ESCRITOS DA BEATA ALEXANDRINA

“SENTIMENTOS DA ALMA”
— 1945 —

12 de Janeiro, sexta-feira 

Que dor a minha, ó meu Deus! Se não sois Vós, quem poderá compadecer-se dela?

Que horror aos sofrimentos e êxtases das sextas-feiras, que horror aos ataques do demónio!

Já tive hoje momentos que me parecia que a tudo ia dizer a Jesus que não.

Senti-me sozinha na prisão, de mãos atadas, olhos cerrados na tristeza mais profunda, de lábios mudos sem dar resposta a nada. Senti o meu corpo despedaçado pelos açoites e as carnes calcadas aos pés. Ao sentir-me assim, lembrei-me do sofrimento de quando Jesus permitia a minha crucifixão. Sentia também o meu sangue a correr e o coração como que calcado aos pés. Sentia na minha alma olhares de terna compaixão pelos que me faziam sofrer. Era tal o horror que me causava o inferno, a perda das almas eternamente que, em vez de os aborrecer, queria-os, amava-os para salvar as almas. Via que só a dor os podia salvar.

Veio o demónio ao encontro destes terríveis sofrimentos. Combati com ele, banhei-me em suor. Quando ele tentava instruir-me no pecado, pedia-me que lhe desse o meu coração com amor, ao menos enquanto pecava com ele e com quem ele lhe apetecia dizer-me.

Horror, horror, horror! Momentos de tanto perigo!

Levantei os meus olhos ao Céu a pedir socorro, e cessou a luta. Mas parece-me, se viesse naquele momento todo o Céu a dizer-me que não tinha pecado, quase não acreditaria.

Meu Jesus, estar tantas vezes num fogo vivo e não me queimar!

Faltou-me a minha respiração. A dor quase me desnorteou. Fiquei com os olhos levantados e firmes no Céu a dizer a Jesus que não queria pecar, e o meu corpo ficou na cruz, e ia murmurando sempre:

Jesus, sou a Vossa vítima. Mas, se assim vou neste aumento de dor, de horror e medo, não venço, não resisto a tanto. Tendes de sofrer e resistir só Vós, meu Jesus, bem sabeis por mim que nada posso.

Veio Jesus, falou-me tão meigamente:

— Minha filha, flor solitária, mimo da humanidade, dor que salva, amor que tudo vence… Minha filha, jardim do paraíso, em ti semeei, a ti vem o mundo colher flores de virtudes, flores de amor. Minha filha, tesouro escondido, em ti se encerram as riquezas divinas.

Tesouro escondido, porque quase tudo desconhece o que em ti depositei. Minha filha, pomba branca, pomba angélica, a tua vida é um trinado de louvor a Jesus, a toda a Trindade Divina e à minha Mãe Santíssima.

Venho a ti, estou em ti, deste palácio não posso ausentar-me. O Rei não deixa a sua rainha. És porto de abrigo, és porto de salvação, és o abrigo dos pecadores, a salvação da humanidade.

É aterradora a guerra? Nada temas. O Rei com a sua rainha, rainha com o seu Rei poderoso, tudo vence. Os soldados estão firmes, combatem pelo seu Rei, obedecem aos seus mandados.

— Ó meu Jesus, sou tão pequenina, como podeis encontrar-me? Sou só miséria, como podeis fitar em mim os Vossos divinos olhares? Tenho vergonha, não posso levantar os meus para Vós. Compadecei-Vos de mim. Eu sou flor, eu sou jardim, sou tudo o que dizeis, porque Vós semeais, Vós cultivais; sois Vós o jardineiro, sois Vós a flor, sois Vós tudo, tudo, tudo, meu Jesus.

Sois o porto de salvação, porque a mesma salvação sois Vós. Reparai e vede a minha dor, tende dela compaixão. Quero amar-Vos e não sei como, quero sofrer pelo mundo para o salvar e não sei sofrer. Temo o meu desfalecimento, temo cair para não mais me levantar.

— Não temas, flor mimosa, adorno do meu divino Coração, não temas, porque não estás só, os Anjos acompanham-te dia e noite, fazem sentinela ao palácio da minha rainha.

S. José veio visitar-te. Viste-lo com a minha bendita Mãe? A criancinha que ela tinha ao colo, de braços atados ao seu pescoço, eras tu mesma, minha filha. És a criancinha de Jesus, és a mesma de Maria. Com Ela salvarás o mundo que te foi confiado, o mundo que hás-de salvar. Dei-to, é teu, não temas, que não te é roubado.

Viste o painel que por detrás e acima da minha bendita Mãe e de S. José pudeste contemplar? Era o da Trindade Divina, Trindade que te ama, Trindade que se consola em ti. É o Céu a contemplar-te, é o Céu a dar-te a vida, vida de que vives e para quem vives. É teu o Céu e é de muitas almas a quem salvares, almas que sem os teus sofrimentos nunca se salvariam. Vão gozar de Mim, vão gozar do Céu: a ti o devem, à tua imolação, ao teu sacrifício, ó minha querida redentora.

Recebe o meu amor, ó amor meu, dá-o, distribui-o com abundância por toda a humanidade. Em breve, será conhecida, em breve, será espalhada a tua dor, o teu amor inigualável.

— Obrigada, meu Jesus. Que todo o mundo se salve, que todo o mundo Vos ame louca e apaixonadamente: são os meus desejos, são as minhas ânsias. É essa e só essa a causa do meu sofrer. Tenho tantas, tantas ânsias e saudades do Céu! Queria voar para lá e, quando não pudesse entrar para dentro, queria ao menos arrancar do meu peito o coração e metê-lo dentro do Paraíso e dizer:

Jesus, Mãezinha, aqui tendes o meu coração, dentro dele está o mundo, guardai-o, que é Vosso; vou para a terra sofrer e amar, enquanto esse mesmo mundo for mundo.

Ah, se eu pudesse fazer assim! Se eu pudesse dar esta consolação a Jesus! Entregar-Lhe o mundo todo, todo salvo!

Ó meu Jesus, não deixeis ir mais almas para o inferno: são Vossas, é o Vosso Sangue, não o deixeis perder. 

13 de Janeiro 

Há dias que principiei a ter um sofrimento indizível (embora diga alguma coisa, mas não digo nada) pelas criancinhas que estão no limbo e que morreram sem baptismo. Não posso pensar que elas passem uma eternidade sem ver a Nosso Senhor, sem gozar d’Ele, e ao mesmo tempo não sei se sinto pena ou saudade que Nosso Senhor tem pelas criancinhas. Com os olhos no meu crucifixo, cheguei a dizer a Jesus se me deixasse ir ao limbo baptizá-las; à falta de água, abria o meu peito, tirava sangue do meu coração para um vaso; depois de as baptizar a todas, deixava o restante do sangue. As criancinhas iam para o Céu, eu voltava para a terra, enquanto o mundo for mundo, para de vez em quando ir lá baptizá-las.