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ARTIGOS SOBRE A ALEXANDRINA

 
 
 
 

O Padre Agostinho Veloso
e a Alexandrina

 
 

— O “caso” da Alexandrina —

« Para declarar e dar a entender esta noite escura pela qual a alma tem de passar a fim de chegar à luz divina da perfeita união do amor de Deus, quanto é possível nesta vida, seria mister outra maior luz de ciência e de experiência do que a minha; pois são tantas e tão profundas as trevas e os trabalhos, tanto espirituais como temporais, que as ditosas almas têm ordinariamente de passar para poderem chegar ao alto estado da perfeição, que não basta ciência humana para o poder compreender, nem experiência para o saber dizer; pois somente quem por isso passa, o saberá sentir, mas não dizer »[1].

Acusações gratuitas

Vimos acima as razões que levaram o estudioso Padre Veloso a ressentir uma aversão biliar contra a “Doentinha de Balasar”. Ele não só combateu o caso, mas levantou mesmo falsos testemunhos contra ela e contra o seu digno Director espiritual.

Porque não seguiu ele este sábio conselho de S. João da Cruz?

« Não me fiarei nem da experiência, nem da ciência, pois uma e outra podem falhar e enganar »[2].

Como já disse acima, aquando do processo diocesano para a beatificação da Alexandrina de Balasar, foram ouvidas quarenta e oito testemunhas, das quais quarenta e sete eram a favor da introdução da causa. Uma só dessas testemunhas ― a testemunha número XII ― se opunha à introdução: o Padre Agostinho Veloso.

Interrogado pelo Tribunal eclesiástico, ele afirma peremptoriamente:

― « Não tenho devoção nenhuma à Serva de Deus. Não desejo a sua beatificação porque considero que isso seria um desastre para a Igreja ».

Uma tal afirmação ― a única discordante! ― vinda da boca dum sacerdote, causa admiração e merece uma explicação. Por isso mesmo o dito Tribunal pergunta:

― « Vossa Reverência diz que a beatificação da Serva de Deus seria um desastre para a Igreja. Porque razão, explique-nos ».

Sem qualquer embargo, o Padre Veloso respondeu:

― «1° Dizem que ela estava paralisada. Eu sei, no entanto, que ela não o era;

2° Que ela teve uma miélite: isso é mentira e eu posso prová-lo com um documento assinado que tenho em meu poder, mas que não confiarei ao Tribunal;

3° Afirmo igualmente que ela não era paralítica, e isto pela simples razão que, tendo ido à Trofa, o pároco dessa freguesia mostrou-me sete fotografias da Alexandrina, tiradas por ele mesmo, onde se vê esta passear no jardim, isto por volta de 1939 ou 1940, mais ou menos».

E um pouco mais adiante, ele diz ainda, sob juramento:

― « A Alexandrina seguia os conselhos e as ordens do director espiritual, Padre Mariano Pinho e penso que ela estava totalmente “feita” com ele, que era um tarado sexual. »

Graves acusações não documentadas, portanto falsas acusações gratuitas, tendo em vista, provavelmente, entravar a causa então em curso. Sabe-se, por exemplo, pela Autobiografia da Alexandrina, que se na Trofa se movimentou foi por “simples” milagre de Deus e obediência ao seu “Paizinho” espiritual, como o atestam o Doutor Azevedo e a Sãozinha, presentes nessa ocasião e, sobretudo dignos de fé.

Se, como ele próprio o diz, podia “prová-lo com um documento assinado”, porque se recusou a produzir, perante o Tribunal eclesiástico, o dito documento? Porque o não tinha... senão tê-lo-ia exibido com orgulhoso prazer. Torna-se óbvio que fez então uma falsa declaração e, pela mesma ocasião um falso juramento, o que é gravíssimo.

Como para provar e justificar todas as suas asserções malévolas, o Padre Agostinho Veloso aponta, perante o Tribunal eclesiástico um documento enviado pelo então Arcebispo de Braga, Dom António Bento Martins Júnior ao Provincial da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, o Padre Júlio Marinho, documento onde o Prelado explica a decisão da Comissão que ele mesmo tinha encarregado de estudar o “caso” de Balasar:

« Levamos ao conhecimento de Vossa Reverência que, tendo encarregado uma Comissão, composta de pessoas prudentes, instruídas e especializadas nas ciências filosófica e teológica, de estudar quanto se passa com a Alexandrina Maria da Costa, de Balasar, a dita Comissão emitiu o seguinte parecer: “Diante de longa relação feita, esta Comissão sente a necessidade de dizer que não ter encontrado nada que ateste, no caso da Alexandrina, a presença de sobrenatural, de extraordinário ou de milagroso, etc. »

