INTRODUÇÃO

Começarei por lembrar um dos mais importantes documentos do Concílio Vaticano II: a Constituição “Lumen gentium”, que fala do papel dos leigos no seio da Igreja Católica:

Os leigos, congregados no povo de Deus e constituídos no único corpo de Cristo sob uma só cabeça, quaisquer que sejam, são chamados a contribuir para o incremento e para a santificação perene da Igreja, como membros vivos, aplicando todas as forças recebidas de Deus e de Cristo Redentor. (…)

Pesa ainda sobre todos os leigos o encargo glorioso de trabalhar para que o plano divino da salvação atinja cada vez mais todos os homens, em quaisquer tempos e lugares. Abrange-se-lhes, pois, todos os caminhos para que, segundo as suas forças e as necessidades dos tempos, participem também eles, ardorosamente, na tarefa salvadora da Igreja. (Concílio Vaticano II: Constituição Lumen gentium, n° 33)

Por sua parte, os sagrados pastores reconheçam e tornem efectivas a dignidade e a responsabilidade dos leigos na igreja; aproveitem de bom grado o seu conselho prudente, confiem-lhes serviços para o bem da igreja, e deixem-lhes liberdade e campo de acção; animem-nos mesmo a empreender outras obras por iniciativa própria. Considerem atentamente, diante de Deus, com paternal afecto, as iniciativas, as propostas e os desejos manifestados pelos leigos. Enfim, os pastores hão de reconhecer respeitosamente a justa liberdade que a todos compete na sociedade temporal. (Concílio Vaticano II: Constituição Lumen gentium, n° 37)

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Há coisas que não se explicam!

Nunca pensei escrever sobre este tema das “Marias dos Sacrários-Calcários”, mesmo sabendo que a Beata Alexandrina Maria da Costa fez parte desta Pia Obra fundada pelo bispo espanhol Dom Manuel Gonzalez Garcia, agora também beatificado. Mas nas coisas de Deus mais vale nem procurar compreender, porque os seus desígnios são inson­dáveis.

O “acaso” — e nas coisas de Deus também não existem acasos! — fez que de maneira imprevista começasse a publicar na Internet pequenos textos — respigados aqui e ali — sobre este vasto assunto, publicações que me obrigaram a ir sempre e cada vez mais longe: sem o procurar deliberadamente, tinha metido o dedo na “engrenagem”!...

De descoberta em descoberta comecei a “apaixo­nar-me” pelo santo Bispo e a procurar saber algo mais sobre ele, porque quase nada sabia.

Confidenciei a uma amiga este desejo de o conhe­cer melhor e, passados alguns dias recebia a única biografia dele em português, “Uma vida para a Eucaristia”. Li atentamente e tomei algumas notas. Diversas vezes nessas páginas, algumas notas de rodapé enviavam aos escritos do mesmo bem-aventurado, o que despertou ainda mais a minha curiosidade… mas nenhuma dessas obras estava traduzida em português, o que não resfriou o meu desejo de continuar e de saber mais sobre ele e so­bre os seus escritos.

Pesquisei aqui e ali, pedi informações a uns e a outros, até que alguém que compreendera o meu entusiasmo, me indicou uma página na Internet onde eventualmente poderia encontrar esses escritos em “linguagem” informatizada… e encontrei mesmo!

Uma dessas obras tem um título bastante original, quase provocador: “Mesmo se todos… eu não”. Comecei a lê-lo e a traduzi-lo para a língua de Camões… o livro é espectacular.

O aviso que o abre é também deveras particular. Dom Manuel escreve:

«Leitor, se és homem sem fé e, a seme­lhante desgraça — a maior de todas — acrescentas a não menos grande de não teres coração, fecha este livro, e deixa-o porque não foi escrito para ti. Perderias tempo.»

Algumas linhas depois, para justificar o título do livro, ele escreve:

«Este “MESMO SE TODOS… EU NÃO”, é a palavra da lealdade a toda a prova, até chegar, se for preciso, à obstinação he­róica de preferir morrer do que negá-la.»

Mas é melhor explicar desde já como esta obra começou, e uma vez mais veremos que os desígnios de Deus são na verdade mistérios insondáveis.

