OS PRIMEIROS ANOS
José Ferreira
1
- A Póvoa de Varzim,
A professora Angelina Ferreira toma-o logo nesse ano para seu director espiritual e a Deolinda no seguinte. A este respeito paga a pena ler este fragmento da primeira nota de Só por Amor!: «Em 1930 Deolinda participou num retiro das Filhas de Maria, na Póvoa de Varzim, orientado pelo P.e Pinho. Ficou tão bem impressionada que se confessou a ele. O P.e Pinho, sempre que ia a pregar ou confessar a uma das paróquias vizinhas, avisava Deolinda, que aproveitava para se confessar». Na Póvoa, a sede das Filhas de Maria era em frente à casa onde residia o P.e Pinho, isto é, na Capela da Senhora das Dores. Saber que o P.e Pinho ia pregar ou confessar às paróquias vizinhas de Balasar também é importante para conhecermos a sua actividade. Mas isto também permite alvitrar que quer a Deolinda quer a Alexandrina estariam a par das publicações jesuítas poveiras, os dois Mensageiros e agora a Cruzada, o que ajuda a perceber algumas importantes passagens da Autobiografia. Na Póvoa, além dar apoio no Colégio do Sagrado Coração de Jesus (era lá que se faziam as bandeiras da Cruzada…) e na Igreja da mesma invocação, dirigiu os Filhos de Maria. A isto há que a acrescentar a colaboração nas revistas, a participação em congressos, a tradução de Harry Dee, que sai em 1932, mas que terá sido feita na Póvoa. O endereço da Cruzada é o Largo das Dores, na Póvoa, até Dezembro de 1931; a partir de Janeiro de 1932, a administração está no largo de Santa Teresa, em Braga, «mas tudo quanto diga respeito à Redacção deve ser enviado ao R. P. Mariano Pinho, Colégio da Imaculada, Caminha». Em Outubro deste ano, a Redacção vai também para Braga. Provavelmente, o P.e Marino Pinho teria passado a leccionar no Instituto Nun’Álvares, nas Caldas da Saúde, o outrora famoso Colégio das Caldinhas. Iria acaso lá apenas alguns dias na semana, de comboio, já que esse meio de transporte ligava com alguma facilidade Braga a Santo Tirso.
Qual a razão de ser desta separata? Nela não se contém qualquer explicação, por isso só podemos alvitrar a partir da sua leitura. Seria um número zero ou experimental da revista ou seria antes um dossier sobre a Cruzada Eucarística das Crianças a disponibilizar a párocos, zeladores ou até a bispos, para ajudar na gestão ou fundação dos centros?
1.º Oração – Jesus disse: «é preciso orar sempre»: «pedi e recebereis». Passou a sua vida terrena a fazer o bem e a orar pela salvação das almas e agora continua a orar sempre por nós no Céu e no sacrário. 2.º Pequenos sacrifícios – O sacrifício robustece a nossa vontade contra o mal. Vale como súplica à clemência de Deus e também como satisfação à Justiça Divina. O sacrifício de Jesus inocente desagravou a honra de Deus e redimiu a humanidade pecadora; sacrifico das crianças inocentes, unido ao de Jesus, ajudará a resgatar de novo mundo. 3.º Comunhão frequente – Sem ela não pode haver vida cristã: e como o espírito da C.E.C. é o espírito de reparação e desagravo em união com o Santíssimo Coração de Jesus, todos os seus membros e obrigam ao menos a uma comunhão mensal reparadora».
Barcelos – centro da freguesia de Barcelinhos, Aldreu. Braga – S. Vítor. Esposende – S. Marinha de Forjães. Póvoa de Varzim – centros da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, do Colégio do Sagrado Coração de Jesus, do Colégio B. João Bosco, de Amorim, de Nabais, da Estela e de Terroso. Vila do Conde – centro do Colégio de S. José, Outeiro. Viana – freguesia de Nossa Senhora de Monserrate; e Matriz, Tondela, Silvares. Elvas Funchal – Freguesia de S. Jorge. Guarda – Vilar Formoso. Viseu – centro da Sé, da freguesia de S. Josninho, de Figueiró da Granja.
