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MANUEL GONZALEZ GARCIA
Bispo - Fundador - Santo
(1877-1940)

Esta figura de sacerdote e de bispo merece que a tornemos mais conhecida e amada, e inseparável da Alexandrina Maria da Costa, porque um mesmo amor os unia a distância, porque uma mesma paixão os movia: Jesus Sacramentado.

Nascimento

Manuel Gonzalez Garcia nasceu em Sevilha, a 25 de Fevereiro de 1877, no seio de uma família católica e praticante, onde recebeu os primeiros ensi­namentos religiosos, sobretudo por parte de sua mãe.

Foram seus pais Martin Gonzalez Lara, carpinteiro e Antónia Garcia Pérez, ambos naturais de Antequera (Málaga), mas domiciliados em Guadalquivir desde o seu casamento. O casal teve cinco filhos, o primeiro dos quais morreu pouco depois do nascimento. Três eram rapazes: Francisco, Martin e Manuel e uma menina, Antónia, que será mais tarde a companheira indefectível de seu irmão Manuel.

Naquele lar francamente cristão, rezava-se antes e depois de comer e o Terço todos os dias, sem contar os cânticos religiosos que durante o trabalho, na carpintaria, se cantavam alegremente.

Foi neste ambiente que o menino Manuel foi crescendo e aprendendo as coisas da vida e a ser ho­mem.

O exemplo de sua mãe que frequentava a Missa todos os dias, foi para ele uma grande lição de amor eucarístico, o que explica talvez, de certo modo, a sua vocação futura: o amor aos Sacrários.

Primeira Comunhão e Crisma

Fez sua Primeira Comunhão em 11 de maio de 1886, e recebeu o Sacramento da Crisma em Dezembro do mesmo ano. Por essa época pôde ver realizada uma das suas grandes aspirações infantis: fazer parte dos “seises”, os famosos meninos que, por especial privilégio, dançam diante do Santíssimo Sacramento na Catedral de Sevilha.

Escolaridade

«Bem cedo teve Manuel que começar os estudos. Levou a cabo uma peregrinação por aquelas modestas escolas de bairro, regidas por professores simples, que constituíam, naquela época, a estrutura privada, não pública dos primeiros estu­dos.»[1]

Para aprender a ler, frequentou como é óbvio, uma escola infantil, passou depois para outra e outra ainda e em seguida para o Colégio de S. Luís, que não foi a sua última escola. Depois desta integrou o Colégio de S. Miguel onde se formavam os “seises”, como dito acima. Foi nesta, onde permaneceu até aos doze anos, que terminou os estudos primários.

«Atento nas aulas, Manuel não se distraía. Sabia concentrar-se e era rápido e seguro em assimilar. Foi bom estudante, encaixou na cabeça e no coração, e até na imaginação, uma dose qualificada de conhecimentos básicos.»[2]

Durante a sua escolaridade no Colégio da Catedral, Manuel alcançou ou consolidou duas experiências capitais na sua vida actual e futura: o amor a Nossa Senhora e uma grande devoção ao Santíssimo Sacramento. Elas serão constantes durante toda a sua vida. A vida dos “seises” girava à volta destes dois polos, como acontecia igualmente no seio da sua família. O amor, o carinho e a devoção permanente a estas duas “brancuras” fizeram certamente que Manuel dirigisse o seu coração e os seus passos para uma vocação onde estes seus dois amores desabrochassem e dessem bom fruto: começou a pensar decididamente no sacerdócio.

Vocação

Sobre esta vocação, deixo a palavra ao seu biógrafo:

«O caso deu-se assim: Manuel era já tenaz e firme nestes anos moços. E sabia ser reservado dentro do seu natural expansivo e simpático. No fim do ano lectivo de 1889, obteve excelentes resultados com as notas mais altas. Veio o verão. Certo dia, era já quase ao entardecer e Manuel não tinha ainda regressado a casa. Caiu a noite e ele sem voltar. A família começou a alarmar-se. Antónia não sossega. O pai preocupa-se. Procuram-no por toda a parte sem encontra-lo. De repente, ouviram-se passos de alguém que vinha a correr pela vizinha Praça das mercenárias. Era o Manuel! O suspiro de alívio foi geral. Os pais vacilam entre a alegria do encontro e o merecido raspanete. Como sempre, optam pela primeira. E Manuel estende-lhes um papel: “Venho do Seminário e esta é a certidão do exame de admissão. Fui aprovado.”

Sem nada ter dito a ninguém, em segredo absoluto, tinha levado a cabo, só com os seus meios, todo o processo de entrada no Seminário[3]

Claro que esta surpresa foi motivo de pedidos de explicação por parte dos pais e mesmo dos irmãos e da irmã. Para eles era uma verdadeira felicidade terem um filho ou um irmão sacerdote.