Se a conclusão a que chegou o Padre Mariano Pinho sobre o resultado da dita Comissão, é louvável ― “diante destas determinações, só restava obedecer, fossem quais fossem as razões que a isso levaram a Autoridade competente” ―; como era previsível, o Padre Veloso tira deste documento uma conclusão muito pessoal:

― « O Prelado mandou este documento ao Padre Júlio Marinho, Provincial da Província Portuguesa da Companhia de Jesus, porque conhecia a grave responsabilidade que o Padre Mariano Pinho tinha em todos os aspectos da mistificação de Balasar. »

E logo a seguir, um ataque frontal dirigido aos dois directores da Alexandrina:

― « Se ela perdeu, sucessivamente, dois directores espirituais foi porque, tanto um como outro, colaboraram na mistificação que o Prelado não podia permitir. O segundo director foi o Padre Pasquale. Basta ler o livro “Eis a Alexandrina”, do qual ele é autor, para ver até que ponto também ele colaborou na mistificação. »

Esta maneira de proceder denota no Padre Veloso, como também já disse, três grandes defeitos que parecem ter sido nele uma constante: vaidade, teimosia e egocentrismo.

Ele estudou, estudou muito, sabe muito, sabe mesmo tudo e, quanto possam dizer os outros, mesmo que tenham razão, não é verdade: só ele sabe, só ele é detentor da verdade...

E, como se fosse necessário prová-lo, leia-se o que no mesmo artigo ele escreveu:

« O que aí fica vale como documento humano de psicologia feminina[3], e como aviso a jornalistas ingénuos e principalmente a directores de almas, algumas vezes, cúmplices, embora de boa fé, dos falsos caminhos, onde as melhores qualidades naturais se podem perverter ».

O que dizem as testemunhas

Sãozinha

Diversas testemunhas foram interrogadas, durante o Processo diocesano da Alexandrina, sobre as afirmações peremptórias do Padre Veloso. Vimos já o que a esse respeito disse o venerando Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira.

Vejamos agora o que sobre ele responde Maria da Conceição Proença, a professora de Balasar, a Sãozinha.

Perguntou-lhe o Tribunal:

― «O Padre Agostinho Veloso diz que a vida moral do Padre Mariano Pinho, com as suas dirigidas, era gravemente suspeita. Que diz a esta afirmação?»

É bom lembrar aqui que a Sãozinha lidou de perto com a Alexandrina ― escrevendo muitas vezes as suas cartas e mesmo páginas do seu Diário quando a irmã o não podia fazer ―; que tinha também o Padre Mariano Pinho como Director espiritual. Ouçamos pois atentamente as suas respostas cheias de bom senso e de recato.

― « Também eu fui sua dirigida durante dez anos, mas nunca encontrei nele a mínima atitude, nem ouvi a mínima palavra desrespeitosa, antes pelo contrário: ele era delicado, atento e sobretudo devotado às almas ».

Outra pergunta do Tribunal:

― « Era ele prudente na direcção espiritual? »

― « Comigo sempre o foi. Todavia penso que algumas vezes possa não ter sido com algumas pessoas, por causa da sua bondade, um pouco ingénua, o que poderá tê-lo por vezes levado a acreditar com uma certa facilidade o que lhe diziam. De qualquer das maneiras, custa-me a acreditar nisso ».

As acusações do Padre Veloso tendo sido muito graves, o Tribunal não desarma: a verdade tem que vir ao de cima... O interrogatório continua:

― « O Padre Agostinho Veloso diz que foi por causa de abusos muito graves que os seus Superiores se viram obrigados a enviar o Padre Mariano Pinho para o Brasil. Que pensa à cerca disso? »

Calmamente a Sãozinha respondeu:

― « O Padre Mariano Pinho foi enviado para o Brasil por causa duma carta difamatória, carta que teria sido escrita por uma certa Ema de Vila Real e cuja má reputação é publicamente reconhecida. Ouvi dizer que os Superiores do Padre Mariano Pinho, sem qualquer inquérito sobre a acusação, proibiram este de vir a Balasar e pouco depois enviaram-no para o Brasil. Entre a proibição de se deslocar a Balasar e a partida para o Brasil, passaram-se dois anos. Posso testemunhar que ele sempre obedeceu e nunca disso se lamentou ».