Mas contamos com a boa vontade e generosidade dos centros, pela prosperidade dos quais gostosamente trabalhamos. Quem enviar a quantia de 1$50 por trimestre tem direito a receber mensalmente um exemplar dessa separata. Tudo o que vier a mais dessa quantia será uma esperança que assegurará ao nosso órgão nascente um futuro de vida próspera. Pedidos a Gualdim Pais, Largo das Dores, 89, Póvoa de Varzim».
Com que enche o P.e Pinho as páginas da sua revista? Antes de mais, convém saber que ele não promete inovar muito relativamente ao que já era prática do Mensageiro e de facto não inova. Aos seus leitores bastou-lhes a certeza de terem alguém atento aos seus problemas, de se sentirem parte de um grupo muito grande e animado pelos mesmos objectivos e de possuírem uma revista que a todos apoiava. A publicação traz literatura mais formativa, informação sobre os Cruzados em Portugal, conta algumas histórias, publica quase sempre um poema, a intenção do mês, uma ou outra anedota. Veja-se o resumo do número de Janeiro de 1930:
Ano Nono. O órgão da Cruzada Eucarística em Portugal. A conquista do Pedrito. Intenção geral de Janeiro. A Cruzada Eucarística em Portugal. Os sacrifícios da Luisita. Protector do mês – S. Francisco de Sales. A força dos Cruzados. Tesoiro do Coração de Jesus. Amor aos sacrifícios. Venha a nós o vosso Reino! Oblação dos pequeninos.
5 – Bênçãos dos Bispos
A Cruzada Eucarística das Crianças rapidamente merece a aprovação e o reconhecidamente dos bispos. No número de Março de 1930 dão-lhe a sua bênção e aprovação o Arcebispo de Braga, com data de 30 de Janeiro, o Arcebispo-bispo de Vila Real e o Bispo do Porto com data de 29 de Janeiro; o Bispo de Bragança, com data de 6 de Fevereiro; os Bispos de Portalegre, de Viseu e da Guarda com data de 11 de Fevereiro; e ainda o Bispo de Beja. Mais tarde hão-de ser publicadas aprovações de Leiria, Mar 1932; Bragança, Fevereiro de 1933. Veja-se a do Arcebispo D. Manuel Vieira de Matos: «Entre os frutos mais apreciáveis das nossas Visitas pastorais avulta a Comunhão mensal, santo e salutar costume, que vão adquirindo todos ou quase todos os meninos das paróquias visitadas. Está pois preparado o terreno para que nesta vasta Arquidiocese seja estabelecida a Cruzada Eucarística das Crianças: ficará assim a Comunhão mensal dos meninos bem organizada, com sólida garantia dum maior envolvimento e largo futuro. Do provado zelo dos RR. Párocos esperamos que em breve se venha a estabelecer em todas as freguesias do Arcebispado esta grande obra, para o que concorrerá eficazmente a Cruzada Eucarística a da Crianças, que abençoamos e muito recomendamos. Braga, 30 de Janeiro de 1930». Párocos, sobretudo de pequenas cidades ou mesmo freguesias rurais, comunicam para a revista a criação dos seus grupos; o seu promotor intervém em congressos e outras manifestações religiosas de grande afluência, o que proporciona grande de visibilidade à sua actividade promocional.
6 - Eventos
Congresso Eucarístico de Viana
Por estas linhas, parece claro que o P.e Pinho terá integrado a questão da Cruzada Eucarística na sua comunicação, aproveitando a oportunidade para mostrar as suas virtualidades perante o vasto público do congresso.
