Como foi a infância de
Newman?
John
Henry Newman era o primogênito dos seis filhos do casal John Newman
e Jemina Fourdrinier. Nasceu em Londres e foi batizado na Igreja
anglicana de Saint Bennet Fink.
Seu
pai, um homem empreendedor, foi subindo de posição social até se
converter em banqueiro. Mas depois de vários anos de êxito, veio a
derrocada. Foi o próprio John Henry que teve de manter toda a sua
família quando frequentou a Universidade de Oxford.
“Fui
educado durante minha infância para ter o grande prazer de ler a
Bíblia, mas não tive sólidas convicções religiosas até os 15 anos”.
Assim Newman abriu o segundo parágrafo da obra-prima intitulada Apologia
pro vita. História de suas convicções religiosas, que escreveu
em 1864 para combater quem, à raiz de sua conversão, havia-o atacado
ferozmente.
Um dia,
na ermida de Littlemore, onde se converteu, encontrou e folheou um
velho caderno seu de escola. Na primeira página encontrou
maravilhado um emblema que lhe cortou a respiração: tinha desenhado
a figura de uma cruz robusta e, atrás, uma figura que representava
um rosário com uma pequena cruz unida a este. Naquele momento tinha
só dez anos. Estas imagens não teriam por que terem sido desenhadas
a lápis por Newman, devido à aversão que os protestantes têm às
imagens sagradas.
Por que chamavam tanto a
atenção dele os Padres da Igreja?
Quando
ainda era anglicano, em 1826, Newman decidiu estudar com um método
sistemático os Padres da Igreja, e nasceu assim um grande amor por
eles. Em primeiro lugar, examinou-os com a óptica protestante, mas
depois, em 1835 e 1839, retomou o estudo com uma óptica mais
parecida com a do catolicismo.
Em uma
carta a seu amigo Pusey, disse: “Não me envergonho de basear-me nos
Padres, e não penso em de forma alguma me afastar deles. A história
de seus tempos não é para mim um almanaque velho. Os Padres me
fizeram católico e eu não pretendo me afastar da escada pela qual
subi para entrar na Igreja”.
Os
Padres foram para Newman seu grande amor, neles encontrou a resposta
às persistentes perguntas religiosas e de fé que o torturaram
durante 44 anos, até que, a 9 de outubro de 1945, foi acolhido na
Igreja católica pelo padre Domenico Barberi, passionista italiano
que foi beatificado por Paulo VI em 1963.
A conversão dele para o
catolicismo...
Esta
chegou através de um cansativo percurso intelectual e espiritual.
Sua biografia identifica-se com a elaboração do pensamento e com o
empenho da alma. John Henry Newman está situado entre os grandes
pensadores, filósofos e teólogos da história da humanidade. Sua
bibliografia, que se têm edificado no mundo no transcurso dos 120
anos desde sua morte, é enorme.
Com
espírito de explorador, atento e escrupuloso pesquisou o
interminável nó de caminhos que é o protestantismo. Primeiro como
calvinista e depois como anglicano, para depois chegar com alegria à
Igreja de Pedro, como pôde experimentar também outro convertido
excepcional: Santo Agostinho. Newman comportou-se como o capitão que
governa seu navio de guerra com destreza e competência e, sem trégua
alguma, alcançou com grande humildade, e sobretudo com zelo, a meta
desejada.
Que seus amigos disseram
quando ele deu este passo?
Newman,
apesar de dar uma especial importância ao valor da amizade e aos
laços profissionais, quando viu e compreendeu a verdade e onde
estava, não se preocupou com mais nada nem ninguém e abandonou tudo
e todos, assim como fizeram os apóstolos. Seus amigos anglicanos
compreenderam que tinham perdido um grande homem: alguns lamentaram,
outros o julgaram ferozmente, outros, em contrapartida, o apoiaram.
O
elogio mais belo, a nosso parecer, que lhe deram em vida, foi a
carta que Edward Pusey enviou a um amigo: “Deus está ainda conosco e
nos permitirá seguir adiante, apesar desta grande perda. Não devemos
esconder sua importância, porque foi a maior perda que tivemos. Quem
o conheceu sabe bem dos seus méritos. Nossa igreja não soube se
beneficiar. Era como se uma espada afiada dormisse em sua bainha
porque ninguém sabia empunhá-la. Era um homem predestinado a ser um
grande instrumento divino, capaz de realizar um amplo projeto que
restabelecesse a Igreja. Foi-se – como todos os grandes instrumentos
de Deus – inconsciente de sua própria grandeza. Foi-se para cumprir
um simples ato de dever, sem pensar em si mesmo, abandonando-se
completamente nas mãos do Altíssimo. Assim são os homens em quem
Deus confia. Poder-se-ia dizer que se transferiu para outra área da
vinha, onde pode utilizar todas as energias de sua poderosa mente”.
Certamente ele recebeu muitos ataques da parte da Igreja anglicana,
dos intelectuais protestantes e também da própria Igreja católica.
Os primeiros o consideravam um traidor, os segundos, alguém de quem
se deve desconfiar. Também alguns católicos na Irlanda estiveram
contra: ele foi removido do cargo de reitor da Universidade de
Dublin. John Henry Newman escreveu a Apologia pro vita
justamente para se defender dos ataques dos intelectuais. Este livro
engendrou muitas conversões. Recordemos que o Papa Leão XIII afastou
muitos rumores maliciosos, quando concedeu a Newman o barrete
cardinalício.
O
combate do Cardeal Newman
O
cardeal Newman combateu sincera e lealmente o liberalismo, trazendo,
com seu método sistemático e analítico, um dos perfis mais reais
daquela Europa em fase de corrupção, de abandono da civilização
cristã e de agonizante apostasia. Conseguiu identificar as
conotações de secularização e relativismo de nossos dias, fruto da
presunção que já os gregos pagãos, depositários de verdadeiras
sementes do Verbo, definiam ύβρις (übris = a
arrogância de quem não se submete aos deuses), ou o que é o mesmo, a
ideia de antepor os lugares comuns supostamente racionais da própria
época à razoabilidade e racionalidade da Tradição.
Newman,
quem, como disse o cardeal Ratzinger em 1990, “pertence aos grandes
doutores da Igreja”, esse grande cavalheiro do século XIX inglês,
alcançou a Verdade quando tinha 44 anos, depois de décadas de estudo
e aprofundamento. Com valentia, forçou sua própria mente para
entender, indagar, sondar os meandros da história, da filosofia,
teologia e descobrir finalmente a pedra preciosa. Foi assim que “vi
meu rosto naquele espelho: era o rosto de um monofisista, o rosto de
um herege anglicano e o descobri quase com terror”.
O
epitáfio na tumba do futuro beato Newman, cuja vida é a prova mais
evidente e concreta de que a razão pode se unir à fé para trazer à
terra a Igreja de Jesus Cristo, a única verdade que leva à salvação
eterna. Crer na verdade e ser livre: “Se permanecerdes em minha
palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, e conhecereis a
verdade, e a verdade vos tornará livres” (Jo 8, 31-32). John Henry
Newman é o modelo que a Igreja, sob o pontificado de Bento XVI,
propõe aos cristãos e aos católicos para seguir: é a resposta
claríssima do Papa ao mundo relativista.
Cristina Siccardi
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