― « O Padre Agostinho Veloso ― continua o interrogador ― também ele religioso, diz assim: “Eu conheci muito bem esse Padre e sei que ele era um tarado sexual, que dirigia as penitentes, mais ou menos histéricas, por uma via de falsa mística e pela prática de actos sexuais com ele e por mistificação...” Que pensa a Senhora desta afirmação? »

Acusação terrível que provavelmente faz estremecer a boa Sãozinha. A sua resposta é curta mas incisiva:

― « Tudo isso é mentira. Aquele que me parece tarado é o Padre Agostinho Veloso e não outro, porque, para afirmar uma coisa dessas, é preciso estar absolutamente certo dos factos ».

O interrogador argumenta ainda, parecendo não se satisfazer com a curta resposta da Sãozinha:

― « A Senhora diz que, para afirmar uma coisa dessas, é preciso estar absolutamente certo. Ora, o Padre Agostinho Veloso, sacerdote ilustre, que conhecia o sentido das palavras, quando disse “Eu conheci bem esse Padre” estava certo naquilo que dizia. Que lhe parece? »

Provavelmente um pouco paralisada pela insistência, a Sãozinha respondeu simplesmente:

― « Se ele o conhecia, não o conhecia que chegasse, porque o Padre Pinho era incapaz de tais coisas... »

Parecendo não se satisfazer com respostas tão curtas, o Tribunal que estava ao corrente de todas as maledicências do Padre Veloso, pergunta:

― « O Padre Agostinho Veloso acrescenta ainda: “Eu ouvi dizer a algumas das suas vítimas, às quais, quando elas resistiam aos seus desvios eróticos, ele costumava dizer, para as convencer, que fazia a mesma coisa com a Alexandrina”. Que diz a Senhora sobre esta afirmação? »

Era demais!... A reacção da Sãozinha não se fez esperar:

― « Eu digo, com indignação, que tudo isso é um tecido de mentiras. Encontrei-me com muitas pessoas que vinham a casa da Alexandrina e que eram também dirigidas do Padre Pinho; nunca nenhuma delas se queixou nem me advertiu de tal procedimento por parte dele ».

A insistência do interrogador pode parecer inquisitória, mas não é, porque ele sabe perfeitamente que a Sãozinha era muito amiga da Alexandrina e que tinha sido dirigida do Padre, por isso mesmo a insistência é compreensível. Ele acrescenta:

― « O Padre Agostinho Veloso diz também que a Alexandrina, sob a direcção do Padre Mariano Pinho, teve manifestações e fenómenos místicos, tais como o pedido de Consagração do mundo a Nossa Senhora, o convite para a crucifixão total, e ele acrescenta: “Eu tenho razão de afirmar que tudo isso nada mais foi do que uma mistificação: não foi Jesus que a convidou. Foi o imprudentíssimo confessor que a levou a isso, com fins que nada têm a ver com a glória de Deus”. O mesmo termina dizendo: “Eu conheci-o muito bem e sei do que ele é capaz”. Que pensa a Senhora destas afirmações? »

Calmamente Sãozinha responde ao interrogador do Tribunal:

― « No que diz respeito aos fenómenos místicos, eu estou convencida deles. Eles foram o resultado, não duma mistificação por parte do Director espiritual, mas vindos de Jesus.

Não se trata duma mistificação ― insiste a Sãozinha. Quando pela primeira vez ela ouviu os convites de Jesus, ela nem os compreendeu, razão pela qual ela perguntou ao Padre Mariano Pinho o que significavam aqueles convites.

Eu não acredito que o Padre Agostinho Veloso conhecesse bem o Padre Mariano Pinho, senão não teria feito tais afirmações ».

O calvário da Sãozinha ainda não termina aqui: o interrogador anuncia outros dizeres do Padre Veloso:

― « O Padre Agostinho Veloso disse que a irmã da Alexandrina, Deolinda, se tornou sua confidente e sua secretária nas comunicações com o Director espiritual. Mas o Padre Agostinho Veloso inclina-se a acreditar que ela foi cúmplice na mistificação, na qual o Padre a incluiu. Diga-nos, minha Senhora, que tão bem conheceu a Deolinda e tão bem conheceu a Alexandrina, o que pensa destas afirmações ».

A Sãozinha, calma como sempre, respondeu simplesmente:

― « Eu posso dizer que nem uma nem outra teriam sido capazes de se deixarem manobrar dessa maneira. Eu o sei por conhecimento pessoal ».

