Perdi o meu maior
tesouro. Perdi a Jesus, perdi a Mãezinha. Parece, sinto como se Eles morressem
para mim. Não posso pensar na triste, na dolorosíssima separação de sexta-feira.
Triste mortório, mas é tal a diferença como da terra ao Céu. Custou mais,
infinitamente mais, a separação de Jesus e da Mãezinha, este sentimento como se
Eles morressem para mim, do que quando perdemos e nos separamos dos nossos entes
queridos.
Ai, meu Deus, ai,
meu Deus, só ao Céu é dado compreender esta dor e àqueles que a sentem. Apenas
levanto um bocadinho do véu e não consigo mais nada. Foi tal a dor que me
pareceu ficar sem coração, não sei se desfeito pela dor, se Jesus e a Mãezinha
mo levaram. O que sei é que ficou em mim um vazio tão grande que só o Céu mo
podia encher. E depois o sofrimento de cada dia e cada noite resultado de tudo
isto. Chorei muitas vezes e muitas lágrimas. A dor levava-me a levantar a voz,
mas logo me vencia e chorava em silêncio. Que as minhas lágrimas sejam actos de
amor para Vós, Jesus e Mãezinha! Ai de mim! Perdi os meus Amores! Mas logo a
confiança obrigava o coração a falar. Creio, creio que não os perdi. Todo o meu
martírio reverta em favor das almas. Sou a Vossa vítima. Creio, creio, confio
que não estou só. Ai quanto custa dizer: Creio! Sem crer; confio! Sem confiar.
Neste momento, a
minha alma sangra de dor por não ser capaz de dizer como foi a minha separação e
a ter necessidade de o dizer. Perder a Jesus e a Mãezinha foi perder o Céu. Todo
o meu ser se retalha e, no meio dela, vou dizendo sempre: creio, creio, meu
Deus, eu creio! Nestes dias tão dolorosos, de tão grande martírio para o corpo e
de tanta angústia para a alma, ainda veio mais um tormento para o meu pobre
coração. Várias cartas me chegaram às mãos a dizerem-me que o senhor Bispo de
Aveiro tinha proibido a vinda aqui dos sacerdotes. Punhais tão dolorosos! A
minha alma tinha a visão da consequência desta ordem. Tanta humilhação! Se eu
pudesse reparar tanto escândalo que se dá! Tantas más interpretações por causa
disto! A minha oferta de vítima não cessa diante do Senhor. Por Vosso amor,
tudo! Faça-se a Vossa vontade! O meu túmulo, o meu túmulo, a minha arte de
cavador vai continuando. Cobri-me eu mesma com a terra do meu sepulcro. Fui eu
que me cobri, fui eu que desapareci, que me enterrei. Estou tão funda, tão
funda!... Parece que toda a terra da humanidade me cobre e os suores da alma vão
continuando assim como a eternidade e a inutilidade. Não conta, não anda a
eternidade. Que pavorosa ela é! Se Jesus não velasse, só ela me tirava a vida.
Tanto sofrer para tanta inutilidade! Uma vida de tanta dor para nada ter que
oferecer a Jesus. Estou de mãos vazias. As minhas ânsias tão infinitas, tão
infinitas não as posso fazer compreender. Quero o mundo, quero o mundo dentro do
meu coração. Quero todos os corações, quero todas as almas, quero levá-las com o
meu sangue. Quero amar a Jesus pelo mundo inteiro. Queria morrer, a cada
momento, até ao fim dos séculos e a cada momento dar o sangue até à última gota,
para que nenhuma alma se perdesse, nem nenhum coração deixasse de amar a Jesus.
Queria, sim, dar todo o meu sangue e a vida, a cada momento, até ao fim dos
séculos para evitar um só pecado.
Ai, ai, não posso
consentir que Jesus seja ofendido! Eu não tive horto. Vou dizer o melhor que
puder o que senti.
Sobre o solo do
horto esvoaçava uma pomba. Tinha sempre no seu biquito uma gota que deixava cair
sobre a terra e se transformava em orvalho fecundador. Uma gota caía, logo outra
aparecia. Este orvalho era celeste. Era o maná que alimentava, que dava a vida,
dava luz e sabedoria. Uma vida no ar, outra vida na terra. A minha alma
tornava-se sábia, compreendia tudo isto, tudo o que era do Céu. A minha dor, a
minha dor humana vivia-a, sentia-a o mais dolorosa que se pode imaginar.
