Não
vivi, não ressuscitei com Jesus. Os meus olhos não viram, os meus
ouvidos não ouviram, o meu coração não amou, o meu corpo nada mais
sentiu a não ser a dor. O olhar dos meus olhos não era meu, nem o
ouvir dos meus ouvidos, nem o sentir do meu corpo, nem o amor do meu
coração, nem o sorriso que tudo isto encobria, nem esse era meu. A
quem pertencia? Jesus o sabe, nada sei dizer. As alegrias são para
quem Jesus quer, menos para mim. Mas eu estou contente; eu não vivo,
que viva Ele com a Sua vida divina nas almas. Eu não ressuscitei,
que elas ressuscitem para Jesus. Não tenho amor, não tenho que
oferecer ao meu Senhor, que Ele aceite o amor de todos os corações e
a oferta total de todas as Suas criaturas. Não tenho língua para
louvá-l’O, que Ele aceite todo o louvor da terra e do céu. Toda a
terra e céu O louvam e bendizem; só eu, pobrezinha, fui excluída,
estou de parte. Não posso juntar-me aos bem-aventurados do céu, aos
justos da terra. Toda a maldade e miséria do mundo são minhas. Que
vergonha, que horror! Perdi o meu Jesus. Que perda eterna! Nunca
mais, nunca mais O posso ver. Não há remédio para esta perda. Não
posso pensar. A minha alma não resiste a esta dor; perder a Jesus,
perdê-l’O para sempre. Por vezes o fogo no meu coração parece
incendiar todo o meu ser. Posso dizer que em momentos é quase
insuportável.

Quantas
vezes a este fogo vem juntar-se a grande confusão, o grande martírio
de não resistir aos ardores de tal fogo sem panos de água fria.
Sofro ao ver-me rodeada das pessoas e ter de manifestar e dar a
conhecer este fogo que me abrasa. Confio, se o meu Jesus me der
força, a tudo resisto e com a Sua graça escondo. Muitas vezes,
durante as noites, tenho visto Jesus, a Mãezinha e S. José. Jesus
não aparece sempre duma forma. Raras vezes o tenho dito, porque só o
fazia quando tinha a certeza de que não era sonho; de contrário,
calava-me e nada dizia, com receio de não dizer a verdade. Nesta
noite, vi Jesus muito brilhante, cheio de luz, mas com a Sua
santíssima cabeça cercada com uma coroa de agudíssimos espinhos.
Parecia-me não ser sonho e, na dúvida de ser ou não, pensava não
dizer nada, deixar oculto. No decorrer da manhã, estava sozinha,
unida a Jesus a fazer as minhas orações. Veio o demónio, raivoso,
malicioso, com ameaças apavoradoras. Enquanto podia, ofereci-me logo
a Jesus e à Mãezinha em favor das almas. Que receio tão grande de
pecar, estava cheia de medo. Ele dizia-me coisas feias e que
desconheço. Parecia-me estar entregue aos maiores prazeres, aos
maiores crimes.
— Jesus, valei-me, não quero pecar.
Juntou-se ao gozo uma dor de morte; o coração sufocou-se, eu não
podia respirar. Ele bailava com satisfação, como se estivesse a
ganhar a batalha. Fiquei um pouco mergulhada na dor e sem saber se
teria ou não pecado. Parecia-me que aquilo não se tinha passado
comigo; contudo, estava tristíssima. Veio o meu Jesus.
— Minha
filha, amada do meu Divino coração, não pecaste, estive contigo,
acompanho-te na dor, no amor, nas lutas com o demónio. Sou contigo
neste abismo, neste mar imenso do martírio em que estás mergulhada.
Sorri em teus lábios, escondendo assim a dor e a amargura em que
estás sepultada.
— Ó meu
Jesus, confio que me acompanhais, que tudo venceis em mim. Mas
porque é que, mesmo a falar conVosco, sinto tanta dor?
— Para
ser completa a minha consolação, minha filhinha amada; para ser
completo o teu martírio, a tua reparação. Só assim tiro todo o
proveito para as almas. Mas estou sempre, sempre em ti. Olha, minha
filha, sempre que te apareço e por vezes acompanhado, não é sonho, é
sempre a realidade. Quando me vês coroado, é nos momentos em que os
homens me crucificam mais.
— Quando te apareço, espalhando raios abundantes do meu Divino
Coração, é para saciar a sede que tenho de ti e para te dar a
abundância do meu amor, que distribuía às mesmas almas. Quando venho
com a minha Bendita Mãe e S. José, é para provar-te que todo o céu
te acompanha, que as maiores personagens do céu estão sempre
contigo. É o céu a amar-te, é o céu a acompanhar-te no teu
inigualável calvário. Sofre contente, o céu não demora, chega o teu
gozo eterno.
— Já
que assim é, meu Jesus, consolai-Vos, alegrai-Vos na minha dor. Não
quero a minha alegria, mas a Vossa; não quero o meu triunfo, mas o
triunfo das almas. Aceitai o meu martírio e fazei que a minha morte
seja a vida do mundo, e a minha cegueira a luz dos corações. Quero
que só para Vós ele viva, que só a Vós, pobre mundo, veja, ame e
bendiga. Ó meu Deus, ai quanta agonia no meu coração, oh quantas
ânsias de partir, nadando em dor, banhada em sangue à conquista das
almas. Aceitai, Jesus, os meus desejos, já que outra coisa não
tenho. Vinde à minha tristeza buscar alegria.
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