|
3 de Outubro de 1947 - Sexta-feiraNem vida para viver, nem coração para amar. Não vivo, não vivo, não; de mim, do meu pobre corpo ficou a dor, a dor que me tritura, a dor que, dia e noite, me consome; consome-me, e não é no meu corpo que ela vive; sim, não é em mim que ela existe, ela trespassa em todo o meu ser, como vento que em todo o lugar penetra. Onde estou eu? Onde é que eu vivo? Ó Jesus, ó Jesus, eu sou como uma aragem, que passa nos ares, nos ares vive e em todo o lugar existe, tudo observa, vê penetra. Sou eu e não sou, vivo eu e não vivo, penetro tudo e nada sei. Mas, ó meu Deus, se eu não vivo nem tenho coração para amar, como posso ter ânsias de amor, mas de um amor que se perde e enlouquece, e sentir que um coração dentro de mim é tão mal tratado, tão ofendido e calcado aos pés; é todo um mundo contra ele. Pobre coração, penetrado de espinhos tão penetrantes! Se eu pudesse mostrar, se pudesse copiar todos os ferimentos deste coração para ver se conseguia evitá-los, para, em vez de sofrimentos e ingratidões, fazê-lo receber consolação e amor! Ai de mim, meu Deus; eu pertenço ao número destes ingratos e para vergonha e confusão minha sou a pior de todas, sou a que mais mal trato este terno e doce coração. Meu Deus, como os dias passam e a vida foge e eu sem nada para Vos dar, pobre de tudo, sem amor e pureza para me apresentar diante de Vós. Valei-me, valei-me meu Jesus; ouvi o meu brado aflitivo e contínuo. Vede que o meu espírito anda como a abelhinha de flor em flor à procura de néctar que a satisfaça. Ele voa, voa, poisa aqui, poisa ali, e, mais das vezes, não tem onde poisar, não encontra satisfação, não encontra onde possa descansar. Estou cansada, meu Jesus, de Vos procurar sem Vos encontrar; parece que errei o caminho. Morro sem Vos ver, sem Vos possuir. Vinde socorrer-me; apressai-Vos, eu Jesus. Oh! que desalento e trevas as minhas! Tenho medo, tenho medo! Eu quero luz, meu Jesus; dai-me alguém que me ilumine, dai-me quem me ajude a formar o meu voo para o Céu, para Vós, só para Vós. O mundo, oh como eu aborreço o mundo com o que é dele; aborreço-o e dele tenho compaixão; aborreço as suas maldades, mas amo-o a ele; abracei-o e quero-o todo dentro do Coração do divino Jesus. Ontem, logo de manhã, vi Jesus pregado na cruz e pregado na cruz do meu corpo; gravou-se em mim. Como fiquei a senti-Lo tanto ao vivo! Como na cruz, Ele inclinou para o meu peito a Sua Santíssima Cabeça; senti todo o Seu Santíssimo Corpo gelar e expirar. Esta visão com o sentimento preparou-me um Horto dolorosíssimo; tinha-o sempre diante de mim, sentia a dor angustiosa de Jesus. A minha alma via-O caminhar para um lado e para o outro, a olhar o mundo, a chorar; na sua angústia levantava os olhos para o Céu e o Seu divino rosto cobria-se de suor. Eu tinha o rosto de Jesus e o Seu suor no meu coração e na minha alma. Estive bem unida aos sofrimentos do meu Jesus. Passei pelas cerimónias da ceia, o adeus à Mãezinha e por fim o Horto real com todas as cenas; o suor de sangue, a prisão. Era noite, a este martírio do Horto juntou-se o sofrimento do meu primeiro Horto de há 9 anos. Como eu recordei tudo, passo por passo. Lembrei todas as minhas dores de alma e corpo. Oh! como foi grande a minha agonia! Hoje, data da minha primeira paixão, senti como se fosse a data mais triste da minha vida. Tive presente todo o sofrimento destes 9 anos. O que me trouxe a paixão! Bendito seja o Senhor! Se eu soubesse aproveitar-me de todo este martírio, quanta glória para Jesus, bem para mim e proveito para as almas. Na hora em que estou a ditar, lembro sem querer da mesma hora de há 9 anos. Que cenas tristes se podiam observar dentro destas pobres paredes. Que tristezas, que saudades, que horrores ao mesmo tempo. A estes grandes sofrimentos juntaram-se grandes e penetrantes espinhos. Chorei, chorei, ofereci a Jesus as minhas lágrimas. Quando chorava, com o coração repetia a jaculatória: Jesus manso e humilde de Coração e pedia luz ao divino Espírito Santo para proceder conforme a vontade de Jesus. Sem querer fui encontrá-Lo na prisão desfalecido e gelado; juntei ao Seu o meu grande desfalecimento e com Ele rompi por entre todos os sofrimentos que acima ficam ditos. Com Ele senti na cabeça grande coroa de espinhos, o corpo açoitado e o grande peso da cruz. Senti no coração a perda do sangue e da vida, que, bem próximo, na montanha, se ia dar. Vi abrir-se a chaga do seu divino Coração e dela saiu uma fortíssima labareda de fogo e uns fios doirados que eram prisões que prendias Jesus à cruz e à morte. Custou-me a suportar as ânsias que Jesus tinha por dar a vida apesar da visão de todo o martírio Lhe causar horror de morte. A montanha levantou-se dentro em meu peito; vi a cruz, vi Jesus quase no cimo. Eu ia com Ele e com Ele quase morri. Junto à cova, preparada para a cruz, vi Jesus a ser crucificado; vi a pressa, senti o rancor com que O crucificaram. A pressa dos malfeitores era o receio de Jesus morrer antes deles satisfazerem as suas maldades. Junto aos vestidos de Jesus foram pedaços da Sua carne Santíssima. Quase ninguém se compadecia da dor de Jesus; só a Mãezinha queria acariciá-Lo e limpá-Lo no alto da cruz; como não podia fazê-lo sofria a mais não poder sofrer. Sem querer aumentava, mais e mais, a agonia e a dor de Jesus. Sofria a Mãe por não poder suavizar a dor do filho e O filho por não poder consolar a Mãe. Eu via tudo; via a Mãezinha por Jesus, por Ele via e sentia toda a doe Dela. Levantou-se dentro em meu peito a montanha dura e cruel do Calvário; cresceu, cresceu, quase chegava ao Céu a atrair para Ela a justiça do Senhor. No cimo, ia a cruz, tocou-lhe, o Céu abriu-se, quando Jesus expirou. Já todos, do Calvário podíamos passar ao Céu. Que bondade, que amor o de Jesus! O Seu divino Coração ardia de amor por nós. Eu morri com Ele e, à Sua voz divina, voltei a viver. ― Minha filha, Minha filha, vem ao teu Jesus que te ama, que te quer e tu és Dele; vem ao teu Jesus que quer confortar-te; e tu necessitas do Seu conforto. Tem coragem. Tu aumentaste no amor ao Meu divino Coração, à medida que em ti aumentou a dor. Amas-Me e amas as almas. É pelo Calvário, é pela cruz que elas são salvas. Coloquei-te no Calvário, dei-te um Calvário e com ele a cruz que abraçaste. Confia em Mim. Ai do mundo sem o sofrimento destes dolorosos anos! Eu pedi o teu corpo para crucificar e tu aceitaste, entregaste-Mo; não querias que te crucificasse e se cumprissem as Minhas divinas palavras? ― Ó meu Jesus, eu queria e quero tudo, mas eu nunca pensei que a crucifixão fosse desta forma; eu pensava ser só as dores que sentia em todo o meu corpo. ― Sorri e consolei-me na inocência do teu pensar. Era preciso, Minha filha, que houvesse alguém que se deixasse crucificar com esta crucifixão tão real. Nesta como em nenhuma outra, eu provo quanto sofri; tantos, tantos sofrimentos até agora desconhecidos. Escolhi-te, esposa amada, para