A última frase proferida foi como uma guilhotina: decapitou completamente as veleidades que pudesse ter ainda o interrogador ― que aliás actuava para o bem da causa da Alexandrina.

Mas a Sãozinha tem ainda algo mais a dizer. Com uma certa altivez, provavelmente, ela afirma perante o Tribunal:

― « Eu estou persuadida que o Padre Agostinho Veloso pensaria diferentemente se tivesse estudado o caso com a devida atenção ».

Esta frase resume perfeitamente tudo quanto disse até aqui sobre o Padre Agostinho Veloso.

Deolinda, irmã da Alexandrina

Como as quarenta e sete outras, a Deolinda, depois de prometer dizer a verdade, nada mais do que a verdade, foi interrogada pelo Tribunal.

Depois de muitas outras perguntas ― a Deolinda foi sem dúvida a pessoa que melhor conheceu a Alexandrina ― chegou o momento fatídico das perguntas sobre as afirmações do Padre Veloso.

― « O Padre Agostinho Veloso afirma que o Padre Mariano Pinho, para conseguir os seus intentos, dizia às outras almas que ele dirigia, que ele fazia a mesma coisa com a Alexandrina. O que pensa disto? »

Esta entrada de rompante não impressionou a boa Deolinda, que respondeu simplesmente:

― « O que ele fazia com as outras almas não sei; quanto a mim, ele nunca me disse coisas desse género. Também nunca vi aqui nada que a isso se assemelhasse. Eu não posso acreditar que ele fossa capaz de incitar fosse quem fosse a pecar ».

Depois de afirmar que sua irmã sempre fora escrupulosamente obediente aos seus Directores espirituais, uma pergunta salta imediata, da boca do interrogador:

― « A Alexandrina teria ela sido capaz, para obedecer ao seu Director espiritual, de cometer actos contra a castidade? »

As respostas da Deolinda são sempre ― ou quase sempre ― curtas, mas de grande densidade; por isso mesmo convém lê-las calmamente, quase meditá-las.

― « Eu estou certa que o Director espiritual ele próprio seria incapaz de lhe sugerir tais actos, como estou segura que ela nunca os teria praticado, se isso lhe tivesse sido pedido ».

Vem a seguir uma pergunta sobre o Padre Mariano Pinho:

― « Conhece bem a vida moral do Padre Mariano Pinho? »

― « Conheço aquela que diz respeito ao número de anos em que foi meu Director espiritual... »

O interrogador interroga-a depois sobre o Padre Veloso, perguntando-lhe:

― « Que pensa desta afirmação do Padre Agostinho Veloso: “A sua vida moral de sacerdote, com as filhas espirituais, é gravemente suspeita. Foi por causa de faltas nesse género que os seus Superiores decidiram enviá-lo para o Brasil”? »

Resposta categórica da irmã da Alexandrina:

― « Eu não sei o que possa ter acontecido com outras pessoas; mas, segundo aquilo que sei dele, eu digo que é impossível que isso seja verdade. Ele mostrou a sua virtude, submetendo-se à vontade dos seus Superiores ».

Parecendo não satisfeito, o interrogador pergunta ainda:

― « O Padre Agostinho Veloso disse: “Eu conheci bem esse Padre e sei que ele levava as suas penitentes, as mais histéricas, pela via da falsa mística, à prática de actos sexuais com ele e à mistificação através de visões”. Que pensa disto? »

Com simplicidade, Deolinda responde:

― « Eu fui dirigida por ele mas nunca tive a impressão de ser histérica e nunca ninguém me acusou disso. Isso parece-me impossível, pelo que sei dele, que tenha dirigido as suas penitentes por uma via de falsa mística, com o fim citado. Ele sempre tratou toda a gente, grandes ou pequenos, com respeito e caridade ».

O Tribunal insiste:

― « O Padre Agostinho Veloso diz ter ouvido dizer a certas vítimas, que quando elas resistiam, ele lhes dizia que fazia a mesma coisa com a Alexandrina ».

Não deve ser fácil ouvir dizer assim tão mal duma irmã, sem se revoltar, sem mostrar um desejo de repulsa... Deolinda permaneceu calma e serenamente respondeu:

― « Isso parece-me falso. Parece-me impossível da parte do Padre Mariano Pinho. No que diz respeito à tal Ema, devo dizer o seguinte: quando me encontrei com ela, e creio que apenas aconteceu duas vezes, deu-me a impressa de ser alguém duma piedade exagerada e mal formada. Mais tarde ouvi dizer, por outras pessoas, que ela era uma tarada ».

