ESCRITOS DA BEATA ALEXANDRINA

“SENTIMENTOS DA ALMA”
— 1945 —

6 de Janeiro de 1945 – Primeiro sábado

Durante a noite rodearam-me tantos, tantos demónios! Era aterrador! Nenhum me tocou, mas vinham para perto de mim em tão grande número, de asas negras, olhares feios, cornos tão compridos, quase me tocavam. Uns de boca aberta como dum grande animal, língua de fora, deixavam sair à espécie dum fumo escuro que formava como que labaredas da mesma cor. Outros apresentavam-se em figuras de animais desconhecidos para mim; eram feios e aterradores.

Cansada desta prolongada visão, passei por um ligeiro sono. Mal despertei, logo me veio à lembrança o primeiro sábado. Para mim estes dias são de grande confusão.

– Meu Jesus, se eu pudesse fugir para onde o sábado não existisse! Perdoai-me, meu Amor, bem sabeis a causa de tudo isto. Eu podia amar-Vos com grande amor e sem me falardes. Ó Mãezinha, não fiqueis triste comigo. Tenho medo, muito medo, mas só quero a Vossa vontade e a do meu Jesus.

Ai que dia sem luz, que noite sem luar. O coração aniquilava-se, a dor despedaçava-o. Veio o meu Jesus, pus-me a nadar no mar do Seu infinito amor. Desapareceu a dor, o medo, o aniquilamento, e logo a Sua divina voz se fez ouvir.

– Minha filha, estrela luminosa, venho ao mar da tua dor buscar para mim consolação e alegria, reparação que dá a salvação. Tu és fonte de vida e de salvação. Espalha pela humanidade os aromas divinos, aromas celestes das tuas angélicas virtudes. Ó planta tenra do teu jardim celeste, ó flor angelical que eu neste calvário plantei. O teu perfume delicia-me, irradia o céu, irradia a terra. És flor que sai de entre os espinhos, és perfume que sobressai por entre o sangue. Abraça a tua cruz, leva-a por amor. O sangue corre? Deixa-o correr, é sangue de banho salutar para os pecadores. A cruz é sinal de redenção. O teu sangue corre e correrá sempre, enquanto estiveres na terra. É com esse sangue que desempenhas a missão que te dei. A dor não sairá do teu corpo, a amargura da tua alma.

— O amor divino em ti é superabundante, são cadeias do mais fino oiro para prenderes os pecadores. Minha filha, esposa querida, que mereceste ser por Jesus elevada à maior altura, dei-te os mais honrosos títulos, dei-te toda a riqueza do meu divino coração. És rainha, eu sou rei. Dei-te o reinado, dei-te a humanidade, filha do meu sangue. Dei-te o meu amor: possui-lo no mais alto grau e perfeição.

– Basta, basta, meu Jesus. Eu sei que falais de Vós, de mim não podeis falar assim. Eu humilho-me e envergonho-me ao ver a minha miséria, gostava mais que mostrásseis que a conheceis e que dissésseis o muito que Vos ofendi.

– Sossega, minha pomba bela, a minha paz é contigo. Com a consolação e alegria que me dás esqueço as tuas faltas, faltas que permito para esconder as minhas maravilhas, o tesouro das minhas riquezas, o meu amor infinito. Coragem, estou contigo! O rei está sempre ao lado da sua rainha, não abandona o seu trono. Diz, minha filha, ao teu paizinho que o inferno nada pode contra o céu nem os homens contra o seu criador. Dá-lhe o meu amor com toda a abundância. Diz-lhe que é grande a consolação que me dá pela sua obediência e grande humildade. A sua libertação chega, a minha divina palavra não falta. Ele vem junto de ti antes da tua morte. Tenho-vos mais unidos do que se ele sempre estivesse ao teu lado a guiar-te e a dar luz à tua alma. A vossa união é do céu e não da terra. Que esteja firme, sempre firme. Esta recomendação de firmeza para ele e para quem a tenho dado não quer dizer que não estão firmes, é uma prova de que estão na verdade e que neles nada deve haver de medo nem temor. Diz ao teu médico que os combates do demónio concorrem para o agravamento dos teus males. Haja, pois, da parte dele toda a vigilância. Temos de conservar-te a vida até que raie o dia para nunca mais se escurecer. Diz-lhe que a ele e a todos os que com ele coloquei a teu lado para te ampararem e defenderem a minha causa dou o nome de vassalos. São eles que defendem a guerra contra o rei divino e contra a sua rainha e esposa.

— Coragem a todos, o que é de Deus não morre; é certo o triunfo. Vou dar-te o sangue do meu divino coração, a minha vida divina da qual só vives e dás às almas. Dou a tua irmã como prémio da sua dor junto à tua cruz a promessa do céu sem o purgatório. Ainda darás essa alegria a mais alguém. Não te digo tudo hoje pelo muito que te custa.

Dito isto, do Coração divino de Jesus saíram muitos raios doirados que vieram ligar-se ao meu coração. O sangue de Jesus principiou a passar para mim, senti-me viver. Jesus cobriu-me de carícias e chamou pela Mãezinha.

– Dá, minha mãe, à tua filhinha a vida da graça, da pureza e amor. Levanta-a, que está caída. Dá-lhe tudo o que é teu para ela dar às almas. Guarda-a, que é tua e minha.

A Mãezinha tomou-me em seus braços. Ao tempo que me acariciava, juntou os lábios delas aos meus. Foi um sinal de alimento celeste; encheu-me, fiquei forte.

– Minha filha – dizia ela – dá ao mundo a vida que de mim recebes. A ti o confiei, eu e Jesus, em ti o guardamos, está fechado em teu coração. Não temas, não te é roubado por satanás. Dás às almas que te rodeiam e a quem amas a graça, a pureza e o amor que de mim recebes. Diz-lhes que tudo lhes manda a Mãe de Jesus. Assim como passa dos meus lábios para os teus, tudo passará dos teus para os deles. Com um beijo teu tudo receberão. Quando, com este pensamento de dares o que te dou, beijares alguém, é o Espírito Santo que te inspira, é para essa alma receber o que agora te dou.

Neste momento veio Jesus, fiquei entre Ele e a Mãezinha como numa fornalha de fogo vivo. E dizia-me:

– Vive, vive, filha amada, vive com esta vida do céu. Recebe e ama. Sofre e dá amor. A dor e o amor são o triunfo de todo o combate. Coragem, o teu calvário é o de maior salvação. Nenhuma gota do teu sangue se perderá; é por meu amor, é para as almas.

Deixei Jesus e a Mãezinha. Passados uns momentos, voltei para Eles e fiquei por algum tempo como que a dormir naquela fornalha de amor. Com as horas que passaram já tudo fugiu. Sinto-me no cimo do meu calvário a bradar ao céu:

– Estou sozinha, estou sozinha. Sustentai-me, Jesus, amparai-me, Mãezinha, não me deixeis cair.