Alexandrina Maria da Costa

SENTIMENTOS DA ALMA

MAIO
1947

2 de Maio de 1947 - Sexta-feira

Eternidade que tão à pressa passas; eternidade que nunca chegas. Passa, voa e eu voo com ela sem nada, de mãos vazias para dar contas a Jesus. Nunca passa, nunca chega a verdadeira eternidade que me vai dar o Céu. Quem poderá viver assim, meu Jesus! Dai-me a Vossa graça sem a qual a vida neste exílio é de desespero; é morte. Quero voar para Jesus, quero amá-Lo e não sou capaz de formar para Ele o voo e de O amar com a ansiedade, que exige o Seu coração. Quero fugir do mundo, esconder-me dele e dele desaparecer, e nunca mais consigo. Um momento é uma eternidade; é um momento que nunca passa, que nunca tem fim. Só o momento de ver Jesus a pedir-me contas, a ver-me e a encontrar-me sem nada, só revestida da maior miséria é rápido, não se lhe dá tempo de Lhe dizer: quem sois Vós, Senhor, e quem sou eu; parai um pouco, e deixai-me cobrir ao menos com agasalho alheio; estou nua, Jesus. Meu Deus, que confusão a minha: não tenho tempo para nada! O que fiz eu da minha vida? Como aproveitei o tempo que me destes? Que horror, ó meu Jesus! Mas Vós sois toda a minha loucura; só por Vós quero sofrer, só por Vós quero amar, só de Vós quero falar e pensar; não quero outra vida, que não seja a Vossa. Sinto-me como se fosse um poço no qual nem um só momento cessam de tirar a água. Que movimento! Esta água, que é tirada, vai para cima, nela bebe quem quer; este poço é inesgotável, não seca mais, tem sempre a mesma água. Está em mim e não é meu; está em meu poder e não me pertence. Contudo estou ansiosíssima por repartir, por dar a beber a todos. Sinto que é água de salvação. Oh! como eu a queria dar! Dar do que me não pertence e não tenho escrúpulo; roubo sem medo de ser pelo dono castigada. Ó meu Deus, ó meu Jesus, queria dar tudo, tudo, toda esta água, queria nela mergulhar todo o mundo. Morre, Jesus; morre com ânsias!

Tive dois combates com o demónio; reduziu-me ao mal, ensinou-me todas as maldades, preparou-me leitos de prazeres. Depois do pecado logo se transformaram em leitos do inferno. Que horror, que desespero! Tantos sofrimentos, ódios e maldições! O prazer fugiu e levou-me com ele a graça de Deus, fiquei mais miserável que os próprios demónios. Abracei-me ao crucifixo e envergonhada só disse: meu Jesus, sou a Vossa vítima.

Na quarta e quinta-feira, quase em todo o dia, vi e senti a cabeça Sacrossanta de Jesus cravada de agudos espinhos, tinha-a apoiado sobre a mão, o que sempre impediu de eu Lhe ver os Seus divinos olhos. Só com a diferença: ontem de tarde, já pela noite dentro, aquela posição de Jesus levou-me ao Horto e ao Calvário, levou-me a ver todo o martírio. Vi Jesus no Horto a tremer e a suar sangue; vi os Seus cabelos colados ao rosto; vi Judas beijá-Lo. Até nos cabelos se distinguiam; uns de inocente, outros de maldição. Vi-O no Calvário, já na cruz e o sangue avançar por cima da cintura. Ali fiquei com Ele; e hoje ao mesmo lugar O fui encontrar. Vi-O crucificar, vi a cruz; não tinha lugar para mais espinhos; todo o Seu divino corpo ferido ali neles era desfeito. Custou-me tanto ver assim Jesus! Depois senti-O a Ele em agonia; e, ao pé da cruz, o Coração da Mãezinha a estalar de dor com mais três corações amigos, associados à dor da Mãezinha, que, cheia de agonia, levantava as mãos para Jesus, chorava e quase de dor expirava. Principiei a ver e a sentir a cabeça de Jesus a pender, a inclinar-se sobre o Seu peito e os Seus Santíssimos braços a despregarem-se da cruz. Jesus estava morto. E eu com aquela visão e sentimento pareceu-me morrer também. Já não ouvia o Seu brado e deixei de sentir a dor da Mãezinha. Senti inclinar-se a minha cabeça, desprenderem-se os meus braços, depois do corpo ter gelado. Não sei a quem foi entregue.

Passou-se algum tempo; veio Jesus, cheio de vida; deu-me a vida, e disse-me:

― Minha filha, minha filha, a vítima não pode sair, no momento, da sua imolação e sacrifício! És a Minha maior vítima, a Minha vítima mais amada; não podes ser libertada do teu martírio, porque o mundo não deixa de pecar. Eu não deixei aquela posição, em que Me viste, os espinhos não desapareceram da Minha Sacrossanta Cabeça, não levantei dos Meus divinos olhos as mãos, a Minha visão era outra; via os crimes de toda a humanidade, via a renovação contínua da Minha santa paixão, foi por isso que te fiz ver todo o Horto e Calvário. Tem coragem, porque Eu não sofri a não ser em ti. Tu sim, Minha querida redentora, Minha nova redentora, tu sim, sofreste; tu continuaste e continuas a Minha obra de salvação. Eu revestido de ti, contigo sofri, mas, sozinho, não. Não posso mais, estou cansado de sustentar o braço do Meu Pai! O mundo com os seus crimes está a acender o fogo, que o vai queimar. Não é fogo do Céu, mas sim da terra; por ele preparado, a reduzir a cinzas. Mas pode tomá-lo, deve tomá-lo como punição de Deus, como castigo divino. Esta guerra, esta revolta, Minha filha, não é do Céu mas sim da terra; é a guerra do pecado, é revolta contra Deus.

Senti como se se abrisse o Céu e travasse luta com a terra. Que guerra, que pavor!

― Meu Jesus, que quereis que eu faça; o que posso eu fazer? Não quero a Vossa dor, mas quero a salvação das almas. O que quereis, meu Jesus? O que quereis, meu Amor? Dizei-me o que quereis que eu faça.

― Eu queria, Minha filha, mas não para ficar oculto: depressa, depressa a revelá-lo ao Santo Padre. Eu sei que da primeira parte, que te vou dizer, nada consigo; é só para mostrar os Meus divinos desejos e o Meu amor às almas. Não são tantos os crimes e tanta a malícia do pecado, que só havendo 10 vítimas em cada nação, o mundo pode ser salvo. Mas vítimas puras; cheias de generosidade e amor. Mas não, não as encontro; não há quem aceite os Meus espinhos, não há quem queira as Minhas chagas, a Minha cruz, o Meu Calvário; não há quem se entregue a Mim pelas almas. Há muitas que querem sofrer e serem imoladas, enquanto que não chegam os sofrimentos e a hora da imolação. Mas ah! O que Eu espero é a segunda parte. Pede ao Santo Padre que lho pede Jesus; que apele para os sacerdotes, sobretudo das ordens religiosas, que, apesar de neles haver muita coisa, há muitos, que Me dão; que redobram de pureza, de fervor e de amor ao Santo Sacrifício da Missa.

Com essa pureza, fervor e amor, unido à Minha vítima, a quem fiz a entrega da humanidade, a quem dei a mais sublime missão, ela pode ser salva, salvar as suas almas. E não é essa, esposa querida, a tua ansiedade, o fim de todo o teu sofrimento?