Congresso Apostolado da Oração, em Braga
No número de Julho-Agosto de 1930, vem esta notícia sobre o Congresso Apostolado da Oração que tivera lugar em Braga: «Foi um dos mais notáveis acontecimentos da vida católica em Portugal, o Congresso do Apostolado da Oração. Louvores ao Coração Divino que tanto ama os Portugueses e dos quais é e será amado cada vez mais, como Senhor e como Rei. A Cruzada Eucarística tomou parte muito activa no Congresso não só pelos telegramas que de muitos centros foram enviados, mas sobretudo pelos numerosos grupos que se incorporaram na procissão eucarística e na peregrinação. Durante o Congresso foram afixados em todas as Igrejas e Instituições Católicas de Braga lindos e vistosos cartazes sobre a Cruzada Eucarística, para que de todos os Congressistas fosse conhecida esta obra tão simpática e a levassem bem gravada na memória e no coração para a instituírem em suas terras. É de esperar que sapos o Congresso será grande o impulso que vai tomar a Cruzada Eucarística. Deus o queira e nos conceda que em breve a vejamos estabelecida em todas as freguesias de Portugal». Este promotor da Cruzada agarra as oportunidades, não as desperdiça. Terá ele falado? Certamente. A Cruzada não publicou fotografias.
Jornada Eucarística na Póvoa
«No dia 29 de Setembro deste ano da graça de 1931, realizou-se Póvoa de Varzim, uma imponente Jornada Eucarística promovida Cruzada Eucarística das Crianças.
Nessa magnifica Jornada, tomaram parte a secção infantil da Pia União das Filhas de Maria, crianças das catequeses, Apostolado da Oração, Cruzadas Eucarísticas da Póvoa, Fânzeres, Amorim, Navais, Estela, Terroso, Touguinhó, Tougues e Mosteiró, estas últimas do concelho de Vila do Conde, e a Confraria de N.a S.a de Lourdes. Fechava o préstito a banda da Oficina de S. José de Guimarães, seguida de muito povo. Durante o percurso, as crianças entoavam lindos cânticos a Jesus-Hóstia e ao chegar ao Largo de S. Roque, que já estava cheio de povo, ávido de aclamar a Cristo-Rei, passou a custo o pálio para a capela de S. Tiago, onde era aguardado pela Mesa da confraria com o seu capelão, apresentando-se o templo vistosamente iluminado a luz eléctrica, entoando o coro lindos motetos na passagem de Jesus Sacramentado para a sacada da capela, onde foi dada a primeira bênção ao povo, depois do acto de reparação universal. Os vivas frenéticos, as aclamações fervorosas, o acenar dos lenços brancos, semelhando bandos de pombas esvoaçando para o seu Criador, as lágrimas deslizando suavemente pelas faces, a comoção invadindo tantos corações ansiosos do amor divino, tudo isto constitui uma magnifica apoteose prestada a Cristo-Rei, que mais uma vez viu como o povo de Varzim O aclama e saúda com afecto e amor. Reconstituída a procissão, seguiu com cânticos e orações até ao Largo da Igreja Matriz, onde o povo se comprimia para prestar nova ovação ao Amigo Divino das criancinhas. O Rev. Domingos Gonçalves, de Guimarães, fez ali uma quente e fervorosa alocução, incitando as criancinhas das cruzadas e catequeses a receber dignamente e a amar fervorosamente o SS.mo Sacramento da Eucaristia e os pais, zeladores e catequistas, a trabalhar nesta cruzada santa e bendita, em que está a salvação de Portugal. As palavras do eloquente e apostólico orador de tal modo calaram no ânimo das pessoas presentes que, finda a segunda bênção, dada à porta da igreja, pelo Rev. Pároco, A. Leituga, todos aclamaram freneticamente o seu Rei e Senhor! Como era belo ver Jesus no meio dos seus amigos pequeninos tão vivamente saudado por eles! Como era consolador ver tanto povo vitoriar a Cristo-Rei! Foi uma grande apoteose de fé e gratidão prestada ao Rei do Amor, que não deixará de escutar e atender às súplicas fervorosas e convictas do povo crente da Póvoa de Varzim, pela Igreja, pela Pátria, pelo Papa, pelo clero, pelo povo trabalhador e cristão. Que o Coração Eucarístico de Jesus abençoe Portugal e que todos os seus filhos O reconheçam, como seu único Rei e Senhor! Viva Cristo-Rei! Viva o Rei do Amor! Viva o Pai dos poveirinhos!
Lembrança da Jornada Eucarística realizada
Bendita a vossa jornada, Cheia de ardor triunfal E de alegria encantada, Cruzados de Portugal!
