Conselheiro de Bispos e nobres,
pregador, diretor de almas, coluna da Igreja e um dos paladinos da
Contra-Reforma católica no século XVI, São João de Ávila pode ser chamado pai
espiritual de grande número de Santos na Espanha de sua época.
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De repente,
ouve-se na igreja um soluço que mais parecia um rugido: um homem de grande porte
sai do templo, onde predica o Pe. Mestre Ávila na festa de São Sebastião,
dando
fortes pancadas no peito compungido: era o futuro São João de Deus !
Esse foi um
dos esplêndidos frutos da pregação ardente e sobrenatural de São João de Ávila,
o qual figura entre os maiores santos espanhóis de sua época, com Santo Inácio
de Loyola e Santa Teresa de Jesus.
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João de Ávila
nasceu no ano de 1500 na pequena cidade de Almodóvar del
Campo, na Diocese de Toledo. Seus pais, Alonso de Ávila e Catarina Xixón, eram
“dos mais honrados e ricos do lugar”. O pai descendia de “cristãos novos”
(judeus convertidos).
Precoce na
inteligência e piedade, notava-se nele desde menino uma já notável mortificação,
muita propensão para a oração, devoção profunda ao Santíssimo Sacramento e um
amor especial pelos pobres.
Aos 14 anos
foi mandado para a famosa Universidade de Salamanca para estudar Direito. Não
terminara ainda esse curso quando, sentindo um apelo especial de Nosso Senhor
para Seu inteiro serviço, abandonou o estudo voltando para casa. Nela permaneceu
três anos em grande recolhimento, oração, penitência e frequência aos
Sacramentos. Passava várias horas do dia em adoração diante do Sacrário.
Seu intenso
amor de Deus dirigiu-o, enfim, ao sacerdócio, pelo desejo de atrair o maior
números de pecadores a seu Criador. Continuou assim seus estudos na não menos
famosa Universidade de Alcalá, onde foi discípulo do renomado Domingos de Soto,
que predisse ao seu aluno um brilhante futuro.
No dia de sua
ordenação, o Pe. João de Ávila vestiu e serviu com as próprias mãos refeição a
12 mendigos em honra dos Apóstolos. Único herdeiro da grande fortuna dos
falecidos pais, vendeu tudo, distribuindo o obtido aos necessitados. Desde então
passaria a viver de esmolas.
Começou então
“uma vida austeríssima, de grande recolhimento e mortificação, dada à oração
e favorecida com extraordinárias visões e revelações”.
“Às mortificações do corpo, juntava as do espírito. Morria todos os dias para
si mesmo pela prática de uma renúncia absoluta, de uma humildade profunda e de
uma inteira obediência”.
Apóstolo da Andaluzia
Sedento de
almas, o jovem sacerdote dirigiu-se a Sevilha com o intuito de embarcar para as
Índias, a fim de converter a multidão de pagãos que morria sem conhecer o
verdadeiro Deus. Enquanto esperava a partida, um dia em que celebrava a Missa e
pregava em uma paróquia da cidade, foi ouvido pelo Servo de Deus, Pe. Fernando
de Contreras. Vendo o grande tesouro espiritual que se encerrava naquele
sacerdote de aspecto humilde e mortificado, quis saber de quem se tratava.
Conhecendo assim o projeto do Pe. João de Ávila, pediu o referido Pe. Fernando
ao Grande Inquisidor que ordenasse ao sacerdote, em nome da santa obediência,
que permanecesse na Espanha, onde poderia obter também imensos frutos. Dessa
forma começava sua carreira apostólica o grande Apóstolo da Andaluzia.
“O Espírito Santo fala por sua
boca”
Como pregador,
o Pe. Ávila adquiriu logo grande renome. Escolheu São Paulo como modelo e
patrono. Preparava-se para cada sermão com muita oração e penitência, a fim de
obter que a graça divina o assistisse e a seus ouvintes.
Aos poucos a
fama do novo pregador espalhou-se por toda a Andaluzia. “Sua popularidade é
extraordinária. Quando prega, lotam-se as igrejas e tem que fazer seus sermões
nas praças públicas”.
“Dir-se-ia que o Espírito Santo falava por sua boca, de tal modo seus sermões
estavam cheios desses traços de fogo que convertem e mudam os corações. Ele
retirava do vício aqueles que nele estavam enchafurdados, e confirmava no bem
aqueles que não se tinham desviados das vias da justiça”.
