O
PADRE ALBERTO GOMES
É
sabido que o Padre Alberto Gomes foi confessor da Alexandrina Maria
da Costa durante muitos anos: de 1942
até
à véspera da morte desta a 13 de Outubro de 1955. No entanto
conhece-se menos o percurso excepcional desta alma sacerdotal, deste
“homem de Deus”.
Segundo
as informações que dele temos agora, sabemos que o Padre
Alberto
Guimarães Gonçalves Gomes nasceu no dia 17 de Agosto de 1888 em
Travassos, Póvoa de Lanhoso e que ali faleceu igualmente a 29 de
Março de 1974. Sabemos que era o primeiro dos oito filhos do casal
formado por Domingos António Gomes e Joaquina Rosa Alves, e que
estes deram aos filhos uma sólida instrução cristã.
Diz um
dos seus biógrafos que Alberto Gomes “era
de constituição muito frágil e de saúde delicada”
e que “durante a infância, sofreu de graves problemas de saú-de”.
Aos 14 anos, em 1902, o Alberto “entrou para o ensino liceal em
Guimarães”, ensino que pouco tempo depois “interrompeu para
responder ao seu chamamento voca-cional para o sacerdócio”.
De facto, em 1904 “entrou no seminário de Santo Antó-nio, em
Braga, seguindo sete anos depois, para o semi-nário de São Tiago,
onde completou o curso de Teologia”.
Com a implantação da República e as elucubrações anticlericais do
Dr. Afonso Costa que queria acabar com a religião católica em
Portugal, Alberto não pôde ser ordenado em Braga, mas sim no Porto,
pelo Servo de Deus, Dom António Barroso, que pouco depois seria
exilado pelo mesmo governo, sob pretextos falaciosos. A primeira
Missa do Padre Alberto foi celebrada em Travassos, no dia 29 de
Julho de 1914.
“Depois de desempenhar várias funções em algumas paróquias
– escreve o mesmo biógrafo –, tornou-se pároco da paróquia que o
viu nascer, dois anos depois da sua ordenação”.
PRIMEIRO ENCONTRO COM A ALEXANDRINA
A
referência ao primeiro encontro do Padre Alberto com a Alexandrina,
encontramo-la numa carta escrita pela Deolinda (irmã mais velha da
Alexandrina) ao Padre Mariano Pinho, a 27 de Setembro de 1934. Ela
explica:
“Ontem recebeu aqui a visita de um Padre e da Candidinha Almeida.
Nós não contávamos, não conhecíamos. A Candidinha chamava-lhe o
Senhor Padre Albertinho; a Alexandrina confessou-se e ficou contente
que já não tem de se confessar ao nosso para a primeira sexta-feira”.
Noutro
documento, este da “Obra do Amor divino” fundada pelo Padre Alberto,
encontramos uma explicação mais detalhada deste acontecimento,
certamente escrita pelo próprio Padre Alberto Gomes:
«Em Setembro de 1934, (...) de passagem pela Póvoa de Varzim, teve
conhecimento da existência, em Balazar, de uma donzela muito falada,
por causa dos seus sofrimentos e muito notável pela sua virtude.
Dali, em viagem de caminho-de-ferro, foi, só e oculto, fazer uma
visita à veneranda, sendo recebido cristãmente pela família, que o
conduziu ao leito da paralítica Alexandrina Maria da Costa, na sua
humilde casinha, no lugar do Calvário. Depois de uma conversa
espiritual, que durou cerca de uma hora, o Sr. Padre Alberto
retirou-se santamente impressionado com tudo o que notou e nunca
mais esqueceu».
Como as coincidências não existem nas coisas de Deus, que tudo
planeia segundo o Seu bom prazer, podemos deduzir que esta primeira
visita do Padre Alberto à Alexandrina foi o “ponto de partida” para
uma colaboração que iria durar muitos anos: até à morte da
“doentinha de Balasar”.
