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ESCRITOS DA BEATA ALEXANDRINA

“SENTIMENTOS DA ALMA”
— 1945 —

3 de Abril de 1945

Não vivi, não ressuscitei com Jesus. Os meus olhos não viram, os meus ouvidos não ouviram, o meu coração não amou, o meu corpo nada mais sentiu a não ser a dor. O olhar dos meus olhos não era meu, nem o ouvir dos meus ouvidos, nem o sentir do meu corpo, nem o amor do meu coração, nem o sorriso que tudo isto encobria, nem esse era meu. A quem pertencia? Jesus o sabe, nada sei dizer. As alegrias são para quem Jesus quer, menos para mim. Mas eu estou contente; eu não vivo, que viva Ele com a Sua vida divina nas almas. Eu não ressuscitei, que elas ressuscitem para Jesus. Não tenho amor, não tenho que oferecer ao meu Senhor, que Ele aceite o amor de todos os corações e a oferta total de todas as Suas criaturas. Não tenho língua para louvá-l’O, que Ele aceite todo o louvor da terra e do céu. Toda a terra e céu O louvam e bendizem; só eu, pobrezinha, fui excluída, estou de parte. Não posso juntar-me aos bem-aventurados do céu, aos justos da terra. Toda a maldade e miséria do mundo são minhas. Que vergonha, que horror! Perdi o meu Jesus. Que perda eterna! Nunca mais, nunca mais O posso ver. Não há remédio para esta perda. Não posso pensar. A minha alma não resiste a esta dor; perder a Jesus, perdê-l’O para sempre. Por vezes o fogo no meu coração parece incendiar todo o meu ser. Posso dizer que em momentos é quase insuportável[1].

Quantas vezes a este fogo vem juntar-se a grande confusão, o grande martírio de não resistir aos ardores de tal fogo sem panos de água fria. Sofro ao ver-me rodeada das pessoas e ter de manifestar e dar a conhecer este fogo que me abrasa. Confio, se o meu Jesus me der força, a tudo resisto e com a Sua graça escondo. Muitas vezes, durante as noites, tenho visto Jesus, a Mãezinha e S. José. Jesus não aparece sempre duma forma. Raras vezes o tenho dito, porque só o fazia quando tinha a certeza de que não era sonho; de contrário, calava-me e nada dizia, com receio de não dizer a verdade. Nesta noite, vi Jesus muito brilhante, cheio de luz, mas com a Sua santíssima cabeça cercada com uma coroa de agudíssimos espinhos. Parecia-me não ser sonho e, na dúvida de ser ou não, pensava não dizer nada, deixar oculto. No decorrer da manhã, estava sozinha, unida a Jesus a fazer as minhas orações. Veio o demónio, raivoso, malicioso, com ameaças apavoradoras. Enquanto podia, ofereci-me logo a Jesus e à Mãezinha em favor das almas. Que receio tão grande de pecar, estava cheia de medo. Ele dizia-me coisas feias e que desconheço. Parecia-me estar entregue aos maiores prazeres, aos maiores crimes.

— Jesus, valei-me, não quero pecar.

Juntou-se ao gozo uma dor de morte; o coração sufocou-se, eu não podia respirar. Ele bailava com satisfação, como se estivesse a ganhar a batalha. Fiquei um pouco mergulhada na dor e sem saber se teria ou não pecado. Parecia-me que aquilo não se tinha passado comigo; contudo, estava tristíssima. Veio o meu Jesus.

— Minha filha, amada do meu Divino coração, não pecaste, estive contigo, acompanho-te na dor, no amor, nas lutas com o demónio. Sou contigo neste abismo, neste mar imenso do martírio em que estás mergulhada. Sorri em teus lábios, escondendo assim a dor e a amargura em que estás sepultada.

— Ó meu Jesus, confio que me acompanhais, que tudo venceis em mim. Mas porque é que, mesmo a falar conVosco, sinto tanta dor?

— Para ser completa a minha consolação, minha filhinha amada; para ser completo o teu martírio, a tua reparação. Só assim tiro todo o proveito para as almas. Mas estou sempre, sempre em ti. Olha, minha filha, sempre que te apareço e por vezes acompanhado, não é sonho, é sempre a realidade. Quando me vês coroado, é nos momentos em que os homens me crucificam mais[2].

— Quando te apareço, espalhando raios abundantes do meu Divino Coração, é para saciar a sede que tenho de ti e para te dar a abundância do meu amor, que distribuía às mesmas almas. Quando venho com a minha Bendita Mãe e S. José, é para provar-te que todo o céu te acompanha, que as maiores personagens do céu estão sempre contigo. É o céu a amar-te, é o céu a acompanhar-te no teu inigualável calvário. Sofre contente, o céu não demora, chega o teu gozo eterno.

— Já que assim é, meu Jesus, consolai-Vos, alegrai-Vos na minha dor. Não quero a minha alegria, mas a Vossa; não quero o meu triunfo, mas o triunfo das almas. Aceitai o meu martírio e fazei que a minha morte seja a vida do mundo, e a minha cegueira a luz dos corações. Quero que só para Vós ele viva, que só a Vós, pobre mundo, veja, ame e bendiga. Ó meu Deus, ai quanta agonia no meu coração, oh quantas ânsias de partir, nadando em dor, banhada em sangue à conquista das almas. Aceitai, Jesus, os meus desejos, já que outra coisa não tenho. Vinde à minha tristeza buscar alegria.


[1] Já cheguei a ter isto antes da Paixão… Agora tem aumentado muito… Parece que me tira a vida. No dia dos meus anos, presentes umas pessoas, vi-me aflita. (Nota do Padre Humberto, que lhe pediu explicações).
[2] Tem-lhe acontecido de ver Nosso Senhor, muita vez e há muitos anos, nesta atitude, de dia e de noite. (Nota do Padre Humberto).

 

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