AS CINZAS
Emissão - 23
A
quarta-feira de cinzas acaba de passar e com ela entrámos no período
da Quaresma, deixa atrás de nós o período particular do carnaval.
Hoje
vou falar-vos de cinzas…
Perguntareis talvez qual a relação entre a Beata Alexandrina e as
cinzas, o que é perfeitamente plausível…
As
cinzas têm muito a ver com a Beata de Balasar, visto ela ter vivido
misticamente a sua morte e ter visto e sentido o seu corpo desfeito
em cinzas, como explicarei a seguir. Este foi um carisma muito
particular da Beata Alexandrina; um carisma muito especial que nos
interpela pela sua profundidade mística.
Foi
numa sexta-feira Santa, dia 3 de Abril de 1942 que ela falou pela
primeira vez de cinzas. A Paixão da “Doentinha de Balasar” tinha
terminado. Ela explica que a cruz caiu, mas que ela ainda ficou
presa a ela por alguns cravos:
Não
deram sepultura ao meu corpo
— escreveu ela —; vinham as aves nocturnas e, apesar das negras
trevas, viam para comer o meu corpo. Fiquei sempre neste sofrimento
e agora sinto essas aves a enterrar o bico nos meus ossos e
reduzirem tudo em cinzas.
Depois,
empregando um termo tipicamente nortenho, ela diz ainda:
Agora essas aves ainda têm muito que escabulhar no meu corpo.
Esta
operação estranha vai demorar um certo tempo e muitas mais vezes ela
nos falará deste estado da sua vida íntima. Por agora ela adquiriu
uma certeza:
Agora sinto que só depois dessas aves nocturnas reduzirem os meus
ossos a cinzas é que poderei partir.
Entenda-se: para o Céu.
Um mês
mais tarde, a 12 de Maio do mesmo ano, ela vota a falar deste estado
particular da sua alma:
As
aves vão mexendo e remexendo as poucas cinzas que me restam.
Dois
anos mais tarde — veja-se o tempo que a Beata Alexandrina viveu este
estado doloroso — ela queixa-se a Jesus:
Meu
Jesus, nem cinzas tenho, tudo desapareceu. Ó meu Deus, que morte a
minha, lede na minha dor: é por Vós, é pelas almas.
E esta
exclamação que traduz bem o estado doloroso da sua alma:
A
noite não tem estrelas, não há sol.
Depois
uma sensação estranha: a de ter sido depositada, sem sepultura, no
meio de um grande cemitério, cuja área ela não pode avaliar por ser
muito grande. Ela brada ao Céu, mas este parece fechado e não ouvir
as suas súplicas, por isso ela se queixa de novo:
Parece-me, Jesus, quando Vos chamo, quando invoco o Vosso divino
amor e da querida Mãezinha, que não sou ouvida.
E as
cinzas são a causa de tudo isto:
Sinto o meu brado ficar abafado no montão de cinza do meu pobre
corpo que já não é um cadáver como há pouco sentia, mas cinzas, só
cinzas, meu Jesus.
E,
esperando ser ouvida, ela persiste no seu clamor:
Parece-me estar já num cemitério e quando, no meio da agonia da
minha alma, imploro o auxílio do Céu, esse brado, em vez de subir ao
alto, perde-se abafado nesse montão de cinza e na cinza de outros
cadáveres que jazem no cemitério em que me encontro, cuja extensão
eu não sei medir.
Como
para lhe mostrar que fora ouvida, Jesus vai vir, mas não como ela o
esperava. Todavia antes disso é bom ler o que ela escreveu pouco a
antes:
A
minha dor estava como que coberta de cinzas, lembrando-me aqueles
bichos que nos pinhais fazem a sua casa sob os montezinhos de
terra... e de madeira moída…
Nesta manhã veio Jesus baixar a esse cemitério, juntou-se aos
bichos, cobriu-se com as mesmas cinzas. Tudo era morte dentro de
mim. Morte que se misturava como que a um gemido de toda a
humanidade. Jesus não deu em mim sinal de vida. Fiquei em travas
tristes, numa dor amargurada. As almas, as almas, o amor de Jesus
obriga-me a tudo sofrer.
“Estranha forma de vida”, podeis pensar e com justa razão, porque
estes estados de alma não são frequentes nas almas-vítimas como a
Alexandrina: são excepções que confirmam uma só regra: a divina
vontade.
Em 6 de
Outubro de 1944, ela fala novamente destas cinzas e do seu destino.
Como sempre, a sua aceitação da divina vontade é a palavra-chave do
seu viver, tanto mística como humanamente.
Uma
força invisível vai-me arrastando sem eu dar sinal algum de vida por
entre as cinzas deste cemitério imenso. Vou baixando, vou
profundando ao fundo, muito ao fundo, levada não sei por quem. Estou
morta, não tenho vida. Mas, ah ! Bem sei : é o Vosso divino amor que
me leva, sois Vós, são as almas, nada mais. Confio, Jesus, confio !
Pouco depois do meio-dia, uma onda de frescura passou por mim,
refrescando a minha alma e todas as cinzas do meu corpo. Gozei duma
grande paz e suavidade. Não sei bem ao certo, mas talvez por espaço
de duas horas.
Esta
destruição das cinzas, era algumas vezes acompanhada por uma chuva
de sangue que as purificava. Este carisma vai agora terminar, como
podemos ler no Diário da Beata Alexandrina, com data de 26 de
Outubro de 1944:
A
chuva de sangue vinda do alto continua a cair sobre o cemitério, mas
já não encontra cinzas para lavar: tudo desapareceu. Bendito seja o
amor de Jesus, benditas sejam as suas invenções para salvar as
almas!
Na
realidade só terminou em 1947…
Resta-me, para terminar, falar doutras cinzas: aquelas que fazem
parte do Testamento dela e que passo a citar:
Balasar, 14 de Julho de 1948;
Para
a minha campa.
Pecadores, se as cinzas do meu corpo podem ser-vos úteis para vos
salvar, aproximai-vos, passai sobre elas, calcai-as até que
desapareçam, mas não pequeis mais, não ofendais mais o nosso Jesus!
Pecadores, tantas coisas quereria dizer-vos! Não me chegaria este
grande cemitério para escrevê-las todas.
Convertei-vos! Não ofendais a Jesus, não queirais perdê-Lo
eternamente! Ele é tão bom!
Basta
de pecar!
Amai-O!
Amai-O!
Sigamos
o conselho da Beata Alexandrina.
Afonso
Rocha |