ESCRITOS DA BEATA ALEXANDRINA

“SENTIMENTOS DA ALMA”
— 1945 —

23 DE FEVEREIRO, SEXTA-FEIRA

 

Na madrugada de hoje, quando me despertei do meu leve sono, logo me senti numa escura prisão. Senti o corpo tão magoado e cansado! A minha tristeza era tão profunda! Sentia tanta dor de ser tratada como louca! Essa loucura era amor, era a loucura das almas.

Pouco depois, veio o demónio para acabar de consumir o meu pobre corpo. Manhoso como sempre, tentou levar-me a praticar acções criminosas e feias.

— Hei-de satisfazer-me em ti, hei-de deliciar-me em ti apesar de me causares nojo.

Encheu-me de insultos e mostrava-se enojadíssimo de mim mesma. Foi dolorosa a luta, foi triste e triste me deixou. Chamei por Jesus e pela Mãezinha, afirmei-Lhes não querer pecar. Parecia-me chamar por Eles só depois do mal feito. Invoco os seus santos nomes sempre que posso, mas é quando o demónio deixa.

Uma aragem suave veio apagar os meus suores e suavizar a minha dor. Fui suavizada por pouco tempo. Não sabia como preparar-me para receber o meu Jesus. Apoderou-se de mim a vergonha de O receber em meu coração, de viver na presença de Deus depois de passar por coisas tão feias.

Jesus, que sofrimentos tão grandes, os ataques do demónio, as sextas-feiras! Aceitai tudo, é pelas almas, é uma prova do meu amor.

Veio Jesus, e, por Sua grande misericórdia, só um pedaço depois de O ter recebido é que me lembrei da triste cena que com o demónio tinha passado e logo de novo continuou essa dor juntamente às dores horríveis da minha cabeça, causada pelos espinhos. Sentia-a toda cercada deles e bem profundos. O sangue que dela corria, ou antes, que eu sentia como se ele corresse, passava-me aos lábios, sufocava-me, por vezes perdia a respiração.

Logo que cheguei ao calvário, cravaram-me na cruz. Era tal a violência que sentia fazerem-me ao meu corpo, parecia-me os ombros deslocarem-se do corpo. O sangue das chagas corria a jorros, banhava o pé da cruz e corria pelo chão. A Mãezinha, ao pé, unia à minha a sua agonia. Abandonada, completamente abandonada, ia a expirar.

Veio Jesus. Senti-O entrar no meu coração e nele se sentar ainda antes de O ouvir. Sentou-se e, como para descansar, inclinou nele a Sua santíssima cabeça e disse:

— Minha filha, desce o amor à dor, a luz à noite, à escuridão, às densas trevas. Dor, noite, escuridão e densas trevas permitidas por Mim. É o remédio, é a medicina das almas. Aqui posso descansar, aqui não pode o mundo ferir o meu Divino Coração, aqui recebo tudo, tudo o que pode dar uma criatura ao seu Deus; aqui consolo-Me, delicio-Me.

— Meu Jesus, custa-me tanto, tanto ouvir-Vos falar assim. Sou tão miserável, sou só miséria! Como podeis dizer isso? Como podeis consolar-Vos depois de tanta maldade e ingratidão que encontrais em mim, para me falardes desta forma?

— Escuta, filhinha amada, não quero, não posso consentir que voltes a dizer-Me o que encontro em ti para assim te falar. Não posso eu honrar-te com honrosos títulos, levar-te à maior altura, à mais alta dignidade?

És minha filha, falo do que é meu. És minha esposa, esposa que possui as qualidades do seu Esposo, esposa que só ao Esposo se assemelha. Enriqueci-te das minhas riquezas, elogio e honro as minhas coisas, o que é meu. Tu és a minha pomba bela, um coração de fogo, fogo que queima, fogo que purifica, fogo que atrai a Mim os corações, fogo que é capaz de incendiar o mundo, o mundo que te confiei, o mundo que é teu.

