distintíssimo a irmos a Balasar ver a Alexandrina (cuja doença ou afecção, em 15 de Julho de 1941, o Sr. Dr. Gomes de Araújo tinha classificado de paralisia orgânica por afecção medular de um ou mais focos), dizendo-lhe que não se alimentava. Respondeu-me logo que ia vê-la, quando eu quisesse. Disse-lhe, entre outras coisas, que era um caso interessante, visto que ela, além de não se alimentar, apresentava fenómenos extraordinários, que os teólogos chamavam êxtases. Então esse meu amigo respondeu-me logo que nesse caso desistia de estudar o «caso», visto que não queria meter-se em tal estudo.

Não pareceu dito próprio de tão formoso espírito que ele era. Como católico, tinha obrigação de estudar o «caso», ou para constatá-lo como admirável e respeitável coisa de Deus ou como mistificação a descobrir para não iludir ninguém. E poucos médicos estariam em tão boas condições intelectuais como ele estava. Mas as coisas são como são e, por vezes, como não devem ser.
Depois, fui convidar o Sr. Dr. Carlos Lima, e esse professor distintíssimo respondeu-me que aceitava o meu convite.
Por fim, fui convidar o Sr. Dr. Gomes de Araújo, a quem só disse tratar-se duma doente que não se alimentava. Também aceitou o meu convite, mas creio que persuadido de tratar-se duma anorexia mental igual a outro caso que já lhe tinha entregado e que ele muito bem curou, ou então duma mistificação.
Soube pouco depois que, falando-lhe alguém, na Trofa, neste caso, ele respondera que deveria tratar-se dum caso em que me iludiram e que, em poucos dias, sendo internada e vigiada a doente, depressa daria o que tinha a dar.

Continua mais adiante o Dr. Dias de Azevedo, expondo duas condições fundamentais que impôs ao Dr. Gomes de Araújo:

(…) para o internamento, fiz prometer-me duas coisas:
1.ª – Seria feito o estudo das faculdades mentais da doente, desejando saber, por escrito, se elas estavam ou não normais;
2.ª – A doente não seria obrigada a alimentar-se, a não ser que a tal fosse persuadida, nem lhe seria injectado qualquer medicamento, a não ser que ela concordasse.
Em duas palavras: queria que ficasse registado se ela vivia sem se alimentar e se as suas faculdades mentais estavam normais, estando ela internada qualquer tempo que fosse julgado necessário, concordando o Sr. Dr. Gomes de Araújo com essas condições.

Sabendo-se da idoneidade do Dr. Gomes de Araújo, estas condições só ajudavam ao rigor da observação e enquadravam-se nos objectivos que o Dr. Azevedo tinha em vista.
No Boletim de Julho seguinte, continua:

Não será demais falar no trabalho que teve o Sr. Dr. Gomes de Araújo a fim de investigar se de facto a Alexandrina vivia ou não sem a mínima alimentação, a não ser a Sagrada Eucaristia, autêntica purificação e fortaleza da Alexandrina, o que, sendo tudo, infelizmente para muitos é pouco ou nada. Essa sua investigação é tanto mais interessante quanto é certo que, a este respeito, o distintíssimo médico que era o Sr. Dr. Gomes de Araújo partia da impressão de que a Alexandrina seria uma doente que certamente queria iludir os outros. Aqueles 40 dias de rigorosa investigação foram um autêntico tormento mental para ele, disse-me uma vez a sua saudosa esposa, que também já partiu para a eternidade a receber o prémio das suas virtudes. (…)
Passados quinze dias, dizia-me o Sr. Dr. Gomes de Araújo, já no seu consultório:
- Você chegou para mim, pois comprometi-me a não forçá-la a alimentar-se e eu queria ver se ela podia ou não alimentar-se.
- Mas então, Sr. Dr., quem foi o iludido, eu por ela ou o Sr. Dr. por mim?
Nós não queremos saber se ela pode engolir ou não os alimentos, e eu sei que pode; mas, passados momentos, vomita-os.
Fiz essa experiência durante meses, desde Março de 1942 até Maio deste ano. O que quero provar ao mundo é que ela vive sem alimentação.

Passemos agora ao Boletim de Agosto:

Afirmámos no boletim anterior que aqueles 40 dias de rigorosa observação foram um autêntico tormento mental para o saudoso e distintíssimo médico que foi o Sr. Dr. Gomes de Araújo. Parece-me que nessa ocasião ele estava convicto de que ninguém tivesse passado qualquer temporada de abstinência total de sólidos e de líquidos digna de referência e contra a normalidade das exigências físico-químicas do nosso organismo.
Essas inédias, de que nos fala a hagiografia cristã, eram pouco do seu conhecimento e convicção, partindo da normal lei orgânica de que ninguém podia viver durante meses e anos sem alimentação.
Ao estar na presença duma inédia que lhe apresentávamos para estudo e averiguação, duvidou, como cientista, da sua realidade objectiva, persuadido de que não teríamos tido todo o cuidado para sermos iludidos. Era o caminho próprio e seguro que um investigador tinha a seguir, e seguiu-o no seu inquérito e rigor, sim, mas também com respeito e registo das consequências que iam derivar do seu meticulosos estudo, não se deixando perturbar, nos seus juízos sobre o caso, com as insinuações que alguém, nessa ocasião do seu estudo, lhe fora fazer e a que se refere o Sr. P.e Mariano Pinho, S.J., a pág. 186 do seu último livro –
No Calvário de Balasar – editado no Brasil:

«Concluído o rigoroso exame de quarenta dias sobre a abstinência total de sólidos e líquidos por parte da Alexan­drina, parece deveriam os adversários do caso, ao menos por prudência, calar-se. Mas nada disso: recrudesceu mais o seu zelo.
Houve até quem, ouvindo falar do exame, acorreu pressuroso ao Dr. Gomes de Araújo, antes que ele entregasse o seu relatório, a preveni-lo que “devia ter cuidado com o dito relatório, porque a Doente de Balasar era uma impostora... que ficasse certo que se tratava de uma mistificação» [10].

Em Setembro, o Dr. Azevedo volta ao tema:

Em seis de Novembro de 1927, num sermão pronunciado na Catedral de Munique, o Cardeal Faulhaber, referindo-se aos acontecimentos de Konnersreuth (Teresa Neumann) [11] disse que “era preciso tratar estes assuntos, em primeiro lugar, com muito respeito». E somente assim podem vir a ser classificados esses fenómenos.
São acontecimentos ou fenómenos explicáveis naturalmente? Dê-se deles, nesse caso, a verdadeira explicação, para esclarecimentos de toda a gente.
Não podem ser explicados naturalmente? Então esses casos terão uma origem preternatural ou sobrenatural.
Enquanto à inédia ou conservação vital da Alexandrina sem alimentação, durante tempo indefinido, para a sua explicação, não podemos esquecer que a fisiologia e a patologia nos ensinam que ninguém pode viver treze anos e meio numa abstinência absoluta de sólidos e líquidos. A medicina não pode explicar a sobrevivência da Alexandrina pelas forças da natureza. Essa explicação só pode ser dada por influência preternatural ou sobrenatural, isto é, a sua causa só poderá ser de origem diabólica ou divina. Poderemos perfilhar a explicação que nos pareça mais razoável, mas só a Igreja docente será autêntico e definitivo juiz. Ora o Sr. Dr. Gomes de Araújo, com a sua rigorosa e inteligente investigação, baseada numa contínua e eficiente fiscalização, veio auxiliar-nos muito a formar indiscutivelmente perante o público o nosso juízo, que será definitivo e completo depois de ouvirmos a Igreja.


