"Como é feliz quem sofre com Jesus!"

 

Capítulo 8

A DISCÍPULA

1934-1935

Dissemos do Mestre, da escola e das lições. E que dizer da discípula e do seu aproveitamento?

A Alexandrina prima, antes de mais nada, na grande qualidade de todo o bom discípulo: a docilidade. Quantas vezes, nos nove anos que de perto a tratámos, pudemos apreciar quanto a Alexandrina era dócil. Indicação que se lhe fazia, lição que se lhe dava, era pronta, rigorosa e perseverantemente executada.

Esta docilidade brotava espontânea da sua nunca desmentida humildade. Ficou bem demonstrado este ponto, para todos os que a trataram de perto, a sua humildade que cresce na proporção das graças que Deus lhe comunica e das maravilhas que nela opera e é, por isso mesmo, uma das garantias dessas graças e dessas maravilhas.

Já vimos como a sua primeira preocupação, ao escrever por obediência as suas notas biográficas, foi deixar bem claro os seus "defeitos", as suas "maldades". A luz de Deus incidia fortemente na sua alma, iluminava-lhe bem o seu nada, o nada da criatura humana, por isso coisa nenhuma a desvanecia nem a fazia sair da sua pequenez. Era com toda a sinceridade que escrevia a 26.10.34:

Vou contar-lhe o melhor que me for possível o que se passa na alma da mais indigna de todas as criaturas.

Ou então, quando, ao pedir ao director orações, acrescenta:

Eu também nunca o esquecerei, mas as minhas orações são muito pobrezinhas, porque é muito grande a minha miséria. (28.2.35)

E a 9.5.35:

Parece-me que não há ninguém no mundo como a mim (sic); que não há ninguém tão pecadora como eu, nem que tão mal sirva a Nosso Senhor. Parece-me que não tenho fervor nenhum...

Ó meu Jesus, eu não sei como agradecer-vos tantos benefícios, eu que não sou digna de levantar os olhos para o Céu, nem de vos chamar pelo dulcíssimo nome de Pai, e sou por Vós tão beneficiada!

Muito obrigada, meu Jesus, muito obrigada, meu Jesus! Eu vos agradeço de todo o coração. (4.7.35)

E esta humildade não só não se desmente, mas vai crescendo sempre na medida das graças extraordinárias, como já notámos; é um dos frutos das purificações místicas, como ensina São João da Cruz.

Em 1938, a 6 de Janeiro, por exemplo, vê-la-emos exclamar:

A minha alma está muito atribulada. Tremendas dúvidas me afligem. Eu tenho nojo de mim! Sinto-me abandonada de todos (era esta a impressão da sua alma), mas conheço bem que todos me deviam deixar e fugir espavoridos de mim.

E em 19.1.39, ao ver que já começava a ser conhecida, assim desabafava:

Ai, meu Padre, quanto esta pobrezinha sofre! Eu queria esconder-me por completo e não queria que o meu nome fosse falado nem enquanto viva, nem depois da morte! Claro está: não sou eu que quero; é a tribulação que me consome. Não mereço ser falada; sou digna de desprezo. Vivo uma tristeza e noite continua.

E, a 25.3.39, escreve ao director espiritual e diz:

Peço-lhe, por caridade, meu Paizinho, que se convença que não há no mundo uma miséria como a minha, um nada como o meu. Digo-lhe isto com as lágrimas a correrem-me pelas faces: acredite, é a realidade.

Mas não antecipemos, pois estamos entre 1934 e 1935. Ainda deste período algumas passagens que nos revelam não só a sua humildade, mas o seu amor incondicional ao sofrimento.

Já em 1933, a 31 de Dezembro, escrevia:

Bendito seja Nosso Senhor que me mandou a este mundo para sofrer e passar tantos desgostos e eu acrescentei tantos e tantos pecados! São esses que mais me afligem por tanto desgostarem a Nosso Senhor. Os sofrimentos, todos os dias os peço e sinto-me com grande consolação espiritual nas horas em que mais sofro, por me lembrar que tenho mais que oferecer ao meu Jesus…

A 8.3.34:

Não são os sofrimentos que me afligem, porque todos os dias os peço a Nosso Senhor e Lhe peço também que me não abandone, nem um momento, porque bem sei que sem Ele nada podia sofrer; o que me aflige mais é o muito, muito que O tenho ofendido!

Não esquecer que a Alexandrina nunca cometeu nenhum pecado mortal.