A mãe, senhora muito sensata, não deixou de dizer a seu filho:

“Meu filho, muito nos agradaria ver-te sa­cerdote, porém, se o Senhor não te chama, não o sejas; desejo mais que sejas um bom cristão, que um mau sacerdote”[4].

Mas Manuel queria ser padre, subir ao altar e dizer como o Amigo, cada vez mais presente na sua alma e no seu coração, no momento da consagração: “Este é o meu Corpo, este é o meu Sangue”.

No começo de ano lectivo seguinte, com doze anos de idade, entrou no “velho seminário sevilhano”, para seguir a vocação que escolhera e tornar-se mais tarde “outro Cristo” na terra.

Um incidente

Da “Revista Católica”, editada no Brasil, tiro este curto trecho que demonstra a personalidade de Manuel, durante os seus cursos no Seminário:

«De imaginação viva, grande capacidade intelectual e coração de generosos sentimentos, logrou, por sua constância e vontade firme, passar por todas as dificuldades da primeira etapa do seminário, desde assaltos de escrúpulos e doenças, até investidas contra o sacerdócio, vindas dos flancos mais inesperados…

Certa manhã, em plena sala de aula, um de seus professores pronunciou-se jocosamente contra o celibato eclesiástico. Ao ouvi-lo, Manuel pôs-se de pé e, cheio de brio, declarou: “É indigno que um professor se atreva a falar com tão pouco respeito desta delicada matéria. Não pode­mos consentir que se fale desta maneira aos que nos preparamos para o sacerdócio. Eu protesto com toda a minha alma!”.

Irritou-se o professor ao ser repreendido por um aluno e a classe se encerrou em clima de tensão. Na saída, seus condiscípulos o aplaudiram com entusiasmo pelo acto de coragem e ousadia. Depois, o mestre rectificou perante os alunos sua opinião e pediu-lhes perdão por sua falta…»

O serviço militar

Um facto que se assemelha com aquele do Padre Abílio Gomes, foi o momento de ser incorporado no exército. Não desejando interromper os seus estudos e atrasar assim a sua ordenação, confiou este problema ao Sagrado Coração de Jesus e de Maria Imaculada, pedindo-Lhes que o livrassem deste risco para sua vocação. No entanto, acabou sendo chamado às filas…

Mas ele não perdeu a sua calma nem mesmo pen­sou que Jesus e Maria o tivessem abandonado.

«Havia ainda a possibilidade explica a Revista Católicade se pagar um indulto de 1.500 pesetas para obter a dispensa. Apresentou-se ao reitor do seminário e pediu autorização para recolher entre os conhecidos a não pequena soma. Escreveu uma carta circular a estes todos, na qual discorria sobre o mérito de quem ajuda os seminaristas, suprindo às suas necessidades. Expunha em seguida a dificuldade na qual se encontrava e pedia auxílio para salvar sua vocação, livrando-a dos perigos de uma vida de quartel, e do significativo atraso nos estudos. A quantia arrecadada chegou em tal abundância que, além de ter sido suficiente para ele, lhe permitiu também auxiliar outro seminarista em situação análoga.»

Como muito bem diz o nosso povo : “Não custa viver o que é preciso é saber…” E Manuel soube o que fazer, e fê-lo tão bem que ainda lhe foi possível ajudar um colega.

O jovem estudante passou doze anos no Seminário sevilhano, sendo ordenado diácono em 11 de Junho de 1901. Aqui começou o seu ministério, visto que começou a ser enviado a inúmeras missões, em diversas aldeias. Ele nos conta:

«Soou no relógio da Divina Providência a hora de levantar os primeiros voos na minha vida ministerial. Ordenado de subdiácono e diácono, fui várias vezes convidado a participar a actos religiosos em algumas aldeias perto de minha terra. E, se hei-de dizer a verdade, caíram-me muito mal as primeiras saídas.»[5]

Grandes sonhos evangelizadores trazia no coração, mas logo começou a dar-se conta de uma terrível realidade, como ele mesmo o explicará mais tarde:

«Para ser franco, as primeiras missões me decepcionaram. Voltava ao seminário amiúde com uma desilusão tão grande quanto havia sido minha alegria ao tomar o trem, carro ou cavalo, que me levaria ao povoado para exercer minhas funções. Ansioso por encontrar aquele povo simples, aprazível e cristão, deparava-me com miniaturas de cidades grandes, com toda a corrupção moral destas… […] Na verdade, nem tudo era desapontamento e desencanto, pois encontrei também costumes cristianíssimos, conservados em toda a sua força, e preciosos exemplos de fé simples, de corações sadios, de costumes patriarcais, gente parecida à sonhada por mim… Contudo, tais pessoas não eram todo o povoado, e não havia gente assim em todos os povoados»[6].