Como o Dr. Azevedo também quis que fossem estudadas as faculdades mentais da Alexandrina e certas pessoas, levianamente, apodam os místicos de loucos, ouçamos, para terminar, a opinião avalizada do Dr. Henrique Gomes de Araújo a este respeito:

A expressão de Alexandrina é viva, perfeita, afectuosa, boa e acariciadora; atitude sincera, sem pretensões, natural. Não há nela ascetismo, nada untuoso, nem voz tímida, melíflua, rítmica; não é exaltada nem fácil a dar conselhos. Fala de modo natural, inteligente, mesmo subtil; responde sem hesitações, até com convicção, sempre em harmonia com a sua estrutura psíquica e a construção sólida de juízos bem delineados em si e pelo ambiente, mas sempre, repetimo-lo, com ar de espontânea bondade que o clima místico que desde há tempos a circunda e que, parece, não foi por ela provocado, não modificaram.


O atestado do Prof. Dr. Carlos Lima e do Dr. Dias de Azevedo

O Prof. Dr. Carlos Alberto de Lima, jubilado da Faculdade de Medicina do Porto”, tinha 77 anos nesta altura. Se calhar já o era, mas pelo menos depois foi um admirador e amigo dedicado da Alexandrina. Veja-se este final duma carta que lhe escreveu em 1944: “Que o Senhor se compadeça dos seus sofrimentos e desfaça em breve as más vontades contra a sua santa pessoa. Assim o espero, tendo-me sempre ao seu lado a defendê-la do orgulho e vaidade das criaturas”.

Naqueles tempos, a sua assinatura num atestado como este devia ser preciosa.

 

Nós abaixo assinados, Dr. Carlos Alberto de Lima, professor jubilado da Faculdade de Medicina do Porto, e Manuel Augusto Dias de Azevedo, doutor em Medicina pela dita Faculdade, atestamos que, tendo examinado Alexandrina Maria da Costa, de 38 anos de idade, natural e residente na freguesia de Balasar, do concelho da Póvoa de Varzim, verificámos que era portadora de uma afecção ou compressão medular, causa da sua para­plegia.
Atestamos também que, estando internada desde o dia 10 de Junho até ao dia 20 de Julho corrente, no Refúgio de Paralisia Infantil, da Foz do Douro, sob a direcção do Dr. Gomes de Araújo e sob a vigilância feita de dia e de noite por pessoas conscienciosas e desejosas de indagar a verdade, foi constatado que a sua abstinência de sólidos e líquidos foi absoluta, durante o seu internamento, conservando-se o seu peso, temperatura, respirações, tensões, pulso, sangue e faculdades mentais sensivelmente normais, constantes e lúcidas e não ha­vendo durante esses quarenta dias nenhuma evacuação de fezes nem a mínima excreção de urina.
O exame de sangue colhido três semanas após o inter­namento supramencionado vai junto a este atestado e por ele se vê que, considerada a dita abstinência de sólidos e lí­quidos, a Ciência não pode explicar naturalmente o que nele se registou, assim como, atentas as verdades da Fisiologia e Bioquímica, não pode ser explicada a sobrevivência desta Doente, por motivo dessa abstinência absoluta, durante os qua­renta dias de internamento, devendo-se salientar que a Doen­te, durante esse tempo, respondeu diariamente a muitas per­guntas e sustentou inúmeras conversas, manifestando a melhor disposição e melhor lucidez de espírito.
Enquanto aos fenómenos observados às sextas-feiras, pouco mais ou menos pelas 17 horas oficiais, entendemos que pertencem à Mística, que se pronunciará sobre os ditos fenómenos.
Por ser verdade mandámos passar este atestado que as­sinamos.
Porto, 26 de Julho de 1943.
Carlos Alberto Lima
Manuel Augusto Dias de Azevedo

A palavra do especialista brasileiro de nutrição Prof. Dr. Ruy João Marques

Paga a pena ler também um documento sobre o jejum produzido no Brasil. O seu autor, o Dr. Ruy João Marques, leu o relatório do Dr. Gomes de Araújo e, na qualidade de Prof. catedrático da Faculdade de Ciências Médicas e da Faculdade de Medicina da Universidade do Recife, especialista em assuntos de nutrição, pronunciou-se:

A meu ver, não é pos­sível explicar por meios meramente científicos — melhor di­ria, por meios médicos — o que se vem passando com a Sra. Ale­xandrina Maria da Costa. Nada faz crer, segundo se depreende dos minuciosos relatórios dos médicos... que se trate de um simples caso de histerismo, sobretudo porque é demasiadamente prolongado o tempo que a observada passou e vem passando sem tomar o mínimo alimento. Por outro lado, estou certo de que não se trata igualmente de mistificação, pois a comissão (insuspeitíssima e à altura da investigação a proceder) que a observou por quarenta dias e quarenta noites, sob rigorosa vigilância, na Casa de Saúde “Refúgio da Paralisia Infantil”, pôde constatar que, de facto, sua abstinência alimentar era total.
Ora essa ausência absoluta de consumo de substâncias nutritivas, durante tão largo espaço de tempo, cerca de 14 anos, se não me engano, não é compatível com a vida e muito menos com a manutenção da normalidade da temperatura, da respiração, do pulso, da tensão arterial, etc. etc. Até mesmo as funções psíquicas deveriam cedo se apresentar obnubiladas, mas é exactamente o contrário o que se verifica: sua vida in­telectual é intensa, suas relações afectivas são perfeitas, suas faculdades e seus sentidos absolutamente conservados.
Trata-se, pois, de um caso extraordinário, direi mesmo excepcional, de modo algum explicável por meios puramente naturais ou através de dados científicos.
Quanto ao progresso da mielite, muito provavelmente existente e responsável pela paralisia, nada tem a ver com a abstinência de alimentos, sen­do uma doença paralela.
Dr. Ruy João Marques

Outros casos de inédia na história da Igreja

São muitos os casos de inédia, semelhantes ao da Alexandrina, que a Igreja registou desde tempos antigos. Assinalamos os seguintes:

Sta. Catarina de Sena, falecida em 1380, 8 anos de inédia.
Sta. Ludwina de Schiedman, falecida em 1433, 28 anos de inédia.
São Nicolau de Flüe (1417-1487) 20 anos de inédia.
Beata Elisabeth de Reute, falecida em 1421, mais de 15 anos de inédia.
Beata Ângela de Foligno, falecida em 1309, 12 anos em inédia absoluta.
Beata Catarina de Racconigi (1468-1547) dez anos de inédia.
Beata Catarina Emmerich.


Perante um assunto como este, exige-se clareza e firmeza, prudência e determinação. As pessoas têm direito a uma palavra esclarecedora.
Eppur si muove! Queira-se ou não, o jejum da Beata Alexandrina, que tantas e tão grandes resistências provocou, foi uma realidade. Dele devem-se tirar todas as conclusões. Há que respeitar o sofrimento dela e dos que a defenderam numa luta desigual.
Mas a reflexão sobre este caso de jejum não pode parar aqui. É indispensável conhecer o que Jesus disse sobre ele.

