ESCRITOS DA BEATA ALEXANDRINA

“SENTIMENTOS DA ALMA”
— 1945 —

22 de Janeiro de 1945

– O meu sofrimento, o que se passa na minha alma, nem eu sei dizê-lo; mas sabe Jesus, conhece-o, sabe que não minto, que não vivo para enganar. Ao menos isto: Jesus conhece e só Ele poderá pedir-me contas. Sinto que sou um mundo de pecados, de podridão. Sinto que sou um mundo de frieza e de ingratidão. Sinto que sou um mundo de esquecimento e desprezo por Jesus e sinto que sou um mundo de sangue. Que dor para mim ao sentir que tudo fiz e nada mais posso fazer pelo mundo. Mas, meu Deus, o que fiz eu, se tudo o que sofro e tudo o que faço não me pertence! Como posso sentir que tudo fiz pela salvação do mundo! Não dei por ele a minha vida, mas essa mesma já a ofereci a Jesus. O que é este mundo de sangue que eu sinto que sou? Vós o sabeis, ó meu Deus, isso basta. Parece-me que toda a humanidade é banhada nele. Ai, se eu soubesse o que podia fazer para a salvar! E as pobres criancinhas do limbo? Não desisto da minha oferta, dos meus pedidos a Jesus para as ir lá baptizar. Oh! se eu pudesse! Se Jesus o consentisse! Eu queria estar de joelhos, enquanto o mundo fosse mundo, claro está, sempre com a graça e força de Jesus, para obter d’Ele esta graça: baptizar as criancinhas. É insuportável a dor que me causa a lembrança de elas ficarem uma eternidade inteira sem amarem a Jesus, sem O verem, sem O louvarem. Que pena, que pena, meu Jesus, parece que morro de compaixão por elas. E as almas que estão no inferno! Ó meu Jesus, não ter ele fim! Não sei se me faço compreender. A minha alma sente uma dor indizível não tanto pela dor que elas lá sofrem, mas sim por não poderem mais ver a Deus. Oh! que negro sofrimento, parece-me mais do que desespero. Meu Jesus, nem sei o que digo: queria sofrer tudo, tudo e remediar todos estes males. Ó meu Amor, ó meu Amor, Vós, sim, Vós vedes, Vós acreditais na sinceridade das minhas palavras; não saem só dos meus lábios, saem do mais íntimo do meu coração, do meio da maior dor e agonia da alma. Sim, meu bom Jesus, sabeis que não é intrujice, como alguém diz que a minha vida o é. Por graça e misericórdia Vossa nunca pensei em tal. Há em mim alguma coisa de bom, de louvável? Não o sinto, não o conheço. Mas, se o há, a Vós pertence, não é meu. Oh! quantos espinhos ferem este coração que já não existe senão para sofrer. É do fundo da alma que Vos peço perdão para os que tão cruelmente me ferem. Sou ferida por aqueles de quem menos devia ser, mas também eu procedo assim por Vós, meu bom Jesus. Perdoai-me. A minha alma sente que muitos dos que me têm ferido querem agora limpar-se, mas a mim não podem, sou trapo imundo, ainda se sujam mais. Ai, como estou magoada, mas antes milhões de vezes sofrer inocente do que uma só vez culpada. Não quero perder um momento a minha união com Deus.

Passei a noite alerta, muito alerta; pedi tantas coisas ao meu Jesus! Repetidas vezes renovei-Lhe a minha oferta de vítima. agradeci-Lhe mais o benefício que me concedia de eu não dormir, pois assim melhor Lhe podia fazer companhia e conversar mais a sós com Ele, viver mais a vida d’Ele e só com Ele desabafar. Sem eu querer, vinham-me ao pensamento tantas, tantas coisas que me fizeram e fazem sofrer, e dizia:

– Jesus, passam-se semanas, meses e anos e eu encerrada dentro destas pobres paredes. Elas e Vós sois testemunhas das minhas agonias e lágrimas. Fiz alguma coisa para parecer bem, para merecer louvores ou para enganar? Por grande misericórdia e graça Vossa nunca o fiz, meu Jesus. Sou a Vossa vítima, aqui me tendes prisioneira neste quarto, por Vosso amor e pelas almas. Nunca gozei o mundo nem as suas falsas alegrias. O meu gozo, a minha alegria é o Vosso amor e a salvação das almas.

Nesta conversa e unida a Jesus, fui assaltada pelo demónio. Usou das suas manhas, das suas malícias, dizia-me:

– Hoje é só comigo que tu pecas, é para pecares com mais amor, abraça-te a mim.

Dizia coisas vergonhosas que não posso dizer. Não me deixava recorrer a Jesus; só ao terminar da luta o pude conseguir deveras. E, neste momento, uma multidão de anjos em torno cercavam a minha cama. De repente, fiquei na minha posição e o demónio retirou-se para longe, de onde me afirmava alegremente que eu tinha pecado. a visão dos anjos, o brilho da sua luz aliviaram-me a minha dor. Eles estavam como que admirados de tal tragédia, mas compadecidos de mim. Mas as palavras afirmativas do demónio causaram-me tal ferimento e impressão que de verdade parece-me que, quando chamei por Jesus, já era tarde e só por graça d’Ele não O teria ofendido. Já passaram tantas horas, e este receio, esta dor cá estão em meu coração vivamente. Recebi o meu Jesus tão cheia de medo e com tanta pena e receio de ter pecado. Ai, meu Deus, que vida a minha. Na noite anterior a esta, combati por muito tempo com o maldito; combati sempre sobre abismos, mas variados, alguns eram aterradores. Sobressaíam sobre mim as labaredas de fogo quase preto e faziam tal estrondo, tal ruído que pareciam de cascas verdes de lenha. Dizia-me o demónio:

– Este é o prazer desordenado, este é o prazer mais delicioso. Goza, goza comigo, é tão bom gozar, etc.

Ofereci a Jesus os meus suores, o medo de pecar por aqueles que nada temem e nada sofrem por ofender e ver Jesus ofendido. Sinto que a minha oferta nada vale. A dor que me causa todo este martírio tira-me a alegria e a consolação de tudo.

– Ó meu Deus, se eu pudesse convencer todas as almas do que se sofre no inferno! Se eu pudesse fazer-lhes conhecer o que é uma ofensa feita a Vós, a dor que causa ao Vosso amantíssimo Coração! Sinto-me envergonhada, meu Jesus, por nada fazer por Vós e por nada saber dizer da dor que sinto ao saber-Vos ofendido e por não Vos amar nem Vos fazer amado. É a verdade pura que me sai dos lábios e do coração. Não é assim, meu Jesus? Que grande graça ao menos Vós saberdes que não minto, que não intrujo. Por tudo isto dai-me amor, amor, almas, sempre almas.