Enfim, sacerdote

Mesmo se não tinha encontrado nos aldeães as características que ele pensava encontrar, não se deixou levar pelo desânimo; o seu desejo era levar as almas a Cristo, aquele Cristo do Sacrário, o seu mais íntimo amigo. Para isso aceitaria de coração alegre tudo o que o Céu permitisse ou desejasse para ele, para a sua formação de pastor das almas.

Foi com estas intenções que o dia 21 de Setembro de 1901 foi ordenado presbítero. Tinha então 24 anos de idade.

Para que adquira experiência passou os três primeiros anos da sua vida sacerdotal pregando mis­sões nas paróquias da diocese de Sevilha, mostrando-se um bom “pescador de homens”, até que lhe tocou de ir fazer uma missão em Palomares del Rio – cidade onde a frequentação da igreja e dos Sacramentos, não era prioridade para os seus ha­bitantes. Aqui vai acontecer a sua “conversão”, ou melhor, a sua vocação pelos Sacrários abandona­dos.

Conversa sobrerrealista

Vou transcrever este interessante diálogo que re­colhi do livro de Dom Manuel, “Mesmo se todos… eu não” e que mete em cena o jovem sacerdote e o sacristão de Palomares del Rio.

– Diga-me lá, amigo sacristão, as pessoas estão muito entusiasmadas com a missão? A igreja é muito grande? Caberá muita gente?... E depois destas, uma enxurrada de perguntas destinadas a inteirar-me bem das condições e pontos fracos do povo dos meus presumidos triunfos apostólicos.

– A igreja, começou a responder-me fria­mente e, lentamente, o meu acompanhante, a igreja, se eu lhe disser a verdade, não é igreja, ou melhor dizendo, sim é igreja; graças ao Sr. António o vaqueiro que se empenhou com todos os ricos de Sevilha e com o senhor Arcebispo e até com a Rainha de Madrid e tem procurado dinheiro para lhe dar um tecto novo em lugar do que caiu há uns nove ou dez anos; e o chão; e o altar-mor; e a torre; e ...

– Mas ouça, da igreja antiga o que restava? – interrompi eu surpreendido.

– Nada, como diz o outro. Aquilo era uma desolação. Por todos os lados entrava o vento e a água. Eu já não fechava a porta, nem de dia nem de noite, para quê? Se tudo eram portas e buracos.

– Mas em fim, hoje já é igreja.

– Agora o que acontece é que as pessoas se acostumaram a não ir e eu acho que pou­cas vão ir à missão, vão é ao casino ou às tabernas!

E deste modo foi o homem deitando no fogo dos meus entusiasmos mais água fria, que eu tinha acabado de cruzar no pequeno barco a vapor...

No entanto, há que dar a missão. Deus quer e Ele me ajudará...

Demos uma visita à povoação e, ao con­trário do que eu esperava, sem o indispensável grupo de crianças que receberiam o Padre missionário.

Apeámo-nos dos nossos jumentos e dei­xando-os ir à nossa frente, eu continuei o meu interrogatório com o meu acompanhante.

– Diga-me nesta povoação não há crianças?

– Sim, mas agora estão no campo ... E veja, mesmo se eles estivessem, não são dadas à igreja, porque o sacerdote pela sua idade, as suas enfermidades e pelo que aqui se passa e como não vem da outra povoação que tem a seu cargo, a não ser aos domingos, na verdade ele não quer ver uma criança nem pintada! Causam tanta perturbação!... E como os pais tam­bém não vêm!...

– Então, quem vem à missa nesta povoação?

– Olhe, como não vêm, ou seja, vêm aqueles que têm que se casar ou para baptizar uma criança, e o senhor António e eu quando não tenho que ir para o campo ...

– E comungam?

– Comungar, também comungam algumas vezes os que vêm casar-se ...

– Ninguém mais?

– Que eu me lembre, ninguém mais.

– Bem, mas pelo menos os doentes receberão os santos sacramentos, não é?

– Não, não, como iriam receber? Se dizem que essas são coisas de mau presságio e assustadoras. Na melhor das hipóteses o que eles recebem é o santo óleo quando já perderam a consciência.

– E o padre não tem amigos aqui? Porque pelo menos os amigos deveriam vir ao templo.

– Amigos? Aqui o padre não pode visitar ninguém! Boa está a política do povo para que o padre visite!...

– E o que tem que ver a política com que o padre tenha amigos?

– Muito simples; como aqui há tantos partidos, basta que o padre visite ou fale com um, para que os inimigos políticos deste o olhem já como pertencente àquele partido. Portanto, há política em tudo, até na missa e nos sermões. Na missa, porque eles olham até para a cor da casula. Se é branca, é porque o padre é do partido dos “blanquillos”.

