Dois
anos antes da partida de Vasco da Gama para a Índia, nascia em
Montemor-o-Novo, Alentejo, um outro grande herói de seu nome João.
Este nasceu no dia 8 de Março de 1495, na Rua Verde, numa habitação
modesta, de gente humilde e honrada.
Aos
oito anos, João ouviu, de um padre em visita, sobre as aventuras que
o poderiam esperar, nesse ano de
1503,
na descoberta de novos mundos. Nessa mesma noite fugiu de casa para
viajar com o padre e nunca mais viu os seus pais. Foram vivendo da
ajuda popular de aldeia em aldeia até que João adoeceu.
O homem
que tratou dele, regente de uma grande propriedade, adoptou-o
posteriormente. João trabalhou como pastor nas montanhas até aos
vinte e sete anos. Sentindo-se pressionado para casar com a filha do
regente, a qual amava como irmã, João foi-se embora e alistou-se no
exército espanhol na guerra contra França. Como soldado, era tudo
menos modelo de santidade, participando no jogo, na bebida e nas
pilhagens que os seus camaradas apreciavam. Um dia, caiu de um
cavalo roubado perto das linhas francesas. Com medo de ser capturado
ou morto, reviu toda a sua vida e fez um voto impulsivo de mudança.
Quando
regressou, mantendo o estímulo do voto feito, confessou-se, e
imediatamente mudou a sua vida. Os seus camaradas não se importavam
muito com o seu arrependimento mas detestavam que ele quisesse que
eles também deixassem os seus prazeres. Usavam, então, da sua
natureza impulsiva para o enganarem, e ele deixar o seu posto, com o
pretexto de ajudar alguém em necessidade. Foi salvo da forca, no
último minuto, e corrido do exército, depois de espancado e despido.
Mendigou no caminho de volta para a casa onde tinha trabalhado como
pastor, até que ouviu falar de uma nova guerra com os Muçulmanos a
invadirem a Europa. Partiu de novo, mas no final da guerra, decidiu
tentar encontrar os seus pais. Para sua tristeza, descobriu que
ambos tinham morrido na sua ausência.
Como
pastor teve imenso tempo para meditar sobre o que Deus quereria da
sua vida. Quando decidiu, aos trinta e oito anos, que deveria ir
para África para resgatar cristãos cativos, deixou tudo para trás e
dirigiu-se ao porto de Gibraltar. Estando na doca à espera do seu
navio, encontrou uma família visivelmente triste e desgostosa. Tendo
descoberto que eram uma família nobre que partia para o exílio em
África devido a intrigas políticas, abandonou o seu plano original e
voluntariou-se como seu servo. A família adoeceu, quando chegou ao
exílio, e João manteve-os, não só cuidando da sua doença, mas também
ganhando dinheiro para a sua alimentação. O seu trabalho na
construção de fortificações era castigador e desumano, sendo os
trabalhadores espancados e maltratados por pessoas que se
auto-intitulavam de católicos. Vendo cristãos a agir desta forma tão
inquietante, João viu a sua fé abalada. Um padre aconselhou-o a não
acusar a Igreja pelos seus actos e a partir para Espanha
imediatamente. João regressou – mas apenas após ter a certeza de que
a sua família de adopção recebera o perdão.
Em
Espanha passou os seus dias carregando navios e as suas noites
visitando igrejas e lendo livros espirituais. A leitura deu-lhe
tamanho prazer, que decidiu dever partilhar essa alegria com os
outros. Deixou o seu trabalho e tornou-se vendedor ambulante de
livros, viajando de vila em vila vendendo livros e postais
religiosos. Teve uma visão, aos quarenta e um anos, que o levou a
Granada onde vendeu livros numa pequena loja. (Por isso é o santo
padroeiro dos livreiros e tipógrafos).
Depois de escutar um sermão
pelo famoso João de Ávila sobre arrependimento, ficou tão perturbado
pelo pensamento nos seus pecados, que toda a vila foi levada a
pensar que o pequeno livreiro tinha passado de simples
excentricidade à loucura. Após o sermão, João dirigiu-se
imediatamente para a sua livraria, rasgou todos os livros de
conteúdo secular, deu todos os seus livros religiosos e todo o seu
dinheiro. De roupas rasgadas e em pranto, era alvo de insultos, de
piadas, e até de pedradas e lama arremessadas pela população da
vila, incluindo as suas crianças. Amigos levaram o enlouquecido João
para o Hospital Real, onde foi internado com os lunáticos. João
recebeu o tratamento normal daquela época – ser amarrado e açoitado
diariamente. João de Ávila veio visitá-lo, dizendo-lhe que a sua
penitência já durava há tempo suficiente – quarenta dias, o mesmo
período que o Senhor sofreu no deserto – e fez com que João fosse
levado para uma zona melhor do hospital.
