A
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira dedica um artigo de
quase uma coluna ao cónego Molho de Faria. Estava ele na força da
vida, com cerca de 45 anos. Faleceria em 1982, com 78.
Nesta
enciclopédia, como se sabe, os artigos não são assinados. Mas é de
crer que o escrito tenha bastante de autobiográfico. Lembre-se já
agora que data de 1943 a primeira intervenção do Cónego Molho de
Faria em Balasar, como presidente da comissão que foi estudar a
Alexandrina. Claro que nada disso vem nesta biografia.
Veja-se
o que então se escreveu:
Sacerdote, professor e escritor, nasceu em Terroso, Póvoa de Varzim,
a 22 de Outubro de 1904.
Seus
pais, modestos lavradores minhotos, visto possuírem três filhos, dos
quais o biografado era o mais velho, tiveram grande dificuldade em
mandá-lo estudar. Só em 7 de Janeiro de 1920 ingressou no Seminário
Conciliar de Braga.
Em 17
de Outubro de 1925, tendo completado já os sete anos de
preparatórios e o 1º de Teologia, o arcebispo primaz, D. Manuel
Vieira de Matos, apreciando altamente os seus dotes intelectuais e
morais, enviou-o a Roma para cursar a Universidade Gregoriana.
Em 1928
doutorava-se, na dita Universidade, em Filosofia, e, quatro anos
depois, igualmente em Teologia. Foi ordenado em 20 de Fevereiro de
1930 e, no dia seguinte, celebrou a sua primeira missa na basílica
de S. Pedro.
Regressado de Roma em 1932, foi nomeado pelo arcebispo primaz
professor efectivo de filosofia e Teologia Dogmática no Seminário
Maior de Braga, onde, nos anos subsequentes, a sua acção professoral
se alargou à regência das principais cadeiras que hoje detém. Em
1935, o arcebispo primaz nomeou-o assistente diocesano da Acção
Católica; em 1937, examinador e juiz sinodal; em 1940, director da
revista oficial da arquidiocese; em 1942 foi investido na dignidade
de cónego da sé primacial de Braga e na de supremo juiz do tribunal
eclesiástico de 1ª e 2ª instâncias de Braga e de toda a província do
Norte de Portugal, etc.
A sua
notabilíssima actividade literária principiou em 1933 com variada
colaboração nas revistas Acção Católica (órgão oficial do
arcebispado primaz), Verdade e Vida (Porto) e Cenáculo
(revista do seminário conciliar bracarense), assim como no Diário
do Minho, Escola Remoçada, etc., colaborações que mantém
com a direcção da Acção Católica, onde tem a seu cargo uma
secção de críticas literárias e outra secção de consultas, onde se
debatem os mais intricados problemas da religião, da moral e do
sacerdócio, em si ou nas suas relações com matéria secular ou
profana.
A
partir de 1935 publicou muitas obras em volume, algumas das quais
esgotadas, alcançando grande reputação pelo seu mérito literário e
pelo intento moralizador das juventudes. Entre essas obras, são
principais: Cronologia da Paixão de N. S. Jesus Cristo, 1935;
Maria da Consolação, biografia, 1938, 1941 e 1943; Os
Bailes e a Acção Católica, 1939, obra aumentada e totalmente
refundida em 1946; Os Namoros, 1942; O Pudor e a Modéstia
Cristã, 1943; Os Namoros e a Vocação Matrimonial, 1944;
A Imprensa e a Acção Católica, 1945; A Continência
Periódica e a Moral, 1947; no prelo (1948): O Catolicismo em
Derrocada? E S. Bento da Porta Aberta (monografia), obras
na sua maioria de vasta extensão e largo intuito e alcance social.
Tem em preparação, também, em 1948, Questões Modernas de Moral e
Justiça e anuncia um vasto trabalho de muitos anos de estudo
sobre vários filósofos e teólogos portugueses.
