“É DEBAIXO DA TUA MISÉRIA...”

Esta longa carta escrita no dia de Todos os Santos, contém numerosas indicações importantes : as intervenções de Jesus e os sentimentos que habitam então o coração da Beata Alexandrina.

Jesus quer unir cada vez mais fortemente o se Coração ao da Alexandrina que, não sabendo como amar mais, pergunta a Jesus como deve fazer...

Jesus afirma-lhe igualmente nunca a abandonar e estar sempre no seu coração humilde e generoso...

Mais ainda, “Nosso Senhor disse-lhe para ela fazer um contrato com Ele : ela, iria consolá-lo e amá-lo em todos os sacrários, e Ele consolá-la-ia de todas as suas aflições e necessidades”... porque Jesus é também o seu consolador !

Jesus afirma-lhe ainda que ela é um sacrário não feito por mãos humanas mas divinas, sacrário no qual o Senhor se sente bem...

Mas Jesus deseja sobretudo que a sua esposa de Balasar aprenda as suas lições, de maneira que possa também dispensá-las àqueles que lhe serão confiados : a humanidade inteira !

Uma lição de Jesus :

— “Estou contigo no meio da tua frieza, estou a experimentar-te. Assim aumento mais em ti o meu amor do que se estivesses sempre abrasada.”

E, quase a terminar, a Beata Alexandrina explica ao seu Director espiritual porque razão ainda não lhe tinha dito todas estas coisas : “Há muito que desejava explicar a Vossa Reverência algumas coisas que se passam em mim mas o pouco espaço de papel não mo permitia.”

Os seus 30 anos não a impedem de ser “traquina” e de utilizar o humor jovial que sempre a caracterizou.

* * * * *

« Balasar, 1 Novembro de 1934

Viva Jesus !

Sr. P Pinho,

Como tenho uma particular afeição pelas quintas-feiras, aqui me tem, de novo, outra vez a escrever a Vossa Reverência.

Vou continuar a minha tarefa expondo tudo conforme Nosso Senhor me recomenda. Há dias dizia-me Nosso Senhor assim :

— Minha filha, minha filha, escuta o teu Jesus. Estou no íntimo da tua alma e acho-me bem. Não te entristeças com tudo o que encontras em ti. Sou eu para te unir mais a mim e estreitar-te mais ao meu Coração.

Perguntei eu ao meu Jesus o que havia de fazer para o amar muito e Ele disse-me :

— Anda para os meus sacrários consolar-me, reparar. Não descanses em reparar ; dá-me o teu corpo para o crucificar. Preciso de muitas vítimas para sustentar o braço da minha justiça e tenho tão poucas, anda substituí-las.

Por outra vez dizia-me :

— Minha filha, que temes tu nos braços do teu Jesus ? Que podes tu temer no colo do teu esposo ?

Noutra ocasião falou-me assim :

— Ó minha filha, eu estou contigo. Como eu te amo ! Nunca te abandono ! Procura-me em cada uma das tuas necessidades ! Se soubesses os desejos que tenho em favorecer-te !

Nosso Senhor disse-me para eu fazer um contrato com Ele : eu, ir consolá-lo e amá-lo em todos os sacrários, e Ele consolar-me-ia de todas as minhas aflições e necessidades. Eu perguntei a Nosso Senhor: a quem eu vou consolar, ao meu Criador, ao meu amor, ao Rei do Céu e da terra? E Nosso Senhor disse-me :

— Que tens tu com isso ? Escolhi-te assim. É debaixo da tua grande miséria e dos teus crimes que eu escondo a minha grandeza, a minha omnipotência, os raios da minha glória. Anda para os meus sacrários, repara no meu silêncio, na minha humildade e no meu abatimento. Faz que eu seja amado por todos no meu sacramento de amor, o maior dos meus sacramentos e o maior milagre da minha sabedoria !