― Sim, meu Jesus, eu quero salvar as almas, e por isso não me poupeis o meu corpo; eu não Vos recuso nenhum sofrimento, mas se pudesse ser tudo! Se eu pudesse consolar-Vos e amar-Vos, evitar todo o pecado, salvar todas as almas e poupar-lhes, aos corpos, os castigos! Perdoai-nos, perdoai-nos, meu Jesus; sou a Vossa vítima, tende de nós todos compaixão. Que dor no meu coração, que desolação a minha! Seja tudo por Vós, meu Jesus.

― Coragem, Minha filha! Essa dor é para nela ficares; não tenho vítimas generosas. Supre tu toda a generosidade. Confia, confia; a tua dor de alma e corpo é bálsamo de salvação. Para resistires à dor, para viveres e sempre em tuas veias correr o Sangue de Cristo, vou dar-te a gota do Meu Sangue divino. É o Coração do Esposo unido ao da esposa, e do Redentor à Sua redentora.

Jesus uniu os nossos Corações, pelo cimo do Dele deixou cair no meu a gotinha do Seu divino Sangue, e espalhou, ao mesmo tempo, sobre o meu peito uma labareda de fogo que dele saía.

― Vai, esposa amada; vai, leva esta vida e este amor. És o cofre das almas, a depositária de todas as maravilhas do Senhor. Vai em paz; quero em teus lábios sempre o sorriso, em todo o teu sofrer a tranquilidade e a alegria. Coragem! Jesus não te falta.

― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Conto Convosco, confio em Vós. Fiquei logo mergulhada em dor; sinto-me num mar de amargura, sinto-me num nunca acabar de trevas. Eu te quero, minha amada cruz.

3 de Maio de 1947 - Primeiro sábado

Não saí do mergulho da minha dor nem de mim se apartaram as ânsias de dar tudo e obrigar toda a humanidade a viver num poço, que tenho em mim. Nesta ansiedade, mergulhada só em dor, ferida de alma e coração, preparava-me para receber Jesus, e aproximava-se a hora da Sua chegada.

Minutos antes, recebi a notícia de que um homem, que há três dias me tinha sido recomendado, tinha morrido sem os Sacramentos. Foi um espinho que me feriu profundamente, mas, não sei porquê, não me inquietou a perda da sua alma; fiquei em paz. Veio Jesus. Momentos depois de entrar no meu coração disse-me:

― Minha filha, Minha filha, a alma desfalecida e ferida pelos espinhos sente-se bem, tem conforto, anima-se com o seu esposo. Vem a Mim descansar; sou o teu Esposo Jesus.

Nosso Senhor inclinou-me sobre Ele; fiquei com a minha cabeça unida ao Seu divino Coração e como que a descansar em Seus braços.

— Recebe, Minha filha, a Minha vida para a tua vida, o Meu conforto para a tua luta, para a tua dor. Sofre contente; como são valiosos os teus sofrimentos unidos aos Meus; quanto podes com O teu Jesus! Não sofras, Minha filha, com o golpe que acabaste de receber; a sua alma foi salva. Fiz isto para exemplo dos outros. Momentos antes de lhe pedir contas, apresentei-Me em sua presença, ao ver-Me, muito confundida, exclamou: não Vos aproximeis de mim, meu Senhor, com tanta pressa; não estou digno de aparecer diante de Vós. Perdoai-me, perdoai-me, Senhor, as minhas culpas. Nada mais foi preciso; salvou-se. Foste vítima dele, nestes dias. Não te sentias tu incapaz de aparecer diante de Mim e para isso parecia-te voar o tempo? Foste vítima. Salvou-se, mas sem merecimento, sem virtudes. Será uma alma a gozar-Me no Céu à custa da tua dor. Mas terá muito, muito, que sofrer no Purgatório. Aqui tens uma das boas novas que te anunciei.

― Meu Jesus, mas eu ainda não sabia nada.

― Sabia Eu, filha querida, tudo o que se ia dar e por tu o não saberes é que tem todo o valor para os homens. A segunda nova, Minha filha, é para dizeres ao teu Paizinho que a alma do paizinho dele subiu ao Céu, logo após 7 dias da sua morte. Foram 7 dias em honra das 7 dores da Minha Bendita Mãe. Subiu ao Céu, depressa, pelas suas muitas virtudes e merecimentos, e pelos muitos sofrimentos do filho, pela sua vida de grande martírio e pelo amor com que por Mim ele é amado. Está a gozar-Me na Pátria Celeste em grande glória e alegria. Principia já, Minha filha, a um conselho dele porque Eu nunca o retirei de teu guia, a fazer a lista das almas que desejas, logo a seguir à sua morte, subam ao Céu. E assim se vão cumprindo as Minhas Divinas Palavras.

― Queria, meu Jesus, perguntar-Vos por uma alma, mas não pergunto, perdoai-me.

― Fá-lo já, Minha filha, e sem demora. Não tens confiança em Mim?

― Bem sabeis que tenho, meu Jesus; mas não quero abusar da Vossa bondade; mas já que me permitis dizei-me: onde está a alma da minha querida Deolinda?

― No Purgatório, mas em vésperas de ir gozar na Minha glória. Logo que sejam celebradas 3 missas pela sua alma, sobe ao Céu. Isto é, juntando às missas todas as orações que até esse momento por ela foram feitas. Era boa sofreu muito e está sofrendo o seu descuido. Diz, Minha filha, ao teu médico que eu o coloquei à tua frente, para cuidar de ti e da Minha divina causa e para ser mensageiro das Minhas palavras, em dias de tanta luta. Diz-lhe que não demore, em acordo com quem sabe, a mandar ao seu destino o que com tanto empenho eu pedi. Dá-lhe a Minha bênção e todo o Meu amor para todos os que lhe são queridos. Vem, minha Mãe Santíssima, com os teus carinhos fortalecer, dar a vida à filhinha.

Veio a Mãezinha, tomou-me em Seus braços, abraçou-me docemente, cobriu-me de carícias e disse-me:

― Minha filha, Minha filha, sou tua Mãe e Mãe do teu Jesus; és por mim e por Ele amada com todo o amor. Sofro com alegria, continua a salvar as almas. Toma o meu manto, envolve nele a humanidade, salva-a, é filha de Jesus e é minha. Leva o meu amor, leva o amor de Jesus, dá-o aos cuidam de ti, dá-o aos que te são mais queridos. É o amor de Jesus e de Maria num só amor.

Jesus acrescentou:

― Dá-lhes este nosso amor aos que te são mais queridos; dá-o a todos, dá-o na proporção em que to pedirem. Quando te for pedido com instância e com toda a abundância diz-lhe do coração: dou-to todo, como me pedes. Vai, louquinha, vai, que és a vida das almas sem sentires que lha dás; és toda amor sem saberes que amas, és toda vida sentido que és morte. Coragem, coragem!

― Obrigada, meu Jesus, obrigada Mãezinha. Sede comigo nesta luta tão tormentosa da minha vida. Que horror eu tenho em ter que ditar tudo quanto me disseste. Em teu beijo e abraço, minha cruz, só por amor Àquele que me enviou.