 

 

II – O ALIMENTO DA ALEXANDRINA

 

 

Eugénia Signorile é certamente quem com mais largueza e saber estuda o tema da Eucaristia na vida da Alexandrina. Por isso, é do seu Só por Amor! que transcrevemos quase a totalidade do capítulo intitulado "O alimento da Alexandrina". Ele revela-nos que o jejum, para além do seu aspecto físico, médico, tem uma dimensão mística que nos mergulha no mundo mais recôndito da Beata: ela, que não comia no sentido comum que se dá à palavra, alimentava-se, mas da Eucaristia, apenas da hóstia consagrada e diária.

Eucaristia

Na história já se tinham verificado casos de místicas e místicos que tinham vivido, mesmo durante anos, só com o alimento da Eucaristia. Por exemplo, Beata Ângela de Foligno, durante 12 anos, S. Catarina de Sena, durante anos, o Beato Nicolau de Flue, durante 20 anos.
Também na Alexandrina Jesus quer pôr em evidência o valor da Eucaristia.
Em 1946 está muito consumida com os sofrimentos e com o jejum, que dura desde 1942. Alguns sugerem ajudá-la com injecções nutritivas.
O Dr. Azevedo não quer fazer nada contra a vontade divina. Então a Alexandrina pergunta a Jesus:

— Ó meu Jesus, eu quero sofrer, mas saber que em tudo faço a vossa divina vontade. Se quiserem que eu me alimente, se quiserem aplicar-me injecções, que devo eu fazer?
— (...) Não quero que tu uses medicina, a não ser aquela a que não possam atribuir alimentação.
Esta ordem é para o teu médico: será ele que toma a tua defesa.
Quero que ele continue com toda a sua vigilância a amparar-te: é grande o milagre da tua vida. Que ele Me ajude, que te ampare!
S (7-12-46)

No desígnio de Jesus o jejum da Alexandrina é um martírio mais que deve levar os homens a meditarem sobre a Eucaristia.
Em Abril de 1954 isto será claramente expresso:

Faço que tu vivas só de Mim para mostrar ao mundo o valor da Eucaristia e o que é a minha vida nas almas.
És luz e salvação para a humanidade. Ditosos aqueles que se deixam iluminar!
S (9-4-54)

O valor nutritivo da Eucaristia está bem provado com o facto de que a Alexandrina, durante o jejum total, não poderia sobreviver. De facto Jesus promete-lhe que não a deixará sem a Eucaristia em nenhuma sexta-feira, dia em que se esgota muito ao reviver a Paixão, mesmo sem movimentos.
Em certos períodos o pároco (único que lhe pode levar Jesus) está ausente; há depois as sextas-feiras santas, em que a liturgia consente receber a Eucaristia só como Viático (quando vivia a Alexandrina).
Mas Jesus supre quando falham os homens, mostrando mais uma vez o seu poder no Caso da Alexandrina, que receberá a Hóstia consagrada misticamente, mas realmente, da mão dum anjo ou do próprio Jesus!
Transcrevamos de algum diário.

— Prepara-te, filhinha: vou dar-Me a ti. (...) Repara: desce o Céu sobre ti.
Dou-Me a ti numa Comunhão real, numa Comunhão Eucarística.
Desceu sobre mim a abóbada do céu:
— Que lindo, que lindo! - exclamei eu - Vale a pena, meu Jesus, sofrer e sofrer tudo para possuir o Céu. (...)
Parece-me bem que estendi a língua para receber Jesus.
Ficámos por alguns momentos num silêncio profundo, numa união tão grande.
S (30-3-45)

Jesus insiste em afirmar que se trata duma real Comunhão eucarística.
Em 13 de Maio de 1949 dirá:

Vais receber-me em Corpo, Sangue, Divindade, como estou no Céu.

Em 4 de Abril de 1947 é Sexta-Feira Santa: Jesus dá-Se-lhe como Viático:

— Minha filha, minha esposa querida, vais agora (apenas terminado o êxtase da Paixão) receber-Me pelas mãos do teu Anjo da Guarda. Vêm ao seu lado S. Miguel Arcanjo e o Anjo S. Gabriel. Atrás deles seguem-nos uma grande multidão deles. Prepara-te: descem do Céu (...)
Inclinou-se para mim o Anjo. Eu estendi-lhe a língua e ele, ao dar-me Jesus, não principiou pelas palavras do costume, mas sim: “
Viaticum Corpus Domini nostri Jesu Christi custodiat animam tuam in vidam aeternam”[12] (...)
Fiquei mergulhada em amor, numa intimidade com Jesus: parecia-me inseparável dele.
— Minha filha, dei-Me a ti em alimento: sou a tua vida. Dei-Me desta forma para mais e melhor mostrar as minhas maravilhas e para mostrar que estou contente com os meus representantes na terra, com a doutrina da minha Igreja. (...) Recebeste-Me como Viático; e é verdade que és enferma e sem um milagre divino não terias resistido à dor: estavas moribunda. S (4-4-47)


Transfusão de sangue, efusão de amor

O fenómeno da Eucaristia real dada misticamente já se tinha verificado com algumas grandes almas muito elevadas na espiritualidade, dotadas duma especial sensibilidade para as realidades celeste. Por exemplo, S. Verónica Giuliani, S. Gema Galgani; e em 1916 Jesus escolheu a pequena Lúcia de Fátima para dar-Se a ela mediante o anjo da guarda.

Mas a Beata Alexandrina recebe ainda um outro alimento para o corpo e para a alma: um conjunto de sangue, vida, amor, sob forma de verdadeira transfusão para o sangue e de efusão para o amor. É a primeira alma mística para quem se efectua tal fenómeno. O próprio Jesus o afirma:

Vou dar-te a gota do meu divino Sangue, a maior prova do meu infinito amor, a maior de todas as maravilhas, a maravilha única, que tinha destinado de dar à maior vítima da humanidade, a quem confiei a missão mais sublime”. S (13-2-48)

— Que grande graça, que grande prodígio o sangue do Crucificado do Gólgota correr nas veias da maior crucificada da humanidade!
Jesus ia falando – junta a Alexandrina – e a gota do seu precioso Sangue passava lentamente.
Que união intima: o seu divino Coração unido ao meu!
S (11-6-48)

É importante notar que tal transfusão de sangue não é um facto puramente espiritual, como a efusão de amor. Não, não! É sangue verdadeiro, concreto, que lhe faz dilatar o coração de modo sensível e que deve compensar o sangue que a Alexandrina perde frequentemente, e mesmo durante longos períodos diariamente!
Jesus diz-lhe:

Dar-te-ei o meu Sangue gota a gota, assim como gota por gota o dás por Mim e pelas almas. S (29-6-45)

Recebe-o antes que percas todo o sangue que tens em tuas veias.
Quero sempre esta mistura: o sangue da vítima deste Calvário
(o lugar de Balasar onde vive Alexandrina), da maior vítima da humanidade, com o sangue da Vítima do Gólgota, de Cristo redentor. Assim tens todo o poder e tudo vencerás. S (19-10-45)

No fim do diário de 9 de Novembro de 45 o Dr. Azevedo colocou a seguinte nota:

Há três meses que a doentinha tem diariamente perda de sangue.

