ESCRITOS DA BEATA ALEXANDRINA

“SENTIMENTOS DA ALMA”
— 1945 —

19 de Janeiro 1945, sexta-feira
(Durou três quartos de hora)

— Para onde caminho, Senhor? Que será de mim, meu Jesus? Tudo é medo, tudo é pavor.

Caminho apressadamente por entre ruas escuras e estreitas. Caio desfalecida, esmaga-me o peso das humilhações. Sou arrastada por duas cordas. Sinto o meu rosto por terra, as faces muito feridas. A dor dos agudos espinhos vem penetrar-me até ao coração; dor que parece dar-me a morte. Sinto os joelhos, os ombros e mais partes do corpo em dolorosas chagas. Envergonhada de tanta curiosidade, na tristeza mais profunda que se pode imaginar, a custo vou caminhando, caindo repetidas vezes.

Neste caminho vem ao meu encontro a mulher, a mulher querida, compadecida da minha dor. Com que ternura e amor limpa do meu rosto o suor, o sangue e o pó. Os laços da mais estreita amizade prendem os nossos corações. É indizível o que queria dizer dela, os louvores que queria dar-lhe. Oh, como queria que ela fosse falada por este acto tão heróico!

No alto da montanha, que desespero sinto em mim, é desespero de amor. Tudo me causa horror: a morte, a morte, o abandono, ó meu Deus. De joelhos, levanto os olhos para o Eterno Pai, dou-Lhe o meu sinal de aceitação a tudo. Baixo os olhos, entro em mim e num abraço mais íntimo estreito tudo ao meu coração. Entrego-me à morte. Os algozes continuam o seu bárbaro papel. Quadro horroroso! Que nojo e vergonha de mim mesma! O meu corpo e a minha alma a desfazerem-se em lepra.

Espero a minha hora.

Passei da dor ao amor, do calvário, da cruz ao Tabor. Principiei a sentir o amor de Jesus fortemente no meu peito e no coração e a Sua divina presença em mim; e logo ouvi a Sua voz doce e suave:

— Vem o Céu a prestar homenagens ao Rei do Céu, à rainha da terra no seu encontro demorado.

Era meu desejo, minha amada, minha pomba querida, que o mundo conhecesse a forma como Me dou à minha esposa, à alma virgem.

Queria que o mundo conhecesse e compreendesse este amor: o amor com que te amo, o amor com que me amas a mim, o amor às almas, o amor à cruz.

Era meu desejo, desejo, grande desejo que o mundo conhecesse a tua vida, vida do amor mais puro, vida de heroicidade, vida de heroísmos com toda a abundância.

A tua vida é um painel riquíssimo onde está retratada a vida divina, a vida mais completa de Cristo crucificado.

Os homens, os homens, minha filha, opõem barreiras escandalosas a esta vida que eu desejava fosse conhecida para glória minha e bem das almas.

— Ó meu Jesus, por eu não ter querer quero o que Vós quereis; se assim não fora, queria viver escondida, viver como se não vivesse, viver como se nunca tivesse existido, contanto que Vos amasse e as almas fossem salvas. Mas, se assim o quereis, o remédio está nas Vossas divinas mãos; fazei que os homens procedam doutra maneira.

— Não, não, minha amada querida, não é assim.

— Perdoai-me então, meu Jesus, perdoai-me, se Vos ofendi.

— Sossega, não me desgostaste. Onde estão as graças que lhes dei? Não se utilizaram delas, desprezaram-nas, calcaram-nas a seus pés. Utilizaram-se da sua vontade própria, do seu orgulho, dos seus juízos, das falsas luzes. Que mágoa para o meu divino coração!

Coragem, filhinha, vence a minha divina causa e com ela vencem os que por ela lutam!

Tu és o verdadeiro caminho, estrada de oiro, estrada real, cercado de um lado e do outro das pedras mais preciosas, das maravilhas do Senhor.