9 de Maio de 1947 - Sexta-feira

Não quero o mundo; quero desaparecer dele, morrer para ele; não quero o mundo, nem nada que lhe pertença. Quero as almas, quero as almas todas que nele habitam, porque essas sim, essas só a Jesus pertencem. Deixo-me crucificar e morrer por elas. Não posso pensar na perda das almas; não posso pensar que Jesus é ofendido. Eu não quero o amor das criaturas; quero o amor do meu Jesus. Eu não quero ofendê-Lo nem sabê-Lo ofendido. Que sede de me dar a Ele, de Lhe pertencer, de morrer por Ele! Que sede de ver o mundo, ou melhor, as almas nas mesmas ânsias, nas mesmas pretensões. Queria tudo numa só alma, num só coração, num só amor. O meu coração está cansado de tanta ansiedade, de tanta sede de amor. Eu não sei quem continuamente bebe em mim e bebe sofregamente; a minha alma sente, os meus ouvidos ouvem o saborear, o beber ofegante desta bebida. Continuo a ser o poço inesgotável, apesar de, noite e dia, sem parar, dar água com toda a abundância a quem quer beber. Depois disto não sou nada, não dou nada, em mim nada há. Eu não vivo mas há em mim outra vida que vive e ama, que vive e possui tudo. Queria viver esta vida, amá-la, perder-me nela, enlouquecer por ela. Ó meu Deus, ó meu Deus, eu quero que as minha loucuras sejam só para Jesus e para as almas. Sinto que esta vida é ferida, ultrajada, calcada aos pés de ingratos. Eu não posso consentir em tal, quero remediar este mal e não posso. Sinto o meu corpo ralado, moído, desfeito pela dor. Por vezes digo: meu Deus, como se vive, como se pode resistir a tanto. Meu Jesus, sou a Vossa vítima, aceitai o incenso do meu sofrimento, que ele suba ao Céu constantemente, dia e noite, sem parar, para ser a reparação da bondade de Deus ultrajado. Fito os olhos em Jesus crucificado, compadeço-me dos Seus sofrimentos, quero evitá-los e não posso; sofro amarguradamente com Jesus. Fito novamente a imagem do Seu divino Coração e peço-Lhe: deixai-me entrar, Jesus, no Vosso divino Coração, para me esconder e incendiar. E fazei que eu vá como um sopro, como uma aragem suave, levar a todos os corações a Vossa graça, o fogo do Vosso amor. Digo e não sou eu, falo e não sei falar. Ó meu Deus, e assim me vou mergulhando nesta abismo medonho de cegueira, abismo, cegueira, que não mais terá fim. Sinto-me nela como peixe na água; quanto mais me mergulho em cegueira, mais obrigada me sinto a, profundamente, me mergulhar. E sempre sobre esta cegueira um mar tempestuoso, com fúrias desastrosas. E o coração a sangrar, sempre a sangrar; com que crueldade eu o sinto ser apunhalado! Que finos e dolorosos são os fios que o cortam! Ó minha cruz, eu te amo! Ó Mãezinha, eu sou Vossa; dai-me força e amai por mim a Jesus, amai-O em nome de todas as almas.

Ontem, não sei dizer como foi dolorosa a minha viagem para o Horto. A noite era escuríssima, e eu fui tão ligada aos sofrimentos; não digo a este nem àqueles; foi a todos; era um mundo deles, sentir mesmo que arrastava o mundo, que ele me esmagava. Era tal a minha união à dor, eram tão inquebráveis as prisões que a ele me prendiam, que nem um só momento dela me podia libertar, nem um só membro, nem um mínimo bocadinho de carne podia ser da dor, dos espinhos libertada. Que dureza tinha para mim a humanidade! Senti e vi Jesus a tremer, a chorar e a suar sangue, e até pelos ouvidos o derramava. Senti-O a estender os braços, e a oferecer ao Pai o cálice, amargurado. E dali fui com Ele, de mãos atadas, para a prisão; e, de novo, levei comigo o mesmo mundo e arrastava-me, a esmagar-me.

Esta manhã, não podia respirar; não podia viver estava tomada de pavor; sentia os olhos colados pelo sangue, que brotava do grande capacete de penetrantes espinhos, que me cingiam à cabeça. Assim segui às escuras e estreitas ruas do Calvário, e sempre a cair sobre mim uma chuva de maus-tratos e de ferros cortantes, que me dilaceravam as arnês. Vi tantos pedacinhos com grandes rastos de sangue perdidos por entre as lajes. Oh! como foi dolorosa a viagem! Quanto me custou chegar ao Calvário! E quanto me custou ver feras, medonhas feras, em tão grande número, a beberem o sangue, que de Jesus corria; eram com certeza feras só na aparência, porque Jesus murmurou e deixou gravado na minha alma: melhor era para Mim, não sofria tanto, se o Seu divino sangue fosse, na realidade, bebido pelas feras; são piores do que elas. Senti que em muitos corações aumentava o ódio, o aborrecimento contra Jesus, um desejo de O ver desaparecer dos seus olhares venenosos, fosse como fosse, custasse o que custasse. Jesus, que via e penetrava no íntimo de todos mais sofria, e mais aumentava a Sua agonia; e num brado fortíssimo chamou pelo Pai. Ao ver-se por Ele abandonado, aumentou a amargura e o Seu desfalecimento. Como homem, já não podia viver, era mortal, eu sentia-O em mim, a dar os Seus últimos arrancos. Mas como era suave e doce a agonia do Seu espírito, os últimos momentos de Jesus na terra. Expirei com Ele. Ah! Se com a mesma doçura, a mesma semelhança, eu expirasse na morte verdadeira, na morte que será a vida, que se dará a vida Eterna! Veio Jesus, deu luz a toda a minha alma e disse:

― Minha filha, Minha filha, Minha Alexandrina, Alexandrina das dores, deixa-Me que te dê mais este título de Minha esposa, Alexandrina das dores. Tem coragem! A alma pura posso compará-la à água pura, à água cristalina, em vidro de cristal fino, posta aos raios de sol a ser observada. Quantas coisas aparecem; o que descobrem esses raios de sol! A alma és tu; o sol, observador sou Eu que tudo em ti descubro, e a Meus divinos olhos, tudo aparece. Esse tudo que Eu vejo e faço que tu vejas é o meio de que Me sirvo para purificar a tua alma para poderes passar deste Calvário, deste leito de dores ao Céu. Faço que vejas em ti todas as manchas, para delas te purificares, para te ver tão pura, tão pura, Minha pomba querida, para que esta pureza em ti transpareça e a possas comunicar às almas. São tuas as manchas que ao sol da Minha pureza e grandeza aparecem mas não são tuas, filha querida, atende bem ao que te digo, as maldades, os crimes, esse mundo de horrores, que em ti sentes e descobres. Ó maravilhas, ó maravilhas, tão pouco conhecidas e compreendidas! A alma vítima vê-se coberta e responsável de todos os crimes, e, ao mesmo tempo, possuidora do Seu Deus com todas as Suas grandezas. Quanto ela sofre ter que aguentar e enfrentar o imundo com o que há de mais puro e santo! Confia, filha querida; és vítima, mas não são teus esses crimes. Entreguei-te o mundo, para o salvares, mas não é tua a maldade dele. Acode-lhe, acode-lhe.

