O LUGAR DE D.
GABRIEL DE SOUSA, ABADE DO MOSTEIRO DE SINGEVERGA,
JUNTO DA BEATA ALEXANDRINA
Foi em Singeverga que
o autor deste artigo estudou desde o fim da quarta classe até entrar para a
Universidade. Lá, conheceu o então abade, D.
Gabriel
de Sousa, e leu a primeira biografia da Alexandrina – há mais de 40 anos
–, que
aliás não lhe deixou boa impressão (que impressão poderia ela, semeada de
fotografias «cadavéricas», abordando uma mística da bitola de Alexandrina,
deixar a um adolescente de treze ou catorze anos?)
Venhamos à relação de
D. Gabriel de Sousa com Balasar. Este douto abade beneditino (nascido em
Besteiros, Paredes, em 1912 e já falecido) surge nos escritos de Alexandrina nos
derradeiros anos da sua vida; e surge em companhia de outro beneditino, o
espanhol P.e Ramirez. D. Gabriel de Sousa deveria então andar grandemente
empenhado na gigantesca obra do novo mosteiro (que nunca se concluiu); ia ser
agora o presidente duma segunda comissão, apoiada pelo Arcebispo de Braga, para
estudar a Doente do Calvário. Integravam-na o P.e Dr. Sebastião Cruz e outros,
como o Prof. da Universidade de S. Tiago de Compostela e sacerdote, Dr. Luís
Filipe Cavalhero, e o já mencionado P.e Ramirez. A própria Alexandrina se refere
a estes sacerdotes numa carta ao P.e Mariano Pinho, em 3 de Novembro de 1953:
O secretário do arcebispo, Dr. Sebastião Cruz, trouxe aqui um
cónego e professor de Salamanca. Dizem que partiu muito satisfeito; perante ele,
o Dr. Cruz disse-me que tem estado e está do meu lado.
Parece que vem um místico de Salamanca para estudar o caso
com ele e com o Abade de Singeverga, que está a examinar os escritos.
Como vê, temos muitos amigos e muito inimigos; mas os amigos
são mais.
Quem não se convencia
inteiramente dos méritos de D. Gabriel de Sousa era o Dr. Azevedo: não o
considerava à altura da tarefa. Mas isso não o diz na carta que lhe dirigiu em
Julho do referido ano de 1953:
Ex.mo e Rev.mo Senhor D. Abade, Singeverga
Por dever de consciência e para informação, venho declarar a
V.Ex.cia que, no pressentimento, pela conversa havida entre nós, na reunião, em
Singeverga, do dia 2 do mês corrente, de que os Srs. Luís Filipe e Gregório
Pereira quereriam que a Alexandrina Maria da Costa, de Balasar, fosse
transportada para uma casa de saúde do Porto, para o respectivo estudo clínico e
desejando (?) a minha opinião da possibilidade dessa deslocação, sem perigo de
maior para a doente (que, segundo me disse, está pronta a obedecer, ainda que
morresse na viagem), para me isentar de responsabilidades, fui convidar o Sr.
Prof. Doutor Carlos Lima e o Sr. Dr. Gomes de Araújo, para, se fosse necessário,
numa conferência, na casa da doente, com os supramencionados Médicos, ser
resolvido se seria possível essa deslocação da doente. Responderam-me esses
Médicos que aceitavam com o maior gosto esse meu convite de assistir a essa
conferência, declarando-me, principalmente o Sr. Dr. Gomes da Araújo, que também
estavam prontos a fazer mais declarações, referentes à doente, e a completar o
Relatório que fora julgado há anos incompleto pelos Teólogos, pedindo também o
Sr. Dr. Gomes de Araújo o favor de, sendo possível, estarem presentes os
Teólogos, a fim de lhes serem dados esclarecimentos, que julgassem necessários.
V. Ex.cia julgará o que muito bem entender, parecendo-me que deveriam ser
registados todos esses esclarecimentos oferecidos, dados por quem já conhece a
doente, e atinentes à investigação da verdade, que queremos obter. Saudando V.
Ex.cia Rev.ma sou com a máxima consideração e estima o atento, venerador e muito
obrigado
Manuel Augusto Dias de Azevedo.
Ribeirão, 9 de Julho de 1953.
A disponibilidade
dos Médicos Prof. Doutor Carlos Lima e Dr. Gomes de Araújo para garantirem de
novo a sua certeza do jejum da Alexandrina, quando se passavam dez anos sobre a
sua estada no Refúgio de Paralisa Infantil, deve ser registada, pois dá uma
garantia suplementar.
Ficou célebre um
escrito de D. Gabriel de Sousa relativo à Beata de Balasar:
A lembrança que me ficou
Às vezes, de visita a lugares célebres,
trago entre as folhas do canhenho
a pétala duma flor;
ela seca, perde o aroma,
e só fica a valorizá-la a data que se lhe inscreve.
Fui a Balasar um dia. Voltei uma segunda vez.
E também trouxe de lá,
entre as folhas do Livro de Horas de minha pobre vida,
uma pétala de lembrança.
Mas essa ainda não murchou,
ainda não perdeu o aroma:
a visão duma alma angelical,
através duns olhos de pureza,
como nesta derrancada terra se não encontram.
E, do Calvário da Alexandrina Costa,
foi esta a dolorosa e imaculada lembrança
que me ficou.
G S
Este escrito, cuja
apresentação em verso livre é da nossa responsabilidade, foi originalmente
publicado no Boletim de Graças, por proposta do autor, e serve de prefácio ao
livro de Gabriel Bosco Alexandrina de Balasar e, em tradução
italiana, vem numa das páginas iniciais de Figlia del Dolore, Madre di Amore
e de Anima Pura, Cuore di Fuoco.
D. Gabriel de Sousa ainda pôde estar presente, em 13 de Outubro
de 1996, à celebração, presidida por D. Eurico Dias Nogueira, em que se fez a
recepção solene do Decreto sobre as Virtudes Heróicas da Alexandrina, como então
um jornal poveiro noticiou:
Concelebraram o bispo
de Bragança, D. António Rafael, o bispo de Vila Real, D. Joaquim Gonçalves, os
bispos auxiliares de Braga, D. Jorge Ortiga e D. Jacinto Botelho, a Abade
Emérito do Mosteiro de Singeverga, D. Gabriel de Sousa, o postulador da causa da
beatificação e várias dezenas de sacerdotes, quase todos do Arciprestado de Vila
do Conde e Póvoa de Varzim, entre os quais estava o arcipreste, Monsenhor Manuel
Amorim. A afluência de devotos e peregrinos foi muito grande. Comemorava-se
também o 41.º ano do falecimento da Venerável.
José Ferreira
|