Padre Abel Guerra, S. J.

Esta testemunha foi interrogada “sobretudo para que respondesse às acusações do Padre Agostinho Veloso” e não porque conhecesse verdadeiramente a Alexandrina que “apenas visitou uma vez em 1934”.

Da mesma idade que a Alexandrina, pois nasceu em Lavacolhos, distrito de Castelo Branco, a 4 de janeiro de 1904, o Padre Abel Guerra afirma, antes de mais:

« Tenho devoção à Alexandrina... recomendei-me a ela para obter graças... e desejo a sua beatificação para a glória de Deus e triunfo da verdade. »

Depois, respondendo ao tribunal que lhe perguntara se conhecia bem o Padre Veloso, a sua resposta é categórica:

― « Sim, conheço-o muito bem. »

Este “muito bem” é na boca do Padre Abel Guerra muito importante, visto que sendo também Jesuíta, não se furta ao que este “muito bem” possa ter como consequências nas questões futuras.

― « O Padre Agostinho Veloso disse aqui categoricamente ― diz o interrogador ― que a Serva de Deus não sofreu de nenhuma mielite, que o podia provar com documentos que não forneceu. Que pensa disso?

― « Antes de mais, não tenho a mínima ideia de qual documento se possa tratar, e em segundo lugar, admira-me uma tal afirmação do Padre Veloso, porque muito categórica e estranha. »

O Tribunal faz então ao Padre Abel Guerra uma pergunta muito judiciosa e interessante:

― « Parece a Vossa Reverência que o Padre Agostinho Veloso seja uma testemunha parcial ou imparcial nas relações entre o Padre Mariano Pinho e a Serva de Deus? »

A resposta do Jesuíta é sibilina:

― « Penso que é uma testemunha parcial, e penso igualmente que nem tão pouco deveria ser testemunha neste processo pelas razões que depois direi. »

O Tribunal não procurou saber logo essas “razões” do Padre Guerra; continuou, sem se dispersar, o interrogatório por ele previsto.

― « O Padre Agostinho Veloso disse que a vida moral deste sacerdote ― o Padre Mariano Pinho ― com as suas dirigidas era gravemente suspeita. Que responde a esta acusação? »

― « Pelo que sei sobre o Padre Pinho e por aquilo que sei doutras fontes, penso que esta afirmação não tem fundamento, antes pelo contrário é essa afirmação que me parece gravemente suspeita ».

Homem culto e conhecedor, o Padre Abel Guerra, também ele escritor, responde com segurança e aprumo às interrogações do Tribunal eclesiástico, porque conhece “muito bem” o seu colega Veloso, assim como conhece o Padre Mariano Pinho.

― « O Padre Agostinho Veloso ― continua o interrogador ― afirma que o Padre Mariano Pinho era um tarado sexual, que dirigia as penitentes, mais ou menos histéricas, por vias de falsa mística, à maneira de Miguel Molinos, pela prática de actos sexuais com ele e à mistificação pelas visões. Que nos pode dizer a respeito destas afirmações? »

― « Antes de mais, por aquilo que sei do Padre Mariano Pinho, nada me diz que tenha sido um tarado sexual, antes pelo contrário e admira-me bastante uma tal afirmação. Por aquilo que conheci, por ter convivido com ele, durante mais ou menos dois anos, durante os quais o conheci, e ainda por testemunhos de muitas pessoas que o conheciam e o estimavam, tudo isso me levou a crer que fosse um homem de Deus e uma alma de rara virtude, o que não se acorda com o tratamento de tarado sexual. Pode ser, visto que era uma alma simples e sem malícia, que uma vez ou outra tenha cometido qualquer imprudência, mas sem a mínima malícia. »

Como o intuito de Tribunal era de saber a verdade, o interrogador continua:

― « O Padre Agostinho Veloso continua a afirmar que foi por causa destes abusos gravíssimos, deste género, que os Superiores para não o expulsarem da Companhia, decidiram enviá-la para o Brasil. Far-nos-ia prazer, digo, que Vossa Reverência nos dissesse concretamente o que sabe a este respeito. »

O Padre Abel Guerra sabe, e como sabe, vai calmamente e longamente explicar no decorrer das duas cessões de interrogatório às quais participou.