― Ó meu Deus, eu não posso acudir-lhe; não sei o que hei-de fazer, não tenho que Vos dar para o salvar. Salvai-o Vós, Jesus, acudi-lhe, são Vossos filhos e Vós sois todo-poderoso e todo amor. Eu sinto que o meu sofrimento nenhum valor tem.

― Minha filha, minha filha, és poderosa, tens comigo todo o poder. Tudo o que faço, tudo o que peço, o Meu apelo urgente é para lhe acudir. Se te for dado ver como Eu sou ofendido, é necessário um milagre para conservar-te a vida. A maldade atingiu o seu auge, não pode aumentar mais, mas pode e aumenta o número dos que Me ofendem. A impureza é veneno, que se alastra. Dá-Me dor, esposa das dores. Repara como sou ferido.

Neste momento vi cair sobre Jesus um nunca acabar de maus-tratos. Jesus era espancado, esbofeteado, escarrado, açoitado, arrastado; era o mundo sobre Ele. Levantei as mãos e gritei:

― Jesus, sou a Vossa vítima.

E, como se fosse possível abrir o peito e dar-lhe entrada em meu coração, disse-Lhe:

― Fugi, Jesus, entrai no meu coração; caia sobre mim essa chuva de sofrimentos, mas livrai-Vos Vós de serdes ferido.

Eu senti com que um impulso de amor me obrigasse eu mesma a rasgar o peito, para dar entrada a Jesus. Ele entrou e escondeu-se, mas, antes de entrar, levantou-me, porque estava caída; desfaleci com a visão dos Seus sofrimentos. Ele deu-me vida ao coração, que de dor me parecia morrer.

― Minha filha, dá-me então tudo, tudo o que te pedir, todo o sofrimento, alegre, para consolares o Meu Divino Coração, para Me desagravares, para Eu não ser ferido; dá-Me tudo, para Eu poder tudo apresentar ao Meu Eterno Pai, para abrandar a Sua justiça. Acode, acode, às almas.

― Meu Jesus, ó meu amor, aceitai o meu sofrimento e o do mundo inteiro, como se eu dele pudesse dispor; uni-os aos sofrimentos e méritos da Vossa santa paixão, uni mais ainda todo o amor do Céu ao Vosso amor e ao da querida Mãezinha; formai de tudo uma escora que sustente toda a justiça divina, para a não deixar cair. Quero acudir às almas, a todas as almas e também ao martírio dos corpos, se puder ser, Meu Jesus. Misericórdia, misericórdia, meu Amor.

― Pede sempre, sofre sempre; a salvação das almas é tudo; és comigo poderosa. Recebe agora a gota do Meu Sangue Divino, que brota do Coração, a arder de amor. Sem ele não podes viver, sem esta vida divina não podes resistir à dor.

A gota do preciosíssimo Sangue de Jesus caiu por entre labaredas de fogo no meu coração, que logo se dilatou; mas Jesus não o deixou dilatar-se por muito tempo; veio logo como médico, cicatrizou a abertura, e disse:

― Vai, esposa, amada; vai sofrer, vai para a cruz, vai para a dor. Sofre mergulhada nestas chamas, sofre abrasada neste amor; vai espalhá-lo, vai atá-lo na humanidade. Vai confiada; não te enganas, Jesus não te deixa enganar. És de Jesus, vais para Jesus; és das almas, vítima das almas. Coragem, coragem!

― Obrigada, meu Jesus. Sofro tudo sem condição, a não ser a do Vosso amor, a da Vossa graça e força; não posso sozinha, tenho medo, meu Jesus.

Que horror eu tenho a ter que ditar tudo o que me diz Jesus! Se não me vem uma graça do Céu, desisto, não o posso fazer. Se me davam uma ordem para não escrever mais nada, que alívio tão grande para a minha alma atribulada; que consolação a minha; até me parece que deixava de sofrer. Mas isso não quero; sou a vítima de Jesus.

16 de Maio de 1947 - Sexta-feira

Quero subir na escada do amor, e não consigo; sinto que desci ao último degrau. Jesus nada pode esperar de mim; não sei amá-Lo, não tenho forças para O amar. Quero abraçar a minha cruz, a cruz que Ele me dá, e não posso; este meu abraço é cair com ela, desfalecida, sem jamais poder levantar-me. Quero fazer tudo o que é bom e santo, e nada faço; pobre de mim! Quero ser só de Jesus, da Mãezinha e das almas, e não sou de ninguém nem para ninguém. Não sou eu, não vivo, não existo; existe, vive em mim o mundo cheio de maldade, cheio de crimes, todo revoltoso contra o Senhor; é uma vergonha de morte. Sinto-o a crucificar Jesus. Em mim vive outra vida a enfrentar este mundo. Com que dó, com que com compaixão o enfrenta, o contempla! É por forçado a castigá-lo e não quer. Esforça-se, faz tudo para não bater, não punir. Eu que não existo, sou, ou estou no meio destas duas vidas; a vida do mundo quero moderá-la, transformá-la para ser outra. E na vida de Deus, nada mais faço; imploro misericórdia, abro os braços, levanto as mãos, curvo-me diante desse poder supremo para receber todos os golpes, para ser esmagada por toda a Sua divina justiça. Meu Deus, não vivo e sou mundo, não vivo e possuo a vida de Deus, não existo e vivo para o mundo e vivo para Jesus, não sou nada e tenho que aguentar sobre mim toda a maldade humana e todo o poder, todo o amor e toda a justiça de Deus. Se eu soubesse dizer este teatro doloroso que ora sinto, ora vejo em minha alma! O amor do Céu não pode enfrentar a maldade da terra.

Apoderou-se de mim tão grande medo do demónio, que é por vezes um grande pavor. Não tenho tido combates com ele, mas sinto-o em trono, no meu coração; é rei absoluto de todo o meu ser; sou toda demónio, sou toda inferno. Repetidas vezes, sinto cheiro ao queimado; parece-me estar a cama, a roupa e eu toda a arder. Que gemidos tão dolorosos e tão horrorosos tormentos deste inferno! Não posso consentir ser eu inferno e ser demónio. E tudo isto às cegas, em trevas tão profundas; e eu sempre a correr a mergulhar-me nelas, a atirar-me, louca, para elas, como se fosse um poço sem fundo. São dolorosas estas trevas; e tremenda esta cegueira; mas não sei pelo quê, eu quero-as, tenho sede delas; quero-lhes tanto, como se elas fossem feitas só de consolação e amor. Tenho sede e não me sacia de beber nelas e sempre nelas me mergulhar. Como pode ser, meu bom Jesus, querê-las e temê-las; sofrer nelas e amá-las. Bendito sejais por tudo, meu Senhor; sou a Vossa vítima.