por ti serem mostrados ao mundo. Ai dele, se por ele não te deixavas imolar. Ai dele, ai das almas, ai de Portugal, sem este Calvário vitorioso, sem esta cruz de salvação. Descansa em Mim, Minha filha, de mim recebe todo o amor, toda a luz, todo o conforto. Por ser hoje o aniversário, em que, pela primeira vez, por Mim te deixaste crucificar, faço-te gozar do Meu amor e veres com toda a luz divina para bem compreenderes e te convenceres que não te enganas, que estás na verdade, que fui Eu e só Eu que te crucifiquei. Goza, hoje, de tudo isto, porque os outros colóquios serão dolorosos, voltarás às trevas. Senti-me como se caísse no regaço de Jesus e nele adormecesse com o meu rosto inclinado sobre o Seu rosto divino. Passara-se uns momentos, e eu despertei a ser bafejada por Jesus, a nadar em amor, toda embebida em luz. Toda a treva, todo o sofrimento de alma e corpo tinha desaparecido. Não tinha dúvidas, era na verdade Jesus o Autor de toda a minha vida. Que gozo, que felicidade. ― Repara, Minha filha, escuta agora quem te fala. É mais um prémio da tua dor. Veio Santa Teresinha, vestida de luz, com um diadema formosíssimo. Como Ela era linda e bondosa! Abraçou-me, beijou-me muito e num abraço prolongado disse-me: ― Minha irmã, minha querida irmã, esposa do Meu esposo e filha do meu Senhor. Tem coragem! Que grande glória te espera no Céu! Que formosa coroa formada do teu martírio. Sofre com alegria, conta com a Minha protecção, aqui na terra, e virei ao teu encontro, na passagem para a eternidade. ― Santa Teresinha, minha querida Santa Teresinha, confio em ti, conto com a tua protecção, ama por mim a Jesus e à Mãezinha e a toda a SS. Trindade. Apresenta-Lhe todos os meus pedidos, alcança para todos os que me são queridos e toda a minha família as bênçãos e graças do Céu; lembra-te de todos a que a mim se recomendam, lembra-te do mundo inteiro. Com a promessa de sim, de nada esquecer, desapareceu. Ficou Jesus que logo introduziu no meu coração o tubo do amor. — Vou dar-te a gota do Meu divino Sangue. Recebe-a e vive, vive e dá a vida. Vai contente, abraça já a cruz que te espera, vai com ela acudir às almas. Se não fosse o teu sofrimento, quantos milhares delas já estavam no inferno! A dor é vida. O azeite para haver de ser luz por quanto tem de passar; mas chega a ser luz e luz que Me alumia. Tu és a luz do mundo, és a luz das almas; sem o martírio não poderias ser luz. Eu farei que sejas luz e faças luz; farei que sejas amor e dês amor. Tudo será dado pelos teus olhares, pelos teus sorrisos, pelo teu coração. Coragem, vai em paz. ― Obrigada, obrigada, meu Jesus. 4 de Outubro de 1947 - Primeiro sábadoFalo tão pouco do amor de Jesus e da Sua infinita misericórdia para nós pobres pecadores. Bendito seja o Senhor! Só sei falar de mi, do que sinto, do quanto sofro. A dor é para mim uma ligação de conversação contínua. Que horror, que horror meu Jesus; mas Vós bem sabeis que o faço por obediência! Sofri muito durante a noite, ferida por espinhos novos, que se me cravaram. Tive mais lágrimas para oferecer a Jesus e sem querer recordava as que chorei e vi chorar os meus, porque em mim se passava nas primeiras crucifixões de há 9 anos. O que seria, se em vez do presente, víssemos o futuro que nos esperava. Bendito seja Deus, louvado Ele seja por tudo o que nos dá. É de noite, mais ainda do que de dia, que me ofereço a Ele como vítima, que Lhe peço o Seu divino amor e cumprimento fiel da Sua divina vontade. Com estas disposições mas a sangrar de dor preparei-me para O receber e esperei a hora de Ele baixar a mim. Pouco depois da Sua entrada no meu pobre coração, Ele suavizou toda a minha dor, e disse-me: ― Minha filha, Minha filha, alma forte, coração de fogo; forte com a Minha fortaleza, fogo do Meu Coração, calor do Meu divino amor. Transmite esta fortaleza, irradia este fogo. Quero que sejas luz, quero que faças luz. Dá amor aos que Me amam, faz luz aos que não Me conhecem ou conhecendo-Me Me desprezam, para que por essa luz venham a Mim. Repara-Me, repara-Me, Minha filha; sem a tua reparação sangra sempre o Meu divino Coração e o da Minha Bendita Mãe. Repara-Me a Mim, repara a Ela. Como está o mundo, como está o mundo, como subiu a labareda dos crimes. Estou cansada de suster a justiça de Meu Pai. Haja um mundo novo, haja um mundo de pureza, haja um mundo de amor. Escuta, Minha filha, escuta para que o mundo não saiba, para não se escandalizar mais. É um desabafo de Esposo, é um desabafo de Pai. — Esse mundo novo, esse mundo de pureza e amor devia principiar pelos sacerdotes. Que crimes eles praticam em Portugal e fora de Portugal. Que escândalo eles dão! Escandalizam-se os crentes, escandalizam-se os descrentes. Como eles afastam as almas de Mim! Dás-Me por eles alguns combates do demónio? Eu recebo desses combates tão grande reparação! ― Ó meu amantíssimo Jesus, ó meu querido Amor, apesar do horror que eles Me causam e do receio que eu tenho de pecar, queria dizer-Vos, que sim e não posso; não tenho licença, bem o sabeis, meu Jesus. ― Pede, pede, pede, Minha filha, diz que Eu quero esta reparação por mais algum tempo; consolo-Me nela, esqueço os crimes. Pede para Ma dares; prometo não te deixar pecar. ― Meu Jesus, quero a Vossa divina vontade e quero obedecer, resolvei Vós tudo, que eu tudo aceito. Mas não fiqueis triste, meu Jesus, aceitai toda a consolação e tudo o que eu Vos queria dar. ― Sossega, sossega, Minha filha, é grande o teu amor, é encantadora toda a tua vida. Diz, Minha filha, ao teu Paizinho que o amo, amo, amo. E que sobre a direcção das almas, depois duns momentos de reflexão faça ou diga o que no momento lhe for inspirado. Tem sempre com ele toda a luz do Espírito Santo e Eu sempre falarei em seus lábios. É mestre de almas, de grandes almas; fui Eu que o escolhi. O mestre destas almas tem que dar lições nas humilhações, nas perseguições e em tudo. Ele assim o tem feito. É mestre de almas, mestre de amor à cruz. Diz-lhe que depressa virei cumprir as Minhas promessas, satisfazer todos os Meus desejos. Não demoro, venho depressa. Diz ao teu médico que o tenho e a todos os que lhe são queridos presos ao Meu divino Coração, presos por amor como Eu estou preso na Eucaristia, nas prisões de amor. Cuidar de ti, cuidar do teu corpo e da tua alma, é cuidar de Mim. Diz-lhe que pode dizer, que quero que diga a quem é Autoridade, que estou triste, muito triste, que hei-de pedir contas por não se fazer luz, por não estarem as coisas como Eu gostaria que estivessem para bem das almas. Tens com a Minha graça feito bem a tantas, mas não a todas que podias fazer; isto sem culpa tua. Isto é uma ordem dada àquele que escolhi para amparo firme da missão mais sublime. Vem, Minha Bendita Mãe, dar à Nossa filhinha o conforto que ela necessita, sem o qual não resiste à dor, não pode levar a cruz. Veio a Mãezinha, tomou-me para o Seu regaço, cobriu-me de carícias, queria abraçar-me e