DR.
Henrique GOMES DE ARAÚJO
Emissão - 19
Na
última emissão prometi falar-vos do Dr. Henrique Gomes de Araújo,
Director do Refúgio da Paralisia Infantil da Foz do Douro, sob a
responsabilidade do qual a Alexandrina esteve internada durante 40
dias e 40 noites.
Para
melhor compreendermos o porquê deste isolamento, é necessário
lembrar que o Dr. Manuel Augusto Dias de Azevedo, médico assistente
da Alexandrina, queria provar, tanto às entidades eclesiásticas da
diocese de Braga, como aos especialistas em medicina, que o caso da
sua paciente não era um caso clínico ordinário, bem pelo contrário,
um caso muito particular sobre os dois pontos de vista que ele
visou: a doença e a espiritualidade.
Como
já foi dito, o Dr. Azevedo, antes de ser médico, frequentou o
Seminário de Braga onde obteve com sucesso o seu diploma em
teologia, o que muito o ajudou, especialmente no caso da
Alexandrina: saber separar o que era físico do que era espiritual.
Para
estes dois estados da Alexandrina, e de acordo com o Arcebispo de
Braga e outros médicos seus conhecidos, pensou que a melhor maneira
de resolver o problema seria de internar a sua paciente num hospital
especializado: para isso escolheu o Dr. Gomas de Araújo, mas antes
de tomar a decisão, confiou à Alexandrina a sua intenção. Ela
escreveu na sua Autobiografia:
«Fui
prevenida pelo Sr. Dr. Dias de Azevedo que seria melhor voltar ao
Porto, consultar o Sr. Dr. Gomes de Araújo, se fosse essa a vontade
de Nosso Senhor. Pediu-me que pedisse luz divina sobre o caso,
porque em nada queria contrariar Nosso Senhor.»
A
resposta do Senhor veio um mês depois, na sequência de muitas
orações, como ela explica:
«Pedi durante um mês. Mas, quanta mais luz pedia, mais em trevas
ficava, tornando-se assim a dor da minha alma cada vez mais
profunda, não sabendo o que havia de fazer, até que Nosso Senhor me
disse que era da Sua divina vontade que fosse ao Porto.»
E assim
aconteceu. No dia marcado, saiu de casa em automaca e pelo caminho
parou na Trofa, onde algo de extraordinário aconteceu: Ela que não
podia mover-se, passeou pelo jardim da família Sampaio, seus amigos,
onde a automaca parou. Este facto foi presenciado e testemunhado
pelos que a acompanhavam, mas também pelo pároco da Trofa que ali se
encontrava.
A
viagem foi torturante para a jovem doente, porque as estradas não
sendo o que hoje são, a Alexandrina sofreu muito com os balanços
causados pelo mau estado dos caminhos percorridos, como ela mesma o
diz:
«A
ida de carro para o consultório foi o que há de mais doloroso. No
corpo, sentia o maior martírio, e na alma a maior agonia, parecendo
que morria.»
Mas
chegou enfim à Foz do Douro onde foi recebida pelo Dr. Gomes de
Araújo e algumas enfermeiras.
Ali foi
instalada, sozinha, num quarto cujo acesso era estritamente
reservado ao Médico e à enfermeira designada para se ocupar dela e
vigiar os mínimos feitos e gestos da doente.
É bom
saber que o Dr. Gomes de Araújo era ateu, mas respeitoso para com os
seus doentes, quaisquer que fossem as crenças destes.
Para
com a Alexandrina assim foi, salvo que ele ter-se-á fixado uma meta
que para ele era importante: destabilizar a Doente e provar que o
que nela se passava nada mais era do que uma simples ilusão.
O
diálogo que se instalará entre eles, em diversas ocasiões, parece
simplesmente sobrerrealista.
Uma das
primeiras setas atiradas pelo médico foi esta:
—
«Menina, não pense que vem aqui para jejuar!»
A
Alexandrina compreendeu onde ele queria chegar e sentiu-se
profundamente ferida.
Durante
quatro ou cinco dias a Alexandrina sofreu crises, o que levou o
médico a querer medicá-la, mas logo o Dr. Azevedo interveio. A sua
Doente devia ser observada simplesmente e não medicada. Não quis
dizer ao colega que Jesus tinha pedido que ela nunca tomasse
qualquer medicamento, porque o médico e o medicamento dela era Ele
mesmo.
Passados os cinco dias, tudo voltou ao normal ao ponto que a “vigia”
se sentiu como que obrigada a dizer ao Dr. Azevedo quando este veio
visitar a sua doente:
—
«Veja, Senhor Doutor! Olhe essa cara!»
O
médico assistente que tinha muito humor respondeu, sorrindo:
— «Foi
com os bifes que comeu e com as injecções que levou.»
A
enfermeira não insistiu.
Num
desses dias de internamento o Dr. Araújo parecia ter recebido a
inspiração de Satanás. Ouçamo-lo:
«Convença-se, a menina — dizia ele — que Deus não quer que sofra. Se
quer salvar os outros, que os salve Ele, se é verdade que tem poder
para isso! Se é verdade que Deus recompensa aqueles que sofrem, para
si já não tem recompensa para lhe dar, pelo que tem sofrido».
Na sua
simplicidade habitual a Alexandrina retorquiu:
«São
tão grandes, tão grandes as coisas de Nosso Senhor, e nós somos tão
pequeninos, tão pequeninos, ao menos eu!»
O Dr.
Araújo ficou surpreendido e depois, indignado, disse:
«Tem
razão; mas eu sou pessoa maior um bocado!»
– e saiu.
A
Alexandrina tinha uma grande devoção pela agora Santa Jacinta Marto
e, no auge do sofrimento recorreu a ela:
«Querida Jacinta, tu, tão pequenina, soubeste o que isto custa!
Ajuda-me, lá do Céu onde estás.»
O
grande médico não desarma, como contra a Alexandrina:
«Um
dia, sentado ao meu lado direito, procurou todos os meios
para convencer-me de que tudo isto que se passava eram ilusões
minhas…»
A
inocente vítima, inspirada por Deus, que também não desarma, ao
ouvir o médico dizer que tudo aquilo iria cair por terra, disse-lhe:
«Não
cai, Senhor Doutor. Tenho à minha frente um Director muito santo e
muito sábio e estudou o caso por alguns anos. E, se a obra é de
Deus, não há nada que a deite por terra».
O
Doutor saiu irritado.
Depois
de diversas outras peripécias, chegou o dia da partida. Mas o caso
da Alexandrina já tinha “saído” do Refúgio e na véspera, muitas
pessoas — cerca de 1500 — vieram visitar a Doentinha de Balasar, o
que obrigou a polícia a intervir para canalizar todas aquelas
pessoas.
Quanto
ao Dr. Gomes de Araújo, ele tivera tempo de reflectir e, ao
despedir-se das duas irmãs, disse-lhes:
«No
mês do Outubro terão lá, em Balasar, a minha visita, não como médico
espião, mas como amigo que as estima.»
E foi a
Balasar, como prometera… a sua conversão estava começada…
É dever
de justiça dizer aqui que o documento elaborado pelo Dr. Henrique
Gomes de Araújo, foi certamente aquele que mais contribuiu, 59 anos
mais tarde à beatificação da Alexandrina Maria da Costa, em 25 de
Abril de 2004.
Afonso
Rocha |