O dia da Ascensão de Jesus ao Céu foi para mim cheio de noite escura; foi uma morte total de todas as coisas. Até no Céu era noite e reinava a morte. Não pude ansiar pela minha Pátria, nem recordar o que se passava lá. Caminhei para o Horto sempre arrastada pela maldade. O meu coração tornou-se uma bola, um entretenimento dos homens; em tão curta viagem, recebeu todos os maus-tratos. Os caminhos eram ladrilhados de agudos e variados espinhos para o ferirem. Vi ao lado, em visão bem clara, o Calvário, e, no cimo, a cruz. A cruz era a minha, não digo bem, era a de Jesus. Quando assim falo, é dele e só dele, porque é Ele a sofrer em mim, eu só O acompanho. Senti que Ele se queria refugiar, e para uma gruta me refugiei com Ele. O que ali sofreu Jesus! O sangue que Ele soou! O sangue que caiu do Seu Divino Coração duramente espremido, enquanto o cálice da amargura, transbordou fora. Ofereceu-o ao Pai; Este mandou o Anjo, a confortá-Lo. Ela desceu e colocou-se, ao lado de Jesus, como para O levantar. O Calvário com a cruz não desapareceu. O mundo com a sua maldade continuou a agravar os Seus sofrimentos. Depois, o beijo de Jesus e nada mais. Hoje, de manhãzinha, entrei nas ruas do Calvário. Quase no princípio, caiu Jesus, pela primeira vez; caiu sobre a cruz, feriu gravemente o Seu santíssimo rosto e peito. Desfalecida, oprimida por tão grande peso, segui com Ele o caminho do calvário. Caiu, segunda vez, e eu caí também. Senti e ouvi os estalos das pancadas que despedaçavam o Seu santíssimo corpo. Cheguei ao cimo, vi a esponja, que de nada valia para a sede, em que ardia Jesus. No alto da cruz, de todas as feridas dos espinhos saíam raios doirados; formavam um só brilhante. Estes raios, este sol resplendoroso enchiam a terra, mas este levantou sobre eles negras muralhas, para deles se esconder; rejeitou-os. Daqui nasceu o brado e a agonia contínua de Jesus. Sofri com Ele até ao último momento, até que agonizei e deixei o coração mais duro que a dura pedra. Veio, pouco depois Jesus; transformou-o de dureza para luz e bondade.

― Minha filha, escola das maravilhas, de todas as maravilhas de Jesus, rainha do mundo o qual eu quero e é urgente que a esta escola venha todo aprender. És escola de maravilhas, porque em ti há do mais alto e sublime; em ti há tudo o que é do Céu, tudo o que é de Deus. És rainha do mundo, porque to entreguei e confiei para o salvares. Quero que em ti aprenda; e quanto tem que aprender! Em ti aprende a amar, a sofrer, a cumprir em tudo a lei do Senhor; em ti pode admirar as maravilhas, que o mesmo Senhor em ti depositou. Não foi para ti, Minha esposa querida, que assim te fez rica e poderosa; foi para as almas, foi para as almas, foi para as salvar.

― Ó meu Jesus, ó meu Jesus, como eu sou pequenina, como me sinto humilhada, queria desaparecer de diante de Vós. A minha humilhação não é por ouvir-Vos falar assim, porque falais das Vossas coisas, mas sim por me teres escolhido para depositária das Vossas graças, preferindo-me a tantas criaturas. Que vergonha, meu Jesus!

― Criei-te para esta vida, para a salvação das almas, para a missão mais sublime. Eu encontrei em ti, na mais tenra idade, o que não encontro nas outras criaturas. Digo-te, não para elogio, porque sem Mim nada podes, mas sim para tua força e conforto. Tem coragem! Tu serás para o mundo uma nova arca de Noé. Tu serás para toda a humanidade o sol, que a ilumina. Coragem, Minha redentora, Minha crucificada. O teu amor, o teu sofrimento é a arca de salvação. Confia, confia; são tuas as almas. Vou dar-te com a gota do Meu Divino sangue uma efusão do meu amor, sabes para quê? Para o dares, para o distribuíres; e para que em teus olhares e vida transpareça tudo o que é celestial. Desce o Céu a assistir.

Um bando de Anjos mais bastos que a chuva miudinha desceram, a baterem as asas, cheios de luz. Mais atrás, um bando sem número de pombas brancas. Por último desceu a Mãezinha, coroada de rainha, num grande trono; colocou-se à minha frente; senti como se o meu peito fosse aberto, e a Mãezinha colocou no meu coração as Suas Santíssimas mãos. Do coração divino de Jesus saiu para o meu, fogo, muito fogo; e por último a gotinha de sangue. Com este calor ardente e o sangue de Jesus, o coração dilatou-se, fiquei sem poder respirar. A Mãezinha fazia do coração uma bola que ela acariciava; com estas carícias e beijos, que ela me dava, aguentei o amor de Jesus.

― Minha filha, coragem, coragem ― disse-me Ela.

O peito cerrou e a Mãezinha com os Anjos e o bando das pombas brancas principiou a subir. Ao vê-La partir, disse-lhe:

― Muito obrigada, Mãezinha; levai-me convosco para o Céu.

― Espera, Minha filha, mais um pouco; tem coragem! Depressa virás para a tua Pátria.

― Não demora, não demora o teu Céu, Minha filha ― continuou Jesus, que ficou comigo. Viste o bando das pombas brancas? Foram de almas que estão no Céu já salvas por ti. Diz-Me muitos actos de amor; tens por cada um uma alma. É a troca; vê que vale a pena. Mas olha; quem muito dá muito quer receber. Eu tudo te dou; enriqueço-te, mas quero dor, sempre dor, dor sem igual; é com o amor a moeda das almas. Confia em Mim, estrela do mundo, flor mimosa do Paraíso. Vai para o teu posto, vai para a tua cruz; saboreia tudo o que é dor, que é um sorriso contínuo para o teu Jesus.

Fiquei com tantas saudades da Mãezinha e tantas saudades do Céu e tão grande horror e aborrecimento do mundo!

― Quem poderá aqui viver, meu Jesus, só com a Vossa graça, a Vossa vítima. Tende sempre diante de Vós o meu pobre coração agradecido.

23 de Maio de 1947 - Sexta-feira

O que fizeram os santos, porque não o faço eu também? Tem sido esta a interrogação, que neste mês da Mãezinha tenho feito a mim mesma. O que os santos fizeram! Mas eu não sei o que foi. Eles certamente amaram muito a Jesus e tudo sofreram por Ele. Mas eu não sei amá-Lo, desconheço o amor; e nada sofro porque não sou quem sofre, mas sim Jesus em mim. O que hei-de dar então? Ai, pobre de mim! Nada tenho a não ser o mundo horroroso, o mundo vergonhoso das minhas maldades e misérias. Ó meu Deus, meu Deus, como eu me vejo e sinto num mundo de podridão; tenho nojo de mim mesma. Desfaz-se a minha carne na maior imundice. Mas tenho sede, sede abrasadora, sede insaciável de amor a Jesus. Sinto-me como se estivesse mergulhada no mar sempre a beber, sem dele sair, sem nunca me saciar. Estou como o peixinho; quanto mais nada, mais quer nadar; quanto mais me mergulho, mais necessidade tenho de me mergulhar. Morro à sede, sem sair da água, sem deixar de beber. Queria dar-me a Jesus, queria dar-Lhe a as almas, todas, todas as almas. Quando falo de Jesus, do Seu divino amor e das Suas almas, não sei que sinto, sinto-me a desaparecer. Que loucura o amor de Jesus! Que valor têm as nossas almas! Não posso pensar que alguma se perca, que para alguma fosse inútil o Sangue de Jesus derramado. Não tenho coração nem espírito que aguente com estes pensamentos. O amor de Jesus, o amor de Jesus por nós! Sinto um não sei quê, dentro de mim, que me obriga a querer ir a Roma. Não é para ver sua Santidade; não é para ver os lugares santos nem para contemplar tantas maravilhas, se bem que tudo isso seria para mim motivo de grande alegria. A minha necessidade não é essa. Eu queria de sua Santidade um não sei quê, que mais ninguém me pode dar. Eu queria lançar-me a seus pés, beijá-los, regá-los com as minhas lágrimas. Estou convencida que isto o fazia compadecer de mim; estou certa que assim a minha alma recebia o que ela anseia e eu desconheço. Ó meu Jesus, Vós sabeis bem que isto eu não posso fazer; supri Vós, por misericórdia, doutra forma, a minha falta.