não podia por causa das espadas que tinha cravadas em Seu Santíssimo Coração. ― Quero estreitar-te a Mim, Minha filha, mas estas espadas mais ferem o Meu doloroso Coração. ― Fazei, querida Mãezinha ― disse eu e abracei-me a Ela ―, que essas espadas passem para mim e penetrem no mais íntimo do meu coração e da alma; não, não, querida Mãezinha, não Vos quero a sofrer assim. Senti que logo se passaram para o meu coração e o penetraram bem fundo. ― Minha filha, alma heróica, já não sofro Eu, és tu a reparar o Meu Coração. Repara também sempre O do teu e meu querido Jesus. Pede a todos que amas para Me repararem também e fazer que seja reparado o Coração divino de Jesus. Leva-Lhe os meus carinhos, diz-lhes que os amo muito, diz-lhes que Jesus está triste com o mundo, diz-lhes que não cessem de implorarem do Eterno Pai o perdão; diz-lhes que nos consolem e façam que sejamos consolados. Leva-lhes a Minha graça, leva-lhes o Meu amor. Veio Jesus, fez com a Mãezinha uma prensa de amor na qual me apertaram. Jesus continuou: ― A cruz, que te espera, Minha filha, abraça-a; não te entristeças; está à tua frente, beija-a por Meu amor. Dá-te às almas, cultiva as flores das tuas virtudes; os Anjos levam-nas, em braçadas, para o Céu, continuamente. O seu aroma fica espalhado pelo mundo. ― Obrigada, Jesus, obrigada, Mãezinha. 10 de Outubro de 1947 - Sexta-feiraQuantas graças, quantos benefícios, quantos mimos de Jesus eu tenho recebido, e não sei agradecê-los, não sei provar ao Senhor com a minha vida de humildade e amor à cruz o quanto estou grata a Jesus, por tantas provas do Seu divino amor. Obrigada, meu Jesus; obrigada, amor meu. Não posso, meu querido Jesus, dizer-Vos o que me vai no coração. Que conforto, meu amado, Vós permitiste, que me fosse dado. Vede meu Jesus, o meu reconhecimento para Convosco; aceitai mais um Magnificat de acção de graças. Não sei se é para bem que Jesus me mimoseou assim. Quanto outro bem não tenha, tenho ao menos eu um amparo, um apoio em pessoa de grande autoridade. No meio da minha cruz, nesta luta de tão grande martírio, coberta de humilhações, veio Nosso Senhor por intermédio de uma alta e querida pessoa, a quem muito estimo, deitar-me a mão. Levantei-me, na minha dor e cegueira sempre, mas com a alma mais forte, com os olhos mais fitos em Jesus e na Pátria que me espera. Não é por mim para grandeza e glória minha, que eu estimei e agradeço ao Senhor este grande apoio; é por Jesus, é pelas almas, é pelos que me são queridos. Tudo isto principia e acaba por Jesus. É a Ele, só a Ele que quero amar, glorificar e dar almas. É por Ele, só por Ele que eu me curvo debaixo da minha cruz, é ainda só por Ele que eu quero ser pequenina, tão pequenina até desaparecer. Quero viver e não viver, isto é, viver só a vida de Jesus, estar aqui, como se não estivesse, viver aqui como se não vivesse e nunca aqui existisse. Jesus, só Jesus, para mim é tudo. Não sei o que sinto, um Céu escuro, um Céu de tremenda justiça poisou sobre mim; poisou e ficou a faiscar. Que estrondo nele! Rebenta como bombas, abre-se em fogo e incendeia a terra. Entre a terra e este Céu de justiça, esmagada por ela, as chagas abrem-se mais e com mais abundância sangram, os espinhos do coração e da cabeça penetram mais fundo, as espadas e as lanças não deixam de o ferir. Passam os dias, passam as noites e eu num martírio de alma e corpo, mas sem aumento de graça e amor, sem dar um passo por Jesus, cheio das maiores misérias. Não posso ver-me; que nojo ao ver-me assim! A eternidade aproxima-se, corre para mim, em marcha apressada, vem colher-me a morte e só colhe maldades, não encontra nada que satisfaça a Jesus. Meu Deus, que horror! Na tarde de ontem, senti mais o esmagamento e a justiça do Céu; não podia aguentá-la. Debaixo deste esmagamento, senti os olhos vendados e o rosto esbofeteado; o que sentia o rosto sentia o coração. A seguir, ficou ao alto, junto de mim, uma cruz; senti-me de pé, abraçada a ela; nunca mais a deixei. Via os caminhos, que atravessava, ficaram marcados com o sangue que do coração me saía. Este sangue luz, levava amor, mas não era meu, era de Jesus. Era uma grande atracção e convite que Ele fazia para todos O seguirmos com a cruz até ao Calvário. Caminhei para o Horto; lá cheguei, de lá vi a querida Mãezinha em cuidados, em amargura, em ânsias. Onde estava o Seu Jesus? Que sofria Ele àquelas horas? Estava a suar sangue; de todas as Suas veias ele corria a ensopar a terra. Senti que todo o solo estremecia e toda a terra se movia para mais se ensopar no sangue inocente de Jesus. Toda a justiça divina desceu, a todo o descer; envolveu-se o divino com o humano, o amor com a ingratidão. Eu fiquei ali naquele esmagamento, entre a terra e o Céu, a dar o meu sangue, a beber o cálice amargo, até à última gota. Jesus é que a bebia, é que derramava o Seu divino sangue, é que era esmagado, mas utilizou-se do meu corpo. Se eu soubesse acompanhá-Lo em toda a Sua Paixão! Mas oh! pobre de mim, nada sei. Hoje, de manhãzinha, muito cansada, quase sem vida, muito ferida, tomei a cruz; caminhei pelas ruas estreitas que davam para o Calvário. Oh! que tristeza, que escuridão! Sentia que Jesus com os olhos colados pelo sangue não via para caminhar. Os Seus olhos divinos estavam nos meus e neles senti como que o sangue de Jesus a coalhar. Cheguei ao Calvário, ali passei pelos demais sofrimentos. Uma onda mundial, toda criminosa, levantou-se contra mim e contra o Céu; era uma revolta, uma tremenda batalha. Jesus, todo misericordioso, com todos os meios lançou-se a essa onda para a acalmar; queria o mundo que Lhe pertencia; deu-lhe todos os meios de salvação. Logo a seguir a isto, senti, dentro de mim, um suspiro de Jesus e do alto da cruz, de dentro do Seu peito Santíssimo, como se fosse uma pomba branca a esvoaçar, pareceu-me voar o Seu divino Coração; voava, voava, mas sem se poder poisar. Queria abraçar, não só os que com graça e amor rodeavam a cruz, mas sim todos os que com crueldade e ingratidão Lhe formavam o Calvário; sim, nesses é que Ele queria poisar, é que Ele queria abraçar. Repelido, sem poder consegui-lo, suspirava e a Sua agonia chegou ao auge. Senti dois abandonos, um, como sempre de costume o tenho, que me pertencia a mim e outro que pertencia a outro; eu, que não era eu, parecia sê-lo, mas era Jesus. E neste abandono completo, Ele expirou e eu também, ou pareceu-me que expirei. Depois de um bom espaço de tempo, veio Jesus, veio sem luz, deu-me vida, mas em dor. ― Minha filha, Minha filha, coração de oiro, palácio da minha habitação, sacrário das minhas delícias; nele depositei o meu amor, todos os Meus divinos tesouros e riquezas sem fim. Estas riquezas são para as almas, são para o mundo. Repara, vê que centro de maravilhas é o teu coração; é levantado ao Céu pelos Anjos e por Minhas divinas mãos oferecido a Meu Eterno Pai para aplacar a Sua justiça, para O fazer esquecer as maldades