Felizes almas, felizes pecadores que nela entrarem, que vão a porto de salvação.

Os teus olhares, os teus carinhos, as tuas ternuras, tudo leva ao céu. São olhares, ternuras e carinhos atraentes, que atraem a ti as almas. Por ti vêm a Mim.

Vais agora, minha filha, receber a vida divina, a vida que te alimenta e dá vida, a vida que dás às almas: vais receber o meu divino Sangue.

Jesus uniu o Seu divino Coração ao meu assim como o Seu santíssimo rosto e lábios se uniram aos meus. O meu coração parecia-me estar colado ao de Jesus e do Seu Coração divino passava para o meu sangue. Sentia o meu a dilatar-se, a dilatar-se, era grande, muito grande. Sentia também receber vida dos lábios de Jesus para os meus. Ele cobria-me de carícias e dizia-me:

— Dou-te o meu Sangue, a minha vida por onde Eu quero e como quero.

Esta união foi demorada. Depois de algum tempo, Jesus chamou:

— Vem, minha Mãe, minha bendita Mãe, dá a tua vida celeste, dá as tuas graças e riquezas a esta minha filha e esposa e também tua filhinha querida.

Jesus desuniu de mim o Seu santíssimo rosto e lábios, mas deixou sempre ligado o Seu divino Coração. Tomou a Mãezinha o lugar de Jesus; uniu o seu santíssimo rosto ao meu, estreitava-me, cobria-me das suas carícias e bafejava-me com tanta doçura. Senti que dela recebi muita vida, e dizia-me:

— Minha filha, esposa do meu Jesus, tabernáculo do meu Jesus, sacrário do meu Jesus, onde Ele habita sempre, sempre.

E Jesus dizia-Lhe:

— Dá-lhe, minha Mãe, as riquezas do Céu, dá-lhe todo o Teu amor. Ao menos Tu e Eu a darmos-lhe a sentir o nosso amor e consolação, já que das criaturas, a quem ela ama e que estão a seu lado, não recebe consolação, não sente que elas a amam e até delas tem medo. Tirei-lhe tudo, tudo, tirei-lhe para minha glória, tirei-lhe para a salvação das almas, tirei-lhe para abrilhantar a escora que sustenta o braço do meu Eterno Pai, para que Ele, ao ver tal brilho, tais encantos, se esqueça do seu poder e use de misericórdia, só de misericórdia para o mundo. Tirei-lhe tudo, espremi-a, espremi-a, dela consegui os licores deliciosos.

Desprende-te de nós, minha filha, vai para a tua cruz, para a tua vida de amor.

O meu coração estava cheio, cheio; Jesus fechou-o para não sair dele o sangue, e disse:

— Este é o Sangue que germina, gera e dá a vida às virgens como tu.

— Obrigada, meu Jesus, obrigada, Mãezinha. Custa-me tanto desprender-me de Vós, sair deste amor! Sim, por Vosso amor desprendo-me, mas antes dai-me este amor para dar às almas que eu amo e me são tão queridas; dai-mo para eu dar a todos os meus, dai-mo para eu dar àquela alma que está em perigo e por quem Vos ofereci hoje os meus sofrimentos. Quero que ela se salve e como sinal disso não quero que morra sem todos os sacramentos. Dai-mo para eu dar às almas que tanto me fazem sofrer, para que Vos conheçam melhor e Vos amem cada vez mais. Dai-mo para dar ao mundo inteiro, para que ele seja salvo.

— Vai, ó nova redentora, salvadora dos pecadores, vai, obedece, escreve tudo, faz esse sacrifício, dá o nosso amor como desejas, com toda a abundância.

— Obrigada, Jesus e Mãezinha, obrigada sempre na terra e no Céu.

Voltei à minha cruz, ao mar imenso das minhas dores. Já lá vão algumas horas e o meu coração ainda arde como uma grande fornalha.

Bendito seja Jesus e o Seu amor!