Continuo a ter grande medo, grande horror ao demónio. E continuo ainda a senti-lo no meu coração, sentado em trono como rei; tem mesmo na cabeça coroa como de rei e na mão direita um pau ou ferro preto, de meio para cima, com duas grandes galhas. Ele está em grande sossego; sabe que Ele é o Senhor; não teme que o deite fora; está orgulhoso como senhor de si mesmo. Meu Deus, que grande horror! O demónio dentro de mim! E agora, nestes últimos dias, sinto em mim Jesus, mas fora do coração, e a alma vê-O com o peito aberto, de cada lado da abertura, as suas divinas mãos para melhor mostrar a chaga do Seu Divino Coração profundamente aberta e a sangrar. Jesus aponta o Seu Coração divino; com os Seus olhares ternos e meigos, cheios de amor, convida o meu coração a entrar. Ele quer-me inteiramente, esquece o meu passado. Que convite tão enternecedor! Faz-me doer tanto o coração! Jesus, de pé, sempre a chamar-me com doçura a entrar nele. Eu faço-me surda, desvio dele os meus olhos, não faço o mais pequenino esforço por deitar fora o demónio. E Ele nem sequer estremece, no seu grande orgulho, está sossegado. Que quadro doloroso! O demónio dentro e Jesus fora! O amor a enfrentar a maldade. E eu preferir o demónio a Jesus! Que horror, que horror de morte!

Na tarde de ontem, senti que no meu pescoço me foram lançadas grossas cordas, e todas as mãos humanas por elas me arrastaram até me conduzirem ao Horto. Esta mesma força de maldades obrigaram o Céu com toda a justiça divina a descer lá sobre mim a esmagar-me. O peso foi tanto, que me rompeu todas as veias; o sangue regou a terra, a larga distância. Ali vi Jesus com antecipado sofrimento, com o Seu divino coração aberto, a dar de beber às almas. Umas arrumavam-se d’Ele, com aborrecimento; desprezavam tudo, nem no sangue de Jesus queriam tocar; outros bebiam-no friamente, com indiferença, como se nada fosse; vinham outros, que o bebiam com mais amor; iam outros que bebiam com loucura e não queriam deixar de beber; veio outra que passou sobre todas, e, numa sede insaciável, bebeu, bebeu, entrou pela chaga do Coração divino de Jesus, perdeu-se Nele e não apareceu mais. Depois subi ao Horto, ou subiu-o Jesus em mim, atropelada debaixo de uma chuva de empurrões e pontapés. Eu sentia no meu corpo os vestidos colados com o sangue já seco. Na grande sala de Anás, vi a multidão que seguia Jesus, eram homens, só homens com armas e paus. Quando o malvado deu a bofetada em Jesus, foram tantas as gargalhadas e o bater de palmas, como se fosse praticada a mais bela das acções. Como Jesus se fazia pequenino e estava humilhado! O príncipe na sua vaidade, elevou-se às alturas; via-se como que adorado por quantos o rodeavam. Como Jesus foi desfalecido para a prisão! Que tristeza a Sua! E ali sozinho! Que pena eu tive de Jesus! Lembrei-me então d’Ele, preso nos sacrários, pois agora na terra outra prisão não tem. Fiz um sacrifício, fiz alguns actos de amor; pedi à Mãezinha para ir comigo a todos os sacrários e os entregar a Jesus por mim, e lá me deixar para sempre prisioneira com Ele.

Hoje de manhãzinha, sem nisso pensar, senti a alma ir ao cárcere, ao encontro de Jesus; encontrei-O triste, na mesma tristeza que eu senti e sem ter as belezas de Jesus; estava desfiguradíssimo, era já quase um cadáver. Desci com Ele, com Ele fui coroada de espinhos, com Ele fui açoitada, com Ele ouvi as algazarras dos que se regozijavam de O ver sofrer. Com Ele segui o Calvário. Ao cimo dele vi despirem Jesus; não O vi crucificar. Mas pouco depois, o meu corpo era a cruz, onde Ele estava pregado. Os espinhos da Sua sagrada cabeça feriam-me a mim também. Sentia o Seu divino Coração cercado de miudinhos, mas agudos espinhos, que me cingiam e feriam também o meu. Quando Jesus movia os Seus lábios, para bradar ao Pai eu sentia-os e via-os mover. Quando a esponja lhe foi por eles passada, no coração senti como Ele saboreava não por si, mas em sinal de agradecimento, como se lho tivesse feito por amor. Bem intimamente na alma se gravaram também os olhos de Jesus, quando Ele os levantava ao Pai, e via que eram uns olhares mais ternos. Perto de Jesus agonizar, fez-se noite no Calvário, e reinou um profundo silêncio; só se ouviam os Seus suspiros divinos. Quase tudo se retirou, apavorado, e já a tomarem qualquer acontecimento. Era o temor e não o amor a causa desse pavor. Ficou a Mãezinha com a Sua dor e agonia a acompanhar Jesus. Como Ela sofria e Ele com Ela! Indizível é a dor. Sofri tudo e nesta dor expirei. Veio Jesus, chamou-me:

― Minha filha, coração grande, coração ardente, coração de fogo, sacrário da minha habitação; és o meu Céu na terra, paraíso das Minhas delícias. Sim, aqui delicio-me; posso dizer que ainda há corações na terra, mas bem poucos, que Me amam e onde Eu tenho a Minhas delícias. O teu é um desses, permite-Me que te diga; confia em Mim, que sou O teu Jesus: o teu coração é o que Me ama sobre todos, e sobre todos no que mais Me delicio. O teu amor delicioso, Eu o coloco na taça da tua dor; é uma oferta contínua, dia e noite, sem parar um momento, que Eu ofereço a Meu eterno Pai. Esta taça de dor e de amor delicioso é escora que sustenta o braço da Sua justiça pendente a cair sobre a terra. Dá-Me dor, dá-Me amor, dá-Me tudo, Minha filha. O Meu eterno Pai ao aceitar e contemplar a oferta, que Lhe dou, vai esquecendo como sou ofendido. Oferece-Me, filha querida, todo o teu martírio, une-o ao Meu sangue Divino e às dores da Minha Bendita Mãe, e nesta união, na renovação contínuo da Minha paixão, tu receberás do Céu toda a força, todas as graças, todo o poder, para acudires às almas. Salva-mas, salva-mas, que são Minhas. E vê o trato que Me dão.

Quando Jesus levantava para o Seu Eterno Pai uma taça formosíssima, era belo, cheio de luz. Quando me disse para eu ver o mau trato, que Lhe davam as almas, caiu por terra, feito um mendigo, sem formosura, sem luz e sem nada. Caiu de repente com os maus-tratos, que Lhe davam, como uma árvore, que num rápido momento é cortada. Quando vi Jesus caído, lancei-me a Ele, deitei-Lhe as minhas indignas mãos e bradei-Lhe:

― Levantai-Vos, levantai-Vos, meu Jesus: quero cair eu, debaixo desta chuva de maldades, mas não quero ver-Vos sofrer. Dizei-me, Jesus, o que posso dar-Vos, o que posso fazer.