humanas! Vi que três Anjos sustentavam em suas mãos um centro riquíssimo, parecia uma piscina toda iluminada e adornada com o amor de Jesus. Vi que Ele a levantava ao Céu em Suas divinas mãos. Não saí da minha dor. Fiquei tão pequenina, parecia-me estar de rasto, junto aos pés de Jesus. Não soube dizer-Lhe uma palavra. Ele tomou-me para o Seu regaço, inclinou-me para o Seu peito Santíssimo o meu rosto e pôs-me a beber na chaga do Seu divino Coração e ali ficamos por algum tempo em silêncio. Jesus interrompeu e disse: ― Bebe, bebe, minha filha, levanta o teu desfalecimento, resiste à tua dor, sacia-te; é o meu divino amor. Eu quero-te na dor, quero-te na treva para Me consolares, para acudires ao mundo ingrato, ao mundo que Me foge. O teu coração é um palácio com portas de virtudes pelas quais entram e passam para Mim os pobres pecadores. Aceitas o ficar em grande dor e agonia, afim de reparares o Meu divino Coração e acudires às almas, até que possas dar-te a alguns combates do demónio? Estou à espera deles, pede, minha filha, para mos poderes dar. ― Ó meu Jesus, aceito a maior dor, aceito a maior agonia, aceito tudo, se sois comigo e tudo Vos dou, se me deixarem. Tudo Vos dou sem ter que Vos dar; sinto que nada estou aqui a fazer. ― Tudo aceitas, minha filha! Que grande alegria para mim! Não poderei deixar de te exaltar e dar-te os títulos de maior honra e maior louvor. Não posso Eu exaltar-te e dizer-te: minha bela, és toda minha? Que grande bem estás tu aqui a fazer às almas! Este Calvário é para elas o amor que as abrasa, fonte que as lava e purifica, luz que as alumia e trai a Mim. A tua dor, a tua dor, minha filha, é dor de salvação; sobe ao Céu incessantemente, dia e noite, e depois de Me reparar é pelos Anjos atirada às almas e nelas vai penetrar como raio fulminante. Confia, confia, a tua dor é de conquista, é de salvação. Parecia-me que o Céu estava aberto e muitos Anjos espalhavam para a terra, ora para um lado, ora para outro, não sei o quê; estavam canseirosos, não sei o que semeavam. Não te demores, filha querida; faz a lista das almas que queres que passem da terra ao Céu; fazendo isso, consolas-Me e sempre continuas a amar-Me. ― Sim, meu Jesus, faço-o logo que me mandem; eu quero consolar-Vos, quero amar-Vos. Aceitai-a já, como se ela neste momento fosse feita. Nela ponho a todos que agora me estão presentes, a todos que querem que eu ponha e todas aquelas que é do Vosso divino desejo. ― Vou, agora, dar-te a gota do Meu Sangue. Pela chaga bebeste amor e pelo tubo de oiro rompe das veias, do Meu Coração, para o teu a gotinha do Meu divino Sangue. É o sangue que te dá vida, é a vida do que to vives, é a vida que dás às almas, é o sangue que gera as virgens. Com toda a razão Eu posso dizer: minha esposa, virgem louca, Eu sou o Esposo das virgens. Oh! como Eu as amo, sobretudo como Eu te amo! Quando o sangue de Jesus passou para mim, o coração cresceu, cresceu, levantou-me o peito, fiquei sem poder respirar; sem poder aguentar, parecia-me morrer. Jesus inclinou-me para Ele e acariciou-me. ― Coragem, minha esposa amada; toda a tua vida, toda a tua força dá-ta Jesus, vem-te do Céu. Confia, vives de Jesus e para Jesus, vives de Jesus e para as almas. Vai para a dor e para a cruz, sorri-lhe sempre, abraça-a sem temor. Coragem, coragem! É teu o mundo, são tuas almas, salva-as. Combate, minha heroína, combate e vencerás. ― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Vim para a cruz e não sei o que sinto. Vejo que todo o mundo é noite, que todo o mundo é revolto. Quero acudir-lhe, quero salvá-lo e não posso. Como é grande a minha dor! Quero levá-la com alegria. Jesus, vinde e vencei em mim. 17 de Outubro de 1947 - Sexta-feiraOs meus olhos parece não verem sequer a luz do dia, resultado da cegueira da minha alma. Nada sinto, nada vejo, a não ser a dor da cegueira. Que tormento, que tormento, ó meu Deus! Oro e apagam-se as minhas orações, sofro e foge-me a minha dor; se, por graça do Senhor, algum bem pratico, tudo desaparece. O tempo passa, vem a Eternidade e eu de mãos vazias. Que luta dolorosa dentro de mim! Como passo o meu tempo? Como passo os dias que Jesus me dá de vida? A dor desaparece e nada tenho que entregar a Jesus. Não sei como enfrentar este viver. Não posso convencer-me deste nada que sou, desta miséria que só Jesus conhece e que a mim causa horror, e ter que viver assim; não posso, não posso. Ver que nada tenho, saber que Jesus me espera e me encontra assim vazia de todo, só cheia de maldades. Se eu me horrorizo e me envergonho de mim mesma, como se não há-de horrorizar e envergonhar Jesus de me ver na Sua divina presença. Ó meu Jesus, ó meu Jesus, eu confio em Vós, não me deixeis cair no desespero, não deixeis o demónio convencer-me de que a minha vida é inútil, que todas as maldades são minhas. Todos estes dias tenho vivido, esmagada pelo peso da justiça divina; fez-me lembrar a serpente debaixo dos pés imaculados da querida Mãezinha. O peso da justiça divina esmaga-me e eu tento levantar a cabeça e revoltar-me contra a mesma divina justiça. É debaixo deste peso que eu sinto envenenar toda a humanidade; sinto o veneno a cair-me dos olhos, ouvidos, da língua, do tacto; sou só veneno até mesmo no pensamento. Este veneno corre, não tem freio, espalha-se, vai envenenar tudo. Todo o meu ser, toda a terra é veneno. E é sobre este veneno que pesa a justiça divina. Eu não quero aceitá-la, revolto-me e sinto querer envenená-la também. Ó meu Deus, não pode ser envenenar-se aquilo que é divino, aquilo que é Vosso. Sou pior que a serpente, sou veneno mais perigoso. Que horror eu senti toda a humanidade a beber, a envenenar-se, a mergulhar-se em mim. O coração rasga-se-me de dor, ando como o ladrão fugitivo; quero esconder-me, tenho medo de tudo, tenho medo do Céu, tenho medo de Jesus. Ouço em meus ouvidos, sinto em minha alma o som da trombeta que me chama; Ele vem a pedir-me contas. Que será de mim, meu Deus, como poderei aparecer diante de Vos! Na tarde de ontem, senti Jesus debruçado sobre a cidade, que representava o mundo e chorava. Estas lágrimas causavam suores, trevas, agonias de alma. A seguir sentia nos meus olhos lágrimas de sangue e dos ouvidos saíam-me gotas dele também. Na cabeça senti os espinhos, via esponja, senti no coração a lança. Era ainda cedo e eu prostrada no Horto, naquele solo duro que tanto me feria. Rolava nele com aflição. Apresentou-se-me ali o Calvário; estava coberta de iniquidades que atraíram sobre mim a justiça do Eterno Pai; com o peso suei sangue; a aflição era indizível, sentir-me assim esmagada e ver-me, cheia das maiores iniquidades. Veio Jesus, beijou Jesus, deu-se a prisão. Eu caminhei com Ele, com Ele senti o frio, parecia gelar, e o desfalecimento. Na manhãzinha de hoje, sem pensar encontrá-Lo, lá O fui encontrar quase moribundo. Tomei a cruz, depois dos açoites e todos os maus-tratos com os quais perdi muito