Dotado de uma das mais belas inteligências de seu século, aplaudido em toda a
Europa como Mestre, São Bruno deixou todas as glórias humanas e encerrou-se no
deserto da Cartuxa, a fim de viver somente para Deus
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“Grandeza de nascença, grandeza de
espírito, grandeza de fortuna, graças exteriores, inteligência clara e vigorosa,
incomparáveis aptidões para as ciências, presentes já magníficos que faziam
brilhar o mais belo deles, a virtude: eis em que meio de esplendor se
desenvolvia essa jovem alma”.
É assim que um hagiógrafo descreve a infância e adolescência de São Bruno de
Hartenfaust, nascido em Colônia por volta do ano 1030, cuja festa comemoramos no
dia 6.
Ainda muito jovem foi completar sua
educação em Reims, atraído pela reputação de sua escola episcopal e de seu
diretor, Heriman.
Brilha ali, obtendo sempre os
primeiros
lugares em todas as matérias. Colando grau, é nomeado professor, adquirindo
fama, sobretudo pela segurança e profundidade de sua doutrina. Mas o jovem
mestre Bruno Gallicus — como passou a ser conhecido nos meios universitários da
Europa de então — ou simplesmente Mestre Bruno não se deixa embair pelo sucesso.
Desde há muito sua nobre alma aspirava a uma glória imorredoura e a servir a
outro Senhor que não o mundo. A corrupção de sua época o entristecia; a simonia
(venda dos bens eclesiásticos), que então grassava nos ambientes do clero, lhe
causava indignação; a heresia o horrorizava. Queria ele reformar o mundo, e não
ser por ele seduzido.
Por isso voltou para sua Colónia natal e
ali ordenou-se sacerdote, entregando-se depois à evangelização do povo pobre e
ignorante dos lugares mais afastados.
Formador de futuros santos
Mas, se ele foge da
glória, esta o persegue. O Arcebispo de Reims, Gervásio, também quer reformar
sua diocese e pensa no jovem levita. E Bruno retoma sua cátedra, torna-se
chanceler da cúria, diretor dos estudos ou inspetor de todas as escolas da
diocese.
Entre seus alunos
de Teologia, ressaltam dois que teriam grande papel no futuro: São Hugo, futuro
Bispo de Grenoble, e o Bem-aventurado Urbano II, o Papa das Cruzadas.
Porém,
“Mestre Hugo é um homem
austero e grave. Não sorri diante dos aplausos nem parece ter em grande estima
seu renome de sábio. Em seu comportamento e em sua palavra há um quê de
desengano, que não pode encobrir o brilho de todos seus êxitos. [...] Entre
outras coisas, dizia: ‘Feliz o homem que tem sua mente fixa no Céu e evita o mal
com vigilância contínua; feliz também aquele que, tendo pecado, chora seu crime
com arrependimento. Mas, ai, os homens vivem como se a morte não existisse e
como se o inferno fosse uma pura fábula’”.
E o mal aproxima-se
dele na pessoa do novo Arcebispo, Manassés, que à força de intrigas tinha
conseguido apossar-se da Sé de Reims. Bruno se levanta contra os escândalos do
novo Arcebispo e apela para o legado do Papa. Um Concílio em Autun, do qual foi
a alma, condena Manassés, que é obrigado a deixar o cargo e morre na
obscuridade, depois de todo o mal que fizera.
Fundação da Cartuxa: vocação
realizada
Entretanto, Bruno
atinge os 40 anos e resolve de vez abandonar o mundo. Com alguns discípulos, vai
para Molesmes pôr-se sob a direção de São Roberto. Mas, apesar do rigor desse
mosteiro, ele sente que ainda não é a solidão absoluta que almeja. Com seus
discípulos, despede-se de São Roberto — os santos se entendem — e parte em
direção a Grenoble, onde seu amigo São Hugo era bispo.
Narra-se que,
durante a viagem, Bruno sentiu-se fatigado e recostou-se com a cabeça apoiada
num pilar. Três anjos lhe apareceram em sonho e anunciaram que Deus marcharia a
seu lado e bendiria sua obra.
Nessa mesma noite,
durante o sono, esses três anjos apareceram a São Hugo, em Grenoble,
anunciando-lhe a próxima vinda de seu amigo e companheiros. O prelado foi
transportado ainda em sonhos até um lugar ermo e agreste de sua diocese, onde
viu erguer-se um templo e descerem do céu sobre ele sete estrelas. Representavam
São Bruno e seus seis companheiros.
São Hugo revestiu
os novos solitários com um hábito de lã branca e depois os levou para o lugar
visto em sonhos.
Assim, São Bruno
tomou posse do deserto da Cartuxa — que depois deveria dar nome à sua Ordem — e
começou a viver a vida que imaginara para si e para os seus.