E se é encarnada, é porque é dos republicanos. E nos sermões, porque os poucos que os ouvem lutam em seguida, se o que ele disse foi a favor deste ou contra o ou­tro. Resumindo, o padre está aqui limi­tado, sabe?

Por isso ele vem aqui o menos possível e, quando vem, fala com o menor número de pessoas desejando acabar para se ir logo embora. Acha as pessoas impossíveis. E a igreja tem sido composta porque o senhor António é o senhor António e prometeu não parar até que a veja composta. Mas não pelo padre, que está intimidado, nem pelo povo que não se importa que haja ou não haja igreja, não colocam nem um ti­jolo.

Você não sabe como está o povo!... – terminou enfaticamente o sacristão na altura em que chegávamos às portas da igreja paroquial, sem ter conseguido atrair um único vizinho, adulto ou criança.

A verdade é que eu não sabia como estava o povo!...[7]

Esta conversa poderia ter apagado por completo a ideia que se fazia o jovem sacerdote da sua missão, mas não; outra preocupação o habitou desde logo: o Sacrário da velha igreja restaurada. Como estaria ele? Em que estado o iria encontrar?

«Nas profundezas da minha alma, conti­nuava ainda de pé, a igrejinha, mais limpa e mais branca do que todas as casas da aldeia; e as pessoas simples dela a colocar flores no altar da sua Virgem e a oferecer as suas adorações e a dar parte de suas dores e das suas alegrias ao Coração de Jesus humilde e bom do seu Sacrário.»[8]

Amarrou o burro à porta da igreja, entrou e foi ajoelhar-se diante do Sacrário. Surpresa!

Fui direito ao Sacrário da igreja restaurada em busca de asas para os meus quase caídos entusiasmos, e... que Sacrário!

Uma pequena janela com cerca de um palmo quadrado, com mais teias de aranha que cristais, deixava entrar dificilmente a luz da rua, com cujo auxílio pude distinguir um azul índigo sombrio, que cobria as paredes; duas velas que poderiam ser de sebo ou de terra ou das duas coisas juntas; toalhas de mesa com rendas desfiadas e queimaduras e adornos de gotas pretas; uma lâmpada imunda gotejando azeite sobre uns ladrilhos pegajosos; mais algumas teias de aranha penduradas, que Sacrário, meu Deus! E que esforços tiveram que fazer ali a minha fé e a minha coragem para não voltar para o burro do sacristão, que ainda estava amarrado aos batentes da porta da igreja, e sair a correr para a minha casa![9]

Mas o Padre Manuel não fugiu, mesmo consta­tando que o interior do dito Sacrário estava cheio de teias de aranha. E, naqueles minutos ali passados – entre tristeza e surpresa –, nasceu, de repente, a vocação que o guiará durante toda a sua vida: os Sacrários abandonados.

«Encontrei ali o programa da minha mis­são e coragem para levá-la a cabo: mas, muito especialmente, encontrei… Entrevi, naquela tarde, naqueles momentos junto do Sacrário, uma ocupação para meu sacerdócio com a qual ainda não tinha sonhado: Ser pároco de uma aldeia que não amasse Jesus Cristo, para ser eu a amá-lo por todos: empregar o meu sacerdócio em mimar Jesus, nas exigências da sua vida no Sacrário, alimentá-lo com o meu amor, dar-lhe calor com a minha presença, entretê-lo com a minha conversa, defendê-lo do abandono, deixar que o seu Coração desabafasse através dos meus santos sacrifícios.»[10]

Assim são os santos do Senhor! Ele escreveu ainda esta linda impressão, que aquece os corações e melhor faz compreender o amor que lhe ia na alma e a grandeza da sua vocação:

«Mas eu não fugi. Eu fiquei ali um longo tempo e lá encontrei o meu plano de mis­são para levar a cabo. Mas, principal­mente, eu encontrei...

Ali, de joelhos diante daquele montão de trapos e sujeira, a minha fé via através daquela portinha comida pelas traças, um Jesus tão silencioso, tão paciente, tão des­prezado, tão bom, que olhava para mim... Sim, pareceu-me que depois de percorrer com a sua vista aquele deserto de almas, punha o seu olhar entre triste e suplicante, que me dizia muito e me pedia mais. Isso me fez chorar e guardar ao mesmo tempo as lágrimas para não o afligir mais. Um olhar em que se reflectia uma vontade infinita de amar e uma angústia também infinita por não encontrar quem quisesse ser amado...

Um olhar em que se reflectiam todas as tristezas do Evangelho: a tristeza do "não havia para eles estalagem em Belém." A tristeza daquelas palavras do Mestre: "E vós também quereis deixar-me?" A tristeza do mendigo Lázaro pedindo as migalhas que sobravam da mesa do rico. A tristeza da traição de Judas, da negação de Pedro, da bofetada do soldado, dos insultos do pretório, do abandono de todos...