sangue. Senti o caminho do Calvário, mas logo no princípio senti que o sangue de Jesus fervia em Seu divino Coração como panela que ferve sobre chamas. Ele atirava-se de braços abertos para os sofrimentos, como quem se atira às ondas para nadar. Em todo o caminho da amargura, e no Calvário, e já no alto da cruz, Jesus levantou por muitas vezes os Seus divinos olhos como que a pedir auxílio; sentia-os na minha alma como que abrirem-se e a fecharem-se. Cravaram-se-me no coração todas as feridas do corpo Santíssimo de Jesus e bem gravadas ficaram e todos manchados de sangue os caminhos que percorremos. Já lá vai muito tempo e ainda os sinto em mim, como se fosse agora! Não foram só os caminhos dolorosos que me fizeram sofrer, surgiram espinhos postos por mãos humanas a ferirem-me também; levaram-me a fitar a cruz com Jesus, a pedir-Lhe forças para os suportar. Quanto custa este viver! Quando estava assim no Calvário, a cruz e Jesus levantaram-se em meu peito, a montanha foi subindo, subindo, levou a cruz e nela Jesus, desapareceu tudo, sumiu-se o Céu. Eu fiquei sozinha ligada ao princípio dessa montanha. Levantou-se um mar de crimes, das maiores iniquidades, e as ondas desse mar batiam em mim, membro dessa montanha, como batem as ondas num cais. Quanto mais batiam, mais cegueira eu tinha, mais ó me sentia. Sem luz, sem auxílio para aguentar tão0 grande mar de crimes, pior imensamente pior do que a fúria da mais tremenda tempestade, senti-me morre, mas sem Jesus a acompanhar-me. Não O senti a Ele a expirar. Assim fiquei por um bom espaço de tempo, morta sem morrer, nas trevas sem ser noite. Veio, depois, Jesus; não me trouxe logo a luz, trouxe-me a vida e um fogo que me incendiou o coração; pegou o fogo e disse-me: ― Minha filha, minha filha, tu não estás só; eu estou contigo. E sabes quem Eu sou? Sou aquele Jesus a quem escolheste e preferiste para Esposo. Como Eu te quero e amo! Anima-te, anima-te; tem coragem. Tu não és trevas, és luz; as trevas são para ti, para viveres nelas e a luz, a luz, que tu és, é para as almas. Criei-te para elas, não és do mundo e vives para o mundo, não estás no Céu e vives do Céu. Desde o primeiro instante da tua existência, desde que te criei vi sempre em ti a missão que te confiei, a missão mais bela, a missão mais nobre, a missão das missões, a missão das almas; criei-te para elas, delas és vítima. E à Minha semelhança, vítima do Calvário, vítima do Gólgota. Como prova de que o és, foi por isso que te uni ao princípio da montanha e sobre ti fiz bater o mar das iniquidades. A montanha subiu, a cruz desapareceu, e eu com ela fui para o Céu. Mas os crimes continuaram, e eu continuei a dar a prova do Meu amor e a derramar sobre o mundo as Minhas graças. Foi aquela chuva de oiro, que do alto da cruz viste das Minhas chagas, de todas as Minhas feridas brotar. E a prova desse amor foi fazer continuar a obra da redenção. O Calvário, o Meu divino Sangue foi desprezado; desprezadas foram as Minhas graças, o Céu fechou-se para a maior parte da humanidade, perdeu-se para ela o sofrimento da cruz. Foi preciso continuar essa obra, através das Minhas vítimas. És a maior vítima, és a maior depositária das riquezas de Jesus. Acode ao mundo. Eu continuo a dizer que ele está em perigo, grave perigo, urgente perigo. A maldade desafia a justiça do Eterno Pai. Escuta o mendigo que bate, dá a esmola a Jesus que te pede; aceita a cruz, leva-a com alegria, dá-Me a dor, dá-Me o fruto do teu Calvário; quero-o para as almas; dá-Me o combate do demónio. Que grande reparação eles Me dão! Dá-Me as almas, acode-lhes. Faz tua a Minha dor, faz teus os Meus suspiros, faz teu o Meu amor e as ânsias do Meu divino Coração. — Quero almas, fala ao mundo, diz-lhe que Eu o chamo, que Eu o quero; pede-lhe que se converta. ― Ó meu Jesus, eu não sei falar, nada sei dizer, falai Vós por mim; incendiai nas almas o fogo que Vos consome, aceitai a minha dor, aceitai o fruto do meu martírio que é Vosso e não meu, meu Jesus; distribuí como Vos aprouver. Eu quero dar-Vos tudo, mas não posso ouvir-Vos a pedir-me, a falar-me como um mendigo. Mandai-me o que Vos aprouver, já sabeis que tudo aceito e tudo Vos dou, sem ser preciso pedir nada, nada, meu Jesus. Não sois Vós o meu Criador, o meu Rei, o meu tudo? O que Vos dou eu, a não ser o que é Vosso? Não tendes Vós licença de pegar e distribuir? Sou a Vossa vítima, imolai-me, imolai-me, Jesus. ― Como é bela a prece dos humildes! Como atrai a si as graças e a loucura do amor de Jesus. Como é consolador para mim a oração daquela, que, sendo grande com a Minha grandeza, se humilha e faz pequenina! Que graças, que graças, atrais para o mundo, ó Minha filha, ó bela com as belezas divinas! Com o meu coração a arder, fiquei a gozar de Jesus; gozava-O no silêncio; nem eu nem Ele falava. De repente introduziu o tubo de oiro no meu coração e no centro poisou o dele. ― Vai já correr em todas as tuas veias a nova gota do sangue do teu Esposo Jesus; é o sangue divino que te dá a vida, é a vida que te faz viver e fazer viver as almas. Senti a gota do sangue de Jesus a correr em todas as veias, quero dizer em todo o meu corpo; senti a força daquela vida. Jesus acariciou-me, uniu aos meus os Seus divinos lábios, cheios de doçura, e disse-me: ― É ósculo de amor, não de traição como foi para Mim o de Judas. Leva a vida, este amor que agora em ti fundi e vai infundi-lo nas almas. Atrai a Mim com este amor as que ferem e atraiçoam o Meu divino Coração. Vai para a cruz, leva a cruz, fica nas trevas, dá luz. Coragem, Minha filha, coragem na dor, Espalha, espalha no mundo o perfume, o aroma delicioso, fruto do teu martírio; cultiva as flores de tão formoso jardim. Eu delicio-Me entre elas a contemplá-las. Coragem, coragem! ― Obrigada, obrigada, meu Jesus; eu vou mas vou confundida. O que sou eu e quem sois Vós? Ó amor, ó grandeza, vinde comigo. As graças de que Jesus falou, esqueci-me de dizer que as vi cair de todas as chagas e feridas de Jesus, enquanto que O vi no Calvário. Que chuva lindíssima caía do alto da cruz! E eu sentia-me a voltar-lhe as costas e a desprezá-lo. Jesus me aceita o grande sacrifício, que fiz em ditar tudo isto. Não foi só o horror que me causa o ter de ditar, foi também a grande falta de forças, o grande sofrimento de todo o meu corpo. Tenho a certeza de que Jesus me auxiliou; sem Ele não poderia dizer palavra. Bendito seja o Seu divino amor, e bendita seja toda a cruz, que Ele me dá! 24 de Outubro de 1947 - Sexta-feiraOh! quanto sofre o meu corpo, e que dor e luta interior na minha alma! Como pode ser isto? Sofrendo eu tanto, não só me parece que os sofrimentos não são meus, mas para mais doloroso ainda, sinto que nada sofro; sinto que não sofro e sinto a dor, e sofro, sofro, sofro tanto. O meu corpo, desfeito pela dor, é menos que o pó que o vento espalha. E na minha alma, ó meu Deus, que grande horror! Sinto que tenho duas almas, uma que sofre e a outra