E disse-me para eu dizer a Vossa Reverência que queria bem pregada e bem pregada a devoção aos sacrários. Que não eram só os que não queriam crer na sua existência, no S. S. Sacramento e contra Ele blasfemavam, mas que eram tantos, tantos os que iam aos templos e lá se demoravam sem o saudar e nem por um momento pensavam Nele.

— Repara, minha filha, tudo isto e faz que eu seja amado.

Num outro dia disse-me o meu Jesus que pedisse muito pelos pecadores. Eles já não encontram no mundo coisas com que O possam ofender mais.

— Pede-me por eles, não descanses ; o meu castigo cai, o meu castigo cai. Ó filhinha querida, estou contigo, habito em ti como se só tu existisses no mundo e só a ti tivesse que beneficiar.

Mas que exigia de mim que, assim como Ele me era fiel em habitar em mim para me consolar, que queria que eu lhe fosse fiel em habitar em espirito em todos os seus sacrários para o consolar e amar na sua prisão de amor e que lhe desse todo o meu corpo para ser vítima. Ainda que tivesse muitos milhares de vítimas que ainda era pouco para tantos pecados e crimes. O que por aí vai.

Doutra vez Jesus dizia-me :

— Eu sou o teu consolador.

Nosso Senhor disse-me que me havia de mostrar os sacrários em que Ele queria que eu estivesse com mais frequência. Nosso Senhor disse-me que se eu não mandasse dizer tudo isto a Vossa Reverência, praticaria um grande acto de desobediência.

— Minha filha, não estou só contigo quando me pedes para te consolar. Sou o teu Mestre. Feliz de ti se bem aprenderes as minhas lições e bem as praticares. Estabeleci em ti a minha morada.

Disse-me que eu era um sacrário, não construído por mãos humanas, mas por mãos divinas. Habita em mim para me consolar, mas, que me queria nos seus divinos sacrários para o amar e consolar ; que me aconchegasse muito a Ele e que Lhe pedisse muito pelos pecadores para que o seu divino sangue não tivesse sido derramado inutilmente por eles.

Numa ocasião que estava sozinha entretida com Nosso Senhor, entrou uma pessoa e Ele disse-me :

— Vai para que não dêem por ela, mas não te distraias. Distrai-te comigo, que estou contigo para te consolar, mas quero-te comigo em espírito diante dos meus sacrários.

Noutra ocasião, dizia eu assim a Nosso Senhor :

― Falai, meu Jesus, falai que a vossa filhinha vos escuta. Anseio por me instruir na vossa escola.

E Nosso Senhor respondeu-me :

— E eu anseio que aprendas todas as minhas lições. Tenho muito que te ensinar e tu muito que aprender para que, por ti, venham muitos a aprender as mesmas lições, calcarem as mesmas pisadas e seguirem-te nos teus caminhos.

Ó minha filha, não conheces o efeito da minha presença em tua alma ? Sou eu a purificar-te cada vez mais, a embelezar mais o trono da minha habitação. Sê-me fiel, repara-me nos meus sacrários. Estou sozinho ! Em tantos, tantos tão desprezado, tão ofendido, tão escarnecido ! Consola-me, Tem dó de mim! Faz que eu seja amado.

E disse-me mais ainda, que, se eu O consolasse muito nos seus Sacrários e Lhe desse todo o meu corpo, podia ter a certeza que O consolava e amava muito, que era uma esposa muito fiel ao Seu esposo e uma filha muito querida do seu Jesus ; e disse-me que precisava de muitas vítimas para reparar. Eu pedi a Nosso Senhor para que me falasse e Ele disse-me assim :

— Como te não hei-de falar se anseio instruir-te e ensinar-te ! Nunca te deixarei. Sabes quando te deixo ? Quando te chamar à minha divina presença para te levar para o Céu ; então, é que deixarei o teu corpo. Sou Senhor da tua alma e do teu corpo : Dás-mo de boa vontade, para eu o crucificar pelos pecadores ? Por tantos ? A vida deles está por um fio e eles em que miserável estado ! Aceitas ? Assim me consolarás muito. E os meus sacrários ? Nunca será de mais a minha recomendação. Ama-me muito, faz que eu seja amado! Estou na prisão, dá-me almas, muitas almas.