Sim, sim, aquelas tristezas estavam ali naquele Sacrário oprimindo, apertando o coração doce de Jesus e fazendo sair pelos seus olhos lágrimas amargas, lágrimas benditas as daqueles olhos!..» [11]

Quando voltou para Sevilha, aquela experiência ficou para sempre gravada no seu coração a tal ponto que diversas vezes a contou no seu jornal “Um grãozinho de areia” ou no seu livro “Mesmo se todos… eu não”. Como aqui, nestas linhas:

«Ser sacerdote de um povo que não ama a Jesus Cristo, para amá-Lo eu por todo o povo.

Empregar o meu sacerdócio em cuidar de Jesus Cristo nas necessidades que a Sua vida de Sacrário lhe criou. Alimentá-Lo com o meu amor. Aquecê-Lo com a mi­nha presença.

Entretê-lo com a minha conversa.

Defendê-Lo contra o abandono e a ingra­tidão. Proporcionar alívios ao Seu Coração com os meus santos Sacrifícios. Servi-Lo com os meus pés para levá-Lo aonde Ele deseja ir.

Com as minhas mãos para dar esmolas em Seu Nome mesmo àqueles que não querem.

Com a minha boca para falar d’Ele e consolar por Ele e gritar a favor d’Ele quando estão empenhados em não ouvi-Lo…até que o ouçam e o sigam… Que belo sacer­dócio!»[12]

Capelão: nova e salutar experiência

A 8 de Fevereiro de 1902 recebeu a sua primeira nomeação: o Arcebispo, Dom Marcelo Espínola, indigitou-o para capelão do Asilo da Cidade, dirigido pelas Irmãzinhas dos Pobres. Ali celebrou a primeira Missa no dia 11 de Fevereiro, dia de Nossa Senhora de Lourdes.

«Passados alguns meses os meus superio­res acharam por bem me nomear para capelão do Asilo das Irmãs dos Pobres de Sevilha.»[13]

Como capelão do asilo de Sevilha, promoveu adorações ao Santíssimo entre os anciãos, com o intuito de que eles, em sua solidão, fizessem companhia ao grande Abandonado do Sacrário. E nunca perdiam sua hora de vigília! Nascia assim uma espécie de “Irmandade dos Abandonados”, os pri­meiros reparadores do “Sacrário Abandonado”. Ele mesmo o escreveu:

Para colaborar no trabalho das Irmãs e preencher o dever do meu sacerdócio, fixo sempre o meu pensamento no Sacrário abandonado daquela aldeia e de tantos como aquele, decidi fundar e fundei, mediante a reorganização do Apostolado da Oração, uma espécie de Irmandade de abandonados para fazer companhia ao grande Abandonado[14].

A mais destas primeiras “fundações”, o Padre Manuel aprendeu muito e, esse “muito”, muito lhe serviu depois no seu ministério sacerdotal e episcopal, ao ponto de afirmar que foram aqueles três anos passados no Asilo de Sevilha, os melhores da sua vida.

Arcipreste de Huelva

Depois daqueles três anos como capelão, Dom Marcelo Spínola que se debatia com os graves pro­blemas da sua vasta Arquidiocese, pensou no Padre Manuel para arciprestado de Huelva, que nesse tempo estava a seu cargo. O futuro Cardeal sabia que podia contar com o zelo pastoral do capelão das Irmãzinhas, mas não lho quis impor, como uma obrigação sujeita à obediência incondicional. Convocou-o e expôs-lhe o problema, pedindo que lhe desse uma resposta três dias depois.

Escusado será dizer que o Padre Manuel aceitou imediatamente, mas o Arcebispo insistiu para que reflectisse durante três dias, porque Huelva não era uma missão repousante, mas árdua, cheia de embuches.

O ainda jovem sacerdote voltou para o asilo e durante esses três dias que lhe propusera o Arcebispo, ele orou e pediu ao Senhor, diante do Sacrário, que o ajudasse, não a aceitar a proposta – que para ele era já uma certeza –, mas no seu novo apostolado junto dos seus novos – e mal-afamados – paroquianos.

Três dias mais tarde deslocou-se ao Paço Episcopal e, depois de ter saudado Dom Marcelo Spínola, disse-lhe com calma e aprumo:

– Excelência, aqui me tem para lhe repetir o que já lhe disse há dias. Quando deseja que eu vá para Huelva?

Depois de conversarem durante um momento, fi­cou o assunto resolvido entre os dois homens de Deus e ficou decidido que Manuel seria o novo ecónomo da paróquia de S. Pedro de Huelva. Tomou posse da mesma no dia 9 de Março de 1905.

Foi durante a sua estadia em Huelva que nasceu a Obra das Marias dos Sacrários abandonados.