Se o mundo soubesse que é a tua vida! Se ele soubesse o sangue que corre em tuas veias, quereriam tocar teu corpo como foi tocado o meu (...) S (27-12-46)

Recebe a gota do meu divino Sangue: é o remate, é a coroa das minhas maravilhas em ti. É o sangue de Cristo, é o sangue que trouxe do ventre puríssimo de minha Mãe bendita, a girar, a correr em ti, nas tuas veias! S (11-11-49)

O sangue que Jesus lhe transmite tem indubitavelmente o objectivo de sustentá-la, de ajudá-la a não ceder sob o peso dos enormes sofrimentos que deve suportar enquanto alma-vítima:

Deixa que corra em tuas veias o sangue que te dá a vida; é a vida que te dá força na tua dor, no teu calvário. S (30-4-48)

Mas para o espírito é preciso o amor:

O sangue dá-te a vida ao corpo, o amor dá-te a vida à alma.
Prodígio maravilhoso! Recebe, enche-te.
S (29-4-49)

A efusão de amor é frequentemente evidenciada por luz, ardor, raios luminosos:

Apareceu-me Jesus em direcção a mim. Do seu divino Coração vieram para o meu uns raios luminosos que mo atravessavam como uns punhais. Jesus parecia estar numa nuvem branca (…)
O meu coração satisfazia-se naqueles raios: eram o seu alimento e o bálsamo de toda a dor.
O tempo foi passando e eu mergulhada naquele doce Paraíso.
S (23-7-48)

Eram tais e em tão grande número os sofrimentos que eu não podia, sentia-me desfalecer. No meu caminho apareceu-me Jesus (...) Da chaga do seu Sagrado Coração saíam raios brilhantes de fogo que vinham todos para mim.
Levantou a mão, com um dedo apontou para o Céu e disse-me:
— Caminha, que Eu te ajudarei! (...)
Esta chuva acendeu em mim um fogo ardente. A dor e a tristeza desapareceram. Fiquei em luz clara.
— Agora sim, meu Jesus, conheço que sois Vós! (tem sempre temor de que os fenómenos místicos que acontecem nela sejam fruto da sua fantasia: é um dos maiores sofrimentos). S (8-7-49)

Apareceu Jesus e vi que (aqueles raios) saíam do seu divino Coração.
Ele chamou-me e disse-me:
— Minha filha, minha filha, minha amada filha, os raios de fogo que atravessavam o teu coração são raios de amor do teu Jesus. Estes raios levam-te vida, levam-te conforto, paz e luz.
É com esta luz que podes ver quanto necessitas de dar ao teu Esposo Jesus dor, muita dor, com grande reparação.
Os crimes não diminuem, os crimes não deixam de aumentar.
Oh, filha, tantos sacrilégios, tantas iniquidades!
S (19-8-49)

Minha filha, minha filha, venho com o fogo do meu amor aquecer-te o coração, dar-te vida, venho provar-te que estou contigo. S (4-3-50)

É preciso ter presente, todavia, uma coisa essencial: todas as graças que Alexandrina recebe não a têm por fim, mas à missão à que é chamada. Alexandrina deve transmitir à humanidade o amor, a vida de Jesus:

Leva o meu amor, leva a minha paz. Vai dá-la às almas: criei-te para elas e para elas te fiz poderosa. S (23-4-48)

Leva o meu divino amor, vai irradiá-lo. Infunde-o nas almas, fá-lo passar nos corações como setas. S (25-3-49)

Vi pelo centro do Coração de Jesus saírem umas chamas de fogo que o irradiavam todo. Perguntei-Lhe:
— Que fogo é esse, Jesus?
— É o fogo do meu divino amor. É o fogo, minha filha, é o amor que Eu, por ti, dou ao mundo, dou às almas.
Espalha-o, espalha-o!
S (21-7-50)

Via o seu lado aberto e aberto o seu divino Coração. Dele saía uma chuva de ouro e, em vez de cair para baixo, vinha de encontro ao meu coração. Quanto mais chuva do de Jesus saía, mais o meu se enchia, mais luz possuía, maior fogo me queimava.
— Estou a arder, meu Jesus: bendito sejais por tanto me dardes!
Fazei que eu saiba distribuir como Vos apraz!
S (16-6-50)

— Eu sou a ressurreição e a vida (acabara de reviver a Paixão). E tu, à semelhança de Jesus, teu Esposo, és ressurreição e vida de muitas almas, de milhares, milhões e milhões e milhões de almas.
Quando Jesus falava de milhões, parecia que a sua divina voz se espalhava ao longe e que era um nunca acabar, nunca acabar.
E, tomando nas suas mãos sacrossantas o seu divino Coração como se fosse uma custódia cheia de raios dourados, começou a abençoar-me de cima a baixo.
Os raios que dele pendiam atravessaram e penetraram todo o meu ser. Parecia ver-me a mim mesma toda luz, dum lado ao outro. Fiquei como que a arder em fogo.
— Enche-te, minha filha, do que é divino, enche-te do meu amor!
A minha graça e tudo o que é meu há-de transparecer de ti e ver-se em ti como em espelho cristalino.
S (23-2-51)

Jesus exprime numa incisiva síntese a missão da Alexandrina:

Enche-te para encheres,
abrasa-te para abrasares!

S (10-9-48)


N.B. Terminamos aqui a transcrição do capítulo uma vez que a secção seguinte, a última, já se desvia do tema do alimento da Alexandrina.

 

 

3 - A Beata Alexandrina e a Consagração

do mundo ao Imaculado Coração de Maria 

 

 

A CONSAGRAÇÃO DE 1942


Só por Ela (o mundo) poderá ser salvo.

 

UMA CONSAGRAÇÃO
PARA A IGREJA E PARA O MUNDO
 

A Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria que o Papa Pio XII proclamou em 31 de Outubro de 1942 tem uma dimensão eclesial, mas também uma dimensão ainda mais universal. A primeira será repetidamente afirmada por Jesus nas citações que transcreveremos dos escritos da Alexandrina e numa síntese que sobre o acontecimento escreveu Eugénia Signorile. Ela está também nestas palavras que vêm na Wikipédia inglesa sobre o tema:
The noted Mariologist
Gabriel Roschini called the 1942 consecration of the human race to the Immaculate Heart of Mary the greatest honour, which anyone can imagine. It is the highest manifestation of the Marian cult.
Em português: “O conhecido mariologista Gabriel Roschini chamou à consagração da humanidade ao Imaculado Coração de Maria, em 1942, a maior honra que alguém pode imaginar. Ela é a mais alta manifestação do culto mariano”.
Não fora em vão que Jesus prometera à Alexandrina que iria fazer nela "grandes coisas".
Mas não queremos deixar de fora a dimensão universal.
Há uma frase de Winston Churchill que é muito significativa para a avaliação do impacto que consideramos que a Consagração teve na evolução da II Guerra Mundial – impacto que estava expressamente anunciado nas palavras de Jesus que se citarão:
Before Alamein we never had a victory. After Alamein we never had a defeat.
Em português: “Antes de Alamein nunca tivemos uma vitória. Depois de Alamein nunca tivemos uma derrota”.
O interesse desta frase está em que a batalha de Alamein coincidiu aproximadamente com a Consagração e, por isso, faz algum sentido – talvez muito – adaptá-la e ler Consagração onde o seu autor escreveu Alamein. De facto, o curso da guerra alterou-se após o gesto papal.