VISITA
“OFICIAL” À ALEXANDRINA
De facto, o bom Padre Alberto tornou-se, desde 1940 um visitante
assíduo da “casa do Calvário”. Mas não foi neste ano que a “função
de confessor ordinário da Alexandrina”, se “oficializou”, como
podemos ler no documento já citado da “Obra do Amor divino”:
«Passados seis anos, em 21 de Setembro de 1940, no Largo do Barão
(de S. Martinho), em Braga, encontrou-se certa pessoa com o nosso
Fundador, e deu-lhe um recado mandado pelo Rev. Padre Mariano Pinho,
SJ, dizendo que este sacerdote muito ansiava falar-lhe. O Sr. Padre
Alberto não pôde desta vez entender tal pedido, mas na primeira
viagem que fez a Braga, foi avistar-se com o Rev. Padre Pinho, no
Largo das Teresinhas, e este expôs-lhe o desejo de que ele
conhecesse uma doente em Balazar e observasse o que nela se passava
de extraordinário ou sobrenatural. O Sr. Padre Alberto respondeu que
já conhecia essa doente, pois a tinha visitado havia seis anos e,
então, anuindo ao pedido, segui dali à praça (de táxis, na Avenida
Central) e tomou um automóvel que o conduziu a Balazar.
Era sexta-feira. Sua Reverência pôde assistir pela primeira vez ao
fenómeno místico da Paixão, de que em todas as sextas-feiras, pelas
3 horas da tarde, era protagonista a referida alma».
Assistir a esta demonstração do poder e do amor de Deus às almas por
Ele escolhidas, não é como assistir a qualquer outra manifestação,
mesmo religiosa: esta marca o assistente, qualquer que ele seja,
para o resto da vida, o que aconteceu com a maior parte daqueles que
assistiram à “paixão da Alexandrina”.
Podemos pensar que o Padre Alberto, alma de grande sensibilidade
mística, tenha ficado impressionado com aquilo que viu, sobretudo
sabendo que a Alexandrina era paralítica. Ela movia-se durante as
“paixões”, como se de nada sofresse nos seus membros e sobretudo na
sua coluna: ela “imitava” Jesus em todos os passos da divina Paixão.
Por isso mesmo melhor se compreende o que diz ainda o referido
documento:
«Por devoção voluntária, ficou então a repetir tais visitas,
preferindo sempre fazê-las à sexta-feira, para poder apreciar e
registar os altíssimos êxtases dialogados, entre ela e o seu
Amantíssimo Esposo Divino. Estávamos assim numa série de visitas em
ritmo frequente».
O
EXÍLIO DO PADRE MARIANO PINHO
A
proibição que recebeu o Padre Mariano Pinho do seu Provincial de
visitar e de se ocupar da Alexandrina Maria da Costa é bem conhecida
de todos, por isso mesmo não entraremos nos detalhes da mesma. Ela
aconteceu em 1942. Durante algum tempo o bondoso sacerdote jesuíta
permaneceu em Portugal, mas depois foi mesmo exilado para o Brasil.
Antes
do “desterro” injustificado, o Padre Mariano Pinho procurou
assegurar à sua dirigida uma continuação de direcção espiritual. A
escolha – uma vez mais o dedo de Deus esteve presente – vai ser
feita mediante uma dessas ditas “coincidências” que só Deus sabe
ocasionar.
No
documento já várias vezes citado, podemos ler:
«Em 20 de Janeiro de 1942, de passagem para Balazar, [o Padre
Alberto Gomes] procurou o Rev. Padre Mariano Pinho, indagando se
desejava qualquer notícia para a sua filha espiritual. Aquele
sacerdote regozijando-se com o facto, expôs que a grande doentinha
se encontrava naquele momento em grande provação, em virtude de ele
ter recebido, do seu Provincial, ordem para se ausentar do país.
Pediu então, fosse portador de uma grande bênção, e lhe prestasse
qualquer serviço ou assistência espiritual de que ela necessitasse.
A isto respondeu [o Padre Alberto Gomes] que não ousaria fazê-lo sem
que a Alexandrina manifestasse tal desejo».
É de
louvar aqui a humildade e a prudência do Padre Alberto Gomes: ele
não se recusa a assumir o encargo que lhe é pedido, mas deseja que a
própria beneficiária o manifeste claramente, porque uma coisa é
aceitar um encargo, outra coisa é o encargo ser aceite pela pessoa
que dele beneficiará. Mas a Alexandrina vai aceitar, não só porque
necessita dessa ajuda espiritual, mas também porque o seu “Paizinho”
lhe vai mesmo dar essa ordem. A obediência da Alexandrina sempre foi
exemplar e, aqui também o será.
«Em face desta objecção
– diz o mesmo documento –, o Padre Pinho, escreveu num cartão a
bênção para a doente, dando-lhe ordem de aceitar os serviços
espirituais do portador. Este partiu para Balazar.»