João de Deus não conseguia ver sofrimento sem que não tentasse algo
para o colmatar. E agora que estava livre de movimentos, embora
ainda como paciente, imediatamente se levantou e começou a ajudar os
outros doentes à sua volta. O hospital ficou radiante por ter a sua
ajuda gratuita nos cuidados, não ficando contente por o deixar sair
posteriormente, quando um dia se apresentou para anunciar que iria
fundar o seu próprio hospital.
João
bem estava certo de que Deus queria que ele fundasse um hospital
para os pobres, que recebiam fraco tratamento, ou mesmo nenhum, dos
outros hospitais, mas toda a gente ainda o olhava como um homem
louco. Não foi grande sucesso, a sua decisão de financiar o seu
plano com a venda de lenha na praça. À noite, pegando no pouco
dinheiro que ganhava, trazia comida e conforto aos pobres que viviam
em edifícios abandonados e sob as pontes. De facto, o seu primeiro
hospital foram as ruas de Granada.
Uma
hora após ter visto uma placa numa janela dizendo "Aluga-se casa
para alojamento de pobres", alugou a casa para poder prestar
cuidados debaixo de tecto. Claro que fez o aluguer sem dinheiro para
acessórios, medicamentos ou ajuda. Depois de ter pedido dinheiro
para camas, voltou às ruas e trouxe os seus pacientes aos ombros,
que já tinham carregado pedras, lenha e livros. Uma vez dentro de
casa, lavou-os, fez-lhes curativos, e remendou-lhes as roupas à
noite, enquanto rezava. Usou da sua antiga experiência como vendedor
ambulante para pedir esmola, apregoando pelas ruas na sua voz de
vendedor, "Façam bem a vós próprios! Por amor de Deus, Irmãos, façam
o bem!" Em vez de vender mercadorias, antes aceitava tudo o que lhe
pudessem dar – sobras, roupas, moedas.
Ao
longo da sua vida foi criticado pelas pessoas que não gostavam do
facto do seu amor impulsivo se estender a todos os necessitados, sem
perguntar por credenciais ou referências pessoais. Quando lhe foi
possível mudar o seu hospital para um antigo mosteiro Carmelita,
abriu um abrigo para os sem-casa no hall do mosteiro. Imediatamente,
os seus críticos tentaram demovê-lo com o argumento de que estaria a
saciar arruaceiros. A sua resposta a estas críticas foi sempre de
que apenas conhecia um mau carácter no hospital, ele próprio. A sua
solicitude para agir imediatamente quando via necessidades, levou-o
a estar em apuros várias vezes. Uma vez, tendo encontrado um grupo
de pessoas famintas, correu para uma casa, roubou uma panela com
comida e deu-lhes. Quase que foi preso por este acto de caridade! De
outra vez, tendo visto um grupo de crianças esfarrapadas, entrou
numa loja de roupas e comprou roupas novas a todas. Como não tinha
dinheiro, pagou a crédito!
No
entanto, o seu desejo impulsivo de ajudar salvou muita gente numa
certa emergência. Soou o alarme de que o Hospital Real estava a
arder. Tendo largado tudo para se dirigir ao local, constatou que a
multidão apenas estava a assistir ao hospital – e seus doentes – a
serem consumidos pelas chamas. Correu para o edifício em chamas e
carregou ou ajudou os doentes a sair. Quando todos os doentes
estavam a salvo, começou a atirar cobertores, lençóis e colchões
pelas janelas – quão bem sabia, pelo seu difícil trabalho, como eram
importantes estes objectos. Nesse momento, foi trazido um canhão
para destruir a parte em chamas do edifício de modo a salvar o
resto. João pediu-lhes que parassem, subiu ao telhado, tendo
separado com um machado a parte em chamas. Conseguiu, mas acabou por
cair do telhado em chamas. Todos pensaram que teriam perdido o seu
herói, até que João de Deus apareceu miraculosamente de entre o
fumo. (Por esta razão, João de Deus é o Santo Padroeiro dos
bombeiros).
João
estava doente quando ouviu que uma cheia estava arrastando madeira
para perto da vila. Saltou da cama para recolher essa madeira do rio
em fúria. Tendo um dos seus companheiros caído ao rio, João sem
pensar na sua doença e segurança atirou-se ao rio para o salvar. Não
conseguiu salvar o rapaz e apanhou uma pneumonia.
Morreu
no dia 8 de Março, no aniversário dos seus cinquenta e cinco anos,
do amor impulsivo que o guiou toda a vida.
http://www.paroquia-sjoaodeus.pt/saojoao2.html |