ARTIGOS SOBRE A ALEXANDRINA

 
 
 
 
Carta do PADRe Heitor Calovi
ao Cónego Molho de Faria em 1981
 
 

Esta carta, e há pelo menos outra semelhante, é um documento histórico de grande importância: em 1981, a Causa da Alexandrina estava parada e era preciso que o Cónego Molho de Faria se retractasse de muitas das afirmações infundadas do “Parecer” de 1944.

O Cónego Molho de Faria envolvera-se irresponsavelmente numa situação que agora se tornara embaraçosa e era preciso agora muita humildade para corrigir o mal feito.

O Pe. Heitor Calovi é aqui muito directo e pode até parecer irónico, mas não era com certeza o caso.

Esta carta põe em evidência o papel de motor que os Salesianos tiveram nas várias diligências da Causa e o papel sobretudo burocrático da Diocese.

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Lisboa, 21 de Janeiro de 1981

Reverendíssimo Senhor Cónego

Tenho estado bastante tempo indeciso sobre se haveria ou não de lhe escrever novamente, uma vez que Vossa Reverendíssima deu por encerrado o assunto que esteve na origem da minha recente correspondência. Afirmando que “não há nenhuma oposição entre os dois testemunhos (o de 1944, desfavorável à Alexandrina, e a deposição no Processo Informativo Diocesano, favorável); eles completam-se”, e que na sua “resposta está tudo”, VR. pensa que está tudo bem e que a Causa segue normalmente o seu curso. Mas não é assim. Numa carta que o Postulador da Causa me enviou antes do Natal, ele insiste em advertir que o “Parecer” (de 1944) não pode ir às mãos do Promotor Geral da Fé sem que se lhe junte uma declaração sobre a falta de objectividade das afirmações que nele se fazem a respeito da Alexandrina ou, então, sem explicar em que bases assentam as mesmas afirmações e quais os critérios de credibilidade que tais bases oferecem. A Causa está parada à espera dessa declaração – vinda do Autor do “Parecer” ou, se este se negar, do Senhor Arcebispo. Sim, do Senhor Arcebispo, porque, diz o Postulador, “a Causa, antes de ser dos Salesianos ou do Pároco de Balasar, é do próprio Arcebispo de Braga”, e portanto a ele compete tomar as providências necessárias para o desbloqueamento da situação.

Cónego Molho de Faria

Posso adiantar-lhe que já falei com o Senhor D. Eurico e que lhe entreguei todo o “dossier” referente a este assunto (o “Parecer”, fotocópia das afirmações de VR. ao tribunal de Braga em 1968, cópia da minha correspondência, da sua resposta e da carta do Postulador). Transmiti-lhe igualmente o pedido para que se fizesse depressa, pois é só isto que ainda falta juntar à documentação destinada ao Promotor Geral da Fé.

Como afirmei no início, pensava ter esgotado as diligências que estava incumbido de fazer neste sentido. Há dias, porém, tive conhecimento, pelo Pároco de Balasar, de que VR. estivera de visita à campa da Alexandrina no primeiro sábado deste ano… Decidi-me, então, fazer à sua compreensão – para não dizer à sua consciência – um último apelo que, a ser correspondido, viria abreviar este compasso de espera em que a Causa se encontra.

O que VR. deveria declarar é mais ou menos o seguinte:

“No “Parecer” por mim elaborado em 16.6.1944, como Presidente da Comissão de Teólogos encarregada pelo Senhor Arcebispo Primaz de Braga de estudar o caso da Alexandrina de Balasar, foram feitas diversas afirmações acerca da mesma Alexandrina que não se basearam num conhecimento directo da Serva de Deus (nunca foi interrogada por nenhum dos membros da Comissão), mas tão-somente em informações colhidas de viva voz, e por escrito, de pessoas de Balasar que eram notoriamente movidas por sentimentos malévolos contra a mesma Alexandrina”.

Reconhecendo que o documento – ao menos no respeitante às afirmações negativas sobre o comportamento da Serva de Deus – está viciado à partida por esta falta de objectividade, o seu valor probativo cai completamente, pese embora o crédito e o aval que na altura o Senhor Arcebispo lhe deu.