que não pode sofrer. A que não sofre não é minha, e a que sofre não são meus os sofrimentos. A que não sofre é puríssima parece que tudo vê e em toda a parte habita e que nada se lhe pode ocultar; é dela a terra, é dela o Céu. A que sofre está em trevas, não é pura, está manchada. Mas não sei como; são duas almas e uma só alma. A que é pura está ligada à culpada; dá-lhe vida, ampara-a, encaminha-a. Mas eu não posso aguentar em mim esta pureza, unida a tanta miséria, que eu sou; é um sol, é um brilho que eu não posso enfrentar, faz-me conhecer mais os meus defeitos e horrorizar-me deles. Se eu tivesse força para corrigir-me e emendar-me para sempre! Vejo os defeitos em mim, e não sou capaz, não tenho forças para não cair. Tantas vezes invoco o nome de Jesus, tantas vezes chamo pela Mãezinha e Lhe peço que me faça pura, obediente e humilde, que me encha de tudo o que é Dela, para que Jesus em mim só a Ela veja! E sou sempre a mesma, cheia de maldade, coberta de crimes, a desfazer de podridão, e sempre a ser esmagada pelo Céu e sempre debaixo desse esmagamento a espirrar, a espalhar veneno por todos os meus sentidos, por todo o meu corpo. Que horror, que horror, ó meu Deus, que veneno me sai dos olhos e de todo o meu ser, como ele envenena o mundo e tenta atirar contra o Céu esse mesmo veneno! Sinto Jesus crucificado em todo o meu corpo; sempre as chagas d’Ele em minhas mãos, pés e coração; sempre o corpo ferido e a cabeça cercada de espinhos. Não sou eu, é Jesus que está em mim, é Ele que assim sofre; é o Seu divino Coração que tem espinhos, lança, espadas, punhais e setas. É Ele que sofre com a Mãezinha e vêm os dois sofrer em mim. É por Jesus que eu vejo quanto Ele sofre, toda a dor d’Ela. E a tudo isto se vieram juntar mais dores, mais torturas de almas. Como, Jesus é bom; é Ele que tudo manda, tudo permite. Com estes sofrimentos não sofro por mim, sofro por saber sofrerem os que me são tão queridos e não lhes poder acudir. Por pessoa, que grande lugar ocupa em meu coração, foi-me recomendada a saúde de um enfermo. Meu Deus, o que eu sofri, me sacrifiquei e orei por ele; ofereci-me como vítima a Jesus; disse-Lhe que, durante um mês, descarregasse sobre o meu corpo e alma todos os sofrimentos, que Lhe aprouvesse, em cima dos que eu já tinha, contanto que Ele e Mãezinha fossem comigo, para eu poder sofrer, mas que me dessem a vida daquele enfermo, sem prejuízo da sua salvação e da glória de Deus! Era grande, muito grande a dor e a angústia da minha alma, quando assim falava a Jesus. Na minha grande aflição, repetia-Lhe muitas vezes sem pensar obter uma resposta Sua: dais-Lhe a saúde, dais, meu Amor? E Jesus, na Sua bondade infinita, muito doce e suavemente, disse: ― Quero-o para Mim, quero coroá-lo do Meu divino amor, da Minha glória. Sempre na minha dor, sem atender ao que Jesus dizia, insisti no meu pedido. Jesus, por três vezes, repetiu-me sempre o mesmo. Passaram-se quase dois dias; a mesma pessoa de toda estima, de novo, me recomendou o doente, já quase em agonia. Que punhaladas na meu pobre coração! Que dor, que posso dizê-lo, quase irresistível! Em vez de oferta de vítima por um mês, fiz uma de três meses. Chorei, chorei, fiz penitência, pedi para ser posta no chão, por algum tempo, para maior sofrimento, o que me não foi concedido. Mas, esta vez, Jesus não falou, fez-se surdo; em todas as minhas súplicas de tantas horas, não tive um raiozinho de luz, tudo se me apagava e desaparecia neste mundo; nem ao menos no memento da Sagrada Comunhão eu senti outra vida. Confiava que Jesus podia fazer o milagre, mas esta confiança não tinha lugar, ficava na superfície, tudo o mais é que era realidade. Senti no meu íntimo a noite e o silêncio da morte. Eu queria o milagre, mas já orava pela boa morte do moribundo. Que medo aterrador pela vida de sofrimento se entranhou em todo o meu ser; foi um martírio, que se veio juntar ao martírio do Horto e do Calvário. Só depois de mais de 24 horas é que eu soube que o doente tinha partido para o Céu, se bem que já assim o pensava pelo meu colóquio com Jesus. Tenho tido tanto medo do demónio! Receei tanto os seus assaltos! Há dois dias e noites que ele andava furioso, à volta de mim: uivava raivosamente, queria assaltar-me; atormentava-me com várias coisas o meu espírito. Apesar de todo o meu receio, Jesus não permitiu que ele viesse com os seus ataques. Que conjunto de sofrimentos, meu Jesus; contudo eu sou e serei sempre a Vossa vítima! Na tarde de ontem, principiou o meu Horto. Primeiro que tudo, veio um sol do Céu que parecia iluminar todo o mundo; veio e envolveu em si toda a terra. O Calvário, o Horto juntou-se àquele sol, formou-se tudo numa massa. Desapareceu todo o brilho; toda a maldade, todo o erro lho encobriu. Jesus, dentro de mim, fitava tudo aquilo, e, curvado sobre aquela massa mundial, chorava; choravam os olhos do Seu corpo, chorava a Sua alma Santíssima. Logo depois, vi a cruz e Jesus nela crucificado, a derramar sangue, muito sangue que Lhe atravessava a cintura. Ao senti-Lo e vê-Lo assim, passei-me com Ele para o Horto, ali veio representar-se todo o Calvário. Que aflição! Rolávamos pelo solo duro, o qual tremia e nos fazia tremer. Falo assim porque Jesus ia comigo; sofríamos os dois. Ali mesmo, Jesus suou sangue e falava a Seu Eterno Pai e Lhe oferecia o cálice tão amargo; amargo para Jesus e amargo para mim. Foram dois Hortos. Sofria com Ele, sofria por Ele e sofria por mim. Como eu desabafei com Jesus e Lhe pedi para as consolar! Ó noite, tremenda noite! Que todo este meu sofrer seja para honra e glória do Senhor e bem das almas. Não sei, não sei traduzir a minha dor. Veio a prisão e eu segui Jesus, sempre a ser com Ele maltratada; e, hoje, logo de manhãzinha eu, à prisão O fui encontrar, sempre acompanhada do mesmo sofrimento que era um martírio triturante. Voltei a ver a cruz de Jesus e com Ele andei a caminhar entre o alarido e grande algazarra do povo. Os sofrimentos de Jesus eram para todos grande festejo. Não se comoveram ao vê-Lo chagado, ferido. Caminhamos para o Calvário, suportei a Sua amargura e a minha. Custou tanto a chegar ao cimo! O meu peito serviu de montanha e o meu coração de cova da cruz onde Jesus estava crucificado. Ele regou com o Seu divino Sangue o solo duro, que eu representava. Com ser eu o Calvário sento-me abraçada a ele, abraçada à cruz. Queria sofrer, queria morrer. O sangue de Jesus caía, os corações dos que O rodeavam com rancor não se comoviam. Um grande número tinham em suas mãos chicotes e finas varas com os quais, mesmo na cruz, tentavam satisfazer mais seus gostos, ferirem a Jesus. Quantos escarros Lhe queriam ainda lançar em rosto. O meu coração via tudo aquilo. Oh! como Ele sofria! O meu brado unia-se ao de Jesus, a pedir socorro ao Pai. Quando Jesus expirou, com que amor, bondade e doçura Ele Lhe disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito; é para ti o Meu último