Primeiras experiências do novo pastor

«A primeira experiência que eu colhi foi a de que o grau de piedade e de religiosidade de um povo pode ser medido e nor­malmente conhecido pelo sítio e do tratamento dado à imagem do Sagrado Coração de Jesus.»[15]

De facto, o Padre Manuel sempre tivera, desde a infância – e continuou a ter – uma grande devoção ao Sagrado Coração de Jesus. E para que não se duvide, ele argumenta:

«Posso afirmar sem o temor de ser desmentido, que almas e povos que prestam culto a Nosso Senhor Jesus Cristo em seu Coração, são almas e povos que cami­nham e avançam bem orientados.»[16]

E exprime esta “sentença” que a sua experiência lhe dita:

«Entrai na igreja de uma aldeia e procurai, como Madalena o lugar onde está colocada a imagem do Coração de Jesus… a piedade dos fiéis irá, mais ou menos, como o lugar que ocupa a imagem do Coração de Jesus…»[17]

No primeiro dia em que ia celebrar a santa Missa na sua nova paróquia – provavelmente a 10 de Março de 1905 – uma surpresa o esperava. Chegou à igreja quando eram cinco e meia da manhã, mas as portas estavam fechadas: o sacristão só chegou às oito. Quando lhe perguntou porque chegava assim tão tarde, ouviu esta resposta:

— Bem se vê que é novato! As pessoas aqui não madrugam, por que razão deveríamos nós madrugar?

O jovem sacerdote não respondeu, mas recuperou a chave da igreja e preveniu o sacristão que a partir daquele dia seria ele mesmo a abrir as portas da igreja às cinco horas da manhã, para celebrar a Missa às seis e confessar das cinco e meia às seis.

Rapidamente esta notícia se espalhou em Huelva, provocando reacções diversas. Mas o Padre Manuel não se deixou nem intimidar nem ceder às pressões de uns e de outros.

Depressa compreendeu que o Sacrário de S. Pedro, também fazia parte, como muitíssimos outros, da longa lista dos Sacrários abandonados e, a lembrança do Sacrário de Palomares del Rio.

Com o passar dos anos, o Padre Manuel conseguiu, com paciência, carinho e muita insistência a canalizar para a igreja da sua paróquia numerosos paroquianos que tinham compreendido que aquele padre não era como os outros, que aquele estava completamente embebido pelo amor e pelo zelo das coisas de Deus.

Fundação da Obra das Marias

Vou transcrever à maneira de introdução as pró­prias palavras do Fundador:

«Confesso que é uma ideia que me preocupa e me ocupa, que se me revela, com muita frequência, e de diversas maneiras, e que chega a penetrar-me e fico triste, sem ter sido capaz de evitar que alguma vez ao correr da caneta, se tenham esca­pado pela ponta desta algumas gotas de amargura que esta ideia levanta no meu coração.

Tenho tão cravado nele o olhar tão angustiado de Jesus sozinho no meio de multidões cristãs!»[18]

«Desde há tempos que na minha mente vem dando voltas uma ideia e em meu coração um desejo algo inquietante sobre uma obra que considero como uma neces­sidade urgente.

Amadurecidos, penso eu, uma e outro, eu queria aproveitar a primeira sexta-feira da Quaresma para levar a cabo a sua promulgação.»[19]

De pé, junto do altar e perto da imagem do Sagrado Coração de Jesus, O Padre Manuel fala ao seu auditório, ou melhor, falava o seu coração. De repente, como quem se lembra de algo que esquecera, ele diz aos paroquianos que o escutavam:

«Tenho pedido sempre a vossa ajuda para as crianças necessitadas e os pobres abandonados. Hoje, o pároco fala-vos em favor do mais abandonado de todos os pobres: Jesus Sacramentado.» [20]

Depois de uma curta pausa, continua: “a voz é de fogo”:

«Existem terras – e não se pense que é lá entre os selvagens – existem terras em Espanha onde se passam semanas, meses, sem que se abra o Sacrário; noutras, ninguém comunga nem visita o Santíssimo Sacramento; e, em muitíssimas, só se abre para que possa comungar alguma velhinha doutros tempos. Que abandono maior do que estar sozinho de manhã à noite e da noite à manhã?»[21]

Como para justificar as suas recriminações sobre este abandono e pobreza, ele diz àqueles que o ou­vem em silêncio, boquiabertos:

«Sacrários pobres não já com a pobreza material – se bem que haja Sacrários que em nada se diferenciam do primeiro Sacrário de Belém – mas pobres de calor, de oração, de virtudes, de companhia.»[22]

O discurso continua perante aquele auditório cada vez mais admirado e curioso:

