Um mau
patrão
EMISSÃO -
5
Como
anteriormente disse, a Alexandrina começou a trabalhar muito cedo
nos campos, para ganhar o pão de cada dia.
Eis
como ela o conta:
Minha mãe pôs-me a servir em casa de um vizinho, mas, ao ajustar-me,
tirou certas condições, como: confessar-me todos os meses, passar as
tardes dos domingos em casa, para ir à igreja e estar sob o domínio
dela, não andar de noite, etc. A combinação foi de cinco anos, mas
não estive até ao fim.
Este
patrão era um verdadeiro carrasco… pior do que isso era um homem
porco e nojento que nada respeitava. Era um homem no género daqueles
que no Norte dizem só gostar de “prostitutas e vinho verde”.
A sua
malvadez levava-o a fazer trabalhar a jovem mais do que permitiam as
suas forças e não hesitava em chamar-lhe nomes feios, a humilha-lha
publicamente. A Alexandrina escreveu na sua Autobiografia que
“tinha mau génio e pouca paciência e que mesmo os animais tinham
medo dele porque lhes batia e era quase impossível juntar o gado
quando ele estava presente”.
Alexandrina não se sentia bem com este ambiente difícil e sentia-se
triste naquele trabalho, como ela mesma o escreveu.
Um dia fui à azenha levar a fornada, mas era já noitinha quando lá
cheguei e, portanto, muito tarde quando regressei a casa, pois
gastava no caminho uma hora. Depois que cheguei a casa, ralhou-me
muito, insultou-me e até me chamou ladra. O pai dele, homem
velhinho, revoltou-se contra ele, defendeu-me, dizendo que eu não
tinha tido tempo para mais.
Mas o
pior estava para acontecer. A Alexandrina onta:
Uma vez estive das dez horas da noite às quatro da manhã na Póvoa de
Varzim a tomar conta de quatro juntas de bois, porque o patrão e um
seu amigo ausentaram-se de mim; e eu, cheia de medo, lá passei
aquelas horas tristíssimas da noite. Enquanto vigiava o gado, ia
contemplando as estrelas que brilhavam muito e serviam de minhas
companheiras.
Aqueles
dois homens, deixando a pobre moça, alta noite já, foram para as
casas de vício que nesse tempo existiam, satisfazer os seus baixos
instintos, preocupando-se pouco com o poderia ter acontecido aquela
jovem.
Esta
foi portanto a gota que fez transbordar o vaso.
A
Alexandrina queixou-se à mãe que, depois de se ter informado da
realidade dos factos retirou a filha daquela triste casa e daquele
trabalho de escravagem.
Minha mãe —
conta a Alexandrina —, vendo que ele não cumpria o contrato,
tirou-me de servir.
Este
homem e dois outros vão voltar à vida da Alexandrina, alguns anos
mais tarde e serão os causadores da sua enfermidade na coluna
vertebral. Mais tarde ainda, ele voltará ao ataque, mas desta vez
será Nossa Senhora que protegerá a Alexandrina duma maneira quase
visível, o que vos contarei numa das próximas emissões.
Afonso
Rocha |