Se qualquer dúvida também aqui anda o dedo de Deus.

Primeiro pedido da Consagração – 1935

30 de Julho
"Manda dizer ao teu Pai espiritual que, em prova do amor que dedicas à minha Mãe Santíssima, quero que seja feito todos os anos um acto de consagração do mundo inteiro num dos dias das suas festas escolhido por ti – ou Assunção, ou Purificação, ou Anunciação – pedindo a esta Virgem sem mancha de pecado que envergonhe e confunda os impuros, para que eles arrecuem caminho e não Me ofendam.
Assim como pedi a Santa Margarida Maria para ser o mundo consagrado ao meu Divino Coração, assim o peço a ti para que seja consagrado a Ela com uma festa solene".

Palavras de Jesus à Alexandrina

 A Alexandrina em 1935

 

Eu quero que o mundo seja consagrado à minha Mãe Santíssima – 1936

"Eu quero que o mundo seja consagrado à minha mãe Maria Santíssima; é o remédio para tantos males que o ameaçam. ...
Eu não quero ser ofendido e sou-o tão horrivelmente na Espanha e em todo o mundo!"
Palavras de Jesus à Alexandrina

O mundo estava doente. As ditaduras russa, alemã e italiana inchavam de orgulho.

Em Espanha estalava a guerra civil.
A Segunda Guerra Mundial vinha a caminho.

Guernika de Picasso

Em 1898, tinha partido de Portugal o pedido para a Consagração do mundo ao Sagrado Coração de Jesus; durante a guerra anterior, em Fátima, o Céu mostrara novo rumo ao mundo;
agora antecipava-se, indicando o caminho a seguir.

Passaram-se longos meses entre o primeiro pedido e o segundo. Foi um período de sofrimento para a Alexandrina e de reflexão para o P.e Pinho.

Os pedidos tomam agora forma mais precisa e mesmo profética.

– Setembro, 10:
“Eu vou dizer-te como será feita a consagração do mundo à Mãe dos homens e minha Mãe Santíssima, que Eu amo tanto!
Será em Roma pelo Santo Padre consagrando a Ela o mundo inteiro e depois pelos padres em todas as igrejas do mundo sob o título de rainha do Céu e da Terra e Senhora da Vitória...
Não haja receios, que os meus desejos serão cumpridos”.
Palavras de Jesus à Alexandrina

– Setembro, 11:
Carta do Pe. Pinho ao Cardeal Pacelli
Festa da SS. Trindade: A Alexandrina vive pela primeira vez a morte mística.
O P.e Oliveira Dias, S.J., vem dar apoio à Alexandrina.

Rojos espanhóis fuzilam a imagem de Cristo-Rei

 

A Santa Sé pede informações - 1937

A Santa Sé requer informações sobre a Alexandrina.
Diligências do Arcebispo de Braga (que era natural de Arcos, paróquia vizinha de Balasar).
Notável profecia relativa à Alexandrina.

– Março, 2:
D. António Bento Martins Júnior, arcebispo de Braga, pede a colaboração do P.e M. Pinho para responder a Roma sobre a Alexandrina:
"Todos os que a conhecem afirmam unanimemente que é uma santa.
Todas estas coisas, bem ponderadas, parecem sem dúvida maravilhosas e induzem a pensar que há nelas o dedo de Deus. ...
Acrescento ainda o testemunho do Rev. P.e José Oliveira Dias, S.J., distinto por ciência e prudência, o qual conhece bem a jovem".

D. António Bento Martins Júnior

Agrava-se a saúde da Alexandrina - 1937

– Abril de 1937: agrava-se a saúde da Alexandrina, que entra no "desposório espiritual".

– Maio, 21:
Em nome da Santa Sé, o P.e António Durão, S.J., examina Alexandrina, sobre o seu pedido para a Consagração.

Desde Julho a 7 de Outubro:
"Vingança e perseguições" visíveis do demónio.
–  A Sra. D. Fernanda dos Santos, de Lisboa, alivia da hipoteca a casa da Alexandrina.

Casa da Alexandrina

 

Alexandrina em tempo do P.e Marino Pinho (de quem se vê a mão ao fundo, à esquerda)

– Outubro, 21:
 

"Minha filha, escolhi-te para coisas muito sublimes; servi-me de ti para comunicar ao Papa o meu desejo de que o mundo seja consagrado a Minha Mãe Santíssima".

Palavras de Jesus à Alexandrina

"Eu quero que, logo depois da tua morte, a tua vida seja conhecida"

 - 1937
 

"Eu venho buscar-te em breve, mas não quero vir sem que antes seja feita a consagração do mundo à Minha Mãe Santíssima.
Ela é por teu intermédio glorificada e maior também será a tua glorificação. A tua coroa será mais gloriosa, mais brilhante, mais resplandecente. Serás coroada por Ela".

Palavras de Jesus à Alexandrina

Novembro, 22:

"Eu quero que, logo depois da tua morte, a tua vida seja conhecida, e há-de o ser, farei que o seja. Chegará aos confins do mundo, assim como terá chegado a voz do Papa a consagrar o mundo à minha querida Mãe. Quero que tudo se saiba para verem como Eu Me comunico às almas que Me querem amar".

Palavras de Jesus à Alexandrina

O P.e Mariano Pinho mobiliza os Bispos portugueses
para a causa da Consagração - 1938

Estes anos têm sido duríssimos para a Alexandrina.
A sua vida mística entra em nova fase, pois a partir de Outubro começa a sofrer a Paixão.
O mesmo P.e Pinho pede aos médicos veredicto sobre a sua paralisia.

– 1938, Fevereiro, 9:

o P.e Pinho escreve de novo ao Cardeal Pacelli.


– Abril, 5:

Jesus confirma o desposório espiritual com a alma da Alexandrina. Já em 4 Fevereiro lhe prometera que ela seria elevada "à altura de esposa fiel, de esposa querida, de esposa toda e só de Jesus".

 

Capa dos Elementos de Arte Concionatória do P.e Oliveira Dias, S.J

— Abril, 25:
"Diz-lhe que escreva ao Santo Padre, que Eu que quero a consagração do mundo a minha Imaculada Mãe. Mas quero que o mundo saiba a razão por que lhe é consagrado: Eu quero que se faça penitência e oração.
Tu é que estás a aplacar a Justiça Divina. (…) E tens que sofrer muitas vezes isto (ainda não era a Paixão) até que Ele (o Papa) o consagre.

Somente por Ela (o mundo) poderá ser salvo, e se o mundo fizer penitência e se converter.
Ela é a minha Rainha, Rainha do Céu e da Terra".