Confirmo, pois, tudo o que expus a VR. na minha carta do ano passado e asseguro-lhe que não me move nesta insistência outra razão que não seja o amor à Causa e à verdade.

Do que não restam, dúvidas – pois também dispomos de documentos para o afirmar – é do facto de VR. se ter servido, para elaborar o “Parecer”, das informações veiculadas pela ex-religiosa Maria Machado, melhor dito, das suas acusações e insinuações maldosas e ressentidas, próprias do seu temperamento arrebatado e conflituoso. Da Maria Machado e de outra ex-religiosa, a Felismina dos S. Martins, espírito débil dominado por aquela.

No depoimento da Felismina lê-se o seguinte: “Muito amargurada, resolvi-me escrever uma carta ao meu confessor, o Dr. Molho de Faria, para desabafar. A Teresa F. Matias incitou-me a isto e prontificou-se a ajudar-me a escrever a carta por ser mais esperta do que eu”. Da primeira, é interessante e sintomático verificar como no seu depoimento, em 1965, aparecem como que em embrião certas apreciações que encontramos perfilhadas e desenvolvidas por VR. no “Parecer”.

Foi na base de tais informadoras, sem se preocupar de verificar se quanto elas afirmavam correspondia à verdade, que VR. emitiu o seu juízo negativo, concluindo “nada haver encontrado que ateste algo de sobrenatural extraordinário…”, antes acrescentando “haver indícios seguros para se afirmar o contrário”! Um mínimo de isenção e de preocupação por descobrir a verdade implicava que fosse ouvida a irmã, a mãe, o Pároco, outras pessoas de reconhecido critério e isenção, mas sobretudo fosse ouvida a Alexandrina.

Tem graça! Tenho aqui diante de mim os originais de duas cartas que VR. escreveu ao P. Pinho, uma datada de 2.3.1943 e outra sem data, mas provavelmente anterior à data do “Parecer” (envio-lhe fotocópia das duas). Na segunda escreve textualmente: “No dia 31 de Maio estive em Balasar. Fui chamado ao lugar do Calvário. Disse aquilo que julguei então fazer falta, não pretendendo substituir aquilo que não se substitui, mas ajudar a obra de Deus. Fiquei bem impressionado… Adiantei-me a exigir uma reserva escrupulosa seja diante de quem for, mesmo diante de mim. Sem nada tomar desde Sexta-Feira Santa, lá continua a formidável e misteriosa agonia tão necessária no momento que passa…”

E, na primeira, há passagens verdadeiramente curiosas, que nos deixam perplexos sobre a mudança de linguagem empregue no “Parecer”: “… Li ainda a carta que se dignou enviar, com excertos dos escritos da Alexandrina, em que parece já se vai historiando o acontecimento máximo qual a Consagração do Mundo ao Coração Imaculado de Maria… Gostei e admirei muito… Admirei sobretudo o espírito de simplicidade e máxima confiança em Deus. Há tanta beleza e exactidão em algumas coisas de real dificuldade teológica que, ao sabermos donde provêm, não podemos não ver claramente o dedo de Deus”.

Fico francamente intrigado e custa-me a acreditar que a mudança de 180 graus operada em VR. a respeito do “caso” da Alexandrina se tivesse processado a partir de informações intriguistas e coscuvilhice. Não quero adiantar mais alvitres, mas deixo à sua consciência a resposta sobre as verdadeiras causas…

E pronto, acabei.

Se com esta minha insistência magoei Vossa Reverendíssima, peço-lhe sinceramente desculpa, mas afianço-lhe que não esteve nas minhas intenções. O que procurei, talvez com uma certa vivacidade – aliás compreensível – foi esforçar-me por fazer ver a VR. a justeza da causa que defendo, não certo para proveito meu, mas sim, repito-o, por amor à Causa e à verdade, que tem de ser o seu suporte.

Com sentimentos de respeito e consideração, creia-me

dev.do (devotado) in Domino (no Senhor)

Pe. Heitor Calovi - (Vice-Postulador)

http://notciasdabeataalexandrina.blogspot.fr/

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