suspiro. Tudo se calou, tudo ficou por algum tempo em silêncio. Jesus tinha morrido, mas veio depressa; ressuscitou, deu-me a Sua vida e falou-me: ― Coragem, coragem, minha filha! Oh! como são belos e prodigiosos os caminhos dos escolhidos do Senhor. Oh! como é bela, luminosa e atraente a vida da esposa mais fiel, a vítima mais generosa que Jesus escolheu para Si. Coragem, coragem, minha filha. Não é só pedir-te a dor para ouvir dos teus lábios um sim cheio de amor e generosidade; peço-te a dor e quero a dor, peço-te a dor e busco todos os meios para te fazer sofrer. Ó dor, ó dor, ó dor salvadora! O fogo das paixões incendiou-se no mundo, não há quem o apague; em vez de água a apagá-lo, dentando-lhe a lenha das maldades, crimes hediondos, as maiores iniquidades a incendiá-lo; subiram ao seu auge as labaredas criminosas. Dá-me a tua dor, filha querida, e diz tu ao mundo que Jesus o ama e quer; diz-lhe que se converta depressa, depressa. Se assim não for, quanto ele terá que chorar e gemer. O fogo já corre pelos rastilhos, a bomba divina não demora a explodir. Jesus dizia isto com lágrimas, suspirava em profunda tristeza. Não pude vê-Lo assim. ― Meu Jesus, meu Jesus, não consinto nas Vossas lágrimas. Para que sofro eu? Para que quereis Vós a minha dor, a minha tão pobre e sofrida dor! Ponde-lhe os Vossos méritos, ponde-lhe o Vosso amor e consolai-Vos nela e dela fazei o que bem Vos aprouver. Quero eu chorar, sofrer e estar triste, contente só por fazer a Vossa divina vontade. As lágrimas de Jesus cessaram logo, e continuou. ― Já estou contente, filha amada, mas tens tanta reparação a dar-me! Tens que dar tão grande lição ao mundo! Repara-Me, mas com alegria; fita na cruz os teus olhos, que eles vêm para Mim a poisarem em Meus braços como pombas brancas para descansarem. Fita em Mim os teus olhares e em Mim toma conforto; dá-Me grande reparação, o veneno corre. Os esposos não dão vidas; matam vidas. Oh! que crimes! A imodéstia alastra-se. As almas vítimas fogem, temem o sofrimento, temem a cruz. E tantas de quem Eu esperava tudo, pecam horrivelmente. Dás-Me por tudo isto o que te vou pedir? Dás-Me os combates com o demónio? É deles que Eu tiro para esta matéria a maior reparação. Jesus dizia isto e chorava novamente. ― Não choreis, meu Jesus; que eu Vos dou tudo, bem o sabeis, pois já tenho licença para tudo Vos dar; dou-vo-los na confiança de que me não deixeis ofender-Vos. Mas não quero ver mais em Vossos divinos olhos as lágrimas. Dou-Vos, mas também Vos peço, sabeis bem o que é. Fazei-me o que Vos peço, mostrai o Vosso poder. Pela Vossa graça nunca Vos neguei nada, não me negueis também; não é por mim, é por vós, é por aqueles que tão profundamente colocaste em meu coração. Jesus sorriu docemente com modos e gestos de quem quer dizer mais, muito mais, e disse-me: ― Pede-Me com confiança, nunca são em vão os teus pedidos. Os desígnios de Deus são imperscrutáveis; os Meus olhos divinos vêem tudo, tudo Me é presente. A criatura humana só pode ver e compreender à luz da eternidade. Coragem, coragem, Eu vou dar-te o Meu divino Sangue; recebe-o que é força, recebe-o que é vida. A dor que te espera, só a força divina a pode vencer; nada temas, Eu estou contigo. Jesus introduziu o tubozinho brilhante como oiro, e no cimo trazia o Seu divino Coração. Caiu a gotinha de sangue, Jesus tirou-o rapidamente, fez que eu pudesse aguentar, e logo deixou a abertura cicatrizada. ― Minha filha, pomba querida, vai, não deixes de, na dor, teres o sorriso; não deixes de beijar e abraçar a cruz; ela espera-te, corre para ela, leva a vida, tu és a vida das almas, tenho-te no mundo para elas. Vai em paz, e leva a Minha paz, leva a Minha luz, és a luz, vai guiá-las, vai salvá-las. Fica nas trevas, vive nas trevas, são trevas da maior luz. Milagre, milagre, milagres, milagres por ti os opero nas almas, aos milhares, aos milhares. Vai contente, semeia as Minhas graças, semeia o Meu amor. Obrigada, obrigada, meu Jesus. Ai! Como eu temo os sofrimentos, as oh! como eu quero a cruz que me dais; recebo-a, recebo-a só por amor. Meu Deus, como são já tão grandes e assustadoras as trevas em que me encontro! Poderei vencê-las? Venha o Céu, venha o Céu todo por mim. 31 de Outubro de 1947 - Sexta-feiraSinto em mim as chagas de tal modo abertas, que, apesar de serem em mim, parece-me, por dentro delas, passar de um lado para o outro. Mas não sou só eu, é o mundo inteiro que por elas atravessa, por elas passa, ora por uma, ora por outra; são portas francas, pelas quais todos podem passar, sem pedirem autorização. Todas estas chagas dão passagem para um só caminho, que vai ter à chaga do coração e da chaga dele passam a outro Coração, que unido ao meu está. Oh! e com que ansiedade esse Coração recebe a todos quantos para Ele querem ir. Parece que tem braços para abraçar, olhos para fitar e atrair, lábios para sorrir e beijar. Que coração, que coração que é amor, só amor! O meu é tão pequenino e mesquinho, nada, mesmo tão nada ao pé deste; não sei até como, sendo assim tão pequenino, pode ter em si chaga tão grande, parece uma chaga mundial. Custa-me tanto a aguentá-la! É tão grande, é mesmo imensa a dor que me causa. Sofro tanto, e não sou capaz de, com os meus sofrimentos, remediar tanto mal. Eu quero, não sei o que quero; quero tudo em poucas coisas se resumem. Consolar e amar Jesus, fazer só a Sua divina vontade e salvar-Lhe as almas. Quero as almas, quero o mundo, quero-o para Jesus. Não sou eu o anseio é Ele. Ai como eu O sinto, de braços abertos, para o receber e abraçar. Não sou capaz, não me é possível, por mais que eu sofra, dar alegria, dar alegria ao meu Jesus, amá-Lo com a maior loucura. Ai de mim, e eu quero amá-Lo! Não resisto a estes desejos de amar a Ele, só a Ele; e temo não resistir, não vencer atravessar as trevas, que, de cada vez, se tornam mais distantes, mais profundas, mais minhas, minhas para por elas caminhar, minhas para nelas sofrer, minhas sem serem minhas; sou feitora deste terreno de negra escuridão. Temo-as tanto e quero-as, não as posso deixar. O demónio tem-se regalado de atormentar-me; tentou levar-me ao desespero, persuadir-me de que não sou ouvida por Deus, que nada adiantam as minhas orações. Depois desta tentativa, veio atormentar-me com os seus ataques. Foram oito assaltos, e sempre de noite. Em duas noites foram três, a seguirem-se uns aos outros, e, noutra, foram dois. Não sei, parece-me que nunca teria a coragem de dizer as coisas horrorosas que ele dizia contra Jesus e os gestos maliciosos que ele fazia. Horrorizava-me, por dois motivos; um pelo receio de pecar, outro por tais coisas ter que ouvir de Jesus e temer que, na mesma ocasião, Ele me castigasse. Que horror e que, horrorosos são os crimes com que Ele é ofendido! O meu coração pareceu-me saltar para fora do peito; a batida que ele fazia com tanta força, não parecia de um coração, mas sim duma fábrica. Eu estava toda