Palavras de Jesus à Alexandrina


Os Bispos Portugueses dirigem-se ao Santo Padre - 1938

– Junho, 6:
"Os meus divinos desejos serão realizados".
Palavras de Jesus à Alexandrina

Os Bispos Portugueses, por proposta do Pe. Mariano Pinho, que em Fátima lhes pregava um retiro, dirigem-se ao Santo Padre:

Beatíssimo Padre

O Cardeal Patriarca de Lisboa e todos os Arcebispos e Bispos de Portugal, reunidos no Santuário da Fátima aos pés da Beatíssima Virgem Maria, para renovarem a Consagração já há tempos feita ao seu Imaculado Coração, em acção de graças por haver salvado Portugal, sobretudo nestes últimos anos, do tremendo perigo do comunismo, exultando de alegria por tão assinalada protecção tão milagrosamente dispensada pela Divina Mãe, humildemente prostrados aos pés de Vossa Santidade pedem insistentemente, logo que o julgue oportuno, que o mundo inteiro seja consagrado ao Coração Puríssimo de Maria, a fim de que seja liberto dos muitos perigos que de toda a parte o ameaçam, pela Mediação da Mãe de Deus.

Pio XI

A Alexandrina sofre pela primeira vez a Paixão - 1938

– Outubro, 3:

A Alexandrina sofre pela primeira vez a Paixão, que se repetirá todas as sextas-feiras até 20 de Março de 1942. A Paixão devia ser vista como o sinal da vontade divina de que a Consagração se efectuasse. Era dia litúrgico de S. Teresinha, que a Alexandrina tinha por "irmã espiritual" e que nesta primeira “Paixão” lhe aparece duas vezes.

Abril, 25:

Eu que quero a consagração do mundo à minha Imaculada Mãe. Mas quero que todo o mundo saiba a razão por que Lhe é consagrado. Eu quero que se faça penitência e oração. (…)

Só por Ela (o mundo) poderá ser salvo. E se ele fizer penitência e se converter! Ela é a minha Rainha, a Rainha do Céu e da terra.

- Outubro, 24:

Depois de levar a Balasar dois colegas jesuítas para presenciarem a Paixão e ouvido o seu parecer, o Padre Pinho escreve directamente ao Papa Pio XI a pedir a Consagração; Jesus oferecia-lhe o Céu, sem passagem pelo Purgatório, se a realizasse.

Alexandrina revive a Paixão

Viagem ao Porto, para ser examinada pelos médicos - 1938

– Dezembro, 6:

Viagem ao Porto, para ser examinada pelos médicos.
"Eu fui o primeiro a ficar perplexo, não sobre os êxtases, mas em relação aos movimentos (ocorridos quando revivia a Paixão). Por este motivo interessava-me saber com certeza qual o género da sua paralisia. Falei ao Dr. Abílio de Carvalho, que já havia tratado a doente; interessou-se e levou-a ao Porto ao radiologista Dr. Roberto de Carvalho, em Dezembro de 1938".
P.e Mariano Pinho

– Dezembro, 26:

Exame pelo professor Elísio de Moura ("psiquiatra famoso em toda a Península Ibérica").

 

 

Busto do Dr. Elísio de Moura

A Segunda Guerra Mundial vai estalar - 1939

A Consagração ainda se não fez e a Segunda Guerra Mundial vai estalar.
Continuam as diligências para a Consagração.
Morre Pio XI.
O piedoso e sábio Cónego Vilar (que era natural de Terroso, Póvoa de Varzim) é chamado a estudar a Alexandrina. Vai a seguir para Roma e passam a estar a seu cargo as diligências para a Consagração.

– Janeiro, 4; Abril, 5:

Jesus pede à Alexandrina com insistência a Consagração para obter a paz do mundo.

– Janeiro, 5:

Segundo exame da Santa Sé feito pelo Cónego Manuel P. Vilar

– Janeiro, 20; Junho, 13; Junho, 16:
Jesus prediz-lhe a guerra como castigo de graves pecados:
“Em que montão de ruínas vai ficar o mundo!”

– Fevereiro, 10:

Morre Pio XI.

Cónego Manuel Pereira Vilar

Eugénio Pacelli é eleito Papa - 1939

– Fevereiro, 24:

D. António Bento Martins Júnior dá informações para Roma sobre os êxtases da Paixão. Conclui assim o seu documento:

Sobre a Consagração do mundo à Santíssima Virgem Maria, o Senhor tem-lhe falado frequentemente. Quer com insistência que o peça ao Sumo Pontífice. ...
Parece-me que é isto que, depois de atento exame, se pode sumariamente dizer.
Estas notícias, se as considerarmos com todas as circunstâncias, não podem não suscitar, segundo o meu juízo, ao menos a suspeita de uma intervenção divina.

– Março, 2:

Eugénio Pacelli é eleito Papa, tomando o nome de Pio XII.

– Março, 20:

Jesus prediz à Alexandrina a respeito do novo Pontífice Pio XII:
"É este Papa que consagrará o mundo ao Coração de Minha Mãe".

Pio XII

Tu és o encanto dos meus olhos” - 1939 

A Alexandrina em 1939

– Junho, 2:

Carta do Mons. Vilar à Alexandrina:


É hoje a primeira sexta-feira de Junho e está a fazer um mês que recebi a sua estimada cartinha. Esperava, ao escrever esta, poder dar-lhe alguma notícia acerca da nossa Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, tão insistentemente pedida por Jesus, mas infelizmente ainda nada de positivo lhe posso dizer. As coisas em Roma contam-se em comparação com a eternidade, e por isso nunca têm pressa. Continuaremos porém a rezar e a trabalhar para que por fim os santíssimos desejos de Jesus sejam realizados.

– No mesmo dia:
"Tu és o encanto dos meus olhos, a alegria, a consolação do meu Coração divino.
Tu amas-me, mas amas-Me com dor: é o amor doloroso.
O teu coração arde e arderá eternamente nas chamas do meu divino amor.
Depressa virá o dia que amarás com delícias e com toda a consolação".

Nagasakibom c.jpgPalavras de Jesus à Alexandrina

"O mundo está em cima dum vulcão de fogo" - 1939

– Junho, 13:

"O mundo está em cima dum vulcão de fogo, o qual só falta de um momento para o outro abrir-se e incendiá-lo!"
Palavras de Jesus à Alexandrina

– Junho, 16:

Festa do Sagrado Coração: Jesus pede pela última vez ao Papa a Consagração do mundo ao Coração de Maria:
"Que (o Mons. Vilar) diga ao Santo Padre que hoje, dia do meu divino Coração, é a última vez que peço a consagração (do mundo) à Minha Mãe Santíssima. Já a pedi tantas vezes! Que não Me recuse por mais tempo o meu pedido.
Depressa, depressa! É a minha Mãe Santíssima com as minhas vítimas que salvam o mundo".
Palavras de Jesus à Alexandrina

Cogumelo atómico

O Coração da Minha bendita Mãe está tão ferido com as blasfémias! - 1939

– Dezembro, 2:

“O Coração da Minha bendita Mãe está tão ferido com as blasfémias que contra Ela se proferem! Tudo o que fere o Seu SS. Coração vem ferir o Meu. Estão unidos os nossos Corações!
É por isso que a consagração do mundo Lhe há-de dar muita honra e glória. Ao ele Lhe ser consagrado, hão de ser abatidas e humilhadas aquelas línguas malditas, blasfemas e impuras que se moverem para a blasfemar.
Coragem, Minha filha, que dentro em pouco tempo tudo será realizado e depois verás no céu a glória que Lhe foi dada”.