Foi
pouco depois desta visita que a Alexandrina mandou escrever no seu
Diário, os Sentimentos da alma:
«Estou sozinha no meio da tempestade e ela não serena. Abro-vos o
meu pobre coração, só vós sabeis ler o que nele está escrito com dor
e sangue, só vós compreendeis e podeis avaliar o meu sofrer. O mundo
desconhece-o, os homens nada compreendem»
.
Também
são deste mesmo período, estas “queixas” que a Alexandrina dirige ao
seu divino Esposo:
«Que
grande é a minha ignorância ! Pensava já ter-vos dado tudo ;
enganei-me, viestes agora fazer a última colheita. Colhei tudo,
colhei depressa e colhei-me depois para Vós. Dei-vos definitivamente
no dia 20, até quando mo quiseres dar, o meu Paizinho Espiritual.
Dei-vos no dia 24 toda a correspondência que dele tinha, a qual me
serviu de luz e encaminhou para Vós».
Trata-se aqui do mês de Fevereiro de 1942.
Daqui
se deduz que o Padre Mariano Pinho deixara de ser seu Director
espiritual no dia 20 de Fevereiro e que no dia 24 do mesmo mês foram
exigidas à Alexandrina a entrega de todas as cartas que o mesmo
sacerdote lhe escrevera.
CONFESSOR DA ALEXANDRINA
Durante
aquela visita de
20 de Janeiro de 1942, feita pelo Padre Alberto Gomes à Alexandrina,
vai acontecer a escolha deste como confessor daquela. Tudo se passou
de maneira simples, como o são sempre as coisas de Deus.
Na “Pequena história de uma grande obra”, – sobre a Obra do Amor
divino – podemos ler:
«Após a visita à doente, e depois de lhe ter dirigido palavras de
conforto espiritual, ia para se retirar, quando a doente o chama e
lhe suplica que a oiça em confissão. Foi desde aí, que o Sr. Padre
Alberto tomou sobre si o espinhoso encargo de confessar aquela alma
que, vendo-se privada do seu director habitual (Padre Mariano
Pinho), por conselho do mesmo tomou voluntariamente a direcção do
bom Pároco de Travassos e Director da Obra do Amor Divino, durante
os últimos 13 anos da sua preciosa vida. Sua Reverência ia
confessá-la todos os quinze dias e dar-lhe toda a direcção
espiritual».
Neste princípio do ano de 1942, a Alexandrina sente-se extrema-mente
triste, triste não só pelo que sofre mas também e sobretudo pelo que
sente sofrer o seu “Paizinho” espiritual. Em carta de 21 de Janeiro
desse ano – um dia depois da visita do Padre Alberto e na qual não
fala dele – ela escreve:
“Meu Paizinho,
Surgem-me cruzes de todos os lados que se vêm unir à minha cruz,
formando assim um enorme cruzeiro. Levantam-se calvários por todos
os lados que se unem ao meu calvário amontoando montanha sobre
montanha que se torna tão dolorosa e triste, dificilíssima de eu
atravessar”.
A proibição feita ao Padre Pinho de se ocupar da sua dirigida é um
“calvário” para a Alexandrina, assim como o que sobre ela começam a
dizer as “línguas do povo”. Isto ressalta na sequência da mesma
carta:
“Ó Jesus, ó querida Mãezinha, depressa, depressa, vinde buscar a
Vossa filhinha, já não pode mais viver na terra, mas que só quer em
tudo a Vossa santíssima vontade. Sinto-me como um trapo esfarrapado
onde todos ou quase todos, vomitam, escarram, calcam e limpam os pés
e lançam sobre ele os maiores insultos. Mas sinto-me tão nada e tão
indigna que nem para isso devia ter utilidade. Sinto mais ainda:
todos os maus-tratos que me derem, tudo o que de mau de mim disserem
ou possam vir a dizer é nada para o que eu mereço”.
Quanta humildade nesta declaração em que só a vontade de Deus conta!
Mas agora tinha outra coluna contra a qual se podia apoiar, junto da
qual iria receber reconforto e “instruções espirituais” verbais.