Vós sóis custódias de amor De um esplendor nunca visto, Cavaleiros do Senhor, Soldados de Jesus Cristo!
Revoada de mariposas, Batalhão de criancinhas: Tendes o encanto das rosas E a graça das andorinhas.
Se a gente vos vê passar, Sente que passa Jesus. No fundo do vosso olhar, Há infinitos de luz.
Rumor de almas em tropel? — Deixá-lo! A hora é de esp'ranças! A Espada de S. Miguel Vos acompanha, crianças!
Avante! Passai! Rompei, Em demanda do Graal! Por Jesus e pela Grei, Cruzados de Portugal!
Padre Moreira das Neves
Congresso Catequístico de Braga «A maior Parada Infantil que jamais se viu em Portugal»
Já lá vai o Congresso Catequístico, o Congresso das Criancinhas, o nosso Congresso, como lhe chamam os Cruzados Eucarísticos: e foi o que se esperava. A Cruzada Eucarística tomou nele toda a parte que lhe competia e soube portar-se à altura: bem hajam os Cruzados! Estávamos para dizer que eram eles o melhor da festa, o seu mais belo adorno, as suas melhores flores, a sua melhor música. Até as musas de Braga despertaram ao ver as criancinhas da Cruzada e cantaram assim:
Ave,
pois, castas pombinhas
Elevai
o pensamento
Em vós
a terra confia;
Que
bando de pombas brancas Tília da Assunção Vieira, na «Escola Moderna»
Um dos espectáculos mais imponentes foi a Comunhão das Crianças da Cruzada no dia 16. «Às primeiras horas da manhã — dizia o Diário do Minho — quando a luz do dia mal deixava perceber os contornos das coisas, a cidade foi invadida por batalhões de crianças, ostentando os seus distintivos da Cruzada Eucarística, que, como outros rios a lançarem-se no mar, caminhavam para a cerca do Paço Arquiepiscopal, à rua Santa Margarida, onde ia realizar-se a Missa e a Comunhão solene. Pareceu-nos ver durante a realização do acto Portugal atento na sua contemplação e fiando dela a sua salvação e dias melhores de paz e de glória. Se um grande português, Afonso de Albuquerque, deveu a vida, segundo refere a história, à intercessão mediadora de uma criança perante Deus, fundadas esperanças há de que seja o propiciatório e impetratório das crianças de Portugal o meio de desviar de cima de nossas cabeças os rigores e a Justiça Divina é atrair os encantos e doçuras da sua Misericórdia… Que belo espectáculo o da Comunhão das Crianças na manhã de ontem na Quinta do Paço Arquiepiscopal! Bem o proclamou a palavra vibrante do venerando Bispo do Porto, Senhor D. António de Castro Meireles, que, encantado com o espectáculo, vibrou e fez vibrar os pequeninos e até os grandes que às crianças se viam associado e choravam durante o acto lágrimas de feliz alegria. Durante largo tempo distribuíram os Prelados presentes a Comunhão aos pequeninos. Foi calculado em mais de dois mil o número dessas comunhões.
Terminado o certame, o Senhor Arcebispo declara-se satisfeito com o resultado e aprovadas com distinção as crianças. São elas ainda que cantam o Credo com que se abrem os trabalhos da sessão solene da tarde.
No dia 18 foi também deveras impressionante e agradabilíssima surpresa a perfeição com que centenas de criancinhas das Cruzadas Eucarísticas de Braga cantaram as vésperas solenes na Sé.