Ao lermos as suas declarações, podemos dizer que não há melhor água do que aquela que sai da fonte, mesmo onde ela nasce... e brota pura!

― « Não creio que tenham pensado em expulsá-lo, porque isso só se poderia fazer depois dum processo canónico, no qual fosse provada a existência de graves crimes, processo que não teve lugar, e que nem esteve, penso, na ideia dos Superiores a provocá-lo.

No que diz respeito aos abusos gravíssimos de que fala o Padre Agostinho Veloso, o próprio Padre Provincial que o enviou para o nosso Seminário de Macieira de Cambra, onde eu era Reitor, escreveu-me para me pôr ao corrente da situação, que era que aparentemente nada havia de grave, ao máximo qualquer imprudência e que vinha para lá privado da faculdade de confessar. A partir dum certo momento, visto que na casa estavam alguns que queriam confessar-se a ele, eu pedi ao Padre Provincial de lhe conceder a faculdade de confessar naquela casa, quando lhe pedissem, coisa que me concedeu facilmente.

Penso que isso não teria acontecido, se ele estivesse convencido que o Padre Mariano Pinho era réu de graves crimes. »

Depois disto, algumas correcções que lhe parecem oportunas, pois esclarecem certos pontos do “discurso” do Padre Veloso:

― « Pelas afirmações do Padre Agostinho Veloso poder-se-ia concluir que o Padre Mariano Pinho foi enviado imediatamente de Braga para o Brasil, mas isso não se passou assim, porque ele esteve ainda durante quatro anos em Macieira de Cambra. Creio que a razão pela qual foi enviado para o Brasil, fosse aquela de o libertar do ambiente e de libertar os Superiores daquela dificuldade. »

À busca de afirmações sensatas e, para que deste imbróglio particular saia a verdade, o Tribunal continua, e o interrogador diz ainda ao Padre Abel Guerra:

― « P. Padre Agostinho Veloso continua: “Ouvi de algumas das suas vítimas que, quando resistiam aos seus desejos eróticos, ele as convencia dizendo que fazia a mesma coisa com a Alexandrina”. Que diz Vossa Reverência acerca desta afirmação? »

― « Por aquilo que sei sobre o Padre Mariano Pinho, considero essa afirmação absolutamente falsa e de facto incompatível com o seu procedimento moral. »

A Tribunal insiste:

― « O Padre Agostinho Veloso era amigo ou inimigo do Padre Mariano Pinho? »

A resposta que vai dar o Padre Abel Guerra é importantíssima, pois vai mostrar o verdadeiro carácter, como já acima sublinhei, do Padre Veloso. Ouçamo-lo:

― « O Padre Agostinho Veloso era adversário e continua a sê-lo do Padre Mariano Pinho. Ainda há bem pouco tempo disse a um sacerdote: “Acuso o Padre Mariano Pinho para me defender”, referindo-se à deposição que fez neste Tribunal. »

Depois desta afirmação que é também uma acusação, o Padre Abel Guerra lamenta que o Padre Mariano Pinho não possa defender-se ele mesmo de tão graves acusações e mesmo que nenhuma voz “autorizada” se faça ouvir claramente para o defender.

Depois, a pedido do tribunal explica a sua visita, em 1934, à “Serva de Deus” e as impressões que nesse tempo recolheu:

― « Quando fui visitá-la, fui lá em estudo, para verificar aquilo que tinha estudado em ascética e mística ― note-se que o Padre Veloso não julgou bom fazê-lo ― e concluí que não dava sinais de histerismo, digo, de histeria, ou de doença semelhante, e a mesma conclusão tirei dos seus escritos, sobretudo das cartas, que eu li e que me impressionaram pela sua simplicidade e breves. Ainda hoje conservo a mesma opinião... »

Mas o Tribunal parece não ter esgotado todas as perguntas referentes ao Padre Agostinho Veloso, por isso mesmo continua a pesquisa, perguntado ao Jesuíta:

― « O Padre Agostinho Veloso diz textualmente: “Tenho razão para afirmar que os fenómenos místicos, que são atribuídos à Serva de Deus, nada mais são do que mistificação. Não foi Jesus que os suscitou, mas o imprudentíssimo director, digo, confessor, que os suscitou com fins que nada têm a ver com a glória de Deus. Eu conheci-o bem e sei daquilo que é capaz”. Que diz Vossa Reverência desta afirmação? »