No calvário de
hoje, a mesma pomba continuava a voar, a deixar cair as mesmas gotas que se
transformavam em orvalho, orvalho celeste e a dar a mesma luz e vida de
sabedoria. Eu cá em baixo levava a cruz da minha vida dum martírio indizível.
Não vi Jesus, não o senti. Não soube que Ele expirasse. Veio alguém que juntou
ao meu coração, à minha vida terrestre a vida divina. Essa mesma vida
comunicava-se a mim como quem injecta. Desapareceu a minha vida terrena para
viver a outra. O coração e a alma fortaleceram-se mais. A casa do meu interior
tinha mais luz. Diz-me Jesus nesta altura:
— “Sou o Senhor
do mundo, o Senhor da paz, o Senhor da fé e da confiança. Crê, crê, vive da fé.
É colóquio de fé.”
Creio, creio,
Jesus. A gota de sangue Jesus não disse que ma ia dar; senti o choque e o meu
coração ficou unido ao outro Coração, a chupar dele como a criancinha no seio de
sua mãe. Novas palavras de Jesus.
— “Coragem! Vive
para as almas. Recebe as carícias de minha Bendita Mãe. Sou Eu o portador delas,
já que amanhã Ela não te vem falar.”
— Obrigada,
Jesus. Dizei à Mãezinha o meu muito obrigada.
Não disse tudo da
minha separação. Que saudade das carícias da Mãezinha e saudade da Santíssima
Trindade. Toda Ela me abraçava com a Mãezinha, e o Divino Espírito Santo em
forma de pomba irradiou-me toda com a Sua luz, que iluminou todo o meu ser;
prendia-me a Ele com fitas de várias cores que d’Ele pendiam. O que foi! Quanto
custou! Não digo nada. Fico na minha dor e na minha eterna saudade.
Continuo a sentir
a perda de Jesus e da Mãezinha. Eles morreram para mim. Triste, tremenda
separação. Não tenho palavras, a minha ignorância não deixa exprimir a dor desta
separação. Perder a Deus, perder a Mãezinha, é perder tudo, é perder tudo. O meu
coração e a minha alma estão numa angústia, estão como se estivessem sozinhos
num universo de trevas, num mundo de perda eterna. Nem na terra, nem no Céu há
conforto para eles, ou antes, nem existe a terra, nem existe o Céu.
Meu Deus, eu
creio, creio, meu Deus. Assim o vou repetindo muitas vezes, sem ter apoio, luz e
conforto de ninguém. A minha eternidade existe atrás de mim, em mim e à frente
de mim. Tudo é eternidade desesperadora, revoltosa, odiosa contra tudo, contra
Deus. Ai, a eternidade, ai, o que é a eternidade!... E a inutilidade que tudo me
rouba?! A minha vida de tantos espinhos, de tantos punhais, de tanta contradição
e humilhação é toda para ela.
Oh! Como me vejo
de mãos vazias! Nenhum do meu sofrimento, nenhum do meu martírio aparece à luz
do dia. Mas ele existe dia?! Há sol e estrelas no firmamento?! O que é isto, meu
Deus, se sinto que não há Céu nem terra! Mas existe a eternidade? Eu vivo a
eternidade. Vivo-a por Vosso amor e por amor às almas.
Não pode ser
vista a profundeza do meu túmulo. Em que abismo estou! Ficam na superfície
apenas a parede do meu sepulcro, mas eu desapareci, escondi-me. Fui cavando,
cavando. Estou tão funda! Parece que tenho mundos, mundos sobre mim. Despi-me
por mim de todas as coisas, por mim me enterrei, por mim mesma me fiz
desaparecer. Os suores da alma não cessam com a canseira da escavação. É como se
cavasse incessantemente sem tirar do meu punho o instrumento da escavação, mas a
cavadela leva mais de um século. Por tudo seja bendito o Senhor!
No primeiro
sábado não tive a visita da Mãezinha. Senti por Ela saudades de morte saudades
de morte. Apesar da sagrada Comunhão desse dia ser mais íntima, mais
confortante, ai de mim, se Jesus não velasse!