Um mês depois repete, a 7.4.34:

Mas no meio de todos os meus sofrimentos, eu sinto grande consolação espiritual, porque vejo que de todos os pedidos que faço a Nosso Senhor, conheço que neste ponto sou bem atendida; oxalá o meu querido Jesus se digne conceder-me todos os mais que lhe peço e que O não ofenda pedindo-lhe graças tão grandes, sendo a maior de todas as pecadoras.

A 20.12.34, prosseguem mais intensos estes sentimentos:

Os meus sofrimentos continuam a ser cada vez mais, mas eu não temo, porque o meu querido Jesus sofre comigo; antes pelo contrário, me sinto alegre e satisfeita, porque aumentando-me os sofrimentos, melhor posso acudir aos pobres pecadores e desagravar a Nosso Senhor.

E não há, por assim dizer, sofrimentos que a cansem. Com efeito, lemos a 23.5.35, depois de passar uma noite toda de dores:

Ó meu Jesus, quem me dera passar assim todas as noites, para melhor vos acompanhar em todos os lugares onde habitais sacramentado! Eu convosco tudo podia.

Mas saboreemos esta página sublime de 16.11.35:

Que grande dia foi hoje para mim, que dia de tanto sofrimento! Espero que foi também de muita consolação para o meu querido Jesus, que O devia desagravar muito tantos e tantos crimes que Ele recebe e ajudando-o com tantos sofrimentos a salvar-lhe as almas dos pecadores. Se eu pudesse fechar as portas do inferno com os meus sofrimentos! Assim o repito a Nosso Senhor: ó meu Jesus, a cada nova dor e nova aflição, novos actos de amor para os vossos Sacrários e novos ferrolhos e fechaduras para as portas do inferno, para que força nenhuma de pecado jamais as possa abrir.

Faz-me preocupação — prossegue ela — não saber agradecer a Nosso Senhor tanto amor ao sofrimento e tantos e tantos benefícios que me concede. Por caridade, peço que louve e bendiga a Jesus por mim. Deu-me Nosso Senhor a pérola mais preciosa, a riqueza maior que me podia dar neste mundo.

Como é feliz quem sofre com Jesus!

Se eu O não tinha ofendido tanto, era completa a minha felicidade. Mas apesar de O ter ofendido muito, ainda me parece que não há ninguém mais feliz do que eu.

Sofrer por amor; sim, por amor, porque conheço que amo a Nosso Senhor no meio dos sofrimentos. Muito sofro, mas muito mais quero sofrer. Mas não amo a Nosso Senhor com amor que me satisfaça; é por isso que me lamento que O não sei amar. Continuo no mesmo estado de alma e no mesmo abandono em que Nosso Senhor se dignou ter-me.

Com tal Mestre e tais lições, com tanta docilidade e humildade, e com essa graça extraordinária de amor aos sofrimentos, não admira que tenha saído da Escola da Eucaristia Discípula tão aproveitada, vivendo em grau heróico os ensinamentos de Jesus. Tão aproveitada que ficou mestra:

Ontem, dia 14 (de Março de 1935), das nove às dez da noite — escreve a Alexandrina — depois de fazer a comunhão espiritual, falava-me Nosso Senhor assim:

— Anda, minha filha, ouve-me. Se soubesse como Eu te amo!

Mas não é possível compreenderes o meu amor. Eu estou a experimentar-te! Eu sei até onde chegam as tuas forças. Mas faço isto, para que, depois de ti, fiquem as lições: para se saber como me comunico às almas que escolho para tão alto fim.

No dia 8.12.34, em que renovou para toda a vida o seu voto de virgindade, dizia-lhe Jesus:

De hoje por diante serás acumulada de muitos e grandes benefícios; serás uma escora firme para sustentar o braço da minha justiça, prestes a cair sobre esses infelizes pecadores.

Anda para os meus Sacrários. Seja a única morada do teu espírito. És a vítima das minhas prisões.

E Jesus multiplica os termos de bondade com que acaricia a sua discípula:

Meu lindo amor! Companheira dos meus Sacrários! Meu Céu na Terra!

A 29.12.34, escrevia ela:

Disse-me Nosso Senhor que me queria no Céu, mas que precisava de mim na Terra.

Por isso só morreu daí a 21 anos, a 13 de Outubro de 1955.

Em 24.12.38, após a Comunhão, há de Nosso Senhor afirmar que "a vida dela deve ser bem claramente mostrada ao mundo, para que, mesmo depois da sua morte, as almas sigam o seu caminho e a imitem, para que mesmo do Céu seja canal delas". E, já antes, a 16.3.38:

Diz ao teu Padre: Eu que quero que ele conheça bem o amor com que tu Me amas, para o dar a conhecer ao mundo, porque é de muita glória para Mim e proveito para as almas…