― « Acho-a sem fundamente concreto e gratuita. Penso que não podia ser uma mistificação. Quando fui vê-la, tive a impressão que ela tinha um profundo amor a Deus, como nunca tinha visto em ninguém. Por uma espécie de ideia fixa, ela vivia toda absorvida em Deus, todas as suas palavras e atitudes eram a expressão contínua do amor que ela sentia por Deus. Não me parece que ela pudesse prestar-se a uma mistificação, nem activa, nem passiva, porque não era nem uma doente, nem uma histérica, antes pelo contrário, era uma pessoa psiquicamente normal. Quanto ao Padre Mariano Pinho, não o julgo capaz de levar a Serva de Deus à mistificação. »

O Tribunal fala depois da Deolinda, que o Padre Veloso acusa de cumplicidade com sua irmã e com o Padre Pinho... A resposta é curta mas clara:

― « Penso que essa afirmação não tem fundamento. »

Sobre as ordens dadas pelo Director espiritual à Serva de Deus e postas em causa pelo Padre Veloso, quando afirma ao Tribunal que “pensa que esta fosse totalmente submetida a ele, que era um tarado sexual”, o Padre Guerra Guerra afirma categoricamente:

― « Penso que essa afirmação é simplesmente uma monstruosidade. »

Mais adiante e, para terminar a sua intervenção remarcável junto do Tribunal, o Padre Abel Guerra faz uma espécie de resumo de quanto sabe ou ouviu dizer sobre a então Serva de Deus:

― « Sei que a opinião geral é que ela seja uma grande santa. Muitas pessoas de grande virtude e valor intelectual e moral mo disseram: o Senhor Cardeal Patriarca[4], o Padre José Aparício, S. J.[5], Monsenhor Mendes do Carmo[6], Padre Humberto Pasquale[7], sdb, Padre Alberto Gomes e Monsenhor Vilar[8].

A razão desta fama está na sua virtude, digo, na realidade das suas virtudes. Esta fama não mais diminuiu, antes pelo contrário, tem vindo sempre a aumentar. Nada foi feito para promover esta fama, bem pelo contrário, muito foi feito para a destruir e denigra-la.

Pessoalmente penso a Serva de Deus absolutamente digna das honras dos altares.

Tudo isto sei por conhecimento directo e indirecto. »

Poderia pensar-se que aqui termina o depoimento do Padre Guerra, mas ele ainda tem mais a dizer, ainda tem mais explicações a dar. Ouçamo-lo:

― « Sei que muito foi feito, dito e escrito contra a fama e as virtudes da Serva de Deus, enquanto viva e depois da sua morte.

Foi dito que o caso de Balasar era uma mistificação e o seu Director foi acusado de conivência nesta mistificação e ao mesmo tempo acusado de graves pecados contra o sexto mandamento, como aliás se confirma através de deposições aqui feitas.

Entre as pessoas que se opuseram sobressai o Padre Agostinho Veloso que influenciou o Dr. Abel Pacheco, o Dr. Gomes de Araújo e os Superiores da Companhia de Jesus desse tempo, assim como Sacerdotes e muitas outras pessoas.

O Padre Agostinho Veloso ainda está vivo ― estávamos então em 1968. Nesta sua acção, a meu ver diabólica, apaixonada e pertinaz, ele fez-se acusador e propagador de supostos crimes do Padre Mariano Pinho.

Presumo que a razão desta sua atitude seja uma observação que o Padre Mariano, no tempo em que os dois estavam a residir no Porto, lhe fez, a propósito de qualquer atitude menos correcta dele, e daí saiu o mal-entendido, que depois se transformou em hostilidade estimulada pela inveja. Tudo isto sei por conhecimento directo. »

Para que as dúvidas não pudessem vir ao decima, o Padre Abel Guerra termina a sua deposição, sobre este assunto tão delicado, de maneira categórica, não porque tivesse ouvido falar, ou porque alguém lhe dissesse, mas “por conhecimento directo”.

** * * *

Ficarei por aqui no que diz respeito às testemunhas que foram interrogadas pelo Tribunal eclesiástico, aquando do Processo diocesano para a causa de beatificação e canonização da Alexandrina Maria da Costa.

O Padre Payrière

Parece-me judicioso incluir aqui o testemunho do Padre R. Payrière, sacerdote francês da diocese de Versalhes, e escritor, que visitou a Alexandrina no dia 4 de dezembro de 1945.