Austeridade de vida toda voltada
para Deus
O que o Santo almejava era
viver no isolamento, do modo mais semelhante possível ao dos primeiros eremitas
do deserto, mas tendo ao mesmo tempo os recursos da vida cenobítica, isto é, em
comunidade. E fundou assim uma das Ordens mais austeras da Igreja. Os cartuxos
usam
“ásperos cilícios, fazem longas vigílias, jejum contínuo, silêncio perpétuo com
os homens e conversação incessante com Deus. Nunca comem carne, seu pão é um pão
negro de cevada; admitem peixes, se lhos oferecem, mas jamais os compram.
Unicamente às quintas e aos domingos chegam à sua mesa queijo e ovos. Nas terças
e nos sábados alimentam-se de legumes cozidos. Às segundas e quartas jejuam a
pão e água. Não têm mais que uma refeição diária. À porta de suas celas morrem
os rumores do mundo externo. Rezam, transcrevem códices ou trabalham no
jardinzinho circundante [...]. Só se reúnem na igreja para rezar as Matinas, à
meia-noite, e durante o dia para a Missa e Vésperas. Fora disso vivem sós,
‘levantando a Deus suas orações, com os olhos fixos na Terra e os corações
elevados ao Céu’”.
O Bispo Hugo
providenciou a construção de uma igreja e de pequenas celas de madeira para cada
um dos monges. De vez em quando, ia passar períodos de recolhimento entre os
monges, como um deles.
Contra o cisma reinante, a serviço
da Igreja
Os primeiros anos
da recém-fundada Cartuxa passaram rapidamente no fervor da contemplação e da
oração. Mas a Terra não é o Céu, e a felicidade perfeita tem seu limite. Certo
dia, Bruno recebeu um correio urgente de seu ex-discípulo e então Pai da
Cristandade, o Papa Urbano II: o Imperador Henrique IV não aprovara sua eleição
ao Sólio Pontifício e provocara um cisma na Igreja ao eleger um antipapa,
Guiberto. O verdadeiro Papa, necessitando dos conselhos e das luzes de São
Bruno, chamava-o a Roma. Este, cheio de tristeza pelo futuro incerto de sua
obra, designou Lauduíno como superior em seu lugar e partiu para a Cidade
Eterna.
O Papa recebeu-o
com todas as honras e a estima com que um discípulo recebe seu mestre. Mas as
apreensões do Santo, quando deixara a Cartuxa, realizaram-se: sem o mestre e
superior, os outros seis monges não agüentaram, e acabaram seguindo-o a Roma.
Urbano II designou um lugar para alojá-los nas Termas de Diocleciano, onde eles
procuraram levar a vida contemplativa que seguiam na Cartuxa. Mas não era a
mesma coisa. Aos poucos, os fugitivos foram se dando conta de que o lugar deles
era lá na Cartuxa, e não em meio a uma cidade cosmopolita como Roma. E, animados
por Bruno, refizeram o caminho de volta.
Como um bom pai,
ele mantinha constante contato por carta — tanto quanto era possível naqueles
tempos — com seus filhos espirituais, estimulando-os, instruindo-os,
revigorando-os na vocação, respondendo às suas dúvidas e animando-os a
perseverarem.
Conta-se que, certo
dia em que eles estavam especialmente provados e a ponto de tudo abandonar,
apareceu-lhes um venerando ancião que dissipou-lhes todas as dúvidas, como que
afastou com a mão a tentação, assegurando-lhes que a Santíssima Virgem velava
por eles e seria sempre sua advogada e protetora. Dito isto, o ancião
desapareceu, pelo que os monges supuseram ser ele São Pedro, mandado por Deus
para animá-los. Com isso eles perseveraram, e desde então sempre houve monges
naquele mosteiro até 1903, quando novas leis persecutórias da Igreja, na França,
expulsaram os religiosos do país, e com eles os cartuxos. Mas, depois da Segunda
Guerra Mundial, lá estavam eles de volta, onde até hoje permanecem.
Segunda Cartuxa, na Calábria
E São Bruno?
Implorava ele ao Papa, noite e dia, que lhe permitisse voltar para sua querida
solidão. O Papa esteve tentado a aceitar o pedido dos habitantes de Reggio
Calábria, dando-lhes o Santo por Arcebispo. Mas, ante a insistência de Bruno,
julgando que talvez estivesse indo contra a vontade de Deus com a recusa,
aquiesceu em parte aos seus justos pedidos. Entretanto, para tê-lo mais à mão
para o caso de alguma necessidade, recomendou que ele escolhesse qualquer outro
lugar solitário mais perto de Roma. Assim São Bruno, com alguns novos
discípulos, encontrou um vale na Calábria, que foi o berço da segunda Cartuxa.
Ali ele passou os últimos
dias de sua vida em contemplação e escrevendo comentários aos Salmos e às
Epístolas de São Paulo.
“Seus sentidos não lhe serviam senão para as
necessidades indispensáveis do corpo e para os ofícios de piedade. Sua
conversação estava continuamente no Céu, e ele gozava uma paz e uma
tranquilidade de alma tão perfeita, que já experimentava, adiantado, o repouso e
as doçuras da eternidade”.
Enfim chegou para
ele esse tão esperado tempo. E, rodeado de seus discípulos, entregou sua alma a
Deus num domingo, seis de outubro de 1101.
Plínio Maria
Solimeo
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