O meu horto não é
aquele horto de outrora. A minha vida humana a em baixo sempre fugitiva sem
pisar terra alguma dele. Lá em cima, a grande altura, sempre a mesma pomba a
deixar cair do seu biquito muitas gotinhas que se espalham em orvalho, mas ela
não se satisfaz só com isso; vai levar aos corações essa gota e com o mesmo
biquito retoca-os, faz neles o ninho. Vai também às inteligências focá-las,
enchê-las de luz. Como é grande a vida e o trabalho dessa pomba!... Assim
esvoaçou sobre o Horto e assim hoje esvoaçou sobre o Calvário.
Eu tive o Santo
Sacrifício da Missa; com a minha fé abandonada à Mãezinha pedi-Lhe que me
levasse e me fosse imolar com Jesus e me desse todos os seus sentimentos. Senti
em mim como que um desespero na fugida do Calvário. A minha vida morta era a
vida humana, mas aquela pomba era e dava a vida do Céu. Sem sentir que Jesus
morreu, senti que Ele chegou junto de mim, sentou-se e como o bom Pastor chamou
a si a Sua ovelhinha:
— “Vem, minha
filha, sou o teu Jesus. Descansa aqui.”
Sentei-me junto
d’Ele; nos Seus joelhos coloquei a minha cabeça, sobre a minha e o meu ombro
deixou Ele cair o Seu divino braço. A minha alma foi recebendo conforto.
— “Sou o teu
Jesus, sou o teu amor. Confia, confia! Este colóquio doloroso, mas de fé,
continua a salvar almas aos milhões, aos milhões.”
— Creio, creio,
Jesus, mas custa tanto, tanto a crer! Custa tanto, tanto, a confiar! Valei-me!
Sem Vós não posso! Tudo por Vosso amor e pelas almas!
Jesus tomou-me
para o Seu regaço, uniu os nossos corações, fez passar a gota do Seu Divino
Sangue.
— “Dou-te, esposa
querida, com toda a fortaleza, a gota do meu Sangue. Nova vida para tu dares
vida. Coragem! Coragem! Crê! Nova vida de fé! Confia! O Céu não te abandona!
Jesus está contigo. Vai salvar almas, vai para a tua cruz!”
Obrigada,
obrigada, Jesus.
Não sei se a
minha vida é o pôr-do-sol, o cair da noite, ou noite por completo. Eu brado: o
meu coração e a minha alma no meio desta vida sem vida, de noite sem estrelas,
nestas trevas densas e apavoradoras bradam, bradam ao Céu. O meu estado é tal
que por vezes parece que não sei se vivo, se estou na terra, ou onde estou.
— Creio, Jesus,
creio no Vosso amor, creio nas Vossas palavras, creio nas Vossa promessas. Creio
que não me deixais sozinha. Que eu não viva, não importa, que eu morra para mim
e para tudo, é o meu anseio, mas que Vós vivais em mim e em todas as minhas
coisas, não Vos dispenso. Pobre alma perdida no bosque, sem que seja ouvido o
seu brado, pobre alma a clamar ao Céu, duvidosa de que há uma eternidade e
sempre a viver essa mesma eternidade, de cuja existência duvida. Creio, creio,
Jesus. Este meu “creio” de alma e coração não terá fim. Creio em Vós, creio nas
Vossas promessas, creio em tudo. Ai, quanto sofre a minha pobre alma! Ó Jesus,
tudo quanto ela sofra é por Vós. Eu caminho; falha-me aos pés a terra que calco.
Caio e não posso mais levantar-me.
Estou no mar
tempestuoso, não cesso de lutar com as ondas. Sinto-me cansada, sinto-me
desfalecida com tanto lutar. Quero apanhar a areia ou qualquer coisa que me
segure deveras e não encontro. Tudo me falha. Deixo-me ficar à mercê das ondas.
Sofro tanto, tanto por não saber exprimir os meus sofrimentos e a ter infinita
necessidade de os exprimir. A minha ignorância não me deixa. Tenho de ficar
nela, nesta dor infinita, por ser impossível dizer quanto se sofre. Também sinto
cansaço indizível e incompreensível cansaço da fome, da ansiedade de possuir o
mundo. Não cesso um momento. Vou de encontro a todas as barreiras que fecham a
humanidade a apanhar tudo, a chupar tudo, todos os corações, todas as almas,
todo o suco que posso encontrar para dar a Jesus, para Ele não ter um momento de
tristeza nem de dor.