Pede, pede, minha filha, pede oração e penitência e emenda de vida, pede, e que peçam aqueles que desejam ver o reinado do meu Divino Coração!

Oh, o que espera o mundo, se não se levanta e se reconcilia comigo!

Jesus levantou-se do meu coração, ergueu as Suas santíssimas mãos e dos Seus santíssimos olhos corriam lágrimas em grande abundância: pareciam duas fontes. A soluçar muito, continuou:

— Vês o meu Divino Coração aberto? É o pecado, é o prazer da carne; é o pecado, é o mundo. Salva-o, salva-o, minha filha, não deixes perder o meu Sangue!

Pede-lhe que se converta, faz que as almas venham a Mim, reúne em meu divino Coração as minhas ovelhas, todo o meu rebanho! Pede, pede em nome de Jesus! Penitência, oração e sincera reconciliação!

— Jesus, Jesus, basta, não façais isso.

Ofereço-Vos a minha vida e a minha morte; ofereço-Vos todo o meu corpo e todo o meu sangue; dou-Vos o meu amor, aceito quanto Vos aprouver dar-me, toda esta vida de sofrimento, mas levantai-Vos já, meu Jesus, descei as Vossas santíssimas mãos, estancai as Vossas lágrimas. Que horror, meu Jesus, não posso ver-Vos assim! Como pode a grandeza infinita ajoelhar-se diante da maior miséria, do mais pequenino nada?!

Jesus levantou-Se, sentou-Se de novo em meu coração, estendeu sobre os meus ombros o Seu santíssimo braço e uniu o Seu santíssimo rosto ao meu, apertou-me fortemente, cobriu-me de beijos e incendiou no meu coração o fogo que no d’Ele ardia.

— Quanto consolou o meu Divino Coração a tua oferta, o teu amor! Vejo em ti a graça, a pureza, a heroicidade das almas!

— Não é isso que eu quero, Jesus. Dizei-me a razão por que procedestes assim? Sendo Deus, ajoelhaste-te diante da criatura mais pobre e miserável. Só Vós sabeis quanto isso me atormenta.

— Minha pura, minha bela, maior é o sacrifício, mais tens que oferecer-Me. Escuta então. Não é de joelhos, de mãos postas e com lágrimas que se movem os corações à compaixão? É tão grande o amor que tenho às almas como grande é o meu poder. O meu procedimento é a sede das almas. Não se pode comparar a sede humana à sede divina.

Quantas vezes as criaturas, para saciarem a sua sede ardente, ajoelham-se, mergulhando seus lábios em água nojenta, lodosa e em lama. Eu, a Grandeza sem igual, para saciar minha sede, para pedir a salvação das minhas almas, ajoelhei-Me na minha esposa querida, revestida de Mim, transformada em Mim, a pedir-lhe as almas, a pedir-lhe o mundo, esse mundo que é lodo e lama nojenta. Assim transformada em Mim, nada via em ti de miséria; vi as minhas maravilhas, a minha grandeza.

Não é verdade que Eu disse “o que é grande faça-se pequeno”? Tu és o espelho que tudo reflecte. Em ti, como quando passei no mundo, vou dando o exemplo. Maravilhosa lição, ensina-a às almas! És tu, filha minha, que lhe dás o passaporte para a eternidade.

Ai do mundo, ai de Portugal, se não corresponderem às graças que lhes dou!

Ai do mundo, mas ai mais ainda de Portugal, se não agradecer os benefícios que por ti recebe!

Espalha pureza, espalha a graça, incendeia amor, amor, amor!

E descansa, vítima inocente, em meu Divino Coração, toma conforto para a tua dor sem igual e inigualável martírio.

Inclinei-me eu então para Jesus, descansei no seu Divino Coração, e nova efusão de amor, vinda dele, abrasou o meu coração.

Já vai alta a noite, sinto-o a arder, mas já mal posso dizer palavra.

— Tomai, meu Jesus, tomai em conta o meu sacrifício. Se em mim houvesse querer, preferia andar sempre, sempre de rosto em terra e nada dizer do que se passa em minha alma.

 

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