A procissão eucarística foi tão extraordinariamente bela, que muitos declaram nunca terem visto coisa igual em Portugal; as Cruzadas Eucarísticas apresentaram-se em grande número, muito bem organizadas e cantando incessantemente lindos e afinados cânticos a Jesus Sacramentado. A grandiosa e edificante peregrinação do dia 19 foi digno remate do Congresso. Tivemos a consolação de contar umas duas mil e quinhentas criancinhas que a pé firme e cheias de amor e entusiasmo subiram em marcha triunfal desde o Bom Jesus até ao Sameiro aonde chegaram depois das onze horas. E muitas vieram de longe: lá estava entre outras um grupo arrojado de Caíde que sem temer as distâncias veio a consagrar-se com seus irmãozinhos ao Coração de Jesus e de Maria. Na esplanada do Sameiro colocaram-se as crianças em lugar reservado, dando ao acto da Missa campal uma perspectiva surpreendente. Apesar da chuva miúda e impertinente o entusiasmo não arrefeceu; os cantos subiam para o céu em notas de júbilo e aquele formigueiro de crianças era um verdadeiro deslumbramento. Foram elas, as cruzadas, que cantaram a parte musical da Santa Missa, foram elas — como afirmam os «Ecos do Sameiro» — que deram a nota, a chave de oiro do Congresso Catequístico Nacional... Fica esta peregrinação registada como uma das mais impressionantes que tem subido ao Santuário Senhora da Imaculada Conceição do Sameiro. M.P.
7 - Extractos
Reúnem-se a seguir alguns textos publicados pelo P.e Pinho na Cruzada. São todos de colaboradores, alguns de colaboradores ocasionais. Muito frequente nas páginas da revista foi o P.e Moreira das Neves, às vezes com poemas produzidos a propósito de acontecimentos relativos à Cruzada Eucarística das Crianças.
BLANDINA
O P.e Pinho empenha-se na formação das crianças; a revista existe para elas. Mas verdadeiramente ela chega é aos zeladores, que são no geral jovens. Cedo há-de ter percebido que tinha que apontar nessa direcção, mesmo porque cedo começou a ensinar. O que dum ponto de vista só humano é uma tragédia irreparável, pode, a um olhar cristão, ser uma vitória retumbante. Foi assim na morte de Jesus, nas dos mártires e na de todos aqueles que unem ao seu sofrimento de Cristo. Por isso o P.e Pinho gosta de dar notícia de jovens ou crianças que abraçaram com entusiasmo os ideais da Cruzada, que sofreram e terminaram os seus dias como exemplo de dedicação à Igreja – como santos. Colocamos aqui a narrativa relativa à Blandina, mas há outras. É interessante notar que trechos como este, que nem tem a assinatura do Promotor da Cruzada, quanto a certos pormenores, lembram de perto a Beata Alexandrina.
Beiriz. — 7-9-1931 - Faz precisamente hoje um ano que uma boa alma, uma alma privilegiada voou desta terra para o Céu. Diz-se que as almas que passam pelo mundo sem que ele as contamine e perverta não lhe pertencem e portanto não são daqui, e é verdade. Blandina Seara — era assim vulgarmente conhecida — era dessas almas: vivera na terra, mas que à terra não pertencia. Ainda não tinha completado os seus vinte e dois anos — nascera a 27 de Setembro de 1908 — e já contava no seu activo espiritual grande cópia de merecimentos. Foi um exemplo vivo para todos nós que muitas vezes nos queixamos de que não temos tempo ou não podemos cuidar a sério da nossa e da santificação alheia. Ela, precisamente quando se sentiu minada pela terrível doença que a vitimou, foi quando mais trabalhou e mais fecundo fez o seu apostolado. Faz-se Catequista; torna-se cooperadora activa na organização da Cruzada Eucarística das Crianças, acompanhando todos os trabalhos, parecendo até que da sua própria doença tirou novas forças. Infelizmente para nós que não para ela, a doença agrava-se: como pobrezinha, recolhe ao Hospital da Póvoa, mas o seu apostolado continua. A breve trecho a simpatia dos companheiros da desgraça, se desgraça se pode chamar à doença, cerca-a e principia logo a fazer bem. O odor da virtude espalha-se em redor e muitos que suportavam a sua doença como fardo pesado principiam, a