Palavras de Jesus à Alexandrina

 

Imaculado Coração de Maria

O Santo Padre será poupado fisicamente aos horrores da guerra - 1940

– Setembro, 10:

Apenas desceu em mim (Jesus-Eucaristia) senti na minha alma o retrato vivo da querida Mãezinha que do alto do Céu contemplava a pobre humanidade, com o seu Coração santíssimo numa dor quase mortal. Com a cabeça inclinada para a terra não afastava o seu olhar cheio de ternura e compaixão.
Alexandrina, carta ao P.e Pinho


– Dezembro, 6:

Jesus assegura à Alexandrina que o Santo Padre seria poupado fisicamente aos horrores da guerra, mas que sofreria muito moralmente.

Alexandrina durante a Paixão.

Portugal não sofrerá a guerra: “Portugal será salvo!" - 1940

Portugal não sofrerá a guerra: «Portugal será salvo!»
Apesar dos sombrios projectos de Hitler, Pio XII não será fisicamente atingido pela guerra.

A Virgem Imaculada debruça-se sobre a terra com um "olhar cheio de ternura e de compaixão".

Lúcia ou Alexandrina?

Lúcia só em 1940 expôs o texto do pedido de Nossa Senhora, cujo desejo era que o Papa fizesse a consagração da Rússia, e ela lhe acrescentou o próprio desejo da consagração do mundo.

P.e H. Pasquale

– Maio, 2:

"Diz ao teu Director para avisar o Papa que se quer salvar o mundo apresse a hora da sua consagração à Minha Mãe. Ponha-A na frente da batalha e proclame-A Rainha da Vitória e Mensageira da Paz".
Palavra de Jesus à Alexandrina

 

 Alexandrina

Entra em cena o Dr. Dias de Azevedo - 1941

Dr. Dias de Azevedo e a Alexandrina

Continuam os pedidos para a Consagração e continua o calvário da Alexandrina.
Entra em cena o Dr. Dias de Azevedo.
Falece santamente, de cancro, no Porto, o Mons. Vilar.
O P.e Terças publica um relato da Paixão vivida pela Alexandrina.

– Janeiro, 7:

“O teu Calvário dentro em pouco terminará, mas deverão primeiro realizar-se as predições de Jesus.
Coragem! Tens como auxílio o teu Director, o teu Jesus, a tua Mãe Bendita!”
Palavras de Jesus à Alexandrina

– Janeiro, 24:
“Prometo-te neste sábado consagrado a Ela (Nossa Senhora) não demorar na terra muito por tempo a tua existência. E prometo alcançar-te no Céu, com os teus pedidos e amor, o que agora te alcanço na terra pela tua dor. Mas para isso, Minha filha, pede ao Santo Padre que se compadeça do teu martírio, que satisfaça os desejos divinos, que é consagrar o mundo a Minha Mãe Bendita”.
Palavras de Jesus à Alexandrina
 

Falece no Porto o Mons. Vilar

– Fevereiro, 14:

O Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo torna-se médico assistente da Alexandrina, o "médico providencial".

 – Março, 7:

Falece no Porto o Mons. Vilar.

– Abril, 5

"Diz ao Papa que Jesus insiste, pede e ordena que consagre o mundo à Sua Mãe. Que o consagre depressa se quer que a guerra acabe, depressa se quer que o mundo tenha paz".
Palavras de Jesus à Alexandrina

– Maio, 3:

"Diz ao teu Padre espiritual que lhe pede Jesus e Maria que escreva ao Papa para que Ele consagre o mundo ao Imaculado Coração da Virgem Mãe. (…) Só ela o poderá salvar".
Palavras de Jesus à Alexandrina


– Junho, 20:

"Une a tua dor à Minha dor, e o teu amor ao Meu amor; só assim te será suavizado o caminho do Calvário. Só assim os pecadores serão salvos; só assim vem a paz e vai vir depressa dentro em pouco. Depois, todo o mundo rejubilará ao ser consagrado ao Coração de tua e Minha bendita Mãe".
Palavras de Jesus à Alexandrina

Alexandrina na publicação do P.e Alves Terças.

Roma requer a Braga parecer sobre o pedido da Consagração - 1941

– Julho, 15:

Consulta médica no Porto, com o Dr. Gomes de Araújo, «um dos maiores neurólogos de Portugal».
Importantes fotografias tiradas na Trofa.

– Julho, 31:

O Padre Pinho escreve a Pio XII, suplicando a Consagração e mostrando que algumas predições da Alexandrina sobre a guerra se haviam revelado verdadeiras profecias.

– Agosto, 29:

O Pe. Terças assiste ao êxtase da Paixão, de que publica depois um relato pormenorizado, lançado o nome da Alexandrina nas bocas do mundo.

– Outubro, 9:

Roma requer a Braga parecer sobre o pedido da Consagração.

Alexandrina fotografada na Trofa, quando ia a caminho do Porto, para uma consulta médica.

“Que glória para Portugal e para o mundo inteiro!” - 1942 

– Março, 27:

Alexandrina piora e administram-lhe os Sacramentos: entra na segunda morte mística e muito dolorosa, porque assiste a uma espécie de destruição e incineração do próprio corpo, até 24 de Outubro de 1944.

– Maio, 3

Jesus fala dela como "glória para Portugal e para o mundo inteiro":
“Que glória para Portugal e para o mundo inteiro!”

– Maio, 22:

A Alexandrina dita as suas últimas disposições, persuadida de que vai morrer: começa o jejum absoluto e anúria, vivendo somente da Eucaristia até a morte (em Outubro de 1955).
Em lugar da Paixão física, terá de agora em diante os êxtases das sextas-feiras, com uma crucifixão "das mais dolorosas que a história pode registar".
Vai atravessar agora a "noite do espírito", durante a qual acontece o “matrimónio místico” (1944).

Capa de um livro.

Alexandrina prediz a próxima Consagração ao Coração de Maria - 1942

– No mesmo dia Alexandrina prediz a próxima Consagração ao Coração de Maria. Em êxtase, Alexandrina irrompe num hino:

Capa da tradução francesa de Uma Vítima da Eucaristia.

Glória, glória, glória a Jesus!
Honra, honra e glória a Maria!
O coração do Papa, o coração de oiro, está resolvido a consagrar o mundo ao Coração de Maria!
Que grande dita e que alegria para o mundo, pertencer mais que nunca à Mãe de Jesus!
Todo o mundo pertence ao Coração Divino de Jesus;
todo vai pertencer ao Coração Imaculado de Maria!


– Maio, 29:
neste dia é o próprio Jesus Quem proclama a vitória de Sua Mãe:

"Ave Maria, Mãe de Jesus!
Honra, glória e triunfo para o seu Imaculado Coração!
Ave, Maria, Mãe de Jesus, Mãe de todo o universo!
Quem não quererá pertencer à Mãe de Jesus, à Senhora da Vitória?
O mundo vai ser consagrado todo ao seu Materno Coração!
Guarda, Virgem pura, guarda, Virgem Mãe, em teu Coração Santíssimo, todos os filhos teus!"

Pio XII proclama, de Roma, a Consagração - 1942

– Setembro, 5:

Alexandrina sente que será transformada pelo amor.