Domingo, dia 28, tive a felicidade de receber o meu querido Jesus. Mas apesar disso, sentia-me fria, sem nenhum fervor. Mesmo assim, tive a grande felicidade de ouvir a Nosso Senhor no fim da Sagrada Comunhão e outra vez à tarde. Falou-me Nosso Senhor assim :

— Estou contigo no meio da tua frieza, estou a experimentar-te. Assim aumento mais em ti o meu amor do que se estivesses sempre abrasada.

Disse-me que era no meio dos meus gelos que Ele apagava as chamas do seu divino amor e que não me afligisse, que tivesse confiança. E disse que eu era a esposa d’Ele crucificada para reparar os pecados do mundo.

— Minha filha, que horror ! Está quase a tornar-se impossível conter-se a justiça de Deus. Pede-me por eles, são teus irmãos.

Deixaram-me impressionada estas palavras, que já estão escritas, de Nosso Senhor me dizer que era no meio dos meus gelos que Ele apagava as chamas do seu divino amor. Não sei se as compreendo ; por caridade peço-lhe para mas explicar, que não fosse eu compreendê-las mal, pois vir Nosso Senhor apagar em mim as chamas do seu divino amor !

— Minha filha, ó minha amada, eu estou contigo. Oh ! Como eu te amo ! São tão fortes as cadeias de amor que me prendem a ti, que as não posso quebrar, não te posso abandonar. Sê-me fiel, ama-me muito, deixa o mundo por completo, que não te pertence. Não queiras aquilo que não é teu. O mundo a quem deves amar, servir e prestar todas as homenagens sou eu, nos meus sacrários.

E disse-me que estava como aqueles presos aos quais a justiça, ainda não satisfeita com a prisão, procurava mais meios para os castigar.

Mas que Ele era a justiça e que os criminosos procuravam todos os meios para lhe aumentar as penas e o ofender, que ao menos eu o amasse e desagravasse. Disse-me, também, Nosso Senhor, que queria continuar em mim a sua obra, que não queria ficar só nisto que lhe queria dar o remate. Eu que mandasse dizer isto a Vossa Reverência.

Antes de Nosso Senhor me falar, eu sentia uma união tão grande, tão grande e disse-me então :

— Ainda dúvidas que é teu Jesus quem te fala ? Ainda dúvidas que habita na tua alma o amor dos amores? E os meus sacrários ? Hoje que é sábado que eu vou ser tão ofendido ! Tantos, tantos que vão gastar o que ganharam durante a semana na taberna e no jogo e em tantos crimes ! Pede-me por eles, minha filha, são teus irmãos.

Isto foi sábado dia 27, haviam de ser 6 horas da tarde. Quando eram quase 11 da noite, disse-me Nosso Senhor :

— Olha os meus sacrários nesta hora ! Que grande chuva de crimes lá caiem.

E disse-me que naquela noite tantas e tantas almas cairiam no inferno, que passariam do pecado para lá. Oh ! como fiquei triste ! E então disse-me Nosso Senhor :

— Tens razão são teus irmãos, mas também são meus filhos ; morri por eles e por eles dei até à última gota de meu sangue, mas pede-me por eles que ainda alguns os pouparei.

Calcule como fiquei. Rezei algumas coisas o melhor que pude. Se a Deolinda estivesse só em casa chamava por ela para vir rezar comigo e ver se conseguia que o meu Jesus os poupasse. Estava para dar a meia-noite quando Nosso Senhor me tornou a falar e me contou que, dentro daquela hora, já tinham caído no inferno muitas almas; que não fora Ele que para lá as levara, mas sim elas, cegas pelas paixões, que lá se meteram. Eu, ainda no dia seguinte continuava triste.