exemplo dela, a levá-la com mais paciência e resignação cristã, sofrendo por Jesus e para Jesus. E não se limitou a dar o exemplo de resignação no sofrimento e a fazer frutificar o seu exemplo: obtém verdadeiras conversões. Alguns – nos Hospitais encontra-se de tudo — viviam afastados dos sacramentos e, não obstante a doença com que o Pai das misericórdias os havia ferido, recusavam reconciliar-se com Deus. A hora ainda não tinha chegado, mas ao contacto com aquela alma cândida, deixam-se vencer, imploram perdão e recebem com as melhores disposições os sacramentos da Igreja. Alma bendita! Alma sagrada que no cadinho do sofrimento se ia purificando, concorrendo amplamente para a santificação dos outros. Continuando a doença a fazer progressos, e convencida que em breve teria terminado os seus dias, pede para voltar para a casinha da sua família: quer morrer em Beiriz. Tinha sido a edificação dos que cercavam o seu catre no hospital e quer também ser vítima de expiação pelos pecadores da sua terra. Quer que o sacrifício que ela leva com a maior resignação e alegria, sirva, para atrair bênçãos sobre as criancinhas da C. E. C. que tanto ama e por quem tanto trabalhou. Os seus últimos momentos foram duma alma santa, sacrificada e crucificada na Cruz de Cristo. Mas sempre alegre, sempre sorridente! O seu leito era de dolorosa agonia e parecia de rosas. Quando alguém lhe dirigia palavras de conforto, nunca faltava o sorriso cândido o sinal de agradecimento. E confortada mais uma vez com o pão dos justos que miúdo recebeu sempre no percurso de toda a doença entrega a sua alma a Deus, deixando-nos a todos na dor de a perdermos. Era uma companheira que se perdia; era uma irmã a quem todos amavam, e que deixava os seus irmãos entregues à luta ainda, mas a quem legava o mais belo exemplo e a quem prometera a melhor protecção junto do trono de Deus. A prova de quanto era estimada teve-a no seu enterro. Não obstante ser pobre, e de família pobre, em volta do seu ataúde junta-se, toda a freguesia prestando-lhe assim a homenagem mais sentida e sincera que já mais se tinha visto em casos semelhantes. Blandina foi entregue à sepultura precisamente no dia da Natividade da Senhora. Foi cantar com sua Mãe do Céu as glórias do seu triunfo na terra. Aceita, companheira, este preito do meu respeito e admiração. Um Zelador da Cruzada Eucarística, 10-1931
CRUZADA EUCARISTICA DAS CRIANÇAS EM BALASAR
A Cruzada Eucarística das Crianças foi instalada em Balasar já no tempo em que o seu promotor dirigia a Beata Alexandrina, mas só alguns meses depois de ele iniciar o trabalho. De reparar que alguns nomes que se citam (P.e Leopoldino, Sãozinha, Deolinda, Maria Machado…) aparecem na biografia da Alexandrina.
C. E. C. BALASAR (Póvoa de Varzim) Balasar — Na importante freguesia de Santa Eulália de Balasar, concelho da Póvoa de Varzim, arquidiocese de Braga, há pouco tempo pastoreada pelo novo pároco Rev. Leopoldino Rodrigues Mateus, acaba ser fundado um novo centro da Cruzada Eucarística. É um centro prometedor, porque em poucos dias apresentaram-se 70 crianças, de ambos os sexos, devidamente uniformizadas e, o que melhor é, convenientemente preparadas pelo seu novo pároco e por uma comissão de zeladoras que muito e eficazmente trabalharam na organização de tão santa obra em que a Igreja Católica tem a mais fundada esperança do rejuvenescimento da mocidade cristã. Dentre as zeladoras não podemos deixar de destacar as Sr.as D. Maria da Conceição Leite Reis Proença, D. Teresa Ferreira Matias, D. Maria Machado e D. Deolinda Maria da Costa, que muito se esmeraram na instrução religiosa dos candidatos, ensino dos cânticos, confecção de vestidos e exercícios práticos. Publicando os seus nomes não temos em vista fomentar vaidades nem estimular outras pessoas piedosas que muito podendo trabalhar na organização e desenvolvimento de uma obra tão salutar para a santificação e salvação das almas, se prendessem talvez numa espécie de egoísmo muito para estranhar, cuidando só da sua