Não é de
admirar que, durante seus sermões “até os rapazes que o ouviam, choravam; e
quando terminava o sermão, era coisa maravilhosa ver as pessoas que o seguiam
beijando-lhe as mãos e a roupa e mesmo os pés, se não houvera impedido”.
Os sermões do
Pe. Mestre Ávila tornaram-se tão famosos, que as pessoas dirigiam-se já de
madrugada às igrejas onde ia pregar, para obter um bom lugar. Às vezes, sendo
pequena a igreja, ele tinha que pregar nas praças públicas. E, lotando-se estas,
as pessoas subiam até nos telhados das casas para ouvi-lo, ficando por mais de
duas horas presos às suas palavras.
Ante o Tribunal da Santa
Inquisição
Naquela época
em que toda a Europa era abalada por cismas e pseudo-reformadores, e na própria
Espanha uma seita, a dos iluminados, sob aparências de alta virtude, enganava
muita gente piedosa, o Santo Tribunal da Inquisição estava muito ativo para
opor-se a qualquer novidade duvidosa. Fala a favor dessa instituição tão
caluniada, o fato de que vários Santos, acusados por inimigos, foram a ela
levados, julgados e, evidentemente, inocentados. Assim sucedeu com Santo Inácio
de Loyola e com a grande Santa Teresa de Jesus.
Da mesma forma
coube ao santo Mestre Pe. Ávila a glória de ser acusado por invejosos perante o
temível Tribunal, e de permanecer nele preso enquanto corria seu processo. Nesse
isolamento concebeu uma de suas mais famosas obras, Audi, Filia (Ouve,
Filha) escrita para uma de suas dirigidas a quem desejava elevar a eminente
santidade.
Evidentemente,
foi comprovada a inocência do Santo, fazendo tal evento brilhar mais sua
ortodoxia.
Conselheiro de Prelados e
correspondência com Santos
Para sustentar
os inúmeros discípulos que se formaram a seu redor, o Pe. Mestre Ávila dedicava
boa parte de seu tempo à correspondência e a escrever obras espirituais.
Diz o grande
teólogo Frei Luís de Granada que “as cartas lhe chegavam de todas as partes
da Espanha. E, em seus últimos anos, era ele conselheiro nato de vários
prelados, como o Arcebispo de Granada, D. Pedro Guerrero, D. Cristóbal de Rojas,
bispo de Córdoba e D. Juan de Ribera, bispo de Badajoz e mais tarde arcebispo de
Valência”.
Este último seria também elevado à honra dos altares.
São João de
Ávila manteve correspondência com quase todos os Santos espanhóis contemporâneos
seus, como São Pedro de Alcântara, Santo Inácio de Loyola, Santa Teresa de
Jesus, São Francisco de Borja e São João de Ribeira.
Humildade do Santo em face de
Santo Inácio
Se bem que o
Pe. Mestre de Ávila tenha atraído muitos discípulos, não formou ele nenhuma
Ordem religiosa. Mas, ao conhecer melhor a Companhia de Jesus, disse ao jesuíta
Pe. Villanueva: “Isso é o que eu andava atrás há tanto tempo. E agora dou-me
conta de que não me saía porque Nosso Senhor havia encomendado esta obra a
outro, que é vosso Inácio, a quem tomou por instrumento do que eu desejava fazer
e não conseguia”.
Santo Inácio o
tinha em alta conta, escreveu-lhe diretamente, e ordenou aos seus representantes
na Espanha — inclusive a São Francisco de Borja que acabara de ser recebido na
Companhia — que visitassem o Pe. Mestre de Ávila e tudo fizessem para atraí-lo
para sua Ordem. O Mestre Ávila respondeu diretamente a Santo Inácio que estava
disposto a nela entrar se não estivesse constantemente tão doente. Mas
aconselhou a trinta dos seus melhores discípulos que o fizessem. Doou à
Companhia de Jesus vários dos colégios por ele fundados, e quis ser enterrado na
igreja da Ordem em Montilla.
Os jesuítas da
Espanha tinham por ele grande veneração, consultavam-no em casos difíceis, e o
assistiram em seu leito de morte.