«A Alexandrina
– como se lê no documento acima citado –, que aceitou o Sr. Padre
Alberto por conselho do Sr. Padre Pinho, que já se encontrava no
Brasil – em 3 de Fevereiro de 1942 –, a tranquilizá-lo acerca do
estado da sua alma, dizendo “que não se preocupasse a seu respeito
pois o Sr. Padre Alberto tudo fazia delicadamente para guiar sempre
a sua alma a Deus e para a Mãezinha do Céu”».
O mesmo documento da “Obra do amor divino” termina com esta
declaração que também é apontada na biografia que sobre a
Alexandrina escreveu o Padre Humberto Pasquale:
«Durante os últimos 13 anos e tal, desde que o Sr. Padre Alberto a
começou a confessar, só se confessou duas ou três vezes ao Sr. Padre
Humberto Pasquale, de quem a Alexandrina disse ao Rev. Pároco de
Balazar: “Vi que ele compreendia a minha alma e confessei-me. Mas o
meu confessor é o Sr. Padre Alberto, como V. Reverência sabe”. E
continuou o Pároco: “Mas o Padre Humberto é o teu director?” “Sim.
Tem-me dirigido. Mas ele disse logo de princípio que não queria na
verdade tomar o lugar dos outros, isto é, do primeiro director, nem
do Sr. Padre Alberto, e que lhes falasse nisso.”
Deste modo, a Alexandrina nunca quis ser ouvida de confissão por
qualquer outro sacerdote, a não ser pelo Sr. Padre Alberto, até ao
fim da sua vida; foi ele que a absolveu pela última vez, no dia 12
de Outubro de 1955, véspera da sua partida para o Céu.»
Mais tarde, numa carta dirigida ao seu “Paizinho” espiritual ela
escreve:
«O
Reverendíssimo. Sr. Padre Alberto é muito meu amigo e sabe muito bem
perdoar pecados».
Quase
um ano mais tarde, a 1 de Fevereiro de 1947, a Alexandrina escreve
ao Padre Mariano Pinho algo que demonstra a confiança que ela
depositava no Padre Alberto Gomes:
«Tive
de novo algumas palavras com o Sr. P. Alberto. Sobre tal assunto não
convém falar por escrito. O Sr. P. Humberto escreveu-lhe em minha
defesa, mas eu tive que lhe dizer algumas coisas que custam sempre e
muito, dizê-las, a quem tem autoridade sobre nós. O que lhe vale é
ser muito santo, senão não sei o que teria sido...»
Mas,
pouco tempo depois, algo de doloroso se vai repetir: depois do
exílio do Padre Mariano Pinho, agora é a vez do seu segundo Director
espiritual ser obrigado a deixar Portugal e voltar para a sua terra
natal, a Itália. Mais tarde o bom salesiano voltará, mas noutras
circunstâncias e para outros trabalhos: preparar a beatificação e
canonização da sua dirigida.
«Quer saber, meu bom Paizinho? O Rev. Humberto é chamado para
Itália. Faz-me muita falta; apesar de me não poder confessar, sempre
me encorajava no meu calvário. Compreendia-me muito bem. Depois do
meu Paizinho é o golpe que mais me fere. Cá fico eu com o Sr. P.
Alberto e com o Sr. Abade. Coitadinhos, em nome de Nosso Senhor,
perdoam-me os pecados».
Falando
do Padre Alberto, Jesus disse um dia à Alexandrina, num período em
que ela era muito atacada:
«O meu
querido P. Alberto que seja assíduo a teu lado até que cesse a
perseguição e os maus juízos. A dor é filha do amor. É com dor e
amor que dás a vida aos filhos meus. Só esta dor e este amor podiam
ser dados a uma vítima a quem foi dado desempenhar na terra a mais
alta e sublime missão.»
Uma das
afirmações mais ternas da Alexandrina, falando do Padre Alberto
Gomes, encontramo-la numa carta escrita em 26 de Maio de 1947:
«Tenho-me confessado ao Sr. Abade e ao Padre Alberto. E que bem
ficam os pecados perdoados, se eu tiver verdadeiro arrependimento e
a alma disposta para isso».
Terminamos este humilde trabalho sobre este santo sacerdote, com as
palavras que sobre ele disse a nossa querida Alexandrina: “O
que lhe vale é ser muito santo”.
Que um
dia, este como os outros dois que de mais perto lidaram com a
“Doentinha de Balasar”, possam “subir às honras dos altares”, se
assim for a vontade de Deus.
Afonso
Rocha
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