revestida de malícia, todo o meu ser era inferno, tinha toda a maldade do demónio. Tinha uns pequenos intervalos de um combate ao outro, mas ficava sempre a ele presa pela loucura das paixões. Compreendia toda a malícia e sabia o que ele me representava ou fazia sentir. Não deixava por isso com toda a alma e coração chamar por Jesus e pela Mãezinha, dizer-Lhes que não queria pecar, que antes queria o inferno, que era a Sua vítima. Tudo isto me parecia que já era tarde, que só recorria ao Céu, depois de ter pecado. Apenas terminava o último combate, parecia-me ter vindo não sei de onde, dum mundo para o outro, dum mundo maldoso e criminoso para um mundo inocente; e logo deixava de compreender tais maldades, mas com o coração a sangrar de dor, por muito tempo. Que triste vida, Jesus; que triste vida, Mãezinha; sou sempre a Vossa vítima para Vos consolar e amar, desejosa sempre de em tudo cumprir a vontade do Senhor. Na tardinha de ontem, vi atrás de Jesus a Mãezinha, junto à cruz, quase a desmaiar de dor; vi, no mesmo momento que não foram mãos humanas que A ampararam, mas sim o amor de Jesus, que em raios doirados, A cercaram e sustentaram firme sem cair. Depois disto, caiu sobre mim a montanha do Calvário; o peso era esmagador; que aniquilamento! Senti que Jesus caminhava comigo, curvado com o peso da mesma montanha. O Seu Santíssimo corpo banhava-se em suor, da cabeça aos pés, a Sua tristeza era a mais profunda, a escuridão era a da noite mais tremenda. Passamos para a ceia. Vi o rosto de Jesus, afogueado de amor; iluminava toda a mesa e aposento. Era lindo vê-Lo com os olhos feitos no Céu; era lindo ver e sentir a doçura com que Ele deixou inclinar sobre o Seu Santíssimo peito o discípulo amado. Foi doloroso e arrepiante ler no coração de Judas os maus intentos, a falsidade que tinha para com Jesus e ser por seus olhares venenosos contemplado. Judas fitava Jesus com maldade, e, sem querer fazê-lo, fazia para disfarçar. Jesus fazia-o com doçura e bondade para o convidar a Si. Sem sair dali, vi todo o Horto, cheio de agonia. E pelo meu coração passaram as lágrimas da Mãezinha, ao saber de Jesus preso e tudo o que Lhe faziam. Hoje tomei com Ele a cruz com o corpo todo chagado e a cabeça cheia de espinhos; seguimos o Calvário. Em todo o trajecto, caímos por tantas vezes desfalecidos; eu sentia o rosto de Jesus, poisado na terra dura; respirava contra ela e os Seus lábios divinos pareciam beijá-la, ao mesmo tempo que nova chuva de pancadas caíam sobre o Seu Santíssimo corpo. No Calvário senti e vi que, ao despir Jesus, o fizeram com toda a crueldade. O Seu divino corpo, coberto de sangue e feridas, não comoveu os seus duros corações. Aumentaram com isto a amargura de Jesus. Foi nesta amargura que Ele ficou todo o tempo da agonia até expirar. Custou-me tanto a aguentar este sofrimento de Jesus! Custou-me tanto suportar as palpitações fortíssimas do Seu divino Coração! Palpitava de amor pelo mundo endurecido e culpado, e palpitava de dor, quando o Pai pedia compaixão. Era noite, noite tremenda. Senti o meu peito rasgar-se como fino pano; foi talvez no momento que Jesus expirou, não porque eu sentisse Ele expirar, mas pelo silêncio, noite e morte que em mim passava. Que sofrimento, que noite tão assustadora! De repente, iluminou-se toda a minha alma com uma luz que iluminava o mundo. Ouvi como quem bate palmas e ao mesmo tempo a voz terníssima de Jesus disse-me: ― Minha filha, minha filha, quem bate, quem te chama é Jesus. Repara; é a minha luz divina que te ilumina, para que saibas que sou Eu, para que compreendas a luz celeste e saibas distingui-la das trevas que Eu permito. Sou Eu, está atenta para bem sentires e gozares da Minha paz, a paz que te dou, a paz que vem de Mim, a paz que conforta e dá vida para sofreres. Coragem, um pouco mais. A tua vida, aqui neste desterro, é brevíssima; confia, vem o Céu, a tua Pátria, a eternidade de gozo. Ao terminar o teu exílio, a tua dor, principia, Eu to prometo, Eu to prometo, como recompensa, a cair para a terra uma chuva de graças constantes que vão penetrar nas almas. Não acaba a tua missão, a tua bela e sublimíssima missão. Enquanto que no mundo houver almas para salvar, não cessará de chover essa chuva de graças e maravilhas prodigiosas. É o prémio da tua dor. ― Meu Jesus, dizei que é o prémio da Vossa dor, que é a chuva das Vossas maravilhas e prodígios. Quem sofre não sou eu, quem sofre no meu corpo sois Vós. Muito obrigada pela promessa que me dais; alegro-me com ela, porque me alegro na salvação das almas. Sou Vossa, Jesus, para Vos amar, sou Vossa para com o que é Vosso as salvar. ― Minha filha, minha amada filha, se soubesses quanto Me consolo em ti e a grande reparação que Me dás! Continua a consolar-Me, continua a reparar o Meu divino Coração. A tua vida de martírio é a escora que sustenta o braço do Meu Eterno Pai. Os crimes, as grandes iniquidades da humanidade feriram o Céu, abriram-lhe fendas como finas lanças. A tua dor, o teu sofrer são molas seguríssimas para não deixar sair tão depressa a grande justiça divina. É a tua dor, que faz esperar o Meu Eterno Pai. Convida o mundo, convida-o tu, chama-o, chama-o depressa para Mim. Dá-Me a dor, dá-Me mais dor, dá-Me a reparação pelos combates do demónio, para poupares as almas ao inferno. Por esta reparação espero-os alguns anos, na vida do pecado, sem os precipitar no inferno. Dá-Me a reparação por este meio, se a muitos infelizes queres salvar. ― Meu Jesus, o horror que me causam tais sofrimentos, só Vós o sabeis; o meu receio é só de pecar. Que vida cheia de temor; temo ofender-Vos, temo e horrorizo-me em ditar tudo o que me dizeis. Que há-de ser de mim, meu Jesus? Sem ter querer, gostava de nada dizer e desconhecer todas as maldades infernais. ― Tem coragem, filha querida: aceita tudo. Tu não Me ofendes, Eu por ti velo, em ti estou. Escreve, dita tudo que é pouco tempo mais. Tu não conheces, não sentes, não sabes; confia no que te digo: a tua vida escrita nos teus cadernos saio linhas escritas com o oiro mais fino, guarnecidas com as pedras mais preciosas. Não é para ti esta riqueza, mas sim para as almas. Vai agora para o teu coração o Meu divino Sangue. É um momento que leva esta separação. Vai já correr em tuas veias o Sangue, que te faz viver, o Sangue que te faz dar vidas. Jesus, junto ao tubo, já trazia ligado o Seu Coração divino; introduziu-o no meu, passou a gotinha de sangue, foi num abrir e fechar de olhos. No mesmo momento, que fez a abertura, a cicatrizou. ― Que grande prova de amor, Minha filha, como Eu velo por ti, como Eu te amo! Como Eu amo as almas! Vai, diz-lhes que Eu as quero. Vai para a cruz, que é o teu leito de dor; vai para a cruz, que é a cruz do amor. Sofre, sofre na alegria; ama, ama na dor. Coragem, coragem; vai em paz. ― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Tomai o meu coração, modelai-o, para que ele ame e sofra como Vos agrada. |