Meu Deus, meu
Deus, que ansiedade infinita! Querer dar tudo a Jesus e nada dar, querer apanhar
todas as almas e nenhuma prender, querer oferecer todos os sofrimentos e não os
possuir para Lhe dar.
Ó inutilidade,
como és traiçoeira! O inutilidade que roubas e és assassina! Tudo isto se passa
mergulhado na eternidade! Vivo a eternidade em tudo e sempre. É na eternidade
que está o meu sepulcro. Este na superfície da terra e eu sempre sob mundos e
mundos. Os suores da alma, a fadiga da alma; fiz-me desaparecer por mim,
despi-me de tudo, parece que até descarnei as minhas carnes, mas cá vou indo na
minha canseira incessante de cavador canseiroso.
Meu Deus, meu
Deus, onde estou eu?… Na minha eternidade, amaldiçoando a Deus, numa revolta
contínua. Ai que saudades eu tenho de Jesus e da Mãezinha!... Que dor tão
profunda a da Sua perda! Não tenho horto nem calvário. Perdi tudo. Sobre o horto
vai esvoaçando sempre a pombinha, vai dando a sua vida e deixando cair as gotas
do seu orvalho. É vida do Céu, é orvalho e maná celeste. Sempre nestes
sofrimentos eu vivo as horas do calvário e sofro mais por não viver a vida dele,
os frutos dele. Perdi tudo, tudo. Hoje, na viagem dessa montanha, a pombinha
esvoaçava, batia as asas, o orvalho caía e ela no meu peito veio fazer seu
ninho. Ela trabalhava. Deixei-a trabalhar, mas sempre numa dor, tristeza,
angústia pavorosa.
Bateram três
horas, e logo veio Jesus em tamanho natural. Mostrou-me o Seu Divino Coração
cercado de raios luminosos, mais brilhantes do que o sol. Toda a casa da minha
alma se iluminou. Estes raios aqueceram, penetraram todo o meu ser, e Jesus logo
desapareceu. Eu fiquei como uma bola com a qual os raios brincavam e jogavam
para um e outro lado. Principiei com esta perda de Jesus a fazer logo repetidos
actos de fé: creio,Jesus, creio que sois Vós, creio que estais aqui.
— “Minha filha,
um universo de graça, um universo de luz, um universo de paz e de amor estão no
teu coração. Colóquio de fé. Vive da fé. Prende as almas, prende as almas com
estas cadeias de dor e de amor.”
Fiquei novamente
a viver da fé.
— Creio, creio,
creio!
É um creio que
nunca mais acaba.
— Confio, Jesus,
confio.
— “Recebe a gota
do meu Divino Sangue, a vida de que tu vives. Mundo de vida divina para a
viveres, para a comunicares aos corações e às almas.”
Um fogo se
abrasou, e Jesus desapareceu tão rápido, sem que eu Lhe pudesse dizer o meu
adeus, o meu eterno obrigada.
— Creio, creio,
creio, Jesus! Amo-Vos neste abandono e quase completa incerteza. Creio, creio!
Estreito ao meu
coração, sinto imensa necessidade de a ele estreitar uma coisa que perdi.
Quantos abraços íntimos, o mais profundo que se pode imaginar, eu dou em mim em
muitas horas da noite e do dia. Que tristes e saudosos são estes abraços
interiores! Abraçar a quem? A alguém que me parece ter perdido. A Jesus e à
Mãezinha. Ai, meu Deus, quanto eu sofro! Como aguentar a saudade desta perda,
como aguentar a saudade destes tesouros, destas personagens divinas, que não
servi como devia servir, que não amei como devia amar, que não me entreguei, não
sofri por Eles como devia entregar e sofrer.
— Ó Jesus, ó
Mãezinha, só Vós sabeis, só vós podeis avaliar a minha tristeza, a minha
saudade, a minha dor. Eu quero-Vos, eu quero-Vos, velai por mim, não me
abandoneis, vinde em meu socorro, não posso viver neste exílio sem Vós. Senhor,
Senhor, perde-se o meu brado, o Céu tem sobre ele nuvens sobre nuvens, cadeias
sobre cadeias, não chega lá o meu brado nem meus suspiros. A morte e a noite da
minha alma são para mim horrores e pavores. Interiormente, os meus braços ficam
assemelhados à cruz. Deixo-me crucificar, quero sempre a vontade santíssima do
Senhor. Sou a Vossa vítima, sou e serei sempre a Vossa vítima. O meu coração
anda como louco numa fome infinita, a correr o mundo, a romper montanhas, a
atravessar mares, à busca de corações e de almas. Não posso deixar um só
tresmalhado, não posso consentir que uma só alma se perca.