― Dor, dor Minha filha; dor e amor. Pede, pede aos que cuidam da Minha divina causa; diz-lhes que Jesus pede: quero oração, quero penitência, quero vida pura, quero vida nova. Que não cessem de pedir isto aqueles, a quem confiei aquilo que mais caro tenho na terra.

― Meu Jesus, tudo Vos dou sem ter que Vos dar; não sei amar-Vos, não sei sofrer, dou-Vos tudo o que é Vosso; sou a Vossa vítima.

― Amas-me, filha querida; sabes sofrer e comigo tudo vences. Vou pedir-te alguns combates do demónio; dá-mos, confia que não Me ofendes. Eu queria que a tua vida, esposa querida, fosse espalhada, depressa chegasse aos confins do mundo como chuva de Formosas rosas caídas do Céu. Que chuva de maravilhas, bálsamo de salvação para as almas. Recebe a gota do Meu sangue Divino; corre o sangue de Jesus nas tuas veias, é a tua vida, é a vida que espalha, é a vida que infundes nos corações e nas almas. Deixa-Me unir o centro dos dois; não deixo que o teu se dilate.

Jesus uniu os nossos corações, a gotinha do Seu divino sangue caiu no meu e Ele logo os separou; acariciou-me e disse-me:

― É a vida é a força do tua dor. Vai, esposa, vai, amada, vai para a cruz que te espera; leva a graça, leva o sorriso, leva o conforto, beija-a abraça-a, não Me deixes mais. Eu opero milagres sobre a tua vida; sem este milagre não resistirias a tanto sofrer. Quando deixar de o operar, a tua alma voará ao Céu como pomba branca, saída da prisão. Está bem perto, tem coragem! Vai dar-te às almas, vai salvá-las. Vê quanto Eu faço por elas; mesmo assim ofendido, abro-lhes o peito, ofereço-lhes o coração; e elas como demónio em seus corações não Me dão aceitação, recusam a entrada, preferem-na a ele. Não és tu que possuis em ti o demónio; é o mundo, é o mundo; tu és vítima. Coragem, coragem! Leva amor, leva a tua cruz. O mundo é teu; confiei-to; acode-lhe, salva-o com a tua dor, com o teu amor, com o teu calvário.

― Obrigada, meu Jesus

30 de Maio de 1947 - Sexta-feira

Não sei o que é a minha vida; estou na terra e parece-me que não estou; vivo, e, por vezes, passo as horas, como se não vivesse; sofro, e sinto passar-se o tempo, como se não sofresse. Não vivo, nunca vivi; não sofro, nunca sofri; não amo, nunca amei. É o que eu sinto. Meu Deus, meu Deus, como é que eu existo, e a parecer-me não existir? A minha vida é lodo, é lama presa, são maldades vergonhosas. Que trapo desfeito em lepra nojenta. É o que eu sou, é o que eu vejo em mim, é a vida que vive e reina em todo o meu ser. Mas tenho sede, sede de pureza, sede de graça, sede de amor, sede das almas. Tenho tantas ânsias de possuir a Jesus, de enlouquecer por Ele, que, fitando o Seu divino Coração, digo-Lhe: deixai-me, Jesus, entrar nessa chaga divina, nesse Coração de amor; quero esconder-me, desaparecer, derreter nesse fogo, como gelo que derrete com o sol e desaparece escondido na terra. Dai-me amor, Jesus; escondei-me, não quero aparecer no mundo. Toda a terra Vos dá louvor, Jesus; e eu nada Vos dou. Quando chegará o dia que eu Vos possa louvar e amar eternamente e em Vós saciar todos estes desejos e ânsias que me consomem? Sinto-me morrer, meu Jesus, por não Vos amar, por nada ter que Vos dar e por não Vos salvar as almas. Vede até onde chega o meu desfalecimento.

A noite de sábado para domingo do Divino Espírito Santo foi noite de tormento, de penoso martírio para mim. Ainda cedo, cerca das dez horas, vi à minha frente uns grandes arcos guarnecidos de medonhas serpentes; eram elas que formavam esses arcos, pois outra coisa eu não via; eram elas que os guarneciam, pendentes para um lado e para o outro, uma e outra cabeça, uma e outra cauda. As cabeças tinham os olhos vivíssimos, medonhos, cheios de malícia. Até aqui não me assustei. Passado algum tempo, sentia essas serpentes, junto de mim; parecia-me ter a cama cheia. Ouvia o seu rastejar, como se fossem pelo chão, as suas grandes escamas pegavam-me na roupa, como grandes farpas. Queria desviar-me delas, e não podia. Tinha medo, mais que medo, grande pavor. Queria luz, queria chamar a minha irmã, mas não o conseguia. Não sei se sim se não, mas não me recordo de chamar por Jesus nem pela querida Mãezinha. Juntaram-se a estas uns bichos pequenos que eu desconhecia, mas eram assustadores. Não tinha lugar na minha cama que não estivesse ocupado pelas serpentes. Senti no meu corpo uma dor tão aguda, pareceu-me que fui por uma mordida; senti que esta mordedura me envenenou toda; o veneno espalhou-se em todo o meu ser, repentinamente. Disse para mim: vou morrer já, morro envenenada; esperava a morte. De um momento para o outro, senti uma força, uma coragem, tentei esmagar uma que passava ao meu lado; calquei-a; na minha mão direita, tinha como que um ferro agudo, como se fosse uma lança. Esforcei-me por trespassar com esse ferro a cabeça da serpente. Trespassei-a, calquei-a, mas ela ficou com vida; pode retirar-se de mim. Quando esta desapareceu, já todas as outras tinham desaparecido. Eu não morri, mas todo aquele veneno ficou em comigo; e tal veneno é que tudo pode envenenar.

Passaram-se uns dias e noites sem que o demónio viesse com os seus ataques atormentar-me, embora, por vezes, tentasse assaltar-me. Mas sempre veio com três assaltos seguidos. Não sei como ele se fez senhor de todos os meus sentidos; olhos, ouvidos, tacto, sentidos. O meu coração era dele; era dele todo o meu ser. Principiaram os convites para o mal, as maldades, por fim a luta. Pude dizer a Jesus e à Mãezinha que me valessem, que não queria pecar, que era a Sua vítima. Não pude benzer-me, nem pegar, para as mãos no meu crucifixo. Parecia-me que ele conseguia de mim quanto queria e, de um combate para o outro, eu ficava presa a ele, presa pela malícia, presa pela maldade. Compreendi alguma da sua malícia. Por mais esforço que fizesse para não ouvir o que ele me dizia, tinha que ouvir. As bagadas de suor corriam; o coração batia aflitivamente. Não podia libertar-se dele. A voz de Jesus e a um sinal de retirada, ele fugiu. Jesus dizia: aparta-te, maldito, para o lugar que tu escolheste; já basta; deixa-a, que é a minha vítima. Fiquei libertada e pude tomar a minha posição. Mas ele, ainda ao longe, tentava seduzir-me e prender-me novamente a ele. Fiquei na dor e no receio de ter pecado. Só depois de Jesus ter vindo ao meu coração, sosseguei mais. Ele deu-me a Sua doce paz.