– Outubro, 30:

"O Céu, o Céu cheio de glória! O Céu cheio de triunfo!
Uma coroa encantadora, mais esplêndida que o sol e que as estrelas, está preparada para a louca de Jesus.
Jesus é tudo para a sua crucificada.
Jesus dá-lhe tudo para receber dela tudo!"
Palavras de Jesus à Alexandrina

– Outubro, 31:

Pio XII, aos microfones da rádio, dirigindo-se em português aos peregrinos de Fátima e ao mundo inteiro, proclama, de Roma, a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria. Na fórmula utilizada ecoa a mensagem ida de Balasar:

Pio XII proclamação a Consagração

Fórmula da Consagração

Rainha do Santíssimo Rosário, auxílio dos cristãos, refúgio do género humano, vence­dora de todas as grandes batalhas de Deus! Ao vosso trono súplices nos prostramos, se­guros de conseguir misericórdia e de encon­trar graça e auxílio oportuno nas presentes calamidades, não pelos nossos méritos, de que não presumimos, mas unicamente pela imensa bondade do vosso Coração materno.

A Vós, ao vosso Coração Imaculado, Nós como Pai comum da grande família cristã, como vigário d’Aquele a quem foi dado todo o poder no céu e na terra (Mat. 28, 18), e de quem recebemos a solicitude de quantas almas remidas com o Seu sangue povoam o mundo universo, a Vós, ao Vosso Coração Imaculado, nesta hora trágica da história humana, confiamos, entregamos, consagramos não só a santa Igreja, corpo místico do vosso Jesus, que pena e sofre em tantas partes e por tantos modos atribulada, mas também todo o mundo dilacerado por exiciais discórdias, abrasado em incêndios de ódio, vítima de suas próprias iniquidades.

Estão realizados os desejos de Jesus

Novembro, 7:

“Alegra-te, minha filha, alegra-te, filha querida, com Jesus e a tua Mãezinha querida! Alegra-te porque estão realizados os desejos de Jesus!

Alegra-te, porque grandes bênçãos vêm para a terra culpada!

Minha filha, minha filha, atractivo meu, encanto dos meus olhos: Jesus vê na sua louquinha a maior alegria do mundo! Jesus vê na sua benjamina todos os encantos do seu Divino Coração!”

Por ti foi consagrado o mundo à minha Bendita Mãe

Em 1 de Outubro de 1954, Alexandrina ditou para o seu diário:

(...) veio Jesus e, num impulso, o seu amor fortaleceu-me mais e falou-me assim:
- Vem, minha filha: Eu estou contigo. Está contigo o Céu com toda a fortaleza.
Neste momento, pela Chaga do seu Divino Coração saiu um clarão tão grande e uns raios tão luminosos que irradiavam tudo.
Pouco depois, de todas as suas Chagas divinas saíram raios que me vinham trespassar os pés e as mãos! Da sua sacrossanta cabeça para a minha passava-se também um «sol» que me trespassava todo o cérebro.
Falando do primeiro clarão e raios que saíam do seu Divino Coração, disse Jesus com toda a clareza:

“— Minha filha, à semelhança de Santa Margarida Maria, eu quero que incendeies no mundo este amor tão apagado nos corações dos homens. Incendeia-o, incendeia-o. Eu quero dar, Eu quero dar o meu Amor aos homens. Eu quero ser por eles amado. Eles não mo aceitam e não Me amam. Por ti quero que este amor seja incendiado em toda a humanidade, assim como por ti foi consagrado o mundo à minha Bendita Mãe. Faz, esposa querida, que se espalhe no mundo todo o amor dos nossos Corações.

— Como, Jesus? Como trabalhar dessa forma?! Se ele não é aceite por Vós, como hão-de os homens rece­bê-lo por mim?
— Com a tua dor, com a tua dor, minha filha! Só com ela as almas ficam agarradas às fibras da alma e depois se vão deixar os corações incendiar no meu amor.
Deixa que estes raios das minhas Chagas divinas vão penetrar nas tuas chagas escondidas, nas tuas chagas místicas”.

 

Conclusão

 

 

Que o dedo de Deus esteve na vida da Alexandrina é difícil de duvidá-lo. Foi esse o sentido da luta do Dr. Dias de Azevedo: ele sabia, por exemplo, que não havia explicação humana para o jejum. O P.e Mariano Pinho sabia que o dedo de Deus actuava nela e também o reconheceu rapidamente o P.e Humberto Pasquale. Nos anúncios respeitantes à Consagração, estão verdadeiras profecias. A Santa Cruz prenuncia a Alexandrina.

Outras pessoas cultas e dignas de crédito afirmaram a presença do sobrenatural na vida da Doente do Calvário, como o Mons. Vilar, o Mons. Mendes do Carmo, o Mons. Horácio de Araújo, o Prof. P.e Isidoro Magunha, etc. O próprio Cónego Molha do Faria pôs a hipótese de se verificar nela uma “explosão sobrenatural”.

Ela, nossa vítima, sofreu para que crêssemos. Se não deixarmos que a luz da sua vida passe por nós inutilmente, também um dia Jesus nos poderá dizer como a ela:

“Vem repousar sobre o meu divino Coração. É repouso divino, é repouso confortante, é repouso de vida”.


[1] A Confraria da Santa Cruz nunca desapareceu; a devoção à Santa Cruz, essa pelos vistos amorteceu muito, acaso também pelo facto de a Confraria ter cedido a sua segunda capela à Paróquia, aquando da construção da actual Igreja Paroquial.
[2] Figlia del Dolore Madre di Amore, prólogo.
[3] A ponte era antiga, certamente de muito antes de D. Benta nascer. D. Benta apenas a terá reconstruído.
[4] A ponte d’Este, em Touguinhó, segunda um inscrição em pedra do lado sul, foi construída pelo Estado em 1834. É quase impossível que isso seja verdade uma vez que o país estava em guerra civil e nenhum dos contendores dispunha de verbas para gastar em obras do género. Certamente também o P.e Custódio José aplicou nela algum do seu dinheiro.
[5] Além do quadro original, existe uma cópia.
[6] À entrada da Igreja Paroquial de Balasar, à direita, protegida por vidro, vê-se um grande crucifixo e aos pés uma Senhora das Dores. Terão pertencido à capela da Confraria do Senhor da Cruz?
[7] Atitude já apontada por Jean Guitton; é um preconceito positivista afirmar (sem prova científica, logo dogmática) que não pode haver milagres porque contrariam as leis da natureza e só podem ser aceites as afirmações científicas. Só que esta afirmação não é científica, logo contradiz-se a si própria. Z.C.
[8] Os especialistas nomeados pela Santa Sé para estudar a obra escrita deixada pela Alexandrina.
[9] Citado de Jorge M. M. B. da Silva, Vida e obra do Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, trabalho policopiado apresentado como monografia da cadeira de História da Medicina no Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar.
[10] Quem «acorreu pressuroso» foi um colega do P.e Mariano Pinho e seu adversário. Era então um intelectual conceituado e foi por instigação sua que o P.e Pinho acabou exilado. Chamava-se Agostinho Veloso.
[11] Estamos em crer que a reserva de Braga perante a Alexandrina tem muito a ver com a atitude tomada, mais ou menos oficialmente, perante o fenómeno notabilíssimo de Teresa Neumann, a «estigmatizada de Konnersreuth», na Baviera. O próprio Cónego Molho de Faria alude a esta mística no seu O Caso de Balasar.
[12] Corpo Viático de Nosso Senhor Jesus Cristo guarde a tua alma para a vida eterna.