Que fadiga,
Senhor! Como isto me consome! Seja tudo por Vosso amor. Ah! Se eu soubesse falar
deste assunto, nunca mais deixaria de desfolhar as páginas do tal livro. Sinto
uma humilhação, por vezes quase mortal, ao ver-me rodeada de tanta gente. Chego
a ter medo de mim com a profundeza da minha miséria.
Pobrezinhos, os
que vindes ver! Só coração sem vergonha nem temor fura, voa por toda a parte,
quer saciar-se de ânsias tão infinitas, quer corações, quer almas, tudo, tudo,
sem nada perder.
Que fazer,
Senhor? Só o abandono e deixar-me levar por Vós e só em Vós confiar e esperar. O
meu sepulcro mantém-se na superfície. Só eu na minha canseira, nos meus suores
de alma, desci tanto, tanto, tanto desapareci, não sei onde vou, não sei falar
de tal profundeza. Haverá mundo, haverá terra ou Céu? Eternidade a há, vivo-a. A
inutilidade sinto-a. São estas duas coisas que me fazem de tudo miserável. Nem
dor, nem amor, nem fé, nem confiança. De tudo e sempre sou roubada. Ai, a
eternidade, ai, a eternidade desesperadora.
Sobre o meu horto
e o meu calvário não faltou a voar a branca pombinha. O orvalho espalhou-o das
gotas que produz o seu biquinho. Mais uma vez em mim o ninhinho foi feito. Mas
ah! Eu não posso esquecer, nunca mais poderei esquecer os olhares penetrantes,
perscrutadores que penetravam e perscrutavam toda a terra, todo o ser. Estes
olhares viam a inutilidade do Horto e do Calvário, a perda do Sangue redentor.
Eram olhares divinos e tais olhares produziram em indizível tormento, dor
verdadeiramente infinita. Não podia mais resistir; pedi conforto ao Céu. Jesus
veio, fez luz na sala do meu peito e retirou-se; a Sua vinda foi disfarçada.
Animada por aquela luz, fui repetindo: creio, creio, Jesus, diz-me a minha fé
que estais comigo. Louca por encontrar o meu Amado perdido, fui caminhando
sempre, chamando: Jesus, Jesus, onde estais, Jesus?
Encontrei-me num
bosque, entre o qual encontrei aquele que procurava. Tudo eram árvores
espinhosas e sabes de espinhos penetradores. Todo o meu ser era sangue e em
sangue encontrei todo o ser de Jesus. Ele a caminhar à minha frente dizia-me:
— “Estou aqui,
estou aqui, vem cá, minha filha, estou aqui.”
Como num excesso
de cansaço, sentou-se; as varas espinhosas atravessavam-no todo, o sangue
escorria.
— “O mundo, os
pecadores perseguem-Me, não escutam a Minha voz. Olha como Me ferem! Ai deles,
se não atendem ao Meu chamamento, ai deles, se não se convertem! Salva-os, são
teus; é tua a dor, é meu o amor.”
Esqueci-me de
mim, dos espinhos que me feriam; com muito cuidado principiei a tirar todas as
varas deles que feriam e atravessavam a Jesus. Quando O vi sem espinhos, vi-me
sem Ele, tinha-me fugido. Continuei à sua procura, repetindo: creio, creio,
Jesus. Veio então Ele ao meu encontro:
— “Colóquio de
fé, colóquio de dor. Coragem, minha filha, o mundo é teu, é para o salvares.
Consola-me e recebe a gota do meu Sangue Divino.”
Jesus uniu os
nossos corações, tomou uma veiazinha do d’Ele, outra do meu, fez delas como que
um enxerto, a gotinha do Sangue passou. A minha alma teve de sorrir a esta
operação.
— “Coragem, minha
filha, escora firme da justiça de meu Pai. Afasta-a, afasta-a. Recebe o meu
conforto e o da tua Mãezinha celeste. Serei, por mais vezes, o portador dela.”
— Obrigada,
Jesus; dizei-lhe por mim o meu eterno obrigada. Lembro-Vos os meus pedidos e
fico a repetir: creio, creio, creio! |