Diz ele em carta enviada para Balasar:

« Alexandrina Maria da Costa que eu vi (...), pareceu-me uma belíssima alma, completamente unida a Deus, uma hóstia pura, silenciosa e alegre no seu sofrimento profundo que exigem os pecados do mundo, em estreita união com Aquele que é por excelência o Cordeiro de Deus. Alexandrina é também o cordeiro de Deus que expia pelos pecados do mundo ».

Mais adiante, na mesma missiva o mesmo sacerdote diz ainda:

« O seu olhar e o seu sorriso estão cheios de bondade, de simplicidade e de caridade suave; e portanto ela sofre muito porque de quando em quando, um espasmo doloroso crispa os seus traços e vela o seu olhar um curto momento, o tempo de tudo oferecer a Deus sobre o altar da sua alma e logo após a serenidade volta e a paz invade de novo a face da Alexandrina ».

Ao terminar a sua carta, que tem a data de 5 de dezembro do mesmo ano, o mesmo sacerdote escreve, como para prestar homenagem à “Doentinha de Balasar”:

« Durante uma hora ela permaneceu imóvel, não deu o mínimo sinal de impaciência, nem de fadiga. Sorriso, bondade, condescendência, solicitude de Deus: eis tal como ela me pareceu durante esta hora.

A necessidade de falar por intermédio dum intérprete não me permite formular um testemunho mais completo, o que seria talvez diferente se a conversação fosse directa.

Mas é verdade que as almas desta têmpera falam directa e silenciosamente a linguagem de Deus ».

* * * * *

O que aqui fica dito não deve ser olhado como uma condenação do Padre Agostinho Veloso: só Deus tem direito de julgar cada um de nós, pois todos somos pecadores.

Bom é lembrar que, se assim aconteceu, foi porque isso estava nos planos de Deus, único a saber “escrever direito por linhas tortas”.

Podemos também pensar que o Padre Veloso tenha sido, involuntariamente, no momento do Processo, sobretudo, o “cardeal-diabo” da causa da Alexandrina e da eventual futura do seu bom e santo primeiro Director espiritual, o Padre Mariano Pinho.

É bom « lembrar aqui ― como adverte o professor José Ferreira ― que o Processo da Alexandrina, ilibando o Padre Pinho das infames acusações de que foi vítima, deixa muito facilitada a tarefa para o seu futuro processo ».

O Padre Agostinho Veloso não foi prudente nas suas afirmações; não foi caridoso nas suas insinuações; mostrou-se presunçoso, como dele afirmou o Cardeal Cerejeira ao tomar posições não documentadas, podendo causar prejuízos incalculáveis...

« Em toda a boa eleição, quanto é da nossa parte, o olhar da nossa intenção deve ser simples, tendo somente em vista o fim para que sou criado, a saber, para louvor de Deus nosso Senhor e salvação da minha alma; e assim, qualquer coisa que eu eleger deve ser para que me ajude para o fim para que sou criado, não subordinando nem fazendo vir o fim ao meio, mas o meio ao fim »[9].

Agora que os três ― a Alexandrina, o Padre Mariano Pinho e o Padre Agostinho Veloso ― foram chamados à Mansão celeste ― onde não existem nem rivalidades nem rancores, e sabendo-se que “entre a ponte e a água há uma certa distância”[10] ―, o que melhor poderemos desejar é que os três beneficiem da total visão beatífica e intercedam por nós junto de Deus.

Afonso Rocha


[1] S. João da Cruz, “Subida ao Monte Carmelo”, Prólogo, 1.

[2] S. João da Cruz, “Subida ao Monte Carmelo”, Prólogo, 2.

[3] Acabava de expor o caso da freira de Lisboa, Maria da Visitação, filha espiritual de Frei Luís de Granada desmascarada por S. João da Cruz.

[4] Cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira.

[5] Director espiritual da Irmã Lúcia de Fátima e cuja causa está em curso, actualmente.

[6] Aquele que assistiu à morte da Alexandrina, acompanhando-a nos seus últimos momentos.

[7] Que não precisa ser apresentado, sendo bem conhecido de todos como segundo Director espiritual da Alexandrina e seu maior biógrafo.

[8] Monsenhor Manuel Vilar visitou a Alexandrina a mando da Santa Sé e tornou-se seu amigo. Ler as cartas que lhe escreveu de Roma. (http://alexandrinadebalasar.free.fr).

[9] Santo Inácio de Loyola: “Exercícios espirituais”, segunda semana, 169.

[10] Expressão do Santo Cura d’Ars, a respeito do espaço de tempo que existe entre o arrependimento e a morte.

 

 

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