A 4 de Março de 1910, diante de um grupo de colaboradoras, que não esperam tal surpresa, Dom Manuel Gonzalez Garcia, Arcipreste de Huelva e depois Bispo de Málaga, anunciou o grande desejo do seu coração a ideia que desde há algum tempo ocupava o seu coração eucarístico. Eis a suas palavras:

“Permiti-me que, eu que muitas vezes faço apelo à solicitude da vossa caridade a favor das crianças pobres e de todos os pobres abandonados, chamo hoje a vossa atenção e a vossa colaboração para o mais abandonado de todos os pobres: o Santíssimo Sacramento. Eu vos peço uma esmola de amor para Jesus Cristo Sacra­mentado... eu vo-la peço pelo amor de Maria Imaculada e por amor desse Cora­ção tão mal correspondido, que vos façais Marias desses Sacrários abandonados.”

Assim nasceu a “Obra dos Sacrários-Calvários”. Obra para dar uma resposta de amor reparador ao amor de Cristo na Eucaristia, seguindo o exemplo de Maria Imaculada, do apóstolo são João e das Marias fiéis que permaneceram no Calvário, ao pé da Cruz. A “União Eucarística Reparadora”, que começou com as Marias dos Sacrários e os Discí­pulos de São João, espalhou-se rapidamente e abriu o caminho para a “Reparação Eucarística das Crianças” no mesmo ano.

E depois, como um rastilho que ateia um fogo-de-artifício, a Obra propagou-se rapidamente pelas dioceses espanholas, alargando-se a outros países europeus, como Portugal e França e mais longe ainda: a toda a América particularmente onde se fala espanhol, graças em parte à revista “O grãozinho de areia”.

Esta propagação rápida levou Dom Manuel a solicitar a aprovação do Papa, pelo que se deslocou à Cidade Eterna em 1912. Apresentado ao Pontífice Romano como “o apóstolo da Eucaristia”, foi recebido por este em audiência em 28 de Novembro desse mesmo ano.

S. Pio X, então Papa, conhecido como o “Papa da Eucaristia”, não podia senão interessar-se à obra deste humilde Bispo e abençoou-a, concedendo-lhe mesmo alguns privilégios específicos, que tratarei mais adiante.

Este amor louco à Eucaristia, Dom Manuel o provará uma vez mais quando, mais tarde, compôs o epitáfio para a sua sepultura, epitáfio que se pa­rece muito com o da Alexandrina Maria da Costa. Vejamos:

«Eu peço para ser enterrado perto de um Sacrário para que os meus ossos após a morte, como a minha língua e a minha caneta em vida, estejam dizendo àqueles que passam: Aí está Jesus! Aí está! Não o deixeis abandonado! Mãe Imaculada, São João, Santas Marias, levai a minha alma à presença eterna do Coração de Jesus no céu.»

E, para terminar — ao menos por enquanto — esta homenagem ao ilustre e santo Bispo, lembro o seguinte:

Em Junho de 1933, o Papa S. João Paulo II, a quando do encerramento do XLV Congresso Eucarístico Internacional, que decorreu em Sevilha, fez referência a este enamorado de Cristo Sacramentado:

«Aqui em Sevilha é obrigatório recordar quem foi sacerdote desta Arquidiocese, arcipreste de Huelva e mais tarde, sucessivamente, bispo de Málaga e de Palência: Dom Manuel Gonzalez Garcia, o Bispo dos Sacrários abandonados. Ele esforçou-se em recordar a todos a presença de Jesus nos Sacrários, presença à qual às vezes tão pouco correspondemos. Com a sua palavra e com o seu exemplo não cessava de repetir que no Sacrário de cada igreja colocássemos um faro luminoso, ao contacto do qual as nossas vidas pudessem iluminar-se e transformar-se.»

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Talvez possa parecer estranho que nesta introdução não tenha falado da Alexandrina Maria da Costa, mas isso parece-me normal, porque sempre se deve prestar louvor e homenagem ao convidado e, neste caso Dom Manuel Gonzalez Garcia é o convidado de honra destas humildes páginas.

Deus seja louvado!

Afonso Rocha

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