Ontem, perto do cair da tarde, vi dois rostos unidos: o de Jesus e o de Judas, que deu o beijo traidor em Jesus. Vi estes rostos, e eles estavam unidos ao meu. Foi tal a amargura que senti com aquela visão. Um rosto tão belo e tão puro e outro tão cruel e parecido com Satanás, que me levou ao Horto, no qual principiei a ver e a sentir Jesus, ora de uma forma, ora de outra. Quando Ele mais precisava dos Apóstolos, os seus amigos, companheiros de tanto tempo, menos os tinha, maior era a sua despreocupação; dormiam sossegados, a bom dormir. Jesus sofria com este afastamento, mas estava contente por eles dormirem. Prostrado por terra, em agonia, banhado em sangue, levanta-se depois. E eu sentia-O na minha alma, gravado bem profundamente, os Seus cabelos ensopados e as gotas do Seu divino sangue a correrem ainda mais, muito mais. Sentia os Seus divinos olhos abertos, levantados ao Céu. E em meu coração sentia os Seus lábios a repetirem, uma e outra vez: Pai, Pai, Pai, afasta-Me este cálice, se é possível; mas faça-se a Tua vontade; Eu quero morrer para dar a vida. Nestes momentos Jesus tinha a formosura de Jesus. A Sua calma estava jubilosa de tanto sofrer. Que alegria a de Jesus, por dar a vida por nós! Veio Judas de encontro ao Horto, ali beijou o rosto inocente, e, logo, todos os soldados caíram por terra. Jesus, entregue aos seus maus-tratos, mais ainda do que até ali, se viu dos seus amigos abandonado; fugiram, deixaram-No sozinho.

Hoje, pela manhã, caminhei para o Calvário. Por mais que eu queria desviar os sofrimentos de Jesus do meu pensamento, não por não querer pensar neles, mas sim para me livrar de ilusões, prende-se a eles o meu coração; desvia-se o espírito, mas o coração cola-se, a alma tudo sente. Caminhei com O meu Jesus; parecia-me caminhar, a passos de gigante. No meu desfalecimento, o Calvário não chegava, mas vinham-me, de encontro ao peito, todos os sofrimentos dele; feriam-me o coração. Quase sem vida cheguei ao cimo. Pregada na cruz, ondas de sofrimentos, vindas de mares e mares sem fim, levantavam-se sobre a cruz. Jesus, numa sede insaciável, bebia incessantemente, e, como num eterno abraço, as estreitava. Com que doçura Ele o fazia, sabia e via muito bem que Sua morte dava a vida; que a Sua dor era um maná, o bálsamo fecundo, a vida das almas. A esta bondade e amor de Jesus, veio levantar-se o mundo em grande revolta e ódio; parecia cair sobre a cruz uma chuva de instrumentos, que dilaceravam os restos das carnes de Jesus. Era o mundo lodacento, apodrecido, a atirar contra o sol mais brilhante a sua podridão, para encobrir seus raios. Eram estes os sentimentos da minha alma. Que sentimentos tão profundos! Jesus, ao ver que o mundo desperdiçava o Seu sangue divino e a tantos não aproveitava a Sua morte, agonizou, e eu com Ele. Depressa voltou novamente a dizer-me:

― Minha filha, esposa querida, coração do Meu coração, luz dos Meus divinos olhos, vem saciar-te, vem ao amor, vem receber vida; recebe para ires espalhá-lo. Consola-Me, acode às almas; as tíbias arrefecem, gelam cada vez mais, os pecadores fogem-Me. Acode-lhes, pede-lhes que escutem a voz de Jesus, que atendam ao Seu chamamento. Tem dó de Mim, vê a Minha agonia. Dá-Me dor, dá-Me dor, a tua dor é de salvação.

― Ó meu Jesus, sofro tanto pelas almas e elas gelam, e os pecadores fogem-Vos? De que vales então os meus sofrimentos? Eu quero sofrer tudo, mas não Vos quero ver sofrer, quero sofrer tudo, mas quero salvá-las; e nada faço, e nada faço, meu Jesus.

― Ai do mundo sem ti, ai do mundo sem o teu martírio! O teu sofrimento vence o coração de Deus; o teu martírio é de redenção. Eu farei que tenhas todo o poder sobre as almas. Que maravilhas, que grandes transformações Eu por ti opero nelas! Que grandes prodígios, depois da tua morte! Tens todo o poder sobre elas, e poderosa és sobre os demónios. A visão que te dei das serpentes, foi para dar luz; estudem-na bem para bem a compreenderem. Escolhi a festa do Divino Espírito Santo; deixem-se iluminar pela sua luz. Os arcos levantados eram as torres maliciosas de Satanás. Ele envenenou tudo, a malícia subiu ao seu auge. As arcadas eram arcadas sedutoras. Tu não foste pela serpente envenenada; ela não te mordeu; foste apenas vítima. Não te disse Eu já há muito tempo que, à semelhança de Minha Bendita Mãe, serias poderosa sobre os demónios. Era um Anjo, à semelhança de outro anjo, a combater a serpente maligna. Uma virgem, à semelhança doutra virgem, Minha Mãe Santíssima, a calcá-la, a aniquilá-la. Ela gemia sobre o teu poder; mas sua vida continua, o veneno continua a envenenar e continuará sempre até ao fim. É o retrato do paraíso; luta e vencerás; combate e nada temas. Coragem, cofre riquíssimo, mar imenso das maravilhas de Jesus.

― Mas Jesus, tenho tanto medo do demónio e receio tanto enganar-me! Sou a Vossa escrava, confio na Vossa misericórdia.

― Não temas o maldito, Minha filha; ele não vence, nada poderá contra ti; tu não Me ofendes. O segundo ataque que te pedi, foi a reparação da família. Que crimes tão grandes se comentem entre os esposos! Confia em Mim; tu não te enganas. O teu sofrimento, mesmo quando estás em colóquios comigo, sou Eu que o permito; são colóquios dolorosos, é maior a reparação que Me dás, e o proveito é para as almas. Para veres que não te enganas, retira-te agora de Mim, deixa-Me ficar sozinho.

― Não posso, Jesus; estou presa a Vós, deixai-me então que eu vá.

― Compreendes então, filha querida, que não te enganas, que estás na verdade, que estás comigo?

― Sim, Jesus; agora compreendo, não tenho dúvidas. Não sei que luz e fogo é este; sinto o meu coração arder.

― É a luz do Divino Espírito Santo, é o fogo do Meu divino amor. Enche-te, toma conforto; e recebe juntamente a tua vida, a gotas do Meu Divino Sangue.

Jesus fez outra vez do Seu Coração uma canequinha, pela qual deixou cair no meu a gotinha do Seu Sangue divino; colocou-a novamente dentro do Seu Santíssimo peito, cerrou-o, cerrou o meu e disse-me:

― A cruz espera-te; vai para ela, abraça-a, beija-a, é a cruz da redenção. A tua dor, o teu amor salva as almas. A tua dor não ma negues. Vai para o mundo com o teu martírio, leva a minha graça, leva o meu divino amor. Semeia, semeia com canseira, semeia com o teu sorriso.

― Obrigada, obrigada, meu Jesus. Sim, eu vou, mas fico convosco; eu vou, mas vinde comigo, sede a minha força.