Pléiade de discípulos
admiráveis
Aos poucos,
muitos discípulos, atraídos por sua santidade, haviam se reunindo em torno do
Pe. Mestre Ávila. Inúmeros leigos, alguns da alta nobreza, também puseram-se sob
sua direção. Houve casos, como o da Condessa Ana Ponce de León, em que não só a
castelã, mas todas suas donzelas de serviço entregaram-se definitivamente a uma
vida verdadeiramente religiosa. Três de suas convertidas, por ele dirigidas,
morreram em odor de santidade, tendo sido favorecidas com grandes graças
místicas.
Um outro grupo
de discípulos seus, liderados pelo Servo de Deus Pe. Mateus de la Fuente,
dedicou-se à vida contemplativa como solitários junto ao monte Tardón,
restaurando depois na Espanha a primitiva Ordem de São Basílio. Outros ainda
aderiram à reforma de Santa Teresa, vindo a tornar-se proeminentes Carmelitas
Descalços. Um terceiro grupo, infelizmente, veio a ser o desgosto de sua vida.
Entregues estes membros também à vida contemplativa, apesar das admoestações
veementes e enérgicas do Santo — que via o perigo que corriam por buscar o
deleite espiritual pelo deleite em si — dele se afastaram, acabando por seguir a
seita dos iluminados e serem condenados pela Inquisição.
Vocação especial diante do
sofrimento
A partir dos
50 anos, ou seja, nos últimos 19 anos de sua vida, o Pe. Mestre João de Ávila
esteve sempre doente, algumas vezes impossibilitado mesmo de levantar-se, seja
com alta febre, seja com terríveis dores renais (descobriram-se três pedras em
seus rins, depois de sua morte). Nem por isso deixava de atender aos inúmeros
visitantes ou de ditar cartas para os seus dirigidos. À primeira melhora, já
estava no púlpito.
“Sua ânsia
pelo martírio se satisfazia no leito de dor, e constantemente repetia: ‘Senhor
meu! Cresça a dor, e cresça o amor, que eu me deleite em padecer’”.
Quando as dores eram mais insuportáveis, bem espanholamente exclamava:
“Senhor: mais mal, e mais paciência”. E, também: “Fazei comigo, Senhor,
como faz o ferreiro: mantende-me com uma mão, e batei-me fortemente com a outra”.
Às dores
abdominais, acrescentaram-se, nos meses anteriores à sua morte, outras
agudíssimas no ombro e lado esquerdo das costas. No mês de março, o médico, como
verdadeiro católico, lhe disse: “Senhor, agora é o tempo em que os
verdadeiros amigos digam as verdades: vossa reverendíssima está morrendo. Faça o
que é necessário para a partida”. O Pe. Mestre Ávila elevou os olhos ao céu
numa súplica à Santíssima Virgem, e pediu em seguida os Sacramentos que recebeu
com a mais tocante piedade.
Aos sacerdotes
da Companhia de Jesus que acorreram junto ao seu leito de morte, perguntou :
“Padres meus: o que costumam dizer aos que serão enforcados ou queimados quando
os acompanham ao patíbulo?”. Responderam eles: “Que ponham sua confiança
em Deus e n’Ele confiem”. O moribundo então suplicou-lhes : “Meus padres,
digam-me então muito isso”.
Na madrugada
do dia 10 de maio de 1569, o Pe. Mestre João de Ávila foi receber no céu “o
prêmio demasiadamente grande que Deus reserva àqueles que O amam”. A uma
discípula foi revelado por um anjo que sua alma não passara pelo Purgatório, mas
fora diretamente para o Céu.
Santa Teresa
de Ávila, que estava em Toledo na casa de Dona Luisa de la Cerda, quando recebeu
a notícia pôs-se a chorar copiosa e sentidamente. Às Irmãs que lhe perguntaram a
razão desse tão profundo pranto, uma vez que o Pe. Mestre de Ávila deveria já
estar gozando de Deus, respondeu : “Disso estou bem certa. Mas o que me dá pena
é que a Igreja de Deus perde uma grande coluna, e muitas almas, um grande amparo
que tinham nele, que a minha, apesar de estar tão longe, o tinha por causa disso
obrigação”.
Os desígnios
de Deus são imperscrutáveis. Apesar de todos esses sinais e testemunhos
universais de santidade, o Pe. Mestre Ávila só foi beatificado em
1894 — portanto, mais de três séculos depois — e seria canonizado quase oitenta
após a beatificação, em 1970 !
Afonso de Souza
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