santificação e esquecendo o próximo onde há tantas necessidades a remediar, tanto bem a fazer, tantas almas a apostolizar. Entendem muitas criaturas, aliás de grande piedade, que só exercem o apostolado os missionários que abandonam a sua pátria, deixam o seu lar, separam-se das famílias, para ir levar a luz do Evangelho ao povo selvagem das regiões inóspitas do nosso vasto império colonial. Como se enganam! Quantas vezes, no nosso próprio lar, na nossa vizinhança, na nossa freguesia temos necessidade imperiosa de exercer o apostolado, chamando ao cumprimento do dever tantas almas dele transviadas pelas paixões ou pelas más companhias, resguardar a juventude de tantos lugares onde aprendem as lições dos vícios e das iniquidades, arregimentar as criancinhas, filhas de pais desvairados e indiferentes, encaminhando-as para o templo santo, cátedra sagrada onde elas aprendem a amar a verdade, a praticar o bem e a ser amigas do Divino Jesus que as amou até ao sacrifício e que, por seu amor, não duvidou ficar dia e noite, no sacrário para ser o alimento das suas almas. Eis o motivo porque não podemos deixar de louvar o procedimento das zeladoras de Balasar e apresentá-las como modelo a seguir por tantas pessoas piedosas que têm tempo e competência para trabalhar na salutar obra da Cruzada Eucarística! Os novos cruzados de Balazar receberam as últimas instruções do director diocesano, Rev. Mariano Pinho, que explicou com muita clareza e unção — o fim desta obra e os meios a empregar para produzir salutares efeitos — oração, comunhão, reparação (sacrifício) e apostolado. Com tão excelente preparação, não admira que as crianças se apresentassem tão galhardamente no dia da sua entrada e na sua igreja perante o santo altar, na presença dos seus pais, vizinhos e conhecidos, se alistassem nesta milícia cristã, fazendo a promessa solene de ser bons cruzados. Como isto é edificante e comovedor! Aqueles novos soldados de Cristo receberam-No sacramentalmente, com todo o respeito e piedade, acercaram-se do lábaro santo (bandeira), que prometeram honrar, e atestaram ao povo da freguesia a sua disposição de trabalhar na grandiosa obra de santificação própria e regeneração do próximo! É nesta obra do Apostolado da Oração Infantil que o novo pároco tem a mais fundada esperança de preservar os seus pequeninos fregueses de tantos vícios e erros que pululam no meio da sociedade corrompida e corruptora, encaminhando-os pela estrada do dever para a santificação das suas almas — quiçá o íman de atrair sobre eles e sobre as suas famílias as bênçãos do Divino Amigo das criancinhas. Oxalá que todos os pastores de almas, compenetrando-se desta grande verdade, fundem nas suas paróquias esta obra tão prestimosa e salutar – base fundamental da regeneração cristã do rebanho que lhes foi confiado. Os novos cruzados acompanharam, de tarde, a procissão eucarística, entoando cânticos e louvando Aquele que é a Ressurreição e a Vida. Foi um dia de triunfo para Jesus-Hóstia, conduzido nas mãos do sacerdote, por entre alas compactas de povo da freguesia de Balasar e das circunvizinhas, que se uniu aos pequeninos nos seus cânticos e hossanas ao Redentor do mundo! Que o bom Jesus Sacramentado abençoe os novos cruzados, dando-lhes a paz e alegria e anime o novo pároco e seus valiosos auxiliares no prosseguimento desta santa obra, são os votos mais ardentes de uma testemunha da fundação deste novo centro de piedade cristã! M (1933)
DOIS POEMAS
Qualquer dos poemas seguintes tem uma qualidade que não deixa dúvidas. Muito bela a imitação do Cântico do Sol de S. Francisco, pelo P.e Moreira das Neves. Original também o poema mariano de Francisco Palha.
O NOSSO CÂNTICO DO SOL
Altíssimo, potente e bom Senhor! A Ti pertence toda a graça imensa, A Ti pertencem bênçãos e louvor.
Louvado sejas por quem ama e pensa! Por todas as humildes criaturas Que esplendem luz ou choram treva densa!
Pelo irmão Sol, candeia das alturas, Que afasta a noite, abrindo a aurora em rosa, E faz crescer as açucenas puras.