Noutra ocasião, disse-me o meu Jesus :

— Minha filha, minha querida, ó minha amada. Estou contigo, amo-te tanto.

E pediu-me que o amasse muito, mas que não queria só o meu amor, mas que fizesse com que outros o amassem também. Pediu-me que fixasse a minha morada nos seus sacrários ; que queria muitas guardas fiéis prostradas diante dos sacrários para que não deixassem cair lá tantos e tantos crimes, que ao menos eu o amasse e reparasse.

— Ai minha filha, como eu estou triste, queres participar da minha tristeza ? Queres associar-te a mim ? Se me amas não me dês uma negativa. Queres associar-te aos meus sacrários ? Alerta e bem firme para impedires aquela chuva miudinha de pecados que lá caiem, aquele dilúvio de crimes que nem por um momento deixa de lá cair. Eu mando-lhes avisos, chamo-os por tantos modos, não fazem caso. Infelizes ! Vão ser castigados em breve. Não posso mais, não posso mais.

Dizia-me Nosso Senhor isto como quem ralha, como quem não está contente; e, no fim, disse :

— Ama-me, consola-me!

No fim sentia como uma força a abraçar-me e dizia-me o meu bom Jesus:

— Amo-te, possuo-te, és minha.

E disse-me que, para mim, foi uma queixa amorosa, que era para me ter sempre alerta.

Minha filha, minha filha, ó meu amor, escuta o teu Jesus, escuta os meus pedidos. Dás-me o teu corpo para o crucificar ? Mas exijo de ti muitos e grandes sofrimentos ; é dolorosa a crucifixão. Não mo negues, por meu amor, é para acudires aos pecadores teus irmãos, aos ceguinhos, não de nascença mas cegos pelas paixões. Por ti espero que muitos venham a mim com essa cruz que eu te dei e tu por meu amor abraçaste.

E disse-me o meu bom Jesus que me havia de mostrar, no Céu, os pecadores que com meus sofrimentos se salvaram, não por mim mas por Ele, que me escolheu para este ofício. Disse-me ainda :

— Alerta nos meus sacrários, estou sozinho em tantos, tantos ! Passam-se dias e dias que me não visitam e não me amam e não me desagravam. Quando lá vão, é por um hábito, por uma obrigação. Sabes o que nunca lá deixa de cair ? É aquela corrente de pecados, de horrendos crimes. São os actos de amor que me mandam, é assim que me consolam, é assim que me desagravam, é assim que me amam !

Eu, cada vez me sinto com mais desejo de amar a Nosso Senhor, mas não sei se adianto alguma coisa ou se estou sempre a pisar no mesmo sitio; o que me anima um pouco, é Nosso Senhor dizer-me que se contenta com os meus desejos.

Há muito que desejava explicar a Vossa Reverência algumas coisas que se passam em mim mas o pouco espaço de papel não mo permitia. O meu Jesus, ora dum meio ora doutro, faz-me sentir os efeitos da sua divina presença na minha alma. Umas vezes, ainda antes de me falar, eu sinto como que uns fortes abraços, e outras vezes é no fim ; de repente, vem-me um calor tão forte, tão forte, que nem sei explicar : às vezes sinto-me tão acariciada por Nosso Senhor ! E eu não sei como hei-de corresponder a tantos benefícios ; por caridade, agradeça Vossa Reverência, ao meu bom Jesus por mim. Peço-lhe perdão por ir uma escritura, mas foi para poder mandar coisas que tinha já muito atrasadas.

Muitas lembranças da Mãe e da Deolinda. Ela não escreveu hoje porque já ia demais. Desculpe-me ir datada da quinta-feira e só hoje, sábado, é que se deita ao correio. Não pude acabar antes, até chorei.

Adeus, peço que abençoe esta pobre

                        Alexandrina Maria da Costa.[1]


[1] Carta ao Padre Mariano Pinho :  1 de Novembro de 1934.

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