«Jesus Cristo, no Calvário, abandonado de Deus e dos homens pelos quais se imola não terá muito de semelhança com o Jesus Cristo do Sacrário abandonado, não de Deus, visto que Lho impede o seu estado glorioso, mas dos homens, por quem se imola continuamente? Se alguma diferença existe é em desfavor da sua vida no Sacrário. Ao menos, no Calvário, havia algumas Marias que choravam e O consolavam. Mas, nesses Sacrários de que vos falo, nem isso!»[23]

O Padre Manuel vai terminar a sua prática com palavras que não deixam dúvidas ao seu auditório:

«Marias adoradoras, diante do olhar dos fariseus modernos e das ingratidões do povo outrora cristão, diante da cobardia e da preguiça dos discípulos, ocupai os vossos lugares: ‘Iusta Crucem cum Mater eius’ – Junta da Cruz com sua Mãe.»[24]

Um silêncio profundo se instalou na capela onde dirigira aos paroquianos estas palavras ardentes e cheias de santa convicção. Depois, foi para a sacristia para retirar os paramentos religiosos. Imediatamente o local se encheu de “Marias” desejosas de fazerem companhia a Jesus Sacramentado: estava fundada a Obra das Três Marias, que pouco depois se chamaria Obra das Marias dos Sacrários-Calvários.

Pouco tempo depois desta primeira fundação, uma outra surgiu – quase logicamente – aquela dos Discípulos de S. João.

De facto, no Calvário, junta da Cruz de Jesus, não estavam só as “Marias” mas também João, “o discípulo que Jesus amava”.

Esta ideia foi sugerida ao Padre Manuel por um frade que tendo conhecimento da recente fundação, lhe escreveu e lhe fez o pedido, afirmando que no convento onde estava, eram já numerosos os frades que desejavam pertencer à obra dos Sacrários abandonados. E o Jovem sacerdote aceitou a proposta.

Para seu consolo, estes empreendimentos difundiram-se rápida e largamente. A eles se uniram vá­rias outras obras: Missionários Eucarísticos Diocesanos, Missionárias Eucarísticas de Nazaré, de religiosas, Missionárias Auxiliares Nazarenas, de leigas consagradas, Reparação Infantil Eucarística e Juventude Eucarística Reparadora.

Entrevista com S. Pio X

Durante uma prática em Madrid, onde o Padre Manuel tinha sido convido pelas Marias da capital, falou na igreja das Escravas do Sagrado Coração de Jesus. Finda esta, alguém lhe disse, muito seriamente, que era necessário ir a Roma, encontra-se com o Santo Padre – S. Pio X – pedir-lhe a aprovação da Obra e uma graça especial para as Marias: “permitir que o Senhor as visite quando, por doença, não possam elas acudir pessoalmente ao Sacrário, por outras palavras, a Missa em casa”. E em coro, todos concordaram com esta solução:

— Tem de ir a Roma, padre! É preciso alcançar essa graça! O Santo Padre tem de conhecer as Marias!

Na audiência em que estavam igualmente presen­tes os cardeais espanhóis, Vives e Merry del Val, o arcipreste de Huelva foi apresentado ao Sumo Pontífice como o “apóstolo da Eucaristia”, o que não deixou sua Santidade indiferente, dado o amor que nutria pelo augusto Sacramento.

Durante esta viagem cujo detalhe se pode ler nos livros de Dom Manuel, a Obra das Marias do Sacrários abandonados foi aprovada e concedida à mesma o privilégio do “altar móvel” do qual já falei acima.

Bispo de Málaga

Podemos ler na Revista Católica que em «Dezembro de 1915 foi nomeado Bispo titular de Olimpo e auxiliar de Málaga, e em 16 de Janeiro seguinte recebia a ordenação episcopal. Ao se tornar o titular desta diocese, em 1920, fundamentou sua acção pastoral em três pilares: a formação dos sacerdotes, a educação religiosa das crianças e o cultivo de uma piedade autêntica entre os fiéis. A cada um destes aspectos deu uma atenção especial, não obstante, seu chamado a ser reparador dos “Sacrários Abandonados” o levou a dar prioridade à preparação dos futuros sacerdotes e a fundar um se­minário em Málaga. Incansável nesta tarefa, Dom Manuel muito lutou para vê-los compenetrados da importância de sua missão.»

O Bispo de Málaga preocupava-se com secularismo que afectava até os próprios sacerdotes, por isso mesmo os exortava a serem verdadeiras hóstias, instrumentos dóceis nas mãos de Jesus e verdadeiros apóstolos da verdade evangélica. Para os estimular e fazer reflectir, dizia-lhes com o ardor que lhe era peculiar:

«Se o amor que tem meu Jesus é amor de Hóstia, eu devo ser para Jesus hóstia de amor. Se Jesus é minha Hóstia de todos os dias e de todas as horas, não devo aspirar e preparar-me para ser sua hóstia de todas as horas e de todos os dias?»

Guerra Civil

Os anos passando, um outro perigo bateu à porta, um perigo que iria ensanguentar toda a Espanha e oferecer à Igreja um inumerável cortejo de márti­res: a Guerra Civil.

No mês de Maio de 1931, o anticlericalismo, como um rastilho, espalhou-se célere por todo o país – mais tarde iria tornar-se em guerra civil e causa de milhares de mortos.

A cidade de Málaga foi uma das mais atingidas e, a fúria anti-religiosa levou os seus habitantes – os revolucionários, entenda-se – a exacções inqualificáveis, até mesmo o incêndio do Paço episcopal. Dom Manuel teve de se exilar. Deslocou-se para Gibraltar onde foi recebido pelo Bispo inglês do “calhau” e ali se manteve durante alguns meses, até se deslocar para Ronda de onde procurou ocu­par-se a distância, da sua diocese, e de Ronda foi para Madrid.

Um ano antes do começo da Guerra Civil, em 1935, foi nomeado Bispo de Palência, onde passou os últimos anos da sua vida.

Um ano depois desta nomeação, em 18 de Julho de 1936 começou a guerra fratricida durante a qual milhares de religiosos e religiosas e milhares de leigos pagaram com a vida o facto de serem católicos.

Quantos conventos e igrejas saqueadas e queimadas; quantos e quantos documentos históricos confiados às chamas, quantas e quantas obras de arte sofreram a mesma sorte… Quanto sofreu a Espanha!

O fim aproxima-se

No mês de Dezembro de 1939, a saúde do santo Bispo piorou, ele que já a tinha bem frágil, teve de sofrer ainda uma enfermidade renal que o levou ao hospital e daqui, em 31 de Dezembro, para o Sanatório do Rosário, em Madrid. Foi aqui que, na madrugada de 4 de Janeiro de 1940, entregou ao Jesus do Sacrário abandonado, seu amigo de sem­pre, a sua bela alma. Tinha então 62 anos de idade.

O seu corpo foi transportado para Palência e se­pultado junto do altar-mor, diante do Santíssimo Sacramento, como tinha pedido, antes de morrer.

Uma lápide colocada no seu jazigo, lembra este seu pedido:

“Peço ser enterrado junto a um sacrário, para que meus ossos, depois de morto, como a minha língua e a minha pena durante a vida, estejam sempre dizendo aos passantes: Aí está Jesus! Aí está! Não O deixeis abandonado!”

Depois do processo habitual para as causas de beatificação e canonização, a cargo da Congregação para as Causas dos Santos, o Papa, agora Santo, João Paulo II beatificou-o no dia 29 de Abril de 2001, sendo a sua festa litúrgica celebrada a 4 de Janeiro.

Can onizado pelo Papa Francisco a 16 de Outubro de 2016.

Afonso Rocha


[1] José Luís Gutiérrez Garcia : Uma vida para a Eucaristia, pag.19.

[2] Idem.

[3] José Luís Gutiérrez Garcia : Uma vida para a Eucaristia, pag. 20.

[4] José Campos Giles: O Bispo do Sacrário abandonado. 6ª Ed. Madrid: O grãozinho de areia, 2000, p.7.

[5] Dom Manuel Gonzalez Garcia: Mesmo se todos… eu não, n° 11.

[6] José Campos Giles: O Bispo do Sacrário abandonado. 6ª Ed. Madrid: O grãozinho de areia, 2000, pp.32-33.

[7] Dom Manuel Gonzalez Garcia: Mesmo se todos… eu não, n° 13-14.

[8] Dom Manuel Gonzalez Garcia: Mesmo se todos… eu não, n° 12.

[9] Dom Manuel Gonzalez Garcia: Mesmo se todos… eu não, n° 15..

[10] José Luís Gutiérrez Garcia : Uma vida para a Eucaristia, pag. 40.

[11] Dom Manuel Gonzalez Garcia: Mesmo se todos… eu não, n° 15.

[12] Dom Manuel Gonzalez Garcia: Mesmo se todos… eu não, n° 18.

[13] Dom Manuel Gonzalez Garcia: Mesmo se todos… eu não, n° 21.

[14] Idem.

[15] Dom Manuel Gonzalez Garcia: Mesmo se todos… eu não, n° 23.

[16] Idem.

[17] Idem.

[18] Dom Manuel Gonzalez Garcia: Abandono dos Sacrários, n° 129.

[19] Dom Manuel Gonzalez Garcia: Mesmo se todos… eu não, n° 55.

[20] José Luís Gutiérrez Garcia : Uma vida para a Eucaristia, pag. 123.

[21] José Luís Gutiérrez Garcia : Uma vida para a Eucaristia, pag. 124.

[22] Idem.

[23] Idem.

[24] José Luís Gutiérrez Garcia : Uma vida para a Eucaristia, pag. 125.
 

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