Pela irmã Lua, a cismadora esposa Do Cântico dos Cânticos dos Céus, Vestida de alva prata a mais formosa.
Pelas estrelas, vivos lumaréus, Que nossos olhos fitam, evocando O Teu poder, o Teu amor, ó Deus.
Louvado sejas pelo vento brando, Pela nuvem, pelo tempo e pelo ar Com que nos sustentamos, respirando.
Pela água dos vergéis, sempre a cantar Uma canção baixinho que, resume Os bramidos das ondas do alto-mar.
Louvado sejas Tu, Senhor, p'lo lume, Símbolo das virtudes verdadeiras Que ardem, nas almas, e lhes dão perfume.
P'la terra, mãe fecunda entre as primeiras, Que produz as violetas dos caminhos E a lenha preciosa das lareiras.
Pelas ervas, romãs, e flor dos linhos! P'lo coração dos que, por Teu amor, Andam de rastos, a calcar espinhos.
Louvado sejas ainda e mais, Senhor, Por nossas vozes breves e serenas, Mas cheias de ternura e de candor.
Somos as tuas brancas açucenas. De Ti nos vem a força p'ra lutar, Com audácia de heróis, sobre as arenas...
Tombam rosas do céu... Alvor de luar. Poisam pombas nas torres das igrejas. Erguem-se as nossas almas para rezar.
Hoje e sempre, Senhor, louvado sejas!
P.e Moreira das Neves, 03/1933
AVE MARIA!
No sino da freguesia, Três badaladas ouvi; Sobre a terra, húmida e fria, De joelhos, mesmo aqui, Oremos, que é findo o dia, Ave Maria!
Descendo da serrania, Já o pastor ao curral Os fartos rebanhos guia: De abundância, ao de hoje igual, Dá-lhe amanhã outro dia, Virgem Maria!
A mãe, que o filho cria, Já no berço o vai deitar Um sono tranquilo envia Sobre o seu tecto pousar Até ao romper do dia, Virgem Maria!
Não deixeis a ventania As negras asas abrir. Do perigo o nauta desvia, Dá-lhe uma estrela a luzir Como luz o sol do dia, Virgem Maria!
Ao triste manda, alegria, Ao que tem fome, dá pão, A quem teu nome injuria Dá sincera contrição Antes do extremo dia, Virgem Maria!
Ao moribundo abrevia As horas do padecer Livra-o de grande agonia; Leva-o, depois de morrer, Ao mundo do eterno dia, Virgem Maria!
Francisco Palha, 5/1930
8 – Conclusões
Este rudimentar estudo do sentido da actividade do P.e Mariano Pinho à frente da Cruzada ao logo dos seus primeiros quatro anos de existência padece de deficiências; por exemplo, não nos foi possível consultar o Relatório da Cruzada Eucarística, não conhecemos a colaboração que entretanto deu para o Mensageiro do Sagrado Coração de Jesus nem a para o Mensageiro de Maria, que passou a dirigir (este último) desde 1932. Apesar de tudo, já permite avaliar a dinâmica que imprimiu quer à revista quer à Cruzada Eucarística das Crianças, que teve um crescimento galopante. Em 1934, atingiria provavelmente mais de 30.000 filiados. Este promotor da Cruzada revelou-se muito convincente. Por outro lado, a sua colocação como director do Mensageiro de Maria em 1932 e em 1934 como director da Brotéria significa sem dúvida o reconhecimento do seu valor. Mas há que notar que isso também implicou trabalhar em áreas de cariz mais intelectual, que pouco tinham a ver com o carácter mais prático da sua acção em prol das crianças. Foi certamente bom ter deixado logo ao fim de dois anos a Brotéria: ele seria mais útil noutros campos. Foi útil na direcção da Beata Alexandrina e nas diligências que desenvolveu para a Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria e ainda tirou tempo para escrever a Carta Magna da Acção Católica. A Cruzada (http://www.ppcj.pt/AO/cruza.htm), embora com uma orientação muito diferente da origem, continua um sucesso editorial e é um óptimo testemunho a favor do seu fundador. |