Em 258, a
perseguição do imperador Valeriano, já violenta, tornou-se ainda
mais furiosa; Valeriano, que estava no Oriente, ocupado com a guerra
contra os persas, escreveu ao senado uma carta ordenando que os
bispos, os padres e os diáconos fossem executados sem demora; que os
senadores, as pessoas de qualidade e os cavaleiros romanos seriam
antes privados de suas dignidades de seus bens, e que depois disso,
se perseverassem no cristianismo, teriam a cabeça cortada, que as
damas romanas seriam privadas de tudo o que possuíam e condenadas ao
exílio; que os oficiais e domésticos do imperador, que já tinham
confessado ou que confessassem serem cristãos seriam mandados,
carregados de cadeias, a trabalhar nas fazendas do príncipe como
seus escravos.

A esse rescrito,
Valeriano tinha acrescentado uma cópia das cartas que mandara aos
governadores das províncias. Suas ordens foram logo executadas em
Roma. Era a maior ocupação dos prefeitos da cidade e do pretório.
Todos os eu lhes caíam nas mãos eram supliciados sem demora e seus
bens confiscados.
Um dos primeiros,
talvez mesmo o primeiro, foi o Papa São Sixto. Foi preso com alguns
de seu clero quando estava no cemitério de Calisto, para celebrar os
santos mistérios. Quando o levaram ao suplício. Lourenço, o primeiro
dos diáconos da Igreja romana, seguia-o chorando e dizendo-lhe:
aonde ides, meu pai, sem vosso filho? Aonde ides, Santo Pontífice,
sem vosso diácono? Não estais acostumado a oferecer o sacrifício sem
ministro; no que vos desagradei? Experimentai se sou digno da
escolha que fizestes de mim, para me confiar a dispensa do Sangue de
Nosso Senhor. Sixto respondeu-lhe: Não sou eu que te deixo, meu
filho, mas um combate maior te está reservado; poupam-nos, a nós
velhos; mas tu me seguirás dentro de três dias. O Papa Sixto teve a
cabeça cortada a 6 de Agosto no cemitério de Calisto e com ele
quatro diáconos. Tinha ocupado a Santa Sé por onze meses e seis dias.
Mandaram à Gália São Pelegrino, primeiro Bispo de Auxerre, com três
companheiros. O que ele fez de mais memorável foi a transladação do
corpo de São Pedro e de São Paulo para as catacumbas, talvez para os
colocar em segurança. Depois de sua morte a Santa Sé ficou vaga
perto de um ano.
Entretanto, o
prefeito de Roma, julgando que os cristãos tinham grandes tesouros
escondidos e querendo disso certificar-se, mandou chamar Lourenço,
que lhes era o custódio, como o primeiro dos diáconos da Igreja
romana. Vendo-o em sua presença, disse:
Vós vos queixais
ordinariamente de que vos tratamos com crueldade; não há aqui
tormento algum; eu vos pergunto com suavidade o que depende de vós.
Diz-se que, em vossas cerimônias, os pontífices oferecem libações
com vasos de ouro; que o sangue da vítima é recebido em taças de
prata e que, para iluminar vossos sacrifícios noturnos, tendes
círios ficados em candelabros de ouro. Diz-se que, para fornecer
essas ofertas, os irmãos vendem suas propriedades e reduzem muitas
vezes seus filhos à pobreza; mostrai-nos esses tesouros escondidos;
o príncipe tem deles necessidade para restaurar as finanças e pagar
as tropas. Também eu sei que, segundo vossa doutrina, o imperador
reconhece por sua a moeda sobre a qual está impressa sua imagem: daí
portanto a César o que sabeis que é de César. Nada vos peço de mais
justo. Se não me engano vosso Deus não faz cunhar moedas; não trouxe
dinheiro quando veio ao mundo; trouxe somente palavras: restitui-nos
o dinheiro e sede ricos de palavras.
Lourenço
respondeu, sem se agastar: Confesso que nossa Igreja é rica e o
imperador não tem tesouros tão grandes. Mostrar-vos-ei o que tem de
mais precioso; dai-me somente um pouco de tempo para por tudo em
ordem e colocar-me em condições de fazer o cálculo. O prefeito,
contente com a resposta e crendo já estar de posse dos tesouros da
Igreja, concedeu-lhe três dias de prazo. Durante esses três dias
Lourenço percorreu toda a cidade para procurar em cada rua os pobres
que a Igreja sustentava e que ele conhecia melhor que ninguém; os
cegos, os coxos, os estropiados, os que tinham úlceras e feridas.
Reuniu-os, escreveu-lhes os nomes, e colocou-os em fila, diante da
igreja.
No dia marcado,
foi falar com o prefeito e disse-lhe: Vinde ver os tesouros de nosso
Deus; vereis um grande pátio cheio de vasos de ouro e talentos
amontoados em galerias. O prefeito seguiu-o, mas vendo aquela
multidão de pobres, de aspecto horroroso que soltavam gritos pedindo
esmolas, voltou-se contra Lourenço com olhares ameaçadores. De que
estais aborrecido? Perguntou-lhe o santo. O outro que ambicionais é
um simples metal, tirado da terra, e serve de móvel de todos os
crimes; o verdadeiro ouro é a luz de que esses pobres são os
discípulos. A fraqueza de seus corpos é uma vantagem para o espírito;
as verdadeiras doenças são os vícios e as paixões; os grandes do
século são os pobres verdadeiramente miseráveis e desprezíveis. Eis
os tesouros que vos prometi; a eles acrescento as pérolas e as
pedrarias: vedes as virgens e as viúvas; é a coroa da Igreja.
Aproveitai essas riquezas para Roma, para o imperador e para vós
mesmo.
Portanto, assim
gracejas? Disse o prefeito. Eis como insultas os machados e os
feixes? Sei que desejas a morte; o martírio é o ideal de tua crença
vã. Mas não imagines morrer agora; prolongarei tuas torturas;
morrerás devagar. Imediatamente fez levá-lo para um leito de ferro e
estender por baixo brasas meio acesas, para queimar o mártir mais
lentamente. Despiram-no e estenderam-no sobre a grelha. O rosto
pareceu, aos cristãos recém-batizados, rodeado de um resplendor
extraordinário e o cheiro do corpo assado agradável; mas os infiéis
não viram essa luz, nem sentiram o cheiro. Depois de o mártir estar
deitado sobre um lado, por muito tempo, disse ao prefeito: Fazei-me
virar, já estou bastante assado deste lado. Depois que o viraram
disse ainda: Está assado, podeis comer. Olhando então, para o céu,
rogou a Deus pela conversão de Roma e morreu. Senadores, convertidos
pelo exemplo de sua constância, levaram-lhe o corpo nas costas e o
enterraram no campo Verano, perto do caminho de Tivoli, numa gruta,
a 10 de agosto do mesmo ano, 258.
Valeriano, por
fim, recebeu a paga. Aprisionado pelos persas, perdeu ao mesmo tempo
o império e a liberdade, viveu escravo e morreu esfolado, sem que o
filho Galieno fizesse o menor gesto em seu favor.
(Vida dos
Santos, Padre Rohrbacher, Volume XIV, p. 302 à 307) |