Em 28
de Março de 1934, no Diário do Minho, o Cónego Melo Peixoto
dedicou um artigo ao «Arcediago Doutor António Gonçalves Molho de
Faria». A este título acrescenta o articulista o subtítulo
«Professor do Seminário Conciliar, Director da Revista Acção
Católica e Oficial da Cúria Arquidiocesana».
Depois
de referir o seu ingresso no seminário bracarense e os seus estudos
na Gregoriana, continua o autor:
… em
1932, regressou à Arquidiocese e foi nomeado Professor efectivo no
Seminário Conciliar, regendo cadeiras em Filosofia e no Curso
Teológico, mormente Metafísica e Teologia Dogmática.
Professor abalizado de inúmeras gerações, exigente mas compreensivo,
acolhedor mas conservando a “distância regulamentar”, disponível
para o atendimento aos alunos... o seu modo de ser e estar e a sua
“pedagogia” exigiam, nas aulas, uma grande atenção e, podemos dizer,
atenção permanente.
Sem
dúvida que a Metafísica e a Teologia Dogmática, além de outras
disciplinas, exigem uma redobrada atenção devido à sua complexidade,
acrescendo ainda o facto das “sabatinas” se realizarem com certa
frequência. Também o professor, com assiduidade, fazia as tais
“perguntas desgarradas”... e era mau que o aluno estivesse
“descalço”.
“Cada
um é como cada um”, diz o nosso povo... Cada professor tem o seu
modo de ser e os alunos fazem dele a perfeita “radiografia”.
Importante é que não esqueçamos que a história de certos homens
somente se pode escrever no túmulo onde repousam, como referiu
Boileau.
O
Doutor Molho de Faria mereceu o respeito e a consideração dos seus
alunos e foi sempre, para todos, um exemplo de dedicação, apego ao
trabalho e amor à Igreja.
O corpo
docente dos Seminários era bem escolhido e podemos afirmar, sem
hesitação, que a docência era verdadeiramente “universitária”...
Recordar o Doutor Alexandrino Fernandes dos Santos, o Arcediago
Insuelas, o Doutor Adão Salgado, o Doutor Álvaro Dias, o Doutor
António Durão, S.J. etc...
Além do
magistério de que foi encarregado, o Cónego Molho de Faria
dedicou-se à vida apostólica, mormente através da pregação — tendo
percorrido grande parte da Arquidiocese neste ministério — e à
assistência espiritual nos organismos da Acção Católica, — escolares
e independentes e também operários, onde ministrou formação segura e
incutiu “militância” nos vários “agentes”.
Os
Retiros ou Exercícios Espirituais ocuparam muito tempo da sua vida
sacerdotal, com extraordinário sucesso na formação religiosa e
espiritual dos nossos fiéis e que ainda hoje lembram as lições
recebidas.
Será
bem recordar o trabalho, de muita exigência, que lhe foi pedido: a
direcção da Revista Acção Católica como substituto do Doutor
Alexandrino Santos desde 1940 a 1981, – sendo director de facto e
não no papel, — data em que pediu a exoneração, um ano antes da sua
morte.
Não
sendo, embora, um canonista, foi nomeado “Oficial” da Cúria
Arquidiocesana, presidindo ao Tribunal Eclesiástico no qual
desenvolveu uma actividade digna de apreço. Os seus conhecimentos, a
sua ponderação e sentido de justiça mereceram o apreço devido.
Em 1943
(15 de Abril) tomou posse canónica como capitular efectivo da
Catedral bracarense e em 29 de Outubro de 1972 foi nomeado
Arcediago, cargos e missão que fielmente desempenhou.
Viveu
com verdadeiro sentido de “português responsável” todos os problemas
surgidos após o período revolucionário de 1975 e procurava
informar-se, cuidadosamente, de tudo quanto à Igreja se referia.
Faleceu
em 21 de Fevereiro de 1982 e foi sepultado no cemitério de Monte
d’Arcos, em Braga.
Não
posso deixar de referir a ajuda que sempre soube prestar aos seus
antigos alunos quando recorriam ao seu conselho e apoio, nos vários